Academia.eduAcademia.edu

GUERRA DO PARAGUAI

I -SITUAÇÃO POLÍTICO-MILITAR A PARTIR DE 1852 NO BRASIL, ARGENTINA, URUGUAI E PARAGUAI

RELAÇÕES BRASIL-URUGUAI

Após a querra de 1851-52, o Brasil procurou definir seus limites com os vizinhos e regular definitivamente a questão da livre navegação nos rios, objetivos que o levaram à guerra nessa época.

Realizadas em 1852 as eleições para Presidente no Uruguai, foi eleito Giró, partidário de Oribe, portanto um "blanco". Seu governo levantou dúvidas quanto à validade do Tratado de 1851, que regulava os limites entre o Brasil e o Uruguai e, em consequência, houve aguda crise nas relações entre os dois países, afinal dirimidas com a assinatura de um Tratado que reconhecia os limites anteriores (maio de 1852).

A situação interna do Uruguai era anárquica, pois as relações entre "blancos" e "colorados" eram muito tensas; o partido fora do poder extremava sua oposição e, normalmente, fomentava e articulava revoltas armadas contra o governo.

Em abril de 1863, Venancio Flores invade o Uruguai para derrubar os "blancos", então no poder, iniciando assim outra revolução. Vitorioso algumas vezes, batido outras, foi procastinando a revolução até 1864, quando se deu a ascensão de Aguirre ao poder em substituição a Berro. As relações do Uruguai com a Argentina estavam rompidas desde dezembro de 1863, pois o governo uruguaio acusava o de Buenos Aires de apoiar Flores.

As relações Brasil-Uruguai também vinham se agravando, pois desde 1825 que os brasileiros residentes na fronteira reclamavam contra particulares e autoridades uruguaias que não respeitavam suas propriedades. Muitos brasileiros tinham-se alistado nas fileiras de Flores, cansados de suportar os vexames e as violências dos "blancos".

Os debates sobre este assunto no Congresso brasileiro eram acerbos e agravaram-se com a vinda do General Neto, um dos líderes da Revolução Farroupilha, à Corte, a fim de solicitar pessoalmente ao Imperador assistência para cerca de 40.000 brasileiros que viviam naquela região.

O Governo brasileiro resolveu então enviar ao Uruguai o Conselheiro Saraiva para obter reparação desses agravos aos seus súditos no Rio Grande. Saraiva apresentou suas reclamações ao governo de Aguirre e este não as reconheceu legítimas. Intervêm os ministros Thorton (inglês) e Elizalde (argentino) para apaziguarem a contenda, mas nada conseguem. Saraiva retira-se de Montevidéu e apresenta um "ultimatum" ao governo uruguaio e, não sendo este aceito, dá ordem ao Almirante Tamandaré para iniciar as hostilidades.

Em agosto do mesmo ano, o Império assinou com a Argentina um Protocolo em que declarava que a pacificação do Uruguai era indispensável para a solução das questões internacionais no Prata e que qualquer das Repúblicas poderia recorrer aos meios lícitos com a limitação, apenas, de ser preservada a independência e a integridade territorial do Uruguai.

Em dezembro de 1864, as forças brasileiras invadem o Uruguai e em janeiro de 1865 já ocupavam Paisandu, com o apoio da esquadra de Tamandaré e das tropas de Venancio Flores.

Enquanto isso, em junho de 1864, o Paraguai tinha-se oferecido como mediador no caso entre o Brasil e o Uruguai e fora recusado. Em agosto, o Paraguai protestou contra o "ultimatum" brasileiro. Em 10 de novembro, o Paraguai aprisionou o navio brasileiro "Marquês de Olinda".

RELAÇÕES BRASIL-PARAGUAI

Com o Paraguai, o Brasil tinha pendente duas questões: a definição dos limites e a regulação da navegação no Rio Paraguai. Permanecia em litígio o território formado pelos rios Apa e Branco, Serra do Amambaí, além da pendência entre o limite do rio Paraná começar no Igurei ou no Iguatemi.

As questões acima referidas deram início a conflitos. Em 1850, o Império mandou ocupar o Fecho dos Morros ou Pão de Açúcar; o governo paraguaio não se conformou com isso e expulsou os brasileiros da região. O governo brasileiro, que se preparava, para a guerra contra Rosas engoliu a afronta.

As negociações continuaram, ambas as chancelarias irredutíveis em seus pontos de vista. O Paraguai defendia como região contestada a área Apa-Rio Branco; o Brasil sustentava a linha do Iguatemi-Maracaju e Apa. Por fim, em fevereiro de 1858, o Império firmou com o Paraguai uma Convenção em que declarava livre a navegação nos rios Paraná e Paraguai ao comércio de todas as nações. A questão dos limites ficou para ser solucionada em época posterior.

Em setembro de 1862 morreu Carlos López, legando o governo paraguaio ao seu filho Solano López, a quem aconselhou "in extremis" a não procurar resolver questões pendentes com o Brasil por meio da força.

Daí por diante o Brasil foi envolvido na intriga diplomática pelo Uruguai, junto ao Paraguai, apontado como pretendendo absorver o Uruguai através da ajuda que vinha prestando a Flores e de estar preparando a guerra contra o Paraguai de comum acordo com a Argentina.

RELAÇÕES BRASIL-ARGENTINA

As relações do Brasil com a Argentina foram de respeito e cooperação, particularmente, após a guerra de 1851-52.

A intervenção do Brasil no Uruguai, através da Missão Saraíva, encontrou perfeita compreensão da parte de Mitre, que mostrou confiar na lealdade do Império.

RELAÇÕES ARGENTINA URUGUAI

Após a vitória de Caseros, as Províncias Unidas deveriam enfrentar o problema de sua organização política, até então aguardando uma solução. O país continuava dividido em duas facções, como sempre estivera: de um lado estava Buenos Aires isolada, de outro, todas as Províncias Unidas.

Por fim, após reação armada de Buenos Aires, sem resultado, a província de Buenos Aires concordou em integrar a Confederação Argentina, aceitando a Constituição Nacional, já em vigor. Como mediador dessa contenda entre Urquiza, presidente da Confederação, e Mitre, chefe político de Buenos Aires, funcionara Solano López, então Ministro da Guerra do Paraguai.

Embora a província de Buenos Aires houvesse se reunido de novo às demais, qualquer espírito conhecedor da situação dos seus antecedentes estaria habilitado a afirmar com segurança que a harmonia não poderia durar largo tempo. E efetivamente, em fins de 1860, novo conflito rebenta e, desta vez, as forças de Mitre obtêm ampla vitória sobre as de Derqui, presidente da Confederação, eleito por término de mandato de Urquiza.

Mitre e, portanto, Buenos Aires ficam senhores absolutos da situação e, em 12 de outubro de 1862, as urnas eleitorais designavam para Presidente da República o mesmo Mitre. A República argentina, depois de lutas internas, conseguira adquirir a estrutura política de uma verdadeira nacionalidade. Os unitários haviam triunfado, pois que Buenos Aires atraira para junto de si todas as províncias e passará a alojar em seu seio o conjunto do governo central.

As forças vivas da Nação buscarão expandir-se e elaborar os fundamentos de uma vasta agremiação política. Sem dúvida irromperão ainda pequenas perturbações, mas que serão impotentes para reviver o período da caudilhagem desenfreada Mitre e uma plêiade de grandes patriotas cobrir-se-ão de glória encaminhando a Argentina aos seus venturosos destinos.

Desde o início da invasão de Flores, governo uruguaio admitiu que os argentinos estivessem auxiliando-o. Um incidente ocorrido com o aprisionamento de um navio de guerra argentino e a represália de Mitre foi a causa da ruptura de relações entre os dois países em junho de 1863, restabelecidas no mês seguinte.

A proposta uruguaia de incluir Solano López, como mediador nas questões em debate foi recusada por Mitre. Entrementes, a ação diplomática do Uruguai junto ao Paraguai começava a produzir seus efeitos, tendo o ministro paraguaio, Berges, solicitado explicações à Argentina sobre queixas que tinha recebido dos uruguaios. Várias notas foram trocadas entre os dois governos, patenteando-se a intenção do governo uruguaio em dificultar as relações do Paraguai e da Argentina, acusada, juntamente com o Brasil, de ser inimiga do Uruguai.

Eis, porém, que rebenta novo incidente: um partidário de Flores, à frente de uma coluna, tenta desembarcar em território uruguaio. Pressentido por forças orientais governistas, refugia-se em uma ilha argentina, onde foi aprisionado. Resulta daí novo rompimento de relações entre a Argentina e o Uruguai, este acusando o governo de Mitre de estar colaborando indebitamente no fomento da revolta de Flores.

RELAÇÕES URUGUAI-PARAGUAI

Em fevereiro de 1862, o Presidente uruguaio Bernardo Berro designou Juan José Herrera representante do Uruguai em Assunção com instruções para chamar a atenção do Governo paraguaio para o ambiente de intranquilidade que lavrava no Prata, o perigo de uma intromissão de Espanha, os secretos desejos de Buenos Aires de reincorporar o Uruguai. Como medida defensiva contra essa situação Herrera deveria sugerir ao Governo paraguaio o estreitamento de relações diplomáticas com o Uruguai, a negociação de condições para comerciarem através do rio Uruguai sem interferência do porto de Buenos Aires. Herrera, depois de tomar contato com as autoridades paraguaias, informava ao seu Governo que as relações entre o Brasil e o Paraguai não eram tão boas quanto deviam ser e que a questão de limites que os separava estava longe de ser resolvida satisfatoriamente, dando também conta de sua missão.

Em 3 de março de 1863, sendo Herrera ministro do Exterior do Uruguai, enviou Otávio Lapido a Assunção para mostrar ao Governo guarani que Uruguai e Paraguai e da Argentina e a necessidade da união de ambos para conjurá-lo. Propunha, então, uma aliança defensiva, entre o Paraguai e o Uruguai, para manter o equilíbrio do Prata; a neutralização da Ilha de Martin Garcia e a possibilidade de se fazer de Corrientes e Entre Rios uma Nação Independente, sugerindo, veladamente, a anexação dessas regiões ao Paraguai. O Governo do Paraguai esquivou-se, porém, a um pronunciamento direto sobre esta proposta, alegando que não tinha conhecimento completo do assunto para tomar tão graves resoluções.

Em 17 de agosto, enviou novas instruções a Lapido para obter do Paraguai um compromisso recíproco de garantia da Independência de ambos os países, a neutralização de Martin Garcia e a uniformidade de doutrina sobre a nacionalidade dos filhos de estrangeiros, a fim de anular o apoio de Mitre a Flores. Em 31 de agosto foi mais explícito e deu ordem para que Lapido pedisse ao Governo paraguaio para ocupar Martin Garcia.

López se dirigiu então ao Governo argentino, em 6 de setembro, solicitando-lhe amistosamente esclarecimentos sobre o propalado apoio que vinha dando a Flores. Herrera achou essa nota inócua, mas rejubilou-se com ela uma vez que marcava uma mudança positiva na atitude do Governo paraguaio. A Argentina negou que estivesse apoiando o movimento de Flores, mas o Paraguai não se contentou com a explicação. Surgiram desse incidente os fatos que agravaram as relações, entre Buenos Aires e Assunção, até se chegar a um rompimento formal em 6 de fevereiro de 1864, quando o Paraguai declarou oficialmente que precindiria das explicações argentinas e que daí por diante agiria por conta própria, ao que o governo argentino respondeu com igual firmeza.

Em 1º de março de 1864, Herrera, já no Governo de Aguirre, nomeou o Dr. José Vasquez Sagastume representante do Uruguai junto a Assunção. Sagastume deveria obter uma intervenção junto ao Brasil semelhante à que fizera em Buenos Aires, o envio de navios de guerra ao estuário para contrabalançar a atividade naval brasileira e de 2.000 homens apoiados por artilharia para ocupar preventivamente alguns povoados da margem oriental do Rio Uruguai. Sagastume iniciou suas atividades, pedindo a Berges, ministro do Exterior do Paraguai, para interferir junto a Saraiva que se encontrava em Montevidéu em missão do Governo brasileiro. Berges atendeu o pedido e ofereceu a Saraiva a mediação do Governo paraguaio. Este declinou dela, pois, no momento, as negociações não reclamavam a intervenção de um mediador. Isso feriu profundamente a vaidade de López, que se reservou para agir em outra oportunidade. Em 15 de julho, Aguirre enviou a Assunção Antonio de Las Carreras, amigo pessoal de López, como seu representante pessoal e privado. Carreras, em cooperação com Sagastume, remeteu a López, a pedido deste, em 4 de agosto, extenso memorial pedindo auxílio financeiro, diplomático e material para lutar contra Brasil e a Argentina, entre o Paraguai, Uruguai, Entre Rios e Corrientes. Lopez não o atendeu. Com a apresentação do ultimatum de Saraiva, López protestou, em 30 de agosto, declarando que a ocupação de parte do território uruguaio por forças brasileiras seria considerada pelo Paraguai "casus belli". O Império respondeu que o protesto não afetaria suas decisões a respeito do assunto. Estava-se às portas da guerra.

Em 28 de outubro de 1864, Sagastume enviou a Berges um memorando confidencial, comunicando um último sopro à chama de discórdia que se acendera entre o Paraguai e o Brasil. Neste documento historiou as gestões anteriores e o incitou a "levar seu poder e suas armas ao próprio teatro dos acontecimentos para sustentar o grande princípio da independência e o futuro desses povos". Mostrou a debilidade política e militar do Império e a impossibilidade em que se encontrava Mitre para se aliar ao Brasil. Em compensação pintou com cores otimistas a possibilidade de uma aliança com Urquiza "que está chamado por seus antecedentes e interesses a cooperar na empresa". E para rematar, Sagastume achou que o Governo do Paraguai estaria no seu direito se invadisse o Brasil em silêncio, "bastando lançar um manifesto ao mundo para justificar seu procedimento".

López, que nesta época já devia ter elaborado seu Plano de Guerra, recusou enviar ao Prata o destacamento de forças, bem como o subsídio pedido pelo Uruguai. Em nota, enviada ao Governo do Uruguai, em 4 de novembro de 1864, lembrou a necessidade de ser informado oficialmente que forças brasileiras invadiram o território oriental, terminando por declarar cheio de suficiência que "o Governo paraguaio continua no programa de sua política de 30 de agosto" e que "convém ao Governo Oriental julgar se lhe convém manifestar seu assentimento explícito e o seu acordo, como soberano territorial, à solicitação de uma intervenção armada por outros meios que sua sabedoria aconselhe". O Paraguai vai realizar sua política própria.

Diante desses fatos, o Brasil devia estar de sobreaviso e não alimentar a mais leve ilusão sobre os acontecimentos que sobreviriam. Manteve-se entretanto confiante na possibilidade de manter boas relações com o Governo do Paraguai até ser despertado pelo incidente do Marquês de Olinda, pretexto da guerra.

II -ANTECEDENTES E CAUSAS DA GUERRA 1. ESTUDO DOS FATORES PSICOSSOCIAIS, ECONÔMICOS E MILITARES a. Fatores psicossociais

(1) Paraguai

Centro irradiador da colonização espanhola pelas bacias dos rios Paraguai e Paraná nos primórdios da ocupação do continente, tendo sob sua jurisdição territórios que hoje estão sob a soberania do Brasil, da Bolívia e da Argentina, principalmente, o Paraguai se julga um espoliado em seu patrimônio territorial.

Este sentimento é mais agudo em relação ao Brasil, em virtude da ação dos bandeirantes no ataque e na destruição das missões jesuíticas paraguaias do sul de Mato Grosso e do Paraná.

As consequências principais desses antecedentes da formação paraguaia e na psicologia do país são a desconfiança quanto aos propósitos dos seus maiores vizinhos -o Brasil e a Argentina -uma permanente aspiração de recuperar territórios que já lhe pertenceram e uma grande sensibilidade para o que possa afetar sua soberania.

Culturalmente, o traço predominante é, em 1864, o do atraso educacional, explicado, em grande medida, pelas dificuldades de contatos com os centros de civilização, então situados notadamente na Europa Ocidental.

Os hábitos de submissão do povo aos governantes espanhóis e jesuítas, de um lado, a falta de educação política, por outro, a ausência de elites dirigentes, afinal, permitem o aparecimento de um caudilho típico à testa dos destinos do paíso El Supremo, senhor absoluto do país -personificado em Francia (1814-1840), Carlos Antonio López (1862-1870), a quem todos prestam irrestrita obediência, sob pena de serem postos à margem da vida nacional ou perderem a vida.

Amor ao solo pátrio é outra, e não menos importante, das características do povo guarani, excelente fator de coesão nacional, capaz de remediar muitas das suas deficiências.

(2) Argentina Parte mais importante do Vice-Reinado do Rio da Praia ao tempo da colônia, pioneira e líder do movimento de independência nesta parte do continente, gozando das incontestáveis vantagens da posição para os contatos com os meios mais civilizados do exterior grande parte do povo argentino reúne em si um complexo de aspirações ainda não totalmente realizadas.

Uma dessas aspirações, bem caracterizada na política de Rosas, é a reconstituição do antigo Vice-Reinado do Rio da Prata, ou, pelo menos, o gozo de uma situação de hegemonia dentro dos antigos limites dessa antiga circunscrição territorial do império espanhol.

Outra dessas aspirações é a de incorporar ao seu domínio, por Ocasião da solução diplomática de suas questões de limites com os países vizinhos, o máximo possível de territórios que lhe pertenceram quando cabeça do Vice-Reinado.

Entre esses territórios, o do Chaco e o das Missões, aos quais o Paraguai se julga com direito.

Para contrariar essas aspirações de grande parte do povo argentino, persiste o antagonismo interno entre o liberalismo e o caudilhismo, que vem desde os primeiros anos de sua vida independente, e só desaparecerá após a guerra em estudo.

Essas duas tendências antagônicas exigem maior apreciação uma vez que são elas que prevalecem no quadro psicossocial em exame e constituem o fundo da causalidade da guerra do Paraguai.

O caudilhismo tem as suas raízes na atividade de grande parte do povo argentino -a criação de gado nas planícies das Províncias de Buenos Aires, Entre Rios e Corrientes principalmente.

Seu personagem central é o gaúcho -iletrado, individualista, muito apegado aos seus interesses puramente locais, valente e, quando chefe, muito cioso de suas prerrogativas de mando, que exerce com absolutismo.

Utilizados seus serviços militares durante as lutas da independência, o caudilho gaúcho projeta-se no cenário da vida nacional, saindo do âmbito da sua comarca ou província, e ali vai entrar em choque com os liberais.

Estes são os indivíduos cultos das cidades, notadamente de Buenos Aires, voltados para as ideias dos centros mais civilizados e que aspiram dar ao país uma estrutura política ao influxo dessas ideias, seja segundo o modelo francês, seja o inglês.

Rosas é o mais típico dos caudilhos argentinos guindados, ao plano nacional, Mitre personifica bem o liberal de Buenos Aires.

