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Homenagem Ao Museu Nacional Da Ufrj

2018

E 4 HOMENAGEM AO MUSEU NACIONAL DA UFRJ Alexandre Santos de Moraes1 No dia 2 de setembro de 2018, por volta das 19:30h, o fogo começou a consumir o Museu Nacional da UFRJ. Foram seis horas de incêndio. A notícia correu as redes sociais e ocupou o noticiário dos principais canais de rádio e televisão. Milhares de pessoas, no Brasil e no exterior, acompanhavam o trabalho do Corpo de Bombeiros e torciam para que a destruição do prédio e do acervo não correspondesse às imagens destruidoras que presenciavam. Parecia que o passado, que queimava diante de nós, impunha seu peso e fazia aquelas horas ressoarem como uma eternidade. Difícil imaginar que alguém tenha passado imune ao acontecimento. O Museu Nacional da UFRJ, fundado em 1818, é um dos locais icônicos da cidade do Rio de Janeiro. Trata-se do mais antigo museu do país. Com área útil de 13.616 m2, possui 122 salas que abrigavam exposições de antropologia biológica, arqueologia, etnologia, geologia, paleontologia e zoologia. Parte significativa dos cariocas andou por seus corredores, além de visitantes de outros estados e países. Diversos estudantes, em especial das escolas públicas, conheceram o espaço e se encantaram não apenas com vestígios de diversos passados criteriosamente organizados, mas também com a imponência, beleza e importância histórica de um prédio em que outrora vivera a Família Real e que nas últimas décadas servia ao povo. 1 Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal Fluminense. Membro do Núcleo de Estudos de Representações e de Imagens da Antiguidade (NEREIDA/UFF) e colaborador do Laboratório de História Antiga (LHIA/UFRJ). E-mail: [email protected]. Editorial O incêndio do Museu Nacional da UFRJ evocou em muitos de nós um sentimento de luto. Em meio à comoção, era como testemunhar a morte da História. Após seis meses, os trabalhos de busca nos escombros persistem incansáveis. Parte do interior do prédio tombou, o que ajudou a danificar muitos itens. Alguns, por sua natureza, resistiram às chamas, como o famoso Meteorito Bendegó, uma massa compacta de ferro e níquel de aproximadamente 5 toneladas. Outros, apesar da fragilidade, também estão sendo recuperados, como o crânio de Luzia, que morreu aos 25 anos de idade há aproximadamente 13 mil anos e é, até o momento, o fóssil humano mais antigo da América do Sul. É grande a expectativa de que outros itens possam ser recuperados, tão grande quanto a confiança depositada nos especialistas que trabalham nos escombros. 5 Editorial Meteorito Bendegó. Bahia, 1784. Dimensões: 2,15 x 1,5 x 0,65 m. 5,36 toneladas. Ref.: http://www.museunacional.ufrj.br/dir/ exposicoes/geologia/geo012.html Crânio humano de indivíduo feminino conhecido como “Luzia”. Lapa Vermelha IV, Município de Pedro Leopoldo (MG), 1970. Ref.: http://www.museunacional.ufrj.br/dir/ exposicoes/antrop_bio/antrbio002.html Os estudiosos da Antiguidade também sofreram duramente com o incêndio. O Museu Nacional da UFRJ era uma oportunidade raríssima de entrar em contato presencial com vestígios daquelas sociedades no Brasil. A coleção egípcia abrigava aproximadamente 700 itens, a maioria adquirida pelo Imperador D. Pedro I no leilão de 1816. Outras, como o esquife de Sha-amunem-su, foram doadas ao Imperador D. Pedro II ou adquiridas pelo próprio no século XIX. Diversos itens merecem menção, como a Múmia Kherima (séc. I-III d.C.), o gato mumificado (séc. I a.C.) e a Estela de Raia (1300-1200 a.C.). No caso da Antiguidade Clássica, a célebre Coleção Imperatriz Tereza Cristina, também com aproximadamente 700 itens, contava com objetos de vidro, bronze e terracota. Diversas estatuetas e cerâmicas