A luta entre essas duas tendências antagônicas ainda não se acha extinta, apesar da derrota de Rosas em Caseros e reponta ora aqui, ora ali, no território argentino.

Uma das consequências do localismo caudilhista é, por exemplo, a ideia de constituir um grande estado fora da dependência de Buenos Aires, em que entrem as províncias de Entre Rios e Corrientes, juntamente ou não com o Paraguai e o Uruguai.

Não obstante, com a vitória de Caseros sobre Rosas e a de Pavón, em que Mitre derrotou a Urquiza (17 set. 1861), a Província de Buenos Aires desfruta uma situação de hegemonia no seio da Confederação.

(3) Uruguai Tendo conseguido sua independência pela convenção Preliminar de Paz de 1828, face ao Brasil e à Argentina, o Uruguai viu-se logo palco das mesmas lutas caudilhescas que ocorriam no Prata tendo como objetivo o poder.

A instabilidade política é, então, a característica principal entre 1828 e o eclodir da guerra do Paraguai.

Em 1864, entretanto, duas tendências estão bem nítidas no panorama psicossocial do Uruguai: uma, tendo como expressão o partido Colorado, acha-se estreitamente vinculada, por intermédio do General Venancio Flores, à corrente liberal argentina de que Bartolomeu Mitre é o expoente máximo; outra, a do partido Blanco, identifica-se com as correntes antiliberais e antibrasileiras do Prata.

Sendo o Uruguai como que um prolongamento fisiográfico do Rio Grande do Sul, apresenta grandes facilidades à interpenetração dos que se entregam às atividades pecuárias; políticos não delimitam nem dois modos de vida difere a rigor, interesses econômicos e políticos.

Calcula-se mesmo que haja, em 1864, cerca de 40.000 brasileiros radicados no Uruguai, dedicando-se principalmente à criação de gado.

Nada menos estranhável, à vista das considerações anteriores, que esses indivíduos tenham suas simpatias por esse ou aquele partido político, esse ou aquele chefe.

E nada mais compreensível que, em grande parte, sejam simpatizantes do partido Colorado.

(4) Brasil

Ao constituir-se como país independente, o Brasil vê-se de posse da maior extensão territorial do continente, conseguida na parte que demora além da célebre linha de Tordesilhas, pela ação dos bandeirantes, entradas e monções, a colonização e feitos militares, reconhecidos nos tratados de 1750 e 1777, que consagraram o princípio da ocupação efetiva, do uti possidetis.

Cerca de um século após o último daqueles diplomas, seria desejável que nenhum ressentimento de lutas passadas ensombrasse as suas relações com os vizinhos, particularmente o Paraguai.

Infelizmente, a grandeza territorial do Brasil, fruto de sacrifícios e esforços sem conta de seus filhos, é tida ali, no círculo dos responsáveis pelo destino do país vizinho, como resultado de espoliações sucessivas de territórios que, de fato e de direito, foram seus no passado.

Por isso, para muitos espíritos platinos, o Brasil, tal como Portugal, imperialista, e as intervenções brasileiras no Prata, notadamente em 1851-52, sem nenhum intuito de anexar territórios, seriam outras tantas manifestações desse imperialismo.

A evolução política, após a Independência, conduziu o país, depois de 1849, a uma situação de estabilidade e paz, que contrasta bastante com a dos países platinos.

Podemos resumir essa evolução dizendo que dera ao Brasil razoável coesão, que lhe facultava atuar no Prata como força de equilíbrio dos antagonismos que ali se manifestavam desde o ano da independência, o chamado "año diez".

À forma de governo monárquica, que se tornara, desde 1822, num dos fatores de sua coesão interna, era, porém, para alguns líderes platinos, uma distinção perigosa para as boas relações entre os povos sul-americanos.

Por outro lado, as características liberais da nossa formação política após a Independência, embora em consonância com a dos meios mais civilizados do Prata, vinham a ser outros motivos de antipatia da parte dos caudilhos ferrenhamente absolutistas, como é bem o caso dos dois López.

5) Conclusão

No campo psicossocial predomina um antagonismo entre o caudilhismo e o liberalismo. Do primeiro é Francisco Solano López o campeão; do segundo, são o Brasil e os liberais de Buenos Aires os lídimos representantes.

b. Fatores econômicos (1) Paraquai

Preocupado em isolar o país da influência do caudilhismo das províncias platinas vizinhas, o ditador Francia praticamente fechou as fronteiras do Paraguai ao comércio internacional e pôs em prática uma política visando a autossuficiência econômica.

Nos governos de Carlos Antonio López e Francisco Solano López, o país evolui da segregação para uma participação menos remota no comércio internacional, procurando mesmo constituir uma frota comercial.

Todavia, sua estrutura econômica anterior pouco se alterou; o país produz pouco e pequeno é o seu consumo interno.

Não obstante, a situação financeira do governo do Paraguai, ou melhor, do ditador Solano López, é razoavelmente boa, a ponto de a ele recorrer o governo blanco de Montevidéu em busca de auxílio financeiro para manter-se no poder (1864).

O governo de Assunção pode, também, dispor de meios financeiros para melhor armar-se e subvencionar agentes de informações, no Prata principalmente.

O pequeno comércio do Paraguai é feito pelo porto de Buenos Aires, o que leva o governo blanco do Uruguai a acenar-lhe (1862) com a possibilidade de sair daquela órbita de influência, passando o comércio entre os dois países a ser feito pelos portos uruguaios.

(2) Argentina No que interessa mais de perto à guerra estudada, acentua-se ainda uma vez o papel do porto de Buenos Aires, interessando à economia de toda a região platina e com reflexos na política conta seus possíveis adversários.

(3) Brasil Com sua economia esteada na agropecuária à base do braço escravo, atravessa uma fase de estabilidade de que não se dão conta de seus possíveis adversários.

O aproveitamento das terras do Sul de Mato Grosso pelos criadores de gado aviva o desejo que tem o Paraguai de entrar na sua posse efetiva.

c. Fatores militares (1) Paraguai

Construído com o material político-social das missões jesuíticas, educado na desconfiança de um isolamento chinês, absorvido por um poder pessoal duro e patriarcal a República do Paraguai era uma esfinge. Viveu em ordem e progrediu materialmente, apesar de anos de despotismo sem parecer senti-lo.

Quando morreu Carlos López, a República possuía 435 escolas com mais de 34.000 alunos, um arsenal, estaleiros, sólidas e bem projetadas fortalezas, cobrindo o acesso a Assunção.

Solano López, que o sucedeu, mandou vir da Europa engenheiros e operários especializados, ampliou as instalações militares, criou outros, como forjas, fábricas pirotécnicas e contratou oficiais estrangeiros. Armazenou grandes quantidades de armamento, elevou a esquadra para 20 navios a motor, 5 escunas a vela, 3 lanchões e 12 chatas. O Exército, em si numeroso, foi ampliado, tendo atingido na época da declaração de guerra a um efetivo de 35.000 homens devidamente armados, havendo nos campos de treinamento mais de 40.000 homens em adiantada fase de preparação militar, continuando o recrutamento intensivo, numa população de um milhão de habitantes.

Em princípio de 1864, mandara vários chefes militares recrutar, em todos os Departamentos da República, os paraguaios entre 16 e 50 anos. Em março desse ano, num acampamento instalado, em Cerro Leon, foram concentrados 30.000 recrutas. Simultaneamente em Encarnacion eram adestrados 17.000, em Humaitá 10.000, em Assunção 4.000 e em Concepcion 3.000.

Sabia que sua atuação no Prata feria frontalmente interesses vitais do Brasil, mas não o temia. Precisava e contava com o apoio da Argentina, pelo menos de Corrientes e Entre Rios, tendo também como certa à cooperação dos Blancos no Uruguai.

(2) Brasil Apesar dos esforços do Marquês de Caxias, o serviço militar obrigatório não lograva aceitação, sendo os efetivos preenchidos pelo voluntariado, o recrutamento forçado e os mercenários. Em caso de mobilização, apelava-se para a Guarda Nacional, cujo efetivo numerava 485.000 homens.

Não havia Estado-Maior, como órgão Planejador da Guerra. A Repartição do Ajudante Geral e a do Quartel Mestre General eram meros órgãos administrativos. Não havia, pois, planos de guerra organizados, embora se tivesse cogitado disso, sob o impacto da Questão Christie, que revelou toda nossa desorganização nos assuntos referentes à defesa nacional. Acresce ainda que a política seguida pelos últimos gabinetes liberais, com apoio do Imperador, baseavase na crença de que o Exército e a Marinha eram apenas fontes de despesas, havendo mesmo quem propusesse sua extinção.

Em consequência, quando o Império apresentou ao Uruguai o chamado "ultimatum Saraiva", somente a Esquadra estava em condições de operar. O Exército tinha um efetivo de 16.000 homens espalhados pela vastidão territorial do país.

Não é, pois, de estranhar que o Exército, encarregado de executar as represálias, só estivesse pronto para mover-se, três meses depois de anunciadas.

(3) Argentina Em abril de 1865, depois de iniciar a guerra, o Exército de linha era de 6.400 homens e o mobilizado teria como fundamento a Guarda Nacional com um efetivo de 185.000 homens.

Não havia serviço militar obrigatório e o serviço de recrutamento era feito por meio de voluntariado, reengajamentos, contingentes fornecidos pelas províncias.

A Marinha se limitava a um navio.

Conclusões O Império do Brasil e a República do Paraguai eram as duas nações que gozavam então de estabilidade política. Cumpre acentuar que o Paraguai não tinha mais possibilidades que o Brasil de exigir um esforço de guerra total do País.

A Argentina e o Uruguai, o último em plena guerra civil e a primeira ressentindo-se das dissensões políticas, não tinham unidade e não podiam realizar um esforço de guerra sério.

Havia entre as Repúblicas hispano-americanas uma antipatia generalizada pelo Império, inspirada tanto pela aversão que lhes inspirava a instituição monárquica, como pela feição viril que o Brasil vinha imprimindo à sua política exterior. Por outro lado, afinidades de língua, raça, de sacrifícios comuns, continuavam ligando as comunidades hispano-americanas sem embargo das diferenças que alimentavam entre si.

Sem dúvida, pelo seu efetivo demográfico, suas possibilidades econômicas e estabilidade política, o Império estava em condições de enfrentar as repúblicas do Prata, isoladas ou coligadas, mas sua vastidão territorial, as dificuldades de transporte não lhe permitiriam em curto prazo mobilizar todos os seus imensos recursos. A República do Paraguai, ao contrário, poderia reunir e movimentar em prazos relativamente curtos seus recursos humanos e econômicos. A relativa escassez em gado e cavalo iria obrigá-lo a valer-se de fontes próximas.

A Argentina e o Uruguai estavam praticamente desarmados em face do Paraguai. O Império só poderia enfrentá-lo no mar ou nos rios da Bacia. Em terra, somente depois de um prazo dilatado teria o Império possibilidade de reunir uma força respeitável pelo seu armamento, organização e adestramento.

Numa guerra entre o Império e o Paraguai, a Argentina e o Uruguai seriam fortemente solicitados e dificilmente poderiam se manter neutros, tendo o segundo mais possibilidades que o primeiro de atraí-los à sua órbita de influência.

IMPOSIÇÕES GEOGRÁFICAS

Um rápido exame da carta geográfica do Teatro de Guerra, nos conduzirá sem esforço às seguintes conclusões: a. Os centros de potência do Paraguai se situavam em torno de Assunção e mais para o Sul, numa faixa estreita ao longo do rio Paraguai.

Os do Império se localizavam na Província do Rio Grande do Sul, que representava, também, uma área econômica importante. Sua perda ou neutralização em longo prazo não afetaria profundamente a vida do Império, como ficara, aliás, demonstrado durante o decênio da Revolução Farroupilha. b. A posição relativa desses centros de potência iria exigir de ambos os contendores, inicialmente, movimentos estratégicos de grande amplitude, para atingir as áreas vitais do adversário. As bases de operações prováveis do Paraguai estavam mais afastadas dele do que as do Império, obrigando esse a eleger objetivos intermediários, a um alongamento quase impraticável da linha de comunicações e a montagem de Bases de Operações sucessivas.

c. Para o Império, a área vital paraguaia a ser conquistada seria a de Humaitá-Assunção e para o Paraguai a mais próxima e mais acessível, estaria na província do Rio Grande do Sul. A área Sul da província de Mato Grosso, pela sua pequena expressão econômico-político-demográfica só poderia ser encarada como um objetivo de segurança ou diversionista.

A via de acesso mais fácil e mais viável, que permitiria a qualquer dos contendores atingir os objetivos vitais do adversário, atravessava, necessariamente, o território da República seja ao longo da via do rio Paraná, seja através da Província de Corrientes.

Esse fato era mais imperativo para o Paraguai do que para o Império, já que dispunha de uma base avançada no Uruguai e da Esquadra, que lhe permitiria usar a via do Paraná, aberta por força de acordos internacionais d. As contingências geográficas conferiam, pois, ao território da República Argentina uma importância fundamental, valorizada, ainda, pelos abundantes recursos em gado, cavalos e cereais que possuía. Sua atitude em face dos contendores poderia influir no próprio desfecho da guerra.

Uma atitude de estrita neutralidade criaria embaraços insuperáveis ao Paraguai, que teria de restringir-se a uma atitude defensiva, ou a operar ofensivamente ao longo da via do rio Paraguai, na direção do Norte. Para o Império, as dificuldades seriam menores, pois poderia valer-se da via do Paraná para transportar suas tropas até o território paraguaio, mas dificultaria imenso a execução das operações para conquistar nele uma cabeça de ponte e suprir convenientemente as tropas em operações.

Uma aliança da Argentina com o Paraguai traria sérios embaraços ao Império, pois possibilitaria ao inimigo o uso das bases argentinas ao longo do rio Uruguai e lhe facilitaria o domínio do Uruguai, abrindo uma nova fronteira ativa. Dificultaria, por outro lado, o uso da via do Paraná, que se tornaria impraticável, sem estações onde os navios se abastecessem e com o estabelecimento de baterias montadas nos locais adequados de suas margens.

Uma aliança da Argentina com o Império, embora não lhe trouxesse um substancial auxílio militar, lhe asseguraria o estabelecimento de Bases de Operações próximas ao território inimigo, o uso desimpedido da via fluvial do Paraná e facilidades de suprimentos de toda natureza.

Era, pois, vital para o Brasil obter, no mínimo, a neutralidade da Argentina e para o Paraguai obter dela, pelo menos uma neutralidade benevolente, que permitisse o uso de seu território para passagem das tropas que devessem levar a guerra ao Brasil.

Caso o Paraguai não pudesse alcançar esse objetivo mínimo, os prejuízos que lhe causariam a neutralidade ou a beligerância da Argentina anulariam, em parte, sua melhor preparação militar.

CONCLUSÕES GERAIS

Desse estudo sumário da situação dos beligerantes, poderemos concluir que o Governo paraguaio para alcançar os objetivos de guerra a que propusera, deveria:

(1) Impor sua vontade ao Império do Brasil, numa guerra que terminasse por uma decisão militar, que fosse favorável ou, no mínimo, por uma paz negociada.

(2) Aproveitar-se para esse fim da prioridade que possuía na mobilização e na concentração dos recursos militares e atuar, ofensivamente, contra os pontos mais acessíveis do território brasileiro, isto é, o Sul da Província de Mato Grosso e da província do Rio Grande do Sul.

(3) Obter, por via diplomática ou pela força, a cooperação da República Argentina pelo menos no que respeitava às facilidades para o livre trânsito das forças paraguaias pelo território desse país e do apoio logístico delas. 4. CAUSAS DA GUERRA COM O PARAGUAI a. Causas geralmente aceitas

(1) Causas remotas Antagonismo econômico-político entre Assunção e Buenos Aires, acentuado com a criação do Vice-Reinado do Rio da Prata.

Antagonismo social consequente à educação jesuítica, que disciplinou a massa guarani e permitiu o regime de poder absoluto no Paraguai, em contraposição ao sentimento liberal desenvolvido na Argentina, no Uruguai e no Brasil.

Ao fatalismo geográfico, criando uma extensa fronteira terrestre, a necessidade de ligação com o mar, agravada pela tradição missioneira que criou direitos históricos a grandes porções de território em poder do Brasil e da Argentina.

O antagonismo hispano-português, revivido na América do Sul, no choque entre bandeirantes e jesuítas e na desconfiança dos desígnios imperialistas da Monarquia brasileira.

(2) Causas imediatas As discussões em torno das questões de limites e os incidentes que provocaram (Fecho dos Morros, Missão Pedro de Oliveira).

O relativo poder militar do Paraguai e sua estabilidade política, em face da instabilidade da Argentina e do Uruguai, levando este Estado a explorá-lo, diplomaticamente, em benefício de sua segurança, julgada ameaçada pelo Brasil e pela Argentina.

A questão da livre navegação nos rios, usada como trunfo nas negociações diplomáticas e afetando sérios interesses econômicos e políticos do Brasil.

A educação europeia de Solano López, sua psicologia carismática, sua adesão às ideias relativas ao equilíbrio das potências, gerando o desejo de construir na América do Sul um grande Estado dominado pelo Paraguai.

(3) Pretextos A invasão do Uruguai, pelo Brasil, em 1864. O aprisionamento do Marquês de Olinda (um ato de guerra sem prévia declaração do estado de guerra). b. Causas que podem ser defendidas e que parecem mais gerais e profundas 1) Causas remotas O antagonismo entre Assunção e Buenos Aires, resultante das rivalidades antigas entre os dois núcleos coloniais, da posição geográfica do Paraguai, das lutas pela Independência e gestões para consolidá-la.

O espírito missioneiro responsável: Pela organização política, econômica e social da República do Paraguai, sua estabilidade, relativa autossuficiência e progresso material, diferenciando-a da Argentina e do Uruguai.

Pela tradição do Império Teocrático dos Jesuítas, cimentada nas lutas que sustentou contra o colonizador português em Itatins, Guaíra e Tapes e no direito histórico à posse desses territórios, desbravando-os, ocupados e colonizados em primeiro lugar pelas Missões.

Pelas afinidades econômicas sociais e humanas existentes entre a população paraguaia, a do Norte da Argentina e a do Rio Grande do Sul, a do Uruguai, revigorando a tradição da comunidade tribal dos guaranis.

O crescente valor da função econômica, social e políticos que constituem a Bacia do Prata.

(2) Causas imediatas O aceleramento do progresso material do Paraguai sob ação de Carlos López e Solano López e o rompimento da clausura que lhe impusera Francia.

As ideias de Solano López sobre o equilíbrio entre os Estados, hauridas na sua permanência na Europa, aliadas à possibilidade que vislumbrou de reconstituir o Estado Jesuítico, ensejando às questões fronteiriças com o Brasil e a Argentina, correlacionadas com as referentes à livre navegação do Paraná e do Paraguai.

A estabilidade político-econômico-social do Paraguai em confronto com a instabilidade político-econômico-social do Uruguai e da Argentina, aliada às desconfianças sobre o imperialismo brasileiro, apoiado no sólido e ameaçador valor do Império.

A intriga diplomática tecida pelos estadistas uruguaios, explorando a psicologia do ditador paraguaio, aliada ao descontentamento de caudilhos entrerrianos e correntinos, criando uma possibilidade de utilizá-los como instrumento de reconstituição do Estado Teocrático dos Jesuítas.

A política exterior do Império, visando a evitar que se estabelecesse no seu flanco um poderoso. Estado capaz de perturbar sua segurança.

(3) Pretextos A invasão do Uruguai, pelo Brasil em 1864. O aprisionamento do Marquês de Olinda.

O Brasil constituirıa uma unidade geográfica do tipo misto, solidamente assentada no planalto central, a que se vinculam também suas bacias hidrográficas, com nascentes próximas uma das outras. Tinha possibilidades de se constituir em território de uma grande nação.

O espaço continental, amplamente estendido no trópico úmido, constituído equilibradamente de planícies aluvionais e planaltos de altitude média, oferecia amplas possibilidades de gêneros e formas de vida os mais diversos.

A orografia, despojada de fortes elementos separadores; a hidrografia de forma insulante e servida por inúmeros enlaces; o litoral extenso, indentado em articulaces profundas, onde a acessibilidade do litoral era menor, eram elementos atenuantes das distâncias descomunais, da diversidade das regiões naturais, da ação isolante das áreas florestais.

A região sul se prestava melhor do que a central norte ao estabelecimento de grandes efetivos demográficos, mas todo a território era potencialmente habitável. A posição e os elementos da circulação, que serviam a região nordeste, atrairam o povoamento, mais do que na área sul, muito trabalhada pelas influências vindas do Prata e afastada dos feixes de navegação da época.

A região nordestina e norte, nesta ordem, tinha maiores possibilidades, em consequência da posição e da circulação, de atrair o povoamento, atividades comerciais, as agressões militares, do que a do sul.

A região sul estaria, entretanto, mais sujeita aos choques com as populações vizinhas, do que as do norte, delas separadas pela floresta tropical e pelas interrupções dos rios navegáveis que desciam dos Andes.

A pequena fertilidade dos solos tropicais, decorrente de sua pobreza em humus, da constância das altas temperaturas e do ativo trabalho de erosão, aliada à floresta tropical dominante nessa àrea, dificultariam sua ocupação e condicionariam a predominância da atividade extrativa, como forma econômica de sua exploração. Ao contrário, a fertilidade das terras vulcânicas do extremo sul, casada à suavidade do clima e nenhuma agressividade da flora, condicionariam o predomínio das atividades agropastoris na economia dessa área.

II CONQUISTA E COLONIZACAO

PLANO DE GUERRA DO PARAGUAI

a. Ideias gerais Do estudo dos preparativos militares pelo Paraguai das ligações de Solano Lopez com Urquiza e das medidas que tomou para informar sobre a situação de Corrientes e Entre Rios, da concentração do Exército Paraguaio e das operações realizadas, podemos concluir que o plano de Campanha de Solano Lopez obedeceu às seguintes ideias gerais:

-Emprestar à guerra contra o Brasil o caráter de uma Cruzada dos povos do Prata contra a instituição monárquica na América do Sul, para atrair a simpatia das Nações Hispano-Sul-Americanas.

-Atuar, simultaneamente, com uma massa secundária na direção Itapua -S. Borja -Uruguaiana -Paisandu, ao longo do Rio Uruguai e principal, por Passo da Pátria -Corrientes -Paraná, ao longo do Paranã. Promover o levantamento das populações de Corrientes e Entre Rios, destruir as forças inimigas entre os rios Paraná e Uruguai e estabelecer Governos aliados na Argentina e no Uruguai.

-Assegurada a posse de uma base de operações avançada na Argentina, ou no mínimo, uma cobertura ao Sul, voltar-se contra o Brasil, operando na direção geral de Porto Alegre, para decidir a guerra.

-Realizar uma ação preliminar no Estado de Mato Grosso, visando a destruir os efetivos brasileiros aí estacionados, ocupar o território contestado e recolher os recursos ali disponíveis e obter segurança completa no Norte.

b. Fundamento desse plano (1) Políticos

As promessas que fizera o Governo "blanco" do Uruguai e os compromissos que assumira nas sucessivas gestões diplomáticas que fizeram Ferreira, Lapido, Sagastume e Carrera. Herrera chamara atenção de Lopez para as tentativas de absorção da República pelo Império e a Argentina e acenava com a possibilidade de boas relações comerciais entre o Paraguai e o Uruguai, usando diretamente os portos de Uruguai, em vez do de Buenos Aires. Dr. Otavio Lapido continuou as conversações, iniciadas por Herrera, insistindo sobre os perigos que a Argentina e o Brasil, operando na direção geral de Porto Alegre, para Brasil representavam para o Paraguai, sobre as vantagens de comércio direto entre o Paraguai e o Uruguai, defendendo a ideia de uma aliança ofensiva-defensiva entre os dois e a possível adesão de Entre Rios e Corrientes, propondo um compromisso de garantia e de independência de ambos os países, a neutralização de Martin Garcia e uniformidade de doutrina sobre filhos de estrangeiros. Dr. José Vasquez Sagastume com o objetivo de pedir ao Governo paraguaio para pressionar o Governo do Brasil, diplomaticamente, enviar às águas do Prata alguns navios de guerra para se oporem ao aparato bélico e contingentes de forças de uns 2.000 homens para guarnecer cidades orientais no Uruguai. Dr. Antonio de Las Carreras cuja missão era informar o Governo paraguaio da situação ameaçadora criada pela Argentina e o Brasil, solicitar ajuda de forças para se opor à invasão do Uruguai e firmar um compromisso de que o Paraguai apoiaria o Governo do Uruguai.

Os compromissos assumidos por Urquiza através de conversações com o Dr. Julio Victorica De Arredondo, representante do Governo uruguaio para realizar uma ação conjunta com o Uruguai com o Brasil e a Argentina, explorando seu ressentimento contra Mitre.

A instabilidade do Governo de Mitre, que não confiava em Urquiza e não podia contar com a simpatia das outras províncias que se insurgiam contra o predomínio de Buenos Aires.

Lopez tinha, pois, razões para contar com o apoio de Urquiza e os Blancos do Uruguai.

(2) Militares A superioridade militar do Paraguai, baseada num Exército adestrado e concentrado no valor de 80.000 homens e numa Esquadra bem equipada.

A possibilidade de levantar em Entre Rios e Corrientes um Exército capaz de se opor ao que Mitre pudesse reunir.

A relativa fraqueza militar do Brasil Principalmente em 7 forças terrestres prontas para a luta, e o completo desaparelhamento militar da Argentina (Mitre) em terra e no mar.

(3) Psicológicos A possibilidade de explorar a generalizada antipatia e desconfiança nutridas pelo Império e reuni-las numa Cruzada de "hispanidad" contra o Brasil.

A possibilidade de explorar as divergências dos caudilhos argentino de modo a constituir na Argentina um Governo favorável ao Paraguai, restabelecendo a antiga primazia de Assunção sobre Buenos Aires ou do interior sobre o litoral.

A invasão do Rio Grande do Sul na primeira fase de operações visava a atrair o Exército de Mena Barreto, que operava no Uruguai, para a região das Missões e destruí-lo mediante uma ação maciça privando o Brasil das únicas forças organizadas de que dispunha no momento, deixando sem defesa a Argentina e o Uruguai. O terror espalhado no Rio Grande durante a invasão paraguaia quase obrigou a Osório (então comandante do Exército do Sul) a acorrer às Missões em ajuda de Canabarro e Caldwell.

A crença de Lopez de que a invasão do Brasil em Mato Grosso e no Rio Grande desencadearia uma revolução dos escravos, que criaria sérias dificuldades ao Governo, paralisando suas forças. Nota-se que desde 1850 se iniciara a propaganda antiescravista no Brasil, atingindo em 1860 ampla repercussão.

III -INVASÃO DE MATO GROSSO PELO PARAGUAI

FINALIDADE DA INVASÃO DE MATO GROSSO

Neutralizar as forças brasileiras existentes nesta região, assegurando a liberdade de ação para o desencadeamento da ofensiva ao Sul.

Ocupar desde logo os territórios contestados para fazer valer essa ocupação por ocasião das negociações de paz.

Atuar desde o início contra o inimigo principal, visando ao seu debilitamento de seu moral, à exaltação das forças paraguaias e influenciar os neutros.

EXECUÇÃO

As forças paraguaias invadiram Mato Grosso em duas colunas. Uma delas, comandada por Barrios, ocupou sucessivamente o Forte de Coimbra (29 dez. 1864) e Corumbá (4 jan. 1865). A outra, com Resquim no comando, ocupou Colônia Miranda (29 dez.), Dourados (29 dez.). Nioaque (2 jan.), Miranda (2 jan.) e Coxim (24 abr.).

Na província de Mato Grosso havia cerca de 1.000 soldados brasileiros. Em consequência, o comando brasileiro não teve outra alternativa senão a de evacuar o sul da província, para organizar a defesa nas vizinhanças de Cuiabá, sua capital.

RESULTADOS DA AÇÃO

A invasão de Mato Grosso acompanhada das atrocidades cometidas pelos paraguaios levantou, em todo Império, imenso clamor. Ordenou-se a convocação de 12.000 homens da Guarda Nacional para socorrê-la. Em jan. de 1867 apenas 1.300 homens haviam chegado a Nioaque para escreverem a mais gloriosa Página de nossa História Militar: a Retirada da Laguna. Somente depois da ocupação de Assunção foi que Lopez determinou a completa evacuação do sul de Mato Grosso (13 a 24 junho de 1867).

Para o Paraguai a invasão de Mato Grosso permitiu uma e Forças paraguaias e uma humilhação para o Império. Proporcionou, também, a ocupação do território em litígio, até junho de 1867, e completa segurança para empreender são de Corrientes. O Paraguai recolheu, em Mato Grosso, cerca de 80.000 cabeças de gado e grande quantidade de equinos que cobriram a sua escassez nesses recursos.

IV -SITUAÇÃO POLÍTICO-MILITAR EXISTENTE NO PRINCÍPIO DE 1865

BRASIL

Governava o País um gabinete liberal. Segundo informação de Duque de Caxias, o Ministro da Guerra desse Gabinete Beaurepaire Rohan, "embora fosse engenheiro abalizado, não tinha, contudo, prática de organização de exércitos; não conhecia o pessoal de nossas forças, não sabia qual o material existente nem o necessário para a guerra que vamos empreender". Esse Ministro era, constitucionalmente, o Comandante em Chefe do Exército e o conselheiro do Governo na definição de sua política de Guerra.

Em Mato Grosso, Corumbá tinha sido ocupada em 2 de janeiro de 1865. Os paraguaios ocupavam toda região invadida e não havia elementos disponíveis para desalojá-los dali, em curto prazo. Este fato teve profunda repercussão no Brasil.

No Uruguai, o Almirante Tamandaré coordenava as operações da Esquadra e das forças terrestres. De sua livre iniciativa tinha concertado uma aliança com o general Flores em 20 de outubro de 1864 e passara a contar com o apoio de suas forças. Essa aliança fora reconhecida oficialmente pelo Governo (19 jan. 1865) com a intervenção do Visconde do Rio Branco nas conversações com Flores. Paisandu foi conquistada em 10 de janeiro de 1865 e as forças brasileiro-orientais estavam na região de Colônia prontas para investir à Praça de Montevidéu.

No Rio Grande do Sul fora organizada pelo Presidente da Província a cobertura da região fronteiriça. Uma divisão, constituída de Guardas Nacionais, enquadrados por alguma tropa de Tinha, policiava a fronteira desde o Quaraim até São Thomé sob o comando de David Canabarro. Outra, sob o comando do Barão de Jacuí, policiava a fronteira do Chuí.

A Argentina se declarava neutra em face do conflito do Brasil com o Uruguai, em resposta à comunicação de que Flores fora reconhecido como beligerante.

Em 2 de fevereiro, as forças brasileiras e de Flores iniciaram as operações de sítio à Montevidéu. Treze dias mais tarde assumiu a Presidência do Uruguai o novo presidente eleito Villalba e o seu primeiro cuidado foi entrar em negociações para o restabelecimento da paz.

No dia 20 de fevereiro de 1865 assinou-se o "convênio de paz" entre Villalba e os beligerantes aliados, que entregava o governo uruguaio provisoriamente a Venancio Flores.

ARGENTINA

O Governo Argentino vinha recebendo sondagens da diplomacia brasileira sobre sua atitude em face de uma guerra entre o Brasil e o Paraguai, tendo manifestado sempre que seria neutro. Concordara, no entanto, em caso de agressão do Paraguai, a colaborar com o Brasil, aceitando seu apoio militar, para o caso de a Argentina ser invadida pelo Paraguai.

Em 26 de janeiro, recebeu a comunicação do estado de guerra entre o Brasil e o Paraguai.

Em 24 de janeiro, recebeu o pedido de Lopez para que permitisse o trânsito de forças paraguaias com destino ao Rio Grande do Sul, atravessando a província de Corrientes.

Em 9 de fevereiro, respondeu negativamente e informou o Governo Brasileiro.

PARAGUAI

As forças de invasão de Mato Grosso, com pequenas perdas, tinham ocupado toda região contestada. O grosso dessas forças se preparava para dirigir-se a Humaitá.

Ultimava a Concentração em Itapua e Passo da Pátria -Humaitá. Receberia em 9 de fevereiro a resposta negativa de Mitre, que já conhecia oficialmente, pois Urquiza lhe informara qual seria a atitude de Mitre e aconselhara a aceitá-la.

O Congresso reunido em 3 de março o autorizou a declarar guerra à Argentina. A declaração de guerra foi feita em 29 de março, mas só a 1º de maio chegou ao conhecimento do Governo Argentino.

V -SUMÁRIO DOS DIVERSOS PLANOS DE OPERAÇÃO

O PLANO DE CAXIAS

a. Condições em que foi formulado Foi-lhe solicitado pelo Ministro da Guerra em 20 de janeiro de 1865 respondendo no prazo de cinco dias.

b. Análise do Plano

(1) Finalidade da operação -Destruir o grosso das forças inimigas concentradas na região Itapua -Passo da Pátria -Humaitá -Assunção (objetivo estratégico).

(2) Atitude: ofensiva

(3) Faseamento da operação 1º fase: conquista de Humaitá (objetivo tático) 2º fase: conquista de Assunção (objetivo tático) (4) Direções:

Principal: rios Paraná -Paraguai Secundária: norte-sul, partindo do Apa Fixação: São Cosme -Itapua ou São Carlos (5) Coordenação: a cargo do Cmt. em chefe.

Depois da conquista de Humaitá a força secundária se deslocaria do Apa sobre o objetivo a designar.

(6) Missões (reconstituídas) (a) Força principal Atuar pelo Passo da Pátria, no Paraná e pela estrada mais próxima e paralela ao Paraguai na direção de Humaitá e Assunção, em combinação com a esquadra.

(b) Força secundária Reunir-se na região de Miranda e cerrar sobre o Apa em perseguição ao inimigo que houver invadido a província. Mediante ordem, descer o Paraguai sobre objetivo a ser designado.

(1) Finalidade da operação Destruir o grosso das forças inimigas na região de Humaitá-Assunção.

(2) Atitude: ofensiva (a) Força principal Desembarcar entre Passo da Pátria e Itapua, fixar Humaitá e levar o grosso sobre Assunção, para conquistá-la; em seguida atacar Humaitá em direções convergentes de Norte para Sul e de Sul para Norte.

(1) Finalidade da operação -Destruir as forças inimigas em Humaitá-Assunção.

(2) Atitude: ofensiva (3) Faseamento da operação 1º fase: conquista de uma cabeça de ponte ao norte do rio Paraná, cerca de 15 km ao sul de Humaitá, em cooperação com a esquadra.

2º fase: ataque a Humaitá e depois Assunção em cooperação com a força que atuasse pelo norte.

(4) Direções: Principal: rios Paraná e Paraguai (até Assunção) Secundária (envolvente): rio Paraguai (de norte para sul) Fixação: São Borja-São Thomé (5) Coordenação: não foi prevista. Previa 30 dias para execução da 1º fase e 90 dias para a 2º fase.

(6) Missões (a) Força Principal Transportada pela esquadra, desembarcar a 15 milhas ao sul de Humaitá, conquistando e mantendo uma cabeça de ponte. Em seguida, atacar Humaitá e depois Assunção, em coordenação com a esquadra. (c) Fixação Reunir-se na região de São Borja, atraindo forças inimigas para São Thomé 7Repartição das forças Principal: 10.000 homens (1º fase) -30.000 homens (2º fase). Secundária: 20.000 homens. Fixação: indeterminada (8) Mobilização Não propõe providências sobre mobilização e instrução dos elementos mobilizados. Propõe aproveitamento de correntinos e paraguaios em Legiões Estrangeiras.

(9) Observações: Tamandaré propõe-se a transportar em 15 dias, pela esquadra, o Exército de Mena Barreto, para o sul de Humaitá e aí bloquear o rio Paraguai.

(1) Finalidade da operação -Destruir forças inimigas em Humaitá.

(2) Atitude: ofensiva (3) Faseamento: uma única fase. (4) Direções: Principal: rio Paraná -Passo da Pátria -Humaitá. Cobertura: São Thomé -Candelária ou São Cosme. Operações em Mato Grosso, como cooperação à ação principal, a cargo do Brasil e independente do comando da Aliança.

(5) Coordenação: não foi prevista (6) Missões: Nada foi previsto a não ser que "o objetivo das operações deve ser Humaitá e a ele devem subordinar-se as operaçõ s e itinerários militares".

(7) Repartição de forças: não foi prevista (8) Mobilização: idem (9) Observações: Urquiza tomou o compromisso de manter bases de operações em Corrientes e Entre Rios.

(c) Fixação

Atrair a atenção do inimigo para o lado de São Cosme, Itapua ou São Carlos, "para que, não possa ele cortar-nos a retirada, em Passo da Pátria, no caso de revés em Humaitá, ou para que não convirja com todas as forças sobre esse ponto, quando atacado pelo nosso Exército". No plano, Caxias não sugeriu nenhuma providência para a concentração da força principal no Passo da Pátria, pois este problema envolvia a posição da Argentina, assunto que fugia à sua alçada.

O PLANO DE PIMENTA BUENO

a. Condições em que foi formulado: Datado de 3 de janeiro de 1865, anterior portanto ao pedido de Beaurepaire Rohan a Caxias.

O autor tinha sido presidente da Província de Mato Grosso, era senador e tinha profundos conhecimentos sobre a Geografia do Brasil e a do Paraguai.

(b) Fixação

Atuar sobre a fronteira do Apa, indo, inicialmente, até Ipané; eventualmente, marcharia sobre Jejuí.