greco-romanas, em sua maioria provenientes de escavações em Pompeia, Herculano e Veio, asseguravam a guarda do maior acervo de Antiguidade Clássica da América Latina. As referências à cultura clássica também estavam presentes nas paredes do prédio. A conhecida “Sala do Trono”, por exemplo, “se tornou um dos maiores símbolos do Segundo Reinado. Com pinturas do italiano Mario Bragaldi nas paredes e no teto, a decoração sugere a imagem de um templo grego sustentado por pinturas de ouro, imitando as colunas da Antiguidade”2. É importante que se note que tais acervos foram e seguem sendo objeto de inúmeras pesquisas acadêmicas em Arqueologia e História Antiga. 6 Editorial Cratera italiota de figuras-vermelhas (séc. V a.C.) Ref.: http://www.museunacional.ufrj.br/dir/exposicoes/ arqueologia/culturas-mediterraneo/arqcmed006.html Gato mumificado (séc. I d.C.). Ref.: http://www.museunacional.ufrj.br/dir/ exposicoes/arqueologia/egito-antigo/arqegit011. html Algumas perdas são irreparáveis, mas diversas iniciativas merecem destaque para que as chamas não tenham sido capazes de soterrar efetivamente essa história. Os aportes financeiros que estão sendo propostos, bem como as doações para a reconstrução do prédio e do acervo, permitirão que os servidores, funcionários e estudantes consigam mitigar parte dos danos provocados pelos anos de contingenciamento de verbas que redundaram nessa tragédia. Os esforços para a construção de uma memória fotográfica do acervo também precisam ser destacados, a começar pelo próprio Museu Nacional da UFRJ, que disponibilizou uma página para que os visitantes façam um upload das fotografias que tiraram e que pode ser acessado clicando aqui. A Wikimedia Commons também estimulou os usuários a adotarem o mesmo procedimento 2 Disponível em <http://www.museunacional.ufrj.br/casadoimperador/salas/trono.html>. Acesso em 21 de janeiro de 2019. e já conta com centenas de fotografias. Estudantes de Museologia UFRJ também se dispuseram a criar um acervo digital das coleções. As contribuições podem ser enviadas por e-mail3. Nos dias imediatamente posteriores ao incêndio, a quantidade de manifestações de apoio, solidariedade e pesar impressionaram pelo volume. Diversas associações, institutos, partidos políticos, universidades, escolas e museus se posicionaram para defender o patrimônio e lamentar o acontecimento. Muitas dessas notas, publicadas quase que exclusivamente nos sites e redes sociais, já não são possíveis de encontrar pelo ritmo fugaz da própria internet. Nas próximas páginas, tomamos a liberdade de reproduzir algumas que seguem acessíveis. As mensagens foram inclusas através de print screens ou pela inserção dos arquivos PDFs no corpo do texto. Publicar todas as notas ainda visíveis pelos sites de busca seria um projeto inexequível, já que excederia o limite razoável de páginas e tornaria o arquivo da revista de difícil download. Por essa razão, limitamo-nos a reproduzir 60 manifestações de apoio e solidariedade, além de indicar os links de outras 60, totalizando assim 120 moções que mostram, cada qual com sua ambição, estratégia discursiva e objetivo particular, o nível de mobilização e comoção social provocado pelo incêndio do dia 2 de setembro do ano passado. Também aproveitamos o ensejo para ratificar nosso apoio aos servidores, funcionários, estudantes e professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que dedicam seus esforços para o renascimento dessa importante instituição. E, sobretudo, manter viva a memória dessa tragédia para que nunca mais aconteça e para que nós, cientes do compromisso com a educação púbica, gratuita e de qualidade, jamais nos esqueçamos. 3 [email protected]; [email protected]; e [email protected]. 7 Editorial