(c) Reserva Não cogita dessa medida (7) Repartição das forças -Principal: 32.000 homens contando com apoio da esquadra -Fixação: 10.000 ou 8.000 homens (8) Mobilização Efetivo previsto de 42.000 homens a ser obtido pelo voluntariado.

(9) Observações: Estima que Lopez poderá, no máximo levantar um exército de 40.000 homens e que resistirá, após a perda de Assunção. Preconiza a destruição completa da influência de Lopez.

Parece que Caxias teve conhecimento desse Plano, que lhe foi enviado, como informação, para elaboração do seu. O plano de Caxias é o de Pimenta Bueno usado em forma militar.

PLANO DE TAMANDARÉ a. Condições em que foi elaborado:

Tamandaré fora nomeado Comandante em Chefe das Forças em operações e Diretor da Guerra e formulou-o em 3 de março de 1865.

Mitre informou ao Governo Brasileiro, em 10 de fevereiro de 1865, que recusara atender ao pedido de Lopez para que suas forças atravessassem Corrientes para atacar o Rio Grande do Sul.

Continuava a mobilização e a reunião das Unidades de Linha para reforçar a cobertura de nossa fronteira no Uruguai, mas não fora reajustado o dispositivo, tendo em vista a nova situação na Banda Oriental. A Argentina negara autorização ao Paraguai para atravessar a província de Corrientes.

O PLANO ALIADO a. Condições em que foi elaborado:

Foi assentado num Conselho de Guerra constituído pelo Presidente Mitre, general Venancio Flores, Urquiza, almirante Tamandaré, brigadeiro Manoel Osório, Cmt do Exército Brasileiro no Uruguai, no dia 1º de maio de 1865.

Nessa época se tinham produzido os seguintes acontecimentos militares: Os paraguaios tinham invadido a Província de Corrientes em 14 de abril de 1865, mantendo o grosso de suas forças nessa cidade.

A sua concentração em Itapua parecia terminada; Estigorribia assumira o comando e Duarte já estava ao sul do rio Paraná. Os brasileiros cobriam a fronteira do rio Uruguai de Uruguaiana a São Borja.

O exército de Osório marchava para Paissandu de onde se dirigiria para Uruguaiana, enquanto parte da esquadra brasileira atingira Goya, no rio Paraná.

O Tratado da Tríplice Aliança fora acertado e caberia a Mitre o comando das forças terrestres, enquanto as operações se desenvolvessem no território argentino. As forças navais seriam comandadas por Tamandaré.

CRÍTICA DOS PLANOS

a. Pimenta Bueno É o mais antigo e, possivelmente, Caxias teve conhecimento dele. Considerando-se a qualidade civil de seu autor é uma notável revelação de sua intuição do problema estratégico que se apresentava ao Império e uma contribuição substancial à sua posição.

O objetivo é a região Humaitá-Assunção, onde se concentrava o poder militar do inimigo e suas instalações militares. O avanço das forças brasileiras sobre essa região obrigá-lo-ia a travar uma batalha decisiva e, consequentemente possibilitaria a destruição de suas forças.

A direção do esforço foi bem escolhida, bem como a ação diversionária ao Norte, projetada com a profundidade suficiente para repercutir sobre a frente inimiga ameaçada pelo grosso. A via de acesso para atuação da massa principal foi objeto de estudo demorado, que conduziu a duas linhas de ação uma fixando Humaitá, para desbordar essa posição com o grosso, e conquistar, inicialmente, Assunção e, em seguida, Humaitá; outra, rompendo as defesas inimigas num esforço frontal, em Humaitá, e depois prosseguir para Assunção. A primeira parece não ser a melhor, pois exigiria uma forte cobertura, face a Humaitá, o que iria fatalmente repercutir na potência do grosso, ou para preservar-lhe essa potência, em correr risco muito grande, uma vez que o inimigo tinha possibilidade de romper a cobertura e isolar o grosso de suas bases, para depois destruí-lo.

Não cogitou o plano do aspecto político decorrente da neutralidade argentina. Em compensação, previa a possibilidade de López resistir além de Assunção, preparando uma ação sobre Vila Rica e que resistiria até o fim.

A solução do voluntariado era a melhor, desde que aproveitasse, também, os elementos da Guarda Nacional. O efetivo previsto para as forças em campanha só é aceitável com a condição de que representasse apenas a do primeiro escalão de forças.

Era um plano perfeitamente exeqitível, desde que se resolvesse o problema do transporte de tropas para uma zona de concentração próxima ao Paraná.

b. Plano de Caxias

Seguiu-se imediatamente ao de Pimenta Bueno e foi calcado na situação que lhe serviu de base.

Os objetivos estão perfeitamente determinados e balizam a região onde se encontrava o grosso das forças inimigas, possibilitando a sua destruição.

A manobra aproveita as duas vias de acesso existentes para alcançá-los e assegura pela convergência de direções na sua última fase a preservação da potência do ataque ao objetivo final: Assunção. À direção de esforço, bem escolhida, estava convenientemente coberta no seu flanco vulnerável pela ação sobre Itapua ou São Cosme; que poderia servir também para acolher os elementos atacantes em caso de insucesso.

A coordenação das ações envolventes, indispensável em manobra deste tipo, foi concebida com realismo e oportunidade, dados os longos prazos exigidos pela concentração da massa secundária em Mato Grosso.

O sistema de mobilização proposto se baseava na velha estrutura do Exército, corrigindo as desvantagens de um aproveitamento maciço da Guarda Nacional. A criação dos Corpos de Voluntários revigoraria o velho Exército, injetando-lhe o sadio entusiasmo dos voluntários, que tão grandes serviços haveriam de prestar nesta guerra.

Era francamente exequível e o melhor de todos, desde que se resolvesse satisfatoriamente o problema da concentração para a batalha que deveria ser realizada próximo e ao Sul da curva do Paraná.

c. Plano de Tamandaré

Elaborado ao curso mesmo da ação, se destinava mais a preencher uma lacuna que começava a ser prejudicial às operações do que a oferecer uma solução ao problema militar que o Império enfrentava.

O Plano é, em linhas gerais, o que Caxias formulou, não tendo porém a sua precisão, quanto às missões a serem confiadas à massa envolvente, nem a medida de coordenação, o que era particularmente importante, dado o prazo que seria exigido para concentração de 20.000 homens em Mato Grosso. À dosagem da massa destinada a exercer a ação secundária parece muito forte, principalmente em face das dificuldades para concentrá-las e apoiá-las logisticamente.

A direção do esforço foi bem escolhida e aproveitava a melhor via de acesso. Parece muito arriscada a conquista da cabeça de ponte inicial, dado o poder naval de que dispunha López e ao fato de se fazer justamente na área onde se encontrava seu grosso.

A missão dada à força de cobertura não parece suficiente, pois não cobriria a ação da massa principal ao Norte do Paraná. É um Plano de execução dificílima exigindo a neutralização ou destruição inicial do poder naval de López. Os prazos, particularmente o previsto para reunião da massa secundária em Mato Grosso, eram francamente inexequíveis.

d. Plano de Aliança

É o Plano de Caxias em sua primeira fase. Não tem, porém, a profundidade que encarou, nem a sua clareza, embora fosse elaborado em uma situação militar perfeitamente definida.

Por outro lado, não consulta, absolutamente, os elementos da situação militar existente. De fato, nesse momento, os aliados dispunham apenas, como forças capazes de operar, da Esquadra Brasileira e do Exército de Osório, enquanto os paraguaios estavam em condições de se expandirem rapidamente para o Sul, seja ao longo do Paraná, seja ao longo do Uruguai. Não podiam, portanto, os aliados pensar em ação ofensiva, pois, antes disso, teriam de mobilizar, organizar e concentrar os meios destinados a desencadeá-la. Por outro lado, Humaitá se transformara num mero objetivo geográfico, uma vez que a massa inimiga que ocupava a região se deslocara para o sul, ocupando Corrientes, onde preparava um novo lance, que poderia levá-la até Entre Rios. Essa força se transformara portanto em primeiro objetivo, pois, de sua destruição, dependia a própria concentração dos meios aliados.

Cumpre ainda acentuar que a concentração projetada sobre o rio Paraná encontraria muitos obstáculos. Em primeiro lugar, estava sobre o eixo do esforço inimigo; em segundo, estava muito longe do Exército de Osório que era, acentue-se, mais uma vez, o único elemento de força terrestre organizado de que dispunha a Aliança e que seria fatalmente atraído pelas necessidades de defesa do Rio Grande. O Plano Aliado era, portanto, inexequível, consultando muito mais os elementos políticos da situação de que seus aspectos militares. Parecia ser apenas a base para discussão de um novo Plano.

ELEMENTOS PARA COMPARAÇÃO DOS PLANOS

VI -O TRATADO DE TRÍPLICE ALIANÇA DE 1 DE MAIO DE 1865

O ato de assinatura ocorreu em Buenos Aires a 1º de maio de 1865, após as hostilidades de López contra a República Argentina. O Tratado aliou a Argentina e o Uruguai ao Brasil, na guerra que o Ditador paraguaio havia empreendido contra o Império. Os seus termos estabeleceram convenções -militares, para coordenação das operações; -políticas, para assegurar a paz na Bacia do Prata; -econômicas, sobre as despesas de guerra e a navegação fluvial.

Assim determinava o Tratado:

Art. 1º Fixava uma aliança ofensiva e defensiva contra o governo do Paraguai. Deste modo ficou bem esclarecido ser a guerra contra o governo e não contra o povo paraguaio.

Art. 2º Determinava que os aliados concorressem com os meios de guerra segundo o necessário. A redação era muito vaga e quem julgaria o necessário? O Brasil sendo o mais forte, populoso e dispondo de grande esquadra, sobre ele fatalmente recairiam os maiores ônus da guerra, apesar de ser o menos vitalmente ameaçado pelo expansionismo paraguaio.

Art. 3º Estabelecia que o Comando-em-Chefe seria de Mitre enquanto as operações tivessem lugar nos territórios argentino e uruguaio. Firmava o princípio de reciprocidade para o Comando-em-Chefe, caso as operações passassem para o território brasileiro ou oriental. À esquadra aliada operaria sob o comando de Tamandaré e o artigo designava os Cmt de Exército pelos nomes. a. Desvantagens -Separação dos comandos terrestres e navais numa guerra navais.

-Recair o Comando em Chefe das forças terrestres num Comandante de Exército que ainda não estava organizado e quando fosse, não teria o maior efetivo.

-Não ter sido separado o problema de Direção de Guerra do de Comandante em Chefe.

-Acumular o Comando-em-Chefe e o Comando do Exército.

-Não se ter constituido um Estado-Maior para o Comandante-em-Chefe, ou pelo menos, um Conselho de Guerra permanente para assisti-lo nas suas tarefas de coordenação.

b. Justificativas

-Políticas -A ascendência de Mitre e Flores sobre Osório e Tamandaré, uma vez que os primeiro eram também Chefes de Estado. Facilitar o estabelecimento da Aliança.

-Psicológicas -Atrair a simpatia das populações argentina e uruguaia. -Dar uma posição de relevo ao General Flores, confiando-lhe um comando, que era, na forma, da mesma importância que o de Mitre.

-Econômicas -Assegurar a cooperação de Mitre e dos argentinos, de modo geral, no apoio logístico dos Exército Aliados.

Art. 4º As despesas correrão por conta de cada País. Razoável nas suas disposições, embora acarretasse forte ônus para o Brasil, possuidor de maior efetivo e operando longe dos seus centros de produção.

Art. 5º Os contrantes auxiliar-se-iam mutuamente, utilizando para isso os meios de que dispunham. Em consequência, o Brasil foi prejudicado pois era o único que possuía Esquadra para transporte de tropas e de abastecimentos. Art. 6º Os aliados cruzarão as armas após derrubado o Governo paraguaio. Não seriam firmados quaisquer tratados de paz em separado, somente em comum acordo. Esta cláusula não foi cumprida pelo Brasil devido às intransigências argentinas com relação à questão das fronteiras.

Art. 7º A Guerra não sendo contra o povo paraguaio, mas contra o governo paraguaio, admitir-se-ia a formação de uma Legião paraguaia dos cidadãos daquele país que quisessem concorrer para a derrubada do dito governo. Esta medida de grande alcance político concedia uma oportunidade aos paraguaios desgostosos com o governo de seu país, ao mesmo tempo, afirmava ser a guerra contra o governo e não contra o povo.

Art. 8º Respeito à sob, independência e integridade terriorial do Paraguai, que não poderia incorporar-se a nenhum dos aliados, nem pedir seu protetorado como consequência da guerra podendo o povo paraguaio escolher o governo que lhe aprouver. Revela o cuidado do Brasil em evitar a reconstituição do Vice-Reinado do Prata.

Art. 9º A independência, soberania e integridade do Paraguai serão garantidas por cinco anos pelos aliados.

Art. 10. Regula a distribuição equitativa de privilégios e concessões dadas pelo Paraguai aos aliados.

Art. 11. Regula a questão da navegação dos rios Paraná Paraguai e Uruguai, à ser discutida com as novas autoridades paraguaias e de forma a não prejudicar o trânsito dos navios que se dirijam a outros territórios.

Art. 12. Os aliados combinarão entre si o meio mais próprio para garantir a paz com o Paraguai, logo que derrubado o atual governo.

Art. 13. Os aliados nomearão oportunamente e os plenipotenciários para a elaboração dos tratados que se tenham de fazer com o futuro governo do Paraguai.

Art. 14. Os aliados exigirão do Paraguai o pagamento das despesas, reparações ou indenizações dos danos e prejuízos às suas propriedades e aos seus cidadãos sem expressa declaração de guerra, e dos demais prejuízos verificados posteriormente com violação dos princípios que regem o direito de guerra.

Art. 15. Em uma convenção especial se regulará o modo e forma de liquidar e pagar a dívida procedente das causas mencionadas.

Art. 16. Os aliados exigirão ao Paraguai, ao término da guerra, os seguintes limites:

Com o Brasil -rio Paraná, rio Igureí, Serra de Maracaju, rio Apa, até a sua foz no Paraguai;

Com a Argentina -rio Paraná e Paraguai, até encontrar os limites com o Brasil, sendo estes do lado da margem direita do rio Paraguai e Baía Negra. A Argentina se excedeu em suas pretensões pois o Chaco Boreal nunca lhe pertencera e o próprio trecho entre os rios Bermejo e Pilcomaio já era litigioso e pretendido pelo Paraguai. Acrescia ainda a inconveniência do Brasil se limitar fronteiramente com a Argentina em Mato Grosso.

Art. 17. Todos cooperariam no sentido de serem atendidas as estipulações constantes no Tratado pelo governo a ser instalado no Paraguai. O Tratado ficava válido até serem obtidas as vantagens decorrentes.

Art. 18. Este Tratado se conservará secreto, até que se consiga o fim principal da aliança. Grande erro, pois seria Paraguai soubessem que a guerra era contra López.

Ao Tratado, seguia-se um Protocolo anexo que tratava da destruição de Humaitá, da divisão do armamento, e dos troféus.

O Brasil cogitou ainda de duas outras questões: a primeira concernente ao comando das forças brasileiras que iriam operar em Mato Grosso, e a segunda, a ressalva dos direitos que a Bolívia se atribuía no Chaco, compreendida dentro dos limites fixados pela Argentina para o seu território a oeste do rio Paraguai.

De qualquer modo, o Tratado foi prejudicial ao Brasil que o peso da guerra recaiu sobre os seus ombros. As maiores vantagens couberam à Argentina. Não havia vantagem no segredo do mesmo, pois sua publicidade tornaria a guerra mais popular e mostraria aos beligerantes que a referida guerra não tinha caráter imperialista. O Tratado colocou em pé de igualdade nações de poder e interesses diversos e foi contraditório nas questões de limite além de prejudicar um não beligerante, a Bolívia, nas suas reivindicações no Chaco Boreal.

VII -OPERAÇÕES EM CORRIENTES E NO RIO GRANDE DO SUL

. OPERAÇÕES EM CORRIENTES a. Planejamento da operação

Os paraguaios estavam concentrados na região de Humaitá -Passo da Pátria e numeravam cerca de 30.000 homens.

A invasão de Corrientes constituía a primeira fase do planejamento estratégico de López e visava:

-Facilitar ou mesmo provocar o levante das populações de Entre Rios e Corrientes, de modo a levar o Governo Argentino a modificar sua atitude anterior (negativa para o trânsito de tropas), ou mesmo substituí-lo por outro mais simpático ao Paraguai.

-Criar uma base de operações que permitisse, em boas condições de segurança e apoio, a invasão profunda do Rio Grande do Sul, prevista na segunda fase das operações.

-Obrigar Urquiza a definir-se.

Seriam tomadas as seguintes medidas políticas:

-A ocupação de Corrientes seria seguida de uma ação política a cargo do Ministro do Exterior do Paraguai, destinada a organizar um governo de ocupação com os elementos simpatizantes dos paraguaios que iria estendendo sua ação à medida que a conquista se fosse ampliando, ou que outras populações se declarassem favoráveis ao Paraguai.

b. Execução da operação

No dia 13 de ábril de 1865, sem que a declaração de guerra fosse do conhecimento do governo argentino, os paraguaios iniciaram o desembarque de tropas no porto de Corrientes. Imediatamente se organizou um governo favorável aos paraguaios e a exploração maciça dos recursos locais.

As forças paraguaias comandadas por Robles avançaram até o arroio Santa Lúcia de onde retrairam, mediante, ordem, em 1º de junho para Corrientes. Robles foi substítuido por Resquin.

As atividades dos navios aliados face ao Passo da Pátria, a ocupação da ilha de Cabrita e a indecisão dos chefes aliados sobre o local de desembarque, induziram López de que este seria feito no Passo da Pátria, proporcionando completa surpresa na execução da operação.

Às 9 horas do dia 16 de abril os primeiros contingentes aliados, com Osório à testa, desembarcavam em território paraguaio, com fraca oposição do inimigo.

Nos dias subsequentes a cabeça-de-ponte foi alargada e conquistou-se o Forte de Itapiru e o Passo da Pátria. Em 2 de maio um contra-ataque paraguaio foi repelido em Estero Bellaco e no dia 20 de maio estacionou-se em Tuiuti.

c. Consequências para a Argentina

Em consequência da invasão o governo argentino decretou a mobilização geral e aliou-se ao Brasil e ao Uruguai, firmando o Tratado da Tríplice Aliança.

Ao contrário do que esperava López houve revigoramento da autoridade do governo argentino, prestigiado, inclusive, pelo apoio dos seus próprios inimigos, como Urquiza, por exemplo.

d. A cobertura argentina

Para enfrentar a invasão dos paraguaios foi lançado o general Paunero que tinha também como missão ganhar tempo para permitir a mobilização e concentração dos meios aliados ao sul da província de Corrientes.

No dia 21 de maio, Paunero embarcou 1.500 homens em navios da esquadra brasileira tendo como finalidade inquietar a retaguarda dos paraguaios. Quatro dias mais tarde desembarcou e conquistou Corrientes, abandonando-a no dia seguinte sob pressão do inimigo que acorreu à região com forças superiores.

Essa ação de inquietação de Paunero teve como consequências:

-a ordem de retraimento recebida por Robles no dia 1º de junho e sua relutância em cumpri-la, o que contribuiria para o seu fuzilamento posterior; -a decisão de López de procurar a esquadra brasileira para um encontro decisivo que lhe assegurasse o domínio do rio Paraná. Será derrotado em Riachuelo (11 junho 1865) pela esquadra brasileira de Barroso.

OPERAÇÕES NO RIO GRANDE DO SUL a. Planejamento das operações

Desde janeiro que os paraguaios estavam com cerca de 10.500 homens concentrados em Itapua (Villa Encarnacion), sob o comando de Estigarribia. O Major Duarte havia estabelecido uma cabeça-de-ponte na margem Sul do Rio Paraná.

A invasão do Rio Grande do Sul tinha como objetivos:

-Atacar desde o início o inimigo principal, ocupando uma região que fizera parte da província Jesuítica do Paraguai, debilitando-lhe o moral, obrigando-o a distribuir meios importantes para essa área.

-Influir favoravelmente na posição das populações correntinas mostrando-lhes o poder do Exército paraguaio.

-Aproveitar os recursos da região missioneira, particularmente em gado e equinos.

-Aterrorizar as populações brasileiras da região e pelo clamor que o terror levantaria, atrair o Exército Brasi-leiro do Uruguai para a região missioneira e impor-lhe uma batalha em condições desfavoráveis, criando dificuldades para o Cmt. em Chefe da Aliança.

b. Execução das operações

No dia 10 de maio, Duarte como cobertura, atingiu a região de Santo Thomé mantendo apenas ligeiros contatos com os argentinos. Em 7 de junho o grosso das forças de Estigarribia chegou também àquela cidade e três dias mais tarde transpõe o rio Uruguai ocupando São Borja, nesta altura evacuada pelos brasileiros.

Depois de ter saqueado a região, Estigarribia prosseguiu com o grosso a leste do rio e Duarte a oeste, tendo atingido Itaqui (7 julho) e Uruguaiana (5 agosto). Contrariando ordens de López encerrou-se na cidade e, à vista de 9.000 soldados brasileiros, mandou degolar prisioneiros que tinha feito.

c. À defesa do Rio Grande do Sul

(1) Desde julho de 1864 que a 1ª Divisão vigiava a fronteira face à Mesopotâmia argentina enquanto a 2ª Divisão defendia a fronteira sul. Ficava estabelecido que essas forças estariam em condições de atender a duas hipóteses: 1º) Se as forças paraguaias de Humaitá atacassem a Argentina e as de Itapua o Rio Grande do Sul, a 1ª Divisão deveria transpor o rio Uruguai, bater o inimigo e ocupar Candelária no rio Paraná. 2º) Se, entretanto, as duas forças inimigas reunidas marchassem sobre a fronteira do Brasil, as duas Divisões Brasileiras, também reunidas, deveriam impedir a transposição do Uruguai até a chegada do grosso do Exército.

-Essa missão comportava, pois, uma linha de ação ofensiva no caso da divisão das forças inimigas e uma ação defensiva no corte do rio Uruguai no caso de uma atuação em força do grosso inimigo reunido.

O coordenador geral da defesa era o general Caldwell, que se encontrava em Saicã e não tinha plano definido de ação. Por seu turno, o general David Canabarro, Cmt. da 1ª Divisão, também não o tinha. Suas forças tinham adotado uma atitude defensiva, cobrindo-se nas regiões de passagem do rio Uruguai, enquanto o grosso estava articulado nas cabeceiras do rio Ibitocaí. Uma Brigada da 2ª Divisão recebeu ordem para reunir-se à 1ª Divisão o que fez em 21 de julho, após 3 meses de marcha.

(2) De uma maneira geral a defesa brasileira não existiu pelas seguintes razões:

-a falta de instrução, equipamento e organização precárias da tropa, na sua maioria, constituída de voluntários e de guardas nacionais há pouco mobilizados.

-A manutenção por tempo demasiado da 2ª Divisão na fronteira do Uruguai pois somente em 5 de agosto (Estigarribia já estava em Uruguaiana) reuniuse à 1º Divisão. A lentidão dos movimento de uma das suas Brigadas atribuiu-se a uma velha inimizade do seu Cmt., Barão de Jacuí, com Canabarro, Cmt. da 1ª Divisão.

-A inação, dos chefes brasileiros foi também notória e deu margem a processo que responderam. O Gen. Canabarro, o maior responsável, eximíu-se das prerrogativas do seu cargo, não impondo suas decisões aos Chefes subordinados. Perdeu, por isso, oportunidades valiosas de destruir as forças paraguaias por ocasião da transposição dos rios Ibicuí, Touro Passo e Imbaá.

-Não se cuidou, após o Fratado de 1º de maio, de unificar o comando das forças aliada das Missões. As tropas argentinas continuaram operando independentes das de Canabarro.

d. As operações em torno de Uruguaiana

(1) Operações dos aliados Em fins de julho o Exército aliado estava concentrado em Concórdia sendo a maior parte de brasileiros comandados por Osório. O Exército de Urquiza, em Mellizos, fora dissolvido com a sublevação dos seus 8.000 cavalarianos.

No dia 17 de agosto, o general Flores, comandante de um destacamento lançado por Mitre para combater Estigarribia, desbaratou a coluna de Duarte a oeste do rio Uruguai, e juntou-se às forças brasileiras, comandadas pelo general Porto Alegre, já cercando Uruguaiana.

No dia 2 de setembro, o Gen. Flores reivindicou o comando em chefe dessas forças não sendo atendido pelo general brasileiro. A 10 do mesmo mês chega Mitre à Uruguaiana, e, a 11, o Imperador D. Pedro II.

(2) A questão do comando Em ofício "Confidencial" de 20 de julho de 1865, que nomeou o Gen. Porto Alegre Cmt. em Chefe do Exército de Operações no Rio Grande do Sul, dispôs que:

-No desempenho dessa missão o Gen. Porto Alegre devia obrar "sempre de acordo com o Gen. Osório, com quem deverá estar na mais completa harmonia, sempre em vista o Plano combinado pelo mesmo general e pelo Cmt. em Chefe das Forças Aliadas".

-Se o Gen. Porto Alegre passasse ao território argentino, ficaria subordinado às ordens do Gen. Mitre.

-Se as forças de Mitre se entranhassem no território brasileiro em ato contínuo de perseguição ao inimigo, caberia ainda ao Gen. Mitre o Comando das Forças.

-O Tratado de Aliança firmara também o princípio de reciprocidade do Comando em Chefe, que seria exercido por Comandantes de Exércitos do País, com jurisdição sobre o território em que se desenvolvessem.

Com base no Ofício Confidencial, Porto Alegre, alegando que o Gen. Flores não era o Comandante em Chefe e não estava em perseguição ao inimigo, uma vez que Estigarribia se mantivera em Uruguaiana não enviando mesmo reforços a Duarte, concluía que a operação de ataque seria realizada contra um inimigo que vinha operando desde muito em território brasileiro, cabendo pois a um General Brasileiro o Comando em Chefe das forças aliadas, reunidas para combatê-lo.

A chegada de Mitre, a 10 de setembro, agravou a situação. Mas com a presença do Imperador no dia 11 de setembro tudo foi resolvido satisfatoriamente.

Decidiu-se então que os generais Mitre, Flores e Porto Alegre comandariam cada um, as forças de suas nacionalidades, ficando o Imperador como árbitro para dirimir as dúvidas. Caberia ainda ao general Mitre elaborar o Plano de Ataque e ao general Porto Alegre executá-lo.

O ataque não chegou a ser desencadeado pois os paraguaios se renderam, incondicionalmente, ante a intimação dos aliados (18 de setembro de 1865). e. Causas do insucesso paraguaio -Incapacidade de Estigarribia para executar uma operação de envergadura.

-Incapacidade de López, para conduzir a ação, mantendo-se muito longe da área dos acontecimentos, intervindo apenas sobre fatos consumados há muito tempo.

-Sucessos ocorridos no rio Paraná dos quais o mais saliente foi a vitória de Riachuelo, que privou López de utilizar a via fluvial do Paraná e determinou o recuo da coluna de Robles. Ainda aqui López se mostrou incapaz de tirar partido da situação, combinando ações da coluna de Resquin com a de Estigarribia, atacando à retaguarda de Paunero.

-Falta de apoio de Estigarribia a Duarte, permitindo que fosse inteiramente destruído.

-Impossibilidade de Estigarribia para resistir ao ataque aliado, a deserção de muitos dos seus soldados atraídos pelas promessas aliadas.

CONSEQUÊNCIAS NO PLANO ESTRATÉGICO PARA O PARAGUAI

-Não ter realizado os objetivos políticos a que se propunha ou seja a deposição do Governo de Mitre, ou pelo menos adesão das populações de Corrientes e Entre Rios.

-Não ter se aproveitado, como devia, da superioridade que o Paraguai possuía para avançar profundamente so longo do Paraná, pelo menos até Entre Rios. A ser verdadeira a explicação de Urquiza sobre a deserção de seu Exército, este movimento teria criado uma situação insustentável para o Governo de Mitre.

-Pouca agressividade na conduta estratégica da operação, particularmente ao longo do Paraná. O "raid" de Cor rientes foi superestimado e acarretou a retirada de Robles e a batalha naval de Riachuelo.

-Depois de Riachuelo, o aprofundamento da progressão de Estigarribia ao longo do rio Uruguai era um suicídio. López determinou então que ele não ultrapassasse o Ibicuí. Sua desobediência a esta ordem aliada à impossibilidade de López para detê-lo a tempo, dada a distância em que se encontrava selou a sorte desta força que marchou irremediavelmente para a destruição.

-Ainda por temer a ação da Esquadra Brasileira não soube tirar partido da fraca cobertura deixada por Mitre face a Resquin. Uma conduta agressiva de López, seja contra Paunero, seja mesmo aprofundando-se ao longo do Paraná, teria, talvez, modificado o curso dos acontecimentos. 4. O MOVIMENTO ALIADO PARA O SUL DO PASSO DA PÁTRIA O Plano de operações elaborado a 1º de maio era inexequível por não atender à situação existente. Serviria, quando muito, para base de outros entendimentos de que resultasse alguma coisa de concreta e eficiente.

Escolhida Concórdia como nova zona de concentração em fins de julho estava ela ultimada. A escolha de uma localidade acima dos saltos do rio Uruguai é bastante criticável pois tornou extremamente difíceis os transportes.

Seria mais interessante a eleição de uma região sobre o rio Paraná pois a presença de um elemento forte não permitiria a retirada tranquila de Resquin para o norte do citado rio.

Com a informação de que as forças de Resquin evacuavam a província de Corrientes, Mitre mudou a concentração para Mercedes, pronta em 25 de outubro de 1865.

Em fins de dezembro o Exército Aliado estava reunido ao sul do rio Paraná e iniciados os preparativos para a invasão do território paraguaio.

Para realizar a concentração em Corrientes os aliados levaram 4 meses e tiveram de percorrer mais de 400 quilômetros. Para se ter uma ideia do que representou isso com esforço físico bastará considerar que o movimento foi executado em plena estação invernosa, utilizando péssimos caminhos e transpondo inúmeros rios em plena cheia. (1) A região do Chaco é baixa, quase horizontal, com a altitude geral de 75 a 500 metros.

(2) A região do Rio Paraguai é alta em sua maior parte e bastante acidentada. Entre o Rio Apa e o paralelo 23º o terreno é acidentado, não apresentando, entretanto, cordilheira definida. Do paralelo 23º ao corte do Manduvirá, o terreno apresenta, sucessivamente, terrenos baixos, acidentes suaves e o degrau do Planalto de Amambaí. Do Manduvirá ao paralelo de Villeta, o terreno é muito acidentado, apresentando verdadeiras cordilheiras, destacando-se a de Altos.

(3) A do Caá-Guazu é acidentada e de relevo mais uniforme e definido do que a do Paraguai.

b. Hidrografia

O rio Paraguai é navegável por embarcações de bom calado até o interior de Mato Grosso. Do Sul para o Norte, notam-se na margem leste, até Vileta, uma série de esteros e rios paralelos e sucessivos, alguns servindo de escoadouro à lagoa Ypoá.

c. Vegetação

Três faixas de vegetação, coincidentes com as faixas de relevo. O do Chaco, com palmares; a central, com grandes florestas e savanas, e o Caá-Guazu com matas virgens.

d. Conclusão

(1) Podem distinguir-se três zonas naturais militares: A do quadrilátero Villeta -Itapua -Rio Paraná -Rio Paraguai, muito cortada e de circulação difícil, particularmente na região Confluência-Passo da Pátria-Humaitá.

A da cordilheira, acidentada e de circulação difícil. A do Caá-Guazu, acidentada, muito coberta e de circulação quase impossível.

(2) Como vias de acesso do Sul para o Norte, podem distinguir-se: A do Rio Paraguai, bem definida, mas muito estreita, com boas condições de circulação, conduzindo à capital do país e ao seu centro vital, bem como ao Sul do Estado de Mato Grosso.

A do Rio Paraná, bem definida, mas muito estreita e excêntrica em relação às áreas vitais do país.

Encarnación-Vila Rica-Assunção, mal definida, em parte coberta, com más condições de circulação.

(3) O terreno entre Passo da Pátria e Humaitá. A escolha do local de desembarque foi muito discutida e, somente em 15 de abril, véspera da transposição, se chegou a uma decisão final -margem esquerda do rio Paraguai em Barranca do Atajo.

c. Consquencias da Batalha de Tuiuti

Os aliados, embora vitoriosos, perderam a iniciativa estratégica das operação: Sofreram perdas elevadas, estavam com a cavalaria praticamente desmontada, ressentiam-se da falta de meios de transporte. Esses atos teriam repercussões, particularmente na Argentina, onde a perspectiva do prolongamento da guerra agravaria a instabilidade política do Governo de Mitre.

Os paraguaios sofreram grandes perdas. Esgotaram, pois a capacidade ofensiva que ainda possuíam. Passariam, portanto, à defensiva estratégica e tática, o que equivalia à perda da guerra. Daí por diante seu objetivo seria prolongar a guerra pelo tempo que pudessem, a fim de obterem, no mínimo, uma paz negociada.

A guerra entraria numa nova fase caracterizada pela estabilidade de frente.

IX -OPERAÇÕES EM TORNO DE HUMAITÁ l. AS OPERAÇÕES DOS ALIADOS APÓS TUIUTI

Em 30 de maio, em reunião conjunta, os chefes aliados tomaram uma decisão imediata acertada: manter as posições atingidas e reforçá-las progressivamente. Não se chegou, porém, a uma solução útil no que concerne à tomada de ação ofensiva, a única solução que poderia conduzir a uma vitória rápida. Conspirava contra isso a insuficiência dos meios de transporte, o estado precário da cavalaria aliada e a falta dos meios de apoio de fogo, isto é, a artilharia. a. Missão do CEx de PORTO ALEGRE Em 12 de abril de 1866, as forças de Porto Alegre, concentradas em São Thomaz, já numeravam cerca de 13.000 homens e sua missão evoluíra. No princípio era reserva, e posteriormente, deveria invadir o Paraguai por Candelária ou seja pelo Alto Paraná. Na conferência de 30 de maio foi sugerida a vinda de Porto Alegre para juntar-se ao exército de invasão. E, cumprindo essa missão, o 2º CEx de Porto Alegre, chegou em 28 de julho a Itapirtu. Desde 1º de julho ficara decidido que essa força realizaria "um ataque a Curuzu e Curupaiti de combinação com a Esquadra".

Mitre oficiou a Porto Alegre, confiando-lhe essa missão e lhe informou que deveria atuar sob a direção de Tamandaré. Porto Alegre alegou que era mais antigo do que Tamandaré e não poderia ficar subordinado a ele. Em 28 de agosto, houve nova reunião da Junta de Generais para tratar do caso, especialmente. Ficou estabelecido que o Corpo de Exército de Porto Alegre "operaria sempre de acordo com os aliados, ou fosse reunido a estes, ou auxiliando a Esquadra", assentando-se que Porto Alegre "quando ligado à Esquadra seria mero executor do que fosse resolvido na junta de Guerra". A má estruturação do Comando da Tríplice Aliança produzia seus frutos: as forças brasileiras tinham três Comandos: Polidoro, Porto Alegre, Tamandaré; Mitre abdicara tacitamente de suas atribuições de Comandante em Chefe, sugerindo que as decisões de importância fossem tomadas em Juntas de Generais; protelava-se o início de operações importantes para atender às suscetibilidades de Porto Alegre, criava-se ressentimentos entre Mitre e Porto Alegre e entre eles e Tamandaré. -Nenhuma força brasileira poderia ser destacada para operar sob as ordens de um general estrangeiro, inclusive o Cmt. em e Chefe da Aliança, sem consentimento expresso do Comandante Chefe do Exército brasileiro. Evitava-se, assim, incidentes semelhantes aos ocorridos em Curupaití.

-No caso de Cmt. em Chefe retardar às operações de guerra, concertar armistício com o inimigo, ou retirar-se do teatro de operações, o Cmt. do Exército Brasileiro poderia operar por si só, "sob sua maior responsabilidade". Dava-se a Caxias a possibilidade de agir em separado, no caso de suspeitar de intenções ocultas do Chefe argentino, mas se jogava sobre seus ombros, tanto a responsabilidade de julgar essas intenções, como a do resultado dessas operações.

Caxias nos seus quesitos procura ampliar as atribuições do Cmt. do Exército Brasileiro, que foram até então restringidas por sua subordinação completa ao Cmt. em Chefe, cujos planos mirabolantes sempre se chocavam com a realidade dos fatos, que não procurava remediar de imediato. Com isso, a guerra entrara em ponto morto e a decisão final fora procrastinada por tempo imprevisível, contrariando os interesses do Império, cujos recursos se iam exaurindo, enquanto servia aos dos argentinos, que enriqueciam e prosperavam com os gastos do Império Brasileiro. A falta de firmeza da condução da guerra, reconhecida implicitamente na necessidade de dilatar a liberdade de ação do Chefe Brasileiro, era remediada, autorizando-o a agir por si só, se assim julgasse preciso. Mitre insistiu insinuando que n Esquadra não queria se arriscar na execução de uma operação que lhe parecia fácil e os jornais argentinos e uruguaios fizeram eco dessa malévola insinuação. Caxias resistiu e comunicou aos seus Superiores, que a insistência de Mitre lhe parecia suspeita, bem como sua inatividade. O Governo consolidou sua liberdade de ação, limitando as limitações da exclusiva responsabilidade de Caxias na execução das operações. Perigou a Aliança. Mas se realizou, embora indiretamente, a unidade de Comando sob a liderança de Caxias.

As operações tomaram novo impulso e o dispositivo aliado estendeu-se a São Solano, Pilar e Taí, onde se instalaram, dificultando as ligações paraguaias pelo rio.

Lopez reagiu atacando em 3 de novembro a base de Tuiuti sendo repelido. Iniciou a construção de uma nova posição no Tebicuari e concentrou-se em Humaitá.

Em janeiro de 1868, Mitre retira-se definitivamente para Buenos Aires, passando o comando em chefe a Caxias. No mês seguinte, a Esquadra força a passagem de Humaitá, e alguns navios brasileiros apresentam-se frente à Assunção.

No dia 3 de março, Lopez e 12.000 homens abandonam Humaitá que só será ocupada pelos aliados em 5 de agosto com a sua evacuação definitiva pelos paraguaios.

Todo o período de operações, que vai da batalha de em 24 de maio de 1866, à queda de Flumuitá, em 5 de de 1868, pode ser caracterizada ela atividade dos aliados em busca de um campo de batalha, onde possam impor uma derrota definitiva a Lopez. Praticamente nada conseguiram. Lopez se manteve atrás de suas fortificações, bem casadas às dificuldades do terreno e resistiu bem. Depois de impor uma parada de dois anos ao Exército aliado, conseguiu retrair-se com os seus efetivos quase intactos. O desgate dos aliados grande. Foi, em verdade, uma vitória defensiva dos paraguaios.

Aberta a via do Paraguai, as operações entrariam num periodo ativo que culminariam com a manobra de Piquisiri.

OPERAÇÕES ENTRE SETEMBRO E DEZEMBRO DE 1868

Instalada a base de Humaitá, Caxias dispôs-se a procurar o inimigo que se supunha achar-se no corte do Tebicuari. Esse rio foi transposto com pequena resistência do inimigo. Seguiu-se a passagem do Parái e do Surubi-i, recalcando elementos retardadores, e o reconhecimento de Angostuia. Em fins de setembro, os aliados acham-se em Palmas e a vanguarda estabeleceu contacto com a posição do Piquisiri.

A impressão geral é de que esta posição, com 9 km de extensão apoiada em uma lagoa de grandes dimensões e no rio Paraguai, seria de difícil conquista por ataque frontal através verdadeiro lençol d'água. Parecia-lhe impossível que os aliados pudessem contornar a oposição pelo lado do Chaco, mas acabou se convencendo que eles estavam realizando com êxito esta tarefa difícil. Decidiu, então, organizar um forte núcleo de forças para jogar com elas no momento oportuno.

Abriam-se-lhe três linhas de ação: abandonar a posição e procurar estabelecer nova resistência na Cordilheira; jogar suas forças para o Norte a fim de enfrentar o Exército Aliado, numa batalha campal decisiva; defender a posição com a frente invertida. A primeira linha de ação era inteiramente contrária ao seu temperamento voluntarioso e decidido. A segunda lhe pareceu sumamente desfavorável dada sua inferioridade numérica. Agarrou-se, pois, à terceira, lançando para o Norte um contingente de 9.000 homens (cerca de metade de seus efetivos) para ganhar o tempo suficiente para preparar a posição face ao Norte.

Na dosagem dessa força parece ter residido o seu maior erro, pois o aniquilamento desse destacamento em Itororó e em Avaí, não lhe permitiu defender com êxito a posição de Itá-Ivaté. Foi então batido por partes.

d. A atuação de Caxias na Dezembrada

A manobra concebida e executada por Caxias foi uma manobra de ala com movimento envolvente integral em que sobrasairam:

-A surpresa estratégica com o desembarque do grosso na região de Santo Antonio.

-A velocidade, apesar das dificuldades e desconhecimento do terreno e do mau tempo, foi obtida pelo acionamento vigouroso dos meios em Itororó e Avaí, embora o inimigo se defendesse com energia e denodo.

Cumpre ainda ressaltar a busca intensa de informações quer em relação ao terreno, quer sobre a localização dos elementos inimigos, servindo de base a progressiva elaboração da manobra e sua segura e eficiente execução. Preocupou-se, ainda, Caxias em ativar a busca de informações por meio de reconhecimento de Cavalaria e observação em balão.

Quando todo esse trabalho estava em curso, irrompeu no acampamento aliado uma epidemia de "Cholera Morbus" que se manifestou em março de 1867, em Itapiru, e durou cerca de mês e meio, zombando de todas as medidas profiláticas e de tratamento, fazendo cerca de 4.000 vítimas.

b. A manobra de Humaitá

Como Comandante em Chefe do Exército Aliado, entre 14 de fevereiro e 31 de julho de 1867, e depois, de janeiro de 1868 em diante, coube a Caxias arrancar o Exército da passividade em que se vinha mantendo desde novembro de 1866. Coube-lhe retomar e ultimar o planejamento da manobra de Humaitá e iniciar e terminar sua execução, o que bastaria para consagrá-lo como general em toda profundidade e extensão desse título. Como organizador deu mobilidade ao Exército pela solução de problemas logísticos que lhe permitiu possuir uma Cavalaria numerosa, flexível, agressiva e manobreira. Como planejador, sentiu as possibilidades do inimigo, os pontos fracos do seu dispositivo, elegeu com acerto a direção mestra do esforço e ajustou os meios terrestres e fluviais sobre ela no quadro real de suas possibilidades. Como executor da manobra esteve sempre nos seus pontos críticos, com oportunidade, estimulando pela ação pessoal seus soldados, conduzindo com rapidez e eficiência suas Grandes Unidades.

c. A Manobra de Piguisiri

O conjunto das Operações, conhecido como "Manobra do Piquisiri" ou "Dezembrada", concebida e conduzida por Caxias teve como resultado a destruição do grosso das forças paraguaias. Sem dúvida, a Guerra ainda continuaria, mas, não se pode contestar de existir como testar, também que o Exército de Lopez força combatente digna desse nome. Vitorioso em Humaitá, Caxias procurou imediatamente o contato com o inimigo que supunha se estabelecesse em Tebicuari. Sua Cavalaria em reconhecimentos profundos logo lhe dera a informação de que o inimigo se postara perto do arroio Piquisiri, com os flancos bem apoiados.

Estabeleceu desde logo a ideia de atingir Villeta para destruir o grosso inimigo e daí seguir para o Norte, a fim de ocupar Assunção. Essa ideia geral foi se precisando à proporção que as informações iam chegando e realizava os reconhecimentos do terreno.

Planos sucessivos, encadeados no tempo e no espaço se foram sucedendo e completando até surgir a manobra como um todo: o envolvimento pelo Chaco e o ataque de Norte para Sul.

A execução dessa manobra se foi fazendo também por etapas, mediante planos parcelados, subordinados ao de conjunto, bem ajustados à conduta do inimigo, aos reconhecimentos e às informações de que carecia. E neles estão sempre presents as ideias de rapidez, de potência e seguran, a ideia de rapidez e, para tal, o chefe não hesitou em empenhar-se a fundo num ataque frontal para abrir a porta do campo de Batalha que procurava. Em Porto Ipané o que prevalece é a potência. O Chefe podia ir além sem ter reunido todos os seus meios, particularmente, a Cavalaria e tê-los suprido abundantemente. Demora-se, pois agir de outra forma seria enfraquecer o Vigor de seus meios e em consequência a potência de sua massa de manobra.

Depois é a ação vigorosa em Avaí e a reunião em Villeta, para travar a batalha decisiva. O objetivo principal é fixado com realismo e sobre ele se concentra a ação do grosso.

A Manobra do Piquisiri, disse muito bem o General Tasso Fragoso, tem o "sinete característico das concepções napoleônicas", que prevê e provê, sabe aliar a audácia à segurança, nada deixando à improvisão e ao acaso. No dia 13 de junho a força brasileira após duro combate apossou-se da localidade, que em consequência de uma epidemia de varíola foi posteriormente evacuada.

XII -

d. A recuperação de Mato Grosso

Somente após a presença da esquadra brasileira em Assunção (fevereiro de 1868), é que Lopez ordenou a evacuação de Mato Grosso.

Com a ocupação de Assunção foi restabelecida a ligação por via fluvial com a província de Mato Grosso.

c. comentários

A expedição de Mato Grosso veio demonstrar quanto eram difíceis as realizações das providências contidas nos diferentes Planos de Operações com relação a uma atuação pelo Norte do Paraguai. E essas dificuldades residiam nas más condições de apoio à força, principalmente. Certamente Cuiabá ofereceria melhores condições de apoio dada a existência da via fluvial, mas a utilização desta estava condicionada pela possibilidade de ser assegurado o transporte pelo rio Paraguai, ainda dominado pelo que restava da Esquadra Paraguaia, muito mais poderosa do que qualquer combinação de meios fluviais que se pudesse fazer na Região.

Desse modo a primeira decisão de enviar o Corpo Expedicionário a Cuiabá foi muito mais acertada do que a posterior de mandá-lo concentrar-se em Miranda, certamente influenciada pelo plano de Caxias. Mas Miranda nesta época tinha sido devastada pelos paraguaios que tinham arrebanhado todo o gado da região. Seriam, pois, difíceis as condições de apoio logístico da tropa nessa área. Por outro lado, as condições sanitárias reinantes em Mato Grosso, nessa época, eram más, o que aconselhava se evitasse conduzir pela região uma grande massa de tropa.

A expedição de Mato Grosso foi mal sucedida em consequência das dificuldades de suprimentos e das más condições sanitárias da região onde se operou. Aliou-se a essas duas grandes dificuldades o receio do Cel. Camisão em passar por covarde fazendo pesar nas suas decisões de chefe a que estavam ligadas a vida de centenas de soldados e oficiais, suas deficiências humanas. Se a Coluna tivesse ficado com o seu grosso em Miranda e realizado incursões sobre as localidades da fronteira, certamente teria cumprido melhor sua missão e não teria sacrificado inutilmente a vida de inúmeros brasileiros. Em contrapartida não teríamos a página gloriosa da retirada famosa, capaz de ombrear pelo heroísmo, a resistência do espírito de sacrifício dos que participaram, com outras que a História recolheu e orgulham a humanidade. Em ofício do representante brasileiro, datado de 1º de maio estipulou-se ainda que a posse da Argentina e território na margem direita do Paraguai (Art. 17), "não prejudicava qualquer reclamação que se faça à República da Bolívia".

Alertado pelo Conselho de Estado do que significava, para a segurança e os interesses do Império, a posse pela Argentina de todo o Chaco, estendendo seu território até a Baia Negra, o Governo Imperial começou a movimentar-se diplomaticamente para evitar que essa inadvertência dos negociadores do Tratado de 1º de maio se efetivasse. A Argentina, porém, resistiu, adiando a solução da questão para o fim da Guerra.

b. As negociações iniciais

Em 15 de agosto de 1869 se instalou o Governo provisório do Paraguai reconhecido pelos aliados sob as seguintes condições:

-O Governo seria constituído de forma e por pessoas que dessem plenas garantias de perfeita inteligência com os aliados, embora fosse escolhido livremente.

-O Governo procuraria conciliar sua soberania com as estipulações do Tratado de Aliança. Como consequência desses pontos de vista surgiu a chamada Doutrina. Varela de que a "vitória não dá às nações aliadas direito de declararem, por si, limites seus àqueles que o Tratado assinala". O Brasil recolheu surpreendido essa declaração aguardando a terminação da Guerra.

A paz

Com a morte de Lopez, em 1º março de 1870, negociaram os aliados um projeto de protocolo para o ajuste de paz, a que o Paraguai, com apoio da Doutrina Varela, opôs restrições. Foi o protocolo de 20 de junho de 1870, que o Império também aceitou, embora surpreendido com o ponto de vista argentino, de que a "vitória não dá direito".

Em 15 de agosto de 1870, reuniu-se a Convenção constituinte do Paraguai e em 24 de novembro foi eleito o novo Presidente. Os aliados trataram então de estabelecer o Tratado definitivo de Paz e depois de várias negociações decidiram que os negociadores fariam gestões junto ao governo paraguaio de acordo com o ajuste prévio e que no relativo aos limites adviriam as resoluções definitivas até serem conhecidos os pontos de vista paraguaio e os títulos em que assentavam. Não foi possível chegar-se a um acordo no que se referia às fortificações paraguaias.

Os argentinos tendo de lado a Doutrina Varela, reivindicaram agora o cumprimento integral das cláusulas do Tratado de 1º de maio, negado aos outros aliados o direito de intervirem na contenda, mas exigindo deles completo apoio para exigir seu ponto de vista ao Paraguai. Os governos Imperial e o Oriental não se conformaram com essa diretriz, rompendo-se as negociações entre Cotegipe e Quintana, representando, respectivamente, o Brasil e Argentina.

Em consequência, Cotegipe negociou sozinho os Tratados do Império com o Paraguai. Isso deu margem a protestos da Argentina, que ameaçou chegar à guerra. Houve troca de Notas acerbas e a aliança periclitou.

Em 1872, Mitre como representante da Argentina e o Marquês de São Vicente por parte do Brasil, depois de várias conferências chegaram às seguintes conclusões:

Reconheciam a vigência do Tratado de 1º de maio; reconheciam os Tratados negociados por Cotegipe; combinaram que a Argentina entraria em negociações com o Paraguai; asseguravase a cooperação do Brasil nessas negociações e, se necessário, um exame de conjunto da situação, por todos os aliados.

As negociações de Paz da Argentina com o Paraguai se iniciaram em Assunção, a 11 de abril de 1873, com a assistência do Brasil. Depois de várias marchas e contra-marchas se chegou a um acordo em que: o governo argentino renunciava a qualquer pretensão aos territórios do Chaco ao Norte do rio Verde e o Paraguai às que tinha ao território entre o rio Pilcomaio e o Bermejo; o território entre os rios Pilcomaio e Verde seria sujeito ao arbitramento do Presidente dos Estados Unidos, J. B. Hayes, que deu ganho de causa ao Paraguai. O Brasil conseguira anular o erro de seus diplomatas, em 1865, graças a um maior da diplomacia argentina, em 1869, XVI -APRECIAÇÃO SOBRE A GUERRA DO PARAGUAI A querra do Paraguai foi o último lanço do esforço brasileiro para firmar seus limit Sul, liquidando definitivamente a questão que marcou fundamente sua formação e os primeiros cingiienta anos de sua vida como Estado soberano. Da confluência do Apa à foz do Chui, na região onde desde 1630 se chocaram os interesses portugueses e espanhóis, estava confirmada a posse brasileira. Nem mesmo a questão de Palmas alteraria esses limites, uma vez que era claro e insofismável o direito brasileiro.

Enorme, para essa época, foi sem dúvida o esforço brasileiro. Em números redondos o Brasil alinhou em campanha 140.000 combatentes e sofreu perdas de 33.000 mortos. Do ponto de vista financeiro seu sacrifício foi também imenso. E para ressarcí-lo não buscou compensações materiais embora lhe sobrassem direitos e autoridade para exigí-lo. Contentou-se em acertar as questões pendentes antes do conflito e a prestar ao inimigo de ontem, o Paraguai, todo o apoio que foi possível no âmbito dos compromissos assinados com seus aliados. O Paraguai não poderá, sem cometer grave injustiça, esquecer a contribuição do Brasil para que conservasse o Chaco acima do rio Pilcomaio.

O Paraguai saiu mutilado territorialmente da guerra, depois de um tremendo sacrifício humano que consumiu quase toda sua população masculina. Lutou por uma saída para o mar e acabou irremediavelmente confinado ao seu destino de país mediterrâneo. Para a pequena e brava nação guarani a guerra foi verdadeiramente total e desastrosa.

Muito menor, embora não menos digno de respeito, foram os sacrifícios feitos pelo Uruguai e pela Argentina. Do ponto de vista financeiro, esta última se beneficiou com os proventos auferidos no suprimento dos Exércitos aliados em víveres, animais e outros artigos.

Sob o ponto de vista operacional pela sua duração e esforços que exigiu, a guerra do Paraguai foi a mais importante nente, podendo ombrear-se mesmo com a Guerra da Secessão. , Foi uma guerra moderna, que serviu de transição. particularmente pela forma que assumiu entre o período napoleônico e o que se abriu com a guerra de 1914-1918. Desenvolveram-se largamente durante a guerra, mercê principalmente das características do teatro de operações, manobras estratégicas de larga envergadura e operações defensivas, as Primeiras características do período napoleônico e as últimas marcando grande parte da querra 1914-1918. Tiveram também grande emprego as operações combinadas, constituindo mesmo essa guerra a mais completa experiência que as Forças Armadas Sul-Americanas poderiam apresentar nesse setor. Algumas operações, como as transposições do rio taque a Curuzu, podem mesmo ser tomadas como modelos e muita coisa do que nelas se fez reapareceria em escala mais ampla na segunda guerra mundial, como as operações anfíbias.

O próprio trabalho de Estado-Maior apareceu com relevo na guerra do Paraguai. Muitos dos estudos de situação, feitos pelos Conselhos enerais, podem ser perfeitamente enquadrados, sem o menor esforço, nos esquemas modernos para o trabalho de comando.

O papel desempenhado pelas forças navais foi relevante e de grande eficiência. Sem a atuação onímoda e atuante da Esquadra, à guerra não teria tido êxito. A contribuição das forças navais se fez sentir: nos transportes de pessoal e suprimentos nos rios e no mar; no apoio às operações em terra; em certos casos como base móvel de suprimentos (manobra de Piquisiri). Observada como a Marinha brasileira conquistou e manteve o dominios dos rios Paraná e Paraguai; enfrentou e venceu poderosas fortificações do inimigo e repeliu várias tentativas de abordagem.

Em suma, a guerra do Paraguai, pelo volume dos meios que exigiu, por sua duração, pela violência de alguns dos seus encontros, se inscreve como a mais importada no Continente Sul-Americano e pode fornecer úteis e modernos ensinamentos.

XVI -CONSEQUÊNCIAS DA GUERRA

-A estruturação do equilíbrio político na Bacia do Prata, propiciando a tranquilidade que se lhe seguiu.

-A solução de questões de limites entre o Brasil e o Paraquai e entre este e a Argentina, anulando-se os motivos dos conflitos que vinham perturbando a política internacional do Prata.

-A melhoria de relações entre o Brasil e o Paraguai, permitindo contrabalançar a influência da Argentina.

-A definição do Paraguai como país mediterrâneo e área de atrito entre os interesses brasileiros e argentinos.

-O aceleramento da reintegração do Brasil na sua vocação republicana contribuindo para a abolição da escravatura e implantação da República.

-Solução da questão da livre navegação nos rios da Bacia Platina. O território brasileiro, apesar de sua imensidão, se comporta como uma unidade geográfica do tipo misto, solidamente assentada sobre o planalto central, oferecendo boas condições de circulação interna, de produção variada podendo servir de suporte físico à organização de uma grande Nação.

A diversidade de climas no Brasil criava, bem contrário da impossibilidade de desenvolvimento de uma civilização de alto nível, possibilidades inumeráveis de gêneros de vida diversos, ciclos de trabalhos complementares que, bem aproveitados, poderiam constituir-se, como de fato estão hoje se constituindo, em fatores de diversificação da produção e de melhor rendimento do esforço humano, esteios de forte e poderosa Nação. Poderiam tambem contribuir para diversificar os tipos humanos e sociais, como o marítimo, o montanhês, o florestal, o nômade das grandes planícies, ensejando o aparecimento de diferentes grupos sociais, com cultura, gênero de vida e aspirações políticas diferentes, A vegetação poderia propiciar atividades econômicas diversas, desde o extrativismo nas florestas amazônicas e atlântica e em área do sertão, à criação de gado nos cerrados do planalto central e nos campos do sul. A floresta amazônica, pela continuidade, densidade, exuberância, bem como a mata atlântica, dificultavam a circulação, mormente a primeira, em que o movimento só era possível ao longo dos rios.

As áreas florestais dificultavam a ocupação, principalmente a amazônica e poderiam funcionar como elementos separadores de núcleos humanos.

Ao primeiro exame, o litoral brasileiro não parece favorecer muito as ligações do interior com o mar, dada sua relativa pobreza de articulação. Mas se atentarmos para a feição longilínea do espaço continental, na maior riqueza de articulação, justamente na área onde o relevo continental se debruça sobre o mar, opondo uma barreira à sua influência sobre o interior e na existência de grandes rios, nascendo nessa região e correndo, ora paralelamente a oeste, ora para o interior, compreenderemos a importância do mar como elemento aglutinador dessas estradas líquidas, que conduziam a todas as regiões que constituem o espaço continental do Brasil.

A rede fluvial brasileira, apesar de constituida por uma infinidade de cursos d'água, reflete de maneira sensível as características do relevo e da estrutura geológica do espaço brasileiro, com predominância dos rios de planalto, de curso rápido e acidentado. As três principais bacias hidrográficas, tendo suas principais nascentes no centro mesmo do planalto brasileiro e muito aproximadas umas das outras, comunicando-as às vozes por meio de varadouros, revestem-se de grande forca unificadora, em face das atrações divergentes do vale do Amazonas e do estuário do Prata. Essa força de coesão e fortalecida pela direção convergente dos afluentes dos rios principais, cobrindo, com uma densa trama de vias navegáveis, o espaço entre eles.

A disposição da rede hidrográfica brasileira facilitava a penetração para o interior do Brasil e seu completo devassamento, dada a imprecisão dos limites orográficos das diferentes bacias. Na região sudeste, melhor articulada com o mar e servida por clima mais benigno, galgado o paredão marítimo ou vencidos os acidentes que cortam os cursos dos rios, tinha o desbravador à sua disposição uma série de caminhos fluviais, dirigindo-se pata o interior, que lhe permitiam atingir o centro mesmo do continente e daí irradiar-se, passando de uma a outra bacia para os quatro pontos cardiais. Na região do nordeste, os rios abrem seus vales amplos em direções diversas conduzindo para o interior.

b. Apreciação

Concluindo a apreciação do espaço brasileiro, relacionada com a influência que exerceu na formação do Brasil, diremos que:

-O território brasileiro, apesar de sua imensidão, se comporta como uma unidade geográfica do tipo misto, solidamente assentada sobre o planalto central, oferecendo boas condições de circulação interna, de produção variada, podendo servir de suporte físico à organização de uma grande nação.

-Grandes rios, quase interligados nas suas nascentes, desenvolvendo-se uns na direção geral dos meridianos; outros dos paralelos, reforçam a força unificadora resultante do relevo e constituiram-se, na época, nos elementos naturais de penetrabilidade da massa continental.

-A extensão de suas costas atlânticas, permitindo contatos fáceis com todas as regiões costeiras, contribui para atenuar a força dissociadora da calha amazonense e a atração do estuário do Prata. De Vitória ao Golfão de São Luís, quando as terras comecam a sofrer influência do trópico, a convexidade da linha litorânea mais se aproxima dos grandes feixes de circulação transoceânica; nenhum obstáculo detem as influências marítimas que penetram facilmente pelo interior, amenizando o clima e vinculando-o à vida atlântica. Corrigindo a feição excêntrica da corrente do Amazonas e atenuando a ação dissociadora, que poderia provocar a influência do mar, penetra livremente pelo amplo vale e ganhando seus afluentes meridionais, chega ao rio Paraguai, criando como que uma costa fluvial interior, que envolve o planalto brasileiro, onde assenta a unidade geográfica do Brasil. Essas circunstâncias fazem do Brasil um país predominantemente marítimo, apesar de seu grande espaço continental. Por outro lado, a força-unificadora do mar, estreitamente ligada à dos rios interiores, atenua os elementos dissociadores, sem anulá-los, imprimindo ao espaço brasileiro uma diversidade de características geográficas que teriam influência sobre as culturas, organização social e aspirações políticas das populações que ali se estabelecessem.

-A benignidade do clima nas regiões meridionais, a orientação geográfica do cordão montanhoso do litoral, a riqueza do solo dessa área e sua articulação com o mar favoreciam a vida humana, possibilitando as populações que ali se estabelecessem influenciarem fortemente a vida brasileira.

ESTUDO DA POSIÇÃO

Em relação às águas oceânicas e as potências colonizadoras, as terras brasileiras encontravam-se no interior do ângulo formado pelas duas rotas oceânicas, recém-abertas ao tráfego de todas as bandeiras: o caminho das índias, bordejando a costa da África, percorrido por Vasco da Gama em 1498 e o das Índias Ocidentais, descoberto por Colombo em 1492. Em ambas as rotas, uma ligeira mudança de rumo para oeste, no primeiro caso, e sudeste, no segundo, levaria as embarcações ao promontório nordestino, que avançava mar a dentro, ao encontro do saliente africano, tendo de permeio a ilha de Fernando de Noronha. Pode dizer-se, então, que o Nordeste do Brasil, sendo um ponto facilmente acessível às embarcações vindas da Europa em missões comerciais, colonizadoras, de corso e conquista, tinha possibilidades de se desenvolver mais rapidamente, do que outras regiões da Colônia e de se transformar em objetivo militar de potências inimigas de Portugal. No que se refere à posição continental, o Brasil estava cercado por terras pertencentes à Coroa de Castela, cujos focos colonizadores principais desenvolver-se-iam no Caribe, no Peru e em Assunção e Buenos Aires. Seus núcleos humanos, plantados no litoral atlântico, separavam-se dos núcleos do Caribe e do Pacífico por uma faixa de terras coberta por uma luxuriante floresta tropical através da qual a circulação só podia fazer por rios ainda mal conhecidos. Infere-se, portanto, serem mínimas as possibilidades de choque das duas correntes colonizadoras.

Quanto a Assunção e Buenos Aires, a situação era outra. A posição do estuário do Prata, que reunia águas de rios que penetravam profundamente o continente, quase atingindo a orla atlântica, propiciava a expansão dos núcleos portugueses, fixados no litoral em busca da foz dos grandes rios, cujos cursos superiores dominassem. Era pois de prever, inicialmente, choque entre as duas correntes no interior do continente e, depois, nas próprias margens do Prata, buscando dominar esse estuário.

ESTUDO DA CIRCULAÇÃO a. Circulação interna

Foi fortemente condicionada pelas vias de transporte fluviais, os meios de-transportes utilizados na época e pela técnica assimilada aos indígenas.

Favoreceram-na a suavidade do relevo, que não oferecia elementos separadores de vulto e a direção dos cursos de rios caudalosos, com grandes extensões navegáveis.

Ao norte, onde a floresta equatorial constituía poderoso e contínuo obstáculo ao movimento, abria-se a via fluvial do Amazonas, larga, profunda, estável, com excelente caminho líquido, ligando o Atlântico ao sopé dos Andes. Densa rede de afluentes, extensamente navegáveis, de furos, igarapés, ampliava para o norte e o sul a influência circulatória da via principal, ligando-se ao Orenoco ao norte, ao São Francisco, a sudoeste, e ao Paraguai, ao sul. Essa densa rede de rios navegáveis condiciona o estabelecimento do povoamento e constitui a trama circulatória, que possibilitou o desbravamento, a conquista e a ocupação dessa grande área e contribuiu para sua integração ao restante do território colonial.

No nordeste e este, os rios, em parte temporários, constituiram-se em vias naturais de penetração, graças à feição tabular do relevo e pequeno porte da vegetação. Onde a floresta atlântica podia impedir o movimento, os rios eram perenes e sem obstáculos que lhes interrompessem o curso, exceção feita ao São Francisco, cortado no seu curso inferior pela cachoeira de Paulo Afonso.

A sudoeste, onde a Serra do Mar dobrada em alguns trechos por outras que lhe eram paralelas, aliada à exuberância da floresta tropical, constituía sério obstáculo à penetração para o interior, as abertas do paredão orográfico, em concordância com as nascentes de extensos rios navegáveis, muito contribuiram para atenuar o efeito separador da orografia. Galgada a barreira orográfica costeira, a corrente dos rios, embora precariamente navegáveis, permitia a penetração do interior. E lá no centro mesmo do continente, os afluentes da margem sul do Amazonas, da margem leste do Paraguai, das margens oeste do Paraná e do São Francisco, convergindo e quase se interligando em suas nascentes, criavam, no grande espaço triangular, formado pelos rios principais, uma densa rede de rios navegáveis, com amplas possibilidades de aproveitamento nas mais diferentes direções. Esse fato geográfico criou no centro do continente uma imensa área de trânsito, abrindo amplas possibilidades de movimento em todas as direções.

Por outro lado, a indefinição do divisor entre os formadores do Guaporé e do Paraguai facilitou, sobremodo, a passagem da bacia platina para a amazônica, criando uma costa fluvial interior, que punha em ligação as duas grandes articulações do litoral atlântico os estuários do Amazonas e do Prata. O planalto central brasileiro tão profundamente erodido e indentado pelos rios que dele desciam, de nascentes muito próximas das outras, passou a funcionar como uma imensa e recortada ilha de feição continental, facilmente acessível das mais diversas direções.

São Paulo de Piratininga e Salvador seriam os dois grandes terminais do sistema circulatório do Brasil colonial. Do primeiro, seguindo a direção este-oeste seriam atingidos os primeiros degraus da cordilheira andina; infletindo depois para o sul chegar-se-ia facilmente ao estuário do Prata ou à grande placa giratória central, que permitia prosseguir nas mais diferentes direções; desviando-se para o norte, atingir-se-ia de novo os Andes ou aproveitando o Orinoco retornar-se-ia ao Atlântico. Partindo do segundo, na direção norte, o São Francisco seria atingido e por seus afluentes demandar-se-ia os afluentes da margem sul do Amazonas ou vários pontos da costa. Seguindo a direção oeste, a placa giratória central seria alcancada e de lá poder-se-ia prosseguir nas mais diferentes direções.

A circulação interna no Brasil colonial, condicionada fortemente pelos meios de transporte da época, que os indígenas ensinaram a utilizar, foi amplamente facilitada pela rede fluvial da área que a suavidade e forma de relevo permitiu aproveitar numa escala compatível com a imensidão do espaco a percorrer e ligar, e dos reduzidos transportes a realizar.

b. Circulação externa

Foi fortemente condicionada pela navegação a vela e pelo saliente nordestino, que pronunciou a orientalidade da América do Sul, em relação à do Norte.

As condicionantes físicas mais importantes da circulação externa no Período Colonial foram:

-rotas fáceis de retorno, embora mais demoradas na mesma direção; -rotas dos alíseos do NE, correntes equatoriais do norte do Brasil, facilitando a ligação direta dos portos portugueses aos do Brasil;

-circulação mais ativa das correntes da metade ocidental do Atlântico; -sistema circulatório correspondente aos ventos e correntes do Atlântico Sul, constituído pela corrente equatorial do sul, ventos dominantes do sudoeste, alíseos de sudeste e corrente de Bengala;

-sentido oposto da corrente das Guianas e da corrente do Brasil.

Em conclusão poder-se-á dizer que a circulação externa:

-Facilitava as ligações com a Metrópole, particularmente na área nordestina;

-Facilitava as ligações com Angola e Guiné, propiciando a introdução do negro no Brasil e o intenso intercâmbio comercial que o Brasil manteve com essa área nos seculos XVII e XVIII;

-Tornava mais fáceis as ligações de São Luís e Belém com Lisboa, do que com Recife ou São Salvador, contribuindo para uma maior aproximação dessas áreas com a sede do reino, do que com a sede do Governo Colonial. Isso influiria na divisão do Brasil em dois governos e na maior influência da Metrópole nessas áreas, do que o centro do poder colonial;

-Facilitava os movimentos de armadas europeias inimigas, tornando as costas entre o Rio de Janeiro e Recife muito acessíveis, particularmente as da primeira área;

-A circulação periférica, sendo fácil na costa oeste, era difícil ou quase impossível, na costa este-oeste, na direção NW -SE. Isso tornaria difícil a integração dessa área costeira na unidade brasileira, uma vez que era mais solicitada pelos feixes de circulação do Atlântico norte, do que pelos do sul.

CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO DESCOBRIMENTO

Há no episódio histórico do descobrimento do Brasil alguns fatos interessantes a considerar.

a. Prioridade no descobrimento

Discutem-na franceses, espanhóis e portugueses.

Alegam os franceses que Jean Cousin, de Dieppe, esteve no Brasil em 1480. Não há, entretanto, documento algum que prove essa afirmação.

Os espanhóis apresentam, com fundamento histórico, as seguintes expedições: em junho de 1499, Alonso Ojeda, Juan de la Cosa e AméricoVespúcio aportaram no delta do Rio Açu, no Rio Grande do, Norte; em janeiro de 1500, Vicente Yánez Pinzôn, fundeou junto de um cabo que denominou Santa Maria de la Consolación, que Varnhagem identificou como sendo a Ponta do Mucuripe no Ceará; em fevereiro de 1500, Diego de Leppe esteve no Ceará e reconheceu a costa até o Cabo de Santo Agostinho.

Os portugueses apresentam relato de uma viagem realizada por Duarte Pacheco Pereira, em 1498, publicada no seu livro "Esmeraldo de Situs Orbis".

Parece, pois, caber de fato, aos portugueses a prioridade no descobrimento do Brasil.

b. Casualidade, Propósito, Intenção

A tese de casualidade, aventada por Goncalves Dias, não encontrou apoio nos fatos. Na longitude em que Cabral ultrapassou o Equador não se registravam mais calmarias; não há referência nos documentos que assinalaram o descobrimento à tempestade ou influência de correntes marítimas.

O propósito está invalidado pelo simples fato de Cabral não se destinar ao Brasil e sim às Índias.

A tese de intencionalidade é a que mais se ajusta às circunstâncias históricas e à crítica dos documentos. Desde 1451, o Brasil figurava nas cartas geográficas, representado por minúscula ilha (S. Brandão e Brasil), situada, ora próximo à Irlanda ora em pleno oceano. O texto da carta do Mestre João ao Rei D. Manoel dizendo-lhe "querendo ver o sítio da nova terra basta ver a carta que tem aí Pero Vaz, o Bisegado", e o protesto imediato de Portugal, reivindicando a posse da terra descoberta por Colombo, mantendo, contra as disposições da "Bulla Inter Coetera" (1493), demonstra que os portugueses desejavam assegurar-se da posse da ilha que já conheciam, pelo menos, por notícias de navegadores que a avistaram. Em 1526, verificou-se outra expedição guarda-costa, ainda sob o comando de Cristóvão Jaques. Reorganizou a feitoria de Itamaracá, que foi escolhida para base de suas operações e sede da administração colonial.

Em 1530, organizou-se a expedição de Martin Atonso de Souza, tendo como finalidade reconhecer e explorar a costa, inclusive a do litoral leste-oeste; policiar o litoral e combater a pirataria francesa; fundar uma ou mais povoações estáveis. Chegou a Pernambuco em janeiro de 1531 e mandou Diogo Leite reconhecer a costa leste-oeste, tendo chegado até o Gurupi. Martin Afonso prosseguiu para o sul, fundou feitoria no Rio de Janeiro e atingiu o Chuí, onde foi colhido por uma tempestade. Depois de reorganizar sua Esquadra, mandou que Pedro Lopes de Souza fosse até o Rio da Prata e dirigiu-se a São Vicente, onde fundou a povoação desse nome. Em 1532, recebeu aviso do Rei de que pretendia dividir a Colônia em Capitanias Hereditárias, podendo escolher as porções que desejasse para si e seu irmão.

Nesse período, os portugueses limitaram-se a reconhecer a nova terra e marcá-la com os sinais de seu domínio político, fundando as primeiras feitorias e uma povoação estável a de São Vicente. A exploração do pau-brasil levou-os a conceder arrendamentos a particulares, entre os quais se sobressaiu Fernão de Noronha. A necessidade de combater os franceses, aliada ao decréscimo de comércio com as Índias e as dificuldades financeiras do Reino, levá-los-ão a pensar seriamente na colonização do Brasil, recorrendo à iniciativa e aos capitais privados. Criar-se-iam, então, as Capitanias Hereditárias. Foi feita por iniciativa oficial e visava ao alargamento das bases iniciais do povoamento, à preia e o combate ao indígena, a descoberta de riquezas.

Nos primeiros oitenta anos de colonização, os estímulos políticos, resultantes de necessidades militares e econômicas, orientaram o povoamento e a colonização de que resultou:

-A intensificação do povoamento na orla marítima desde Olinda a São Vicente, iniciando-se também os primeiros trabalhos de fortificação da costa.

-As primeiras entradas no sertão, destinadas a combater e prear o indígena e buscar novas riquezas, partindo dos núcleos de São Salvador, Sergipe e Espírito Santo.

-O núcleo de São Vicente, galgando o planalto, desdobrou-se na povoação de São Paulo, coberta por três outros avançados na direção do Sertão: Itú, Sorocaba e Taubaté.

O povoamento foi ainda litorâneo e não atingiu os limites fixados em Tordesilhas.

(2) De 1580 a 1640 (a) União das duas Coroas A união das coroas portuguesa e espanhola teve como consequências imediatas:

-Ab-rogação de fato do Tratado de Tordesilhas, abrindo novos horizontes ao povoamento, dada a necessidade de ligar as duas áreas de colonização.

-Atraiu os inimigos da Espanha, ingleses e holandeses, que passaram a atacar o litoral, exigindo uma defesa e vigilância permanentes. O povoamento estava, assim, solicitado por duas forças antagônicas: uma conduzia para Oeste (o ouro do Peru); outra o solicitava para a costa: a defesa do litoral. O esforço da conquista foi feito na primeira direção. (e) Apreciação Sob o estímulo oficial e o de combate às tentatıvas de fixação estrangeira na expansão litorânea e sob o impulso de iniciativa privada, estimulada pela preia ao índio, a busca de ouro e a criação, conseguira-se:

-O povoamento do litoral desde Laguna ao Oiapoque particularmente, adensado entre Pernambuco e São Vicente.

-O desbravamento da Amazônia e o início de sua colonização pelo aldeamento dos indígenas, exploração de madeiras, agricultura e especiarias.

-Penetrações profundas em regiões pertencentes a Espanha, com choques entre as duas correntes colonizadoras em Guaíra (1629) e no Rio Grande do Sul (1636-1638) e Sul de Mato Grosso (1632).

-Estabelecimento dos primeiros liames entre o Povoamento da corrente nortista e a sulista, enlaçadas na curva do São Francisco e no vale Amazônico.

c. De 1640 a 1808 -Expansão da Conquista e Colonização

A descoberta do ouro, em Minas Gerais (1695), em Goiás (1722) por Bartolomeu Bueno da Silva e em Cuiabá (1717) por Pascoal Cabral Leme, deu pleno desenvolvimento à iniciativa particular, realizando-se as penetrações em todos os sentidos, tendo como consequência:

-A intercomunição do Sul com o Norte, aproveitando as vias navegáveis do São Francisco, do Araguaia, do Tocantins, do Parnaíba.

-Avanço dos currais remontando o São Francisco, visando levar, a região das minas, os elementos de subsistência.

-A criação da Colônia do Sacramento em 1680, visando o domínio do estuário e, com ele assegurar comunicações fáceis com os núcleos interiores, para dar vigor ao "uti-possidetis", desencadearia a luta na fronteira Sul e apressaria o povoamento do Rio Grande do Sul.

-O povoamento aí comecou com a invernada, onde se reunia o gado selvagem apresado. Depois veio a estância que cobriu as regiões das antigas Missões como Passo Fundo, Cruz Alta, Santo Ângelo, até as margens do Uruguai.

Em 1737, o Brigadeiro Silva Paes fundou a povoação de Rio Grande de São Pedro e o sistema de fortes que o protegia. Depois todo o território, se cobriu de Guarnições militares, de fortes e os habitantes se converteram em milicianos, apoiado por força profissional respeitável.

Os colonos açorianos em meados de século XVIII comecaram a afluir ao Rio Grande e a se fixarem nas margens do Guaíba e em Porto Alegre.

A colonização tomou aqui uma feição guerreira devido à proximidade do espanhol, que disputou a posse da terra ao português e ao indígena belicoso. Os velhos quarteis foram a origem das povoações e das cidades.

ASPECTOS DO BANDEIRISMO a. Causas:

-Humanas e subjetivas, resultantes da cobiça, das notícias sobre as riquezas da terra, estimulando o ardor paulista;

-econômicas (apresamento de indígenas, ouro de lavagem, minérios); -geográficas (facilidade de penetração); -demográficas, dada a vitalidade dos focos de expansão.

b. Caracteristicas das Bandeiras

(1) Fase defensiva (século XVI), caracterizada pelo apresamento em torno de Santo André e São Paulo; defesa de São Paulo em 1562; defesa do litoral vicentino contra os piratas ingleses, franceses e holandeses. Pesquisas de ouro em São Paulo, em Minas Gerais, em Mato Grosso e em Goiás, no século XVII.

(2) Ofensiva (século XVII): Apresamento dos índios das Reduções e depois de índios selvagens. Expedição de auxílio às regiões nordestinas ou ao Governo Geral, por ocasião das invasões holandesas ou de incursões de piratas.

(3) Povoamento: Criação de gado e mineração, c. Consequências -Expansão territorial e povoamento de vastas regiões.

-Substituição do índio escravizado, pelos mamelucos, produto de intensa mestiçagem.

-Desbravamento de territórios sulamericanos.

-Fornecimento de bracos à lavoura canavieira e apoio à criação.

-Defesa da terra.

-Manutenção do núcleo paulistano que teve nele uma fonte econômica. e. Rotas principais seguidas pelas Bandeiras paulistas:

Utilizavam como ponto de partida o rio Tietê. Desse rio passavam, conforme o rumo a ser seguido, aos rios São Francisco e Paraná, remontando-os em busca dos seus afluentes ou formadores.

Como rota terrestre seguiam até os campos de Paranapanema e daí aos de Curitiba, onde encontravam o caminho de Piadibirú que permitia atingir o rio Paraná.

f. Aspectos militares das Bandeiras

As Bandeiras são adaptações do velho organismo da força militar ibérica, ao ambiente e circunstâncias da colonização do Brasil. São um tipo de força militar surgido espontaneamente, tal como as Companhias de Emboscadas.

Segundo o coronel B. Magalhães exerceram, de modo geral, o papel de destacamentos de descoberta e chegaram até a cumprir missões de exploração, tirando proveito dos reconhecimentos anteriormente feitos.

CONCLUSÃO

A conquista e a colonização do Brasil resultaram.

-de causas políticas, decorrentes de necessidades militares e econômicas; -de estímulos econômicos (lavouras canavieiras, especiarias, pastoreio, ouro); -de possibilidades geográficas, consequentes da penetrabilidade do território, propiciada pelos múltiplos enlaces fluviais e a utilização de meios adequados a navegação dos rios.

-de condições sociais (propriedade assentada no latifúndio, estágio de civilização do indígena, mão de obra escrava), permitindo o desenvolvimento da iniciativa privada.

A conquista foi executada por inspiração oficial ou pela iniciativa privada, dando origem às Entradas e às Bandeiras. As Entradas tinham caráter oficial, visando à caça e ao combate ao gentio e à busca de riqueza. Foram expedições de reconhecimento e tiveram pequena profundidade com objetivo certo. Foram realizadas, particularmente, nos séculos XVI e início doXVII, partindo da costa N-S e raramente na L-W (Belém-Pernambuco) .

As Bandeiras foram na maioria particulares e visavam à caça ao índio, ao combate aos quilombos e Reduções, à busca do ouro, e colonização. Tinham objetivos incertos, grande profundidade. Foram de reconhecimentos, militares e povoadoras.

A conquista irradiou-se da costa, de três núcleos fundamentais: Pernambuco, São Vicente e Bahia, posteriormente acrescidos de Belém. Dessas bases de partida, sairam uma corrente, de conquista‚ e povoamento do litoral e outra do interior. A primeira foi responsável pela unidade do litoral, que se estendeu do Oiapoque à Colônia do Sacramento. A segunda pelo desbravamento do interior, o internamento do povoamento, o estatabelecimento das ligações dos núcleos costeiros e continentais, integrava as diferentes regiões geográficas num grande espaço sob domínio da Coroa portuguesa. Os estímulos políticos, sociais e econômicos, que comandaram a expansão territorial foram a exploração da riqueza extrativa, a lavoura canavieira e a de sustentação, a criação do gado, a ambição de riqueza fácil, a catequese e a miscigenação, que permitiram aproveitar e combinar as qualidades fundamentais dos elementos humanos pertencentes a três raças diferentes.

O nomadismo e a agressividade, que caracterizam a fase de expansão do povoamento, perderam impulso nos fins do século XV. Entrou-se numa fase de fixação. No início do século XIX o Brasil se apresentava em um máximo de espaço geográfico com um mínimo de circulação política e social; no Norte as fronteiras estavam mais ou menos fixadas (Tratado de Utrecht -1713); mas no Sul continuavam oscilante (Tratado de Madrid -1750, Tratado de El Pardo -1761, Santo Ildefonso -1777). Esses dois fatos teriam importância considerável na organização dos poderes públicos, na sociedade colonial e na independência.

Foram esses os principais condicionantes da formação territorial do Brasil. Sem o concurso harmonioso deles, sem o entrosamento de um com o outro, não se teria conquistado e ocupado o imenso espaço brasileiro e assegurado o domínio político sobre ele. Sem a compreensão, também, dos fatos que representam, não será possível compreender com precisão a formação territorial do Brasil e, em grande parte, explicar satisfatoriamente sua unidade.

A formação étnica pode ser apreciada segundo as fases ou períodos históricos da formação da nossa nacionalidade, ou segundo o tipo predominante de miscigenação em determinada área ou região. Vejamos pois, em síntese, o que ocorreu no Brasil.

a. Durante o período dos reconhecimentos gerais predominou a indústria extrativa do pau-brasil como atividade econômica. A aproximação dos índios com os brancos produziu o primeiro produto da miscigenação no Brasil, que foi o mameluco.

b. A conquista se inicia coma fundação dos núcleos de S. Vicente e Olinda. No primeiro, a atividade econômica que predominou esteve ligada à procura do ouro e à preia ao índio. No segundo, a cultura da cana-de-açúcar assegura o êxito da colonização e para a sua expansão vai exigir a entrada da mão de obra escrava, do negro. No NE, a presença do índio, do negro e do branco vai produzir uma miscigenação ampla e intensa desses três grupos raciais. Na região de S. Vicente, a ausência do negro reduz a miscigenação aos grupos branco e indígena. Então, no período da conquista, ou seja, na segunda fase da colonização, a nossa formação étnica se traduz numa miscigenação intensa e extensa no NE e restrita na região de S. Vicente, principalmente devido à atividade seminômade desta área. c. A expansão da conquista, principal fase da colonização, se opera com a irradiação dos núcleos originais. Em São Luís e Belém, o processo é idêntico ao do NE, embora de menores proporções. Enquanto isso se passava ao Norte, no interior a colonização atinge a região de Minas, onde fora descoberto o ouro. O índio esteve ausente na miscigenação se fez entre grandes efetivos brancos e negros, produzindo uma grande população mulata. Este quadro se prolonga mesmo após o período das minas, já na fase do café, que atinge o Vale do Paraíba e o Planalto Paulista. Verifica-se, pois, nessa área, a ocorrência de uma grande mancha de mulatos, abrangendo Minas, Vale do Paraíba e o Planalto Paulista. As Bandeiras e posteriormente o aparecimento do ouro no centro-oeste vão favorecer o aparecimento do cafuso, resultado do cruzamento do índio e do negro.

A colonização da Amazônia inicia-se com a expansão para o Norte. A miscigenação aí se operou com base nos estabelecimentos das missões, entre o branco e o índio. Com a expulsão dos jesuítas e a retirada das missões, os brancos vão se radicar no litoral permanecendo na mata os índios e os mamelucos.

No Sul do Brasil não houve propriamente uma miscigenação, apenas a presença de elementos brancos e de elementos já miscigenados. O povoamento do Rio Grande do Sul, por exemplo, resultou, na área do litoral, do encontro de duas correntes brancas, uma espanhola de Buenos Aires e uma portuguesa de S. Vicente. No interior, na área da campanha gaúcha, o que houve foi o encontro do mameluco de origem lusa e do mestiço de origem espanhola, ambos produtos já miscigenados e aí reunidos na faina comum da préia ao gado. d. A população brasileira, no final do período colonial, em 1818, mais precisamente, era estimada em 843.000 brancos; 1.887.500 negros; 628.000 mestiços e 259.400 índios civilizados, perfazendo um total aproximado de 3,5 milhões de habitantes.

V -FORMAÇÃO ECONÔMICA

As formas de atividades econômicas tiveram grande repercussão na formação brasileira, bastando acentuar sua influência na dilatação e ocupação de vastas áreas do Brasil; na formação das comunidades canavieiras e pastoril; na miscigenação; nas alterações da ordem política e administrativa. Contribuiu, também, em parte, para as agressões externas, que sofreu o Brasil, particularmente para os ataques holandeses a Pernambuco e franceses ao Rio de Janeiro.

Os três séculos de administração colonial, vistos em conjunto, refletem uma luta trissecular entre dois interesses fundamentais: da Coroa, tirando da Colônia tudo quanto ela pôde dar; o dos senhores da terra, transigindo com ela, não raramente contra ela, insurgindo-se, servido sempre por um profundo sentimento de amor à terra, de propriedade da riqueza que produz, das possibrlidades que tem para desligar-se da Metrópole, no momento mais oportuno. E essa luta não favorecia a unidade brasileira, antes trabalhava como elemento dissociador para seu fracionamento. De um lado o interesse fiscal do Reino multiplicou e disseminou exageradamente o mecanismo político-administrativo da Colônia, dissociando o poder real. De outro, o poder dos homens da terza era forte regionalmente, mas não encontrara ainda um motivo de integração capaz de aglutiná-lo em torno de interesses gerais. Podia-se distinguir, então, em meio aos vários fatores fragmentários que trabalhavam em três regiões, com aspectos unificadores: a do Nordeste, onde imperava a nobreza canavieira; a do centro-sul, onde se situavam as riquezas das minas; a do extremo-sul, onde se movimentava e lutava o estancieiro, transtormado em "caudilho".

III -FORMAÇÃO TERRITORIAL

O estudo da formação territorial do Brasil pode ser conduzido através da apreciação de determinados aspectos, aos quais, de um modo geral, podemos denominar "condicionantes da formação territorial" .

Vejamos os principais: I. O TRATADO DE TORDESILHAS

Antes de ser divulgada a notícia do descobrimento do Brasil, o Tratado de Tordesilhas, desde 1494, regulava a partilha da soberania de Espanha e Portugal em terras que viriam constituir o território do Brasil. O simples exame de uma carta, cortada pelo meridiano de Tordesilhas, revelara ao observador mais desavisado, que a faixa territorial reservada aos portugueses não oferecia base suficiente para o estabelecimento de uma civilização próspera e estável. O território, delimitado ficava ladeado pelas bacias do Tocantins e do Paraná, boas vias de acesso para quem viesse de terras espanholas com a ideia de conquistá-la. Por outro lado o meridiano de Tordesilhas amputava violentamente uma vasta unidade geográfica, rodeada insularmente pelas Bacias do Madeira e do Paraguai e que correspondia a uma unidade econômica a realizar a zona da mandioca, a zona do algodão e do milho, a zona da cana-de-açúcar.

Por outro lado, no quadro dessa unidade geográfica e possibilidades econômicas, havia uma unidade humana formada por um conjunto de tribos, caracterizada por uma cultura típica da floresta equatorial e disposta em duas formações concêntricas: os tupi-guaranis e os aruaques. Formações culturais afins, os tupi-guaranis e os aruaques, haviam-se fundido em muitas regiões pelo sangue e a cultura. Os segundos tinham adotado, em muitos casos, a língua dos primeiros, que já antes da chegada dos brancos, comecara a ser língua geral e, como tal, instrumento de aproximação, de unificação social e cultural.

Desses fatos geográficos e sociais decorreria um dilema geopolítico incontornável ou os espanhóis, baixando o Amazonas e seus afluentes, dum lado, e do outro, subindo o Paraná, restabeleceriam a unidade destruída, expulsando os portugueses da estreita faixa litorânea, ou os segundos, aliados aos antigos possuidores da terra e fazendo o caminho oposto, realizariam a unidade da grande formação insular amazônico-platina estabelecendo sobre ela seu domínio político.

O ELEMENTO HUMANO

A expansão territorial parece ter sido sempre a ambição mais generalizada de todos os Reis e mesmo dos atuais Estados. Tem sido mesmo uma prova material do êxito de uma política. As Nações obedecem, por uma espécie de impulso inconsciente, à ideia de se expandirem, de adquirirem maior espaço, para melhorarem suas condições de vida, de segurança e de poder. E difícil definir, com precisão, a natureza e a substância desse sentimento. Mas há no um fato essencial a ligação entre um grupo humano e uma porção de espaco. O fundo portanto desse sentimento de expansão dos grupos humanos, e a ligação profunda entre a comunidade e o espago, que lhe e necessário. E incontestável que os portugueeses demonstraram possuir uma grande capacidade de expansão, ou em termos ratzelianos, um grande sentido de espaço. Localizado na nesga atlântica da península ibérica -ponte entre dois continentes e área do trânsito entre dois mares -Portugal aproximava-se da África e da América. Dessa posição, aliada a correntes marítimas e aéreas que facilitavam sobremodo a nevegação a vela para o Sul e Oeste, Portugal se transformaria "num cais de embarque predestinado aos grandes descobrimentos". O cruzamento racial com os semitas, o conduziria ao seu gênero de vida específico, o comércio marítimo à distância, com base na distribuição de produtos vindos de muito longe ou produzidos pela sua agricultura e o sal. Era pois natural que a história de Portugal nos séculos XIII, XIV e XV fosse um constante e progressivo esforço para afirmarse como Nação marítima de função cosmopolita. A consciência física do espaço e o sentido de sua conquista estavam pois ligadas ao povo português e um fato essencial para compreender sua expansão imensa na América.

Mas, na América, o português encontrou também um ambiente geográfico e humano particularmente propício à realização desse sentimento de expansão.

No plano geográfico encontraram um espaco estendido numa escala a que não estavam habituados. Este espaço apresentava um extraordinário conjunto hidrográfico que constituía a maior e mais prática possibilidade de circulação. No centro do continente, uma área de dispersão de vias fluviais, qual uma ilha, facilitava o movimento em qualquer direção.

A esta unidade geográfica, estendida equilibradamente por planaltos de altitudes médias e planícies de aluvião, correspondeu por sua vez, na pré-história, uma unidade humana com quem o português entraria em contato desde os primeiros dias do povoamento: os tupi-guaranis. Realizando um trabalho secular de adaptação ao meio geográfico, os tupis se difundiram no continente sulamericano por vagas sucessivas. Esses deslocamentos produzidos, particularmente, pela necessidade fundamental de subsistência, atendida pela caça, a pesca, colheita de frutas, revelam a grande mobilidade do tupi e sua capacidade de aproveitamento dos cursos d'água.

Simultaneamente com essas migrações do tupi, outras se realizavam partindo das Antilhas, promovidas pelos aruaques, sem dúvida melhores navegadores do que os tupis. Descendo pelo Orenoco, chegaram ao Negro e ao Amazonas e daí pelo Madeira vieram ao alto Paraguai, onde se misturaram com o tupi.

Esse nomadismo teria de comunicar ao indígena brasileiro um grande senso topográfico e capacidade para representar o espaço percorrido, como aconteceu a povos primitivos e nômades em outros séculos e continentes. Esse senso e essa capacidade resultaram de duas qualidades básicas que extremam o nômade e o sedentário a visão telescópica e uma extraordinária memória visual. A primeira, Ihes permite distinguir acidentes que escapam normalmente à vista do homem civilizado e a segunda permite reproduzir em couro, madeira, ou fibras vegetais as linhas principais do meio geográfico em que vivem ou que percorrem.

Pioneiros do desbravamento do continente, os tupis e os aruaques, os primeiros vindos do Prata e os segundos do Amazonas, completaram em sentido inverso o circuito continental de suas longas migrações, penetrando-se e transmitindo-se mutuamente influências culturais. Gente inquieta, dotada de extrema mobilidade, correndo o continente em todas as direções em busca dos elementos de subsistência, o indígena brasileiro adquirira também o sentido do espaço e, nesse ponto, se aproximaria do português e lhe transmitiria informações e técnicas de mobilidade bem adaptadas às condições do novo meio, oferecendo assim contribuição inestimável na expansão geográfica portuguesa na América do Sul e, particularmente, nas bandeiras paulistas.

Ao indígena brasileiro deve, pois, o português, processos de proteção, defesa e subsistência durante os longos deslocamentos; uma técnica própria de construção naval e navegação fluvial; grande número de informações sobre a geografia do continente, algumas trajadas em couro ou madeira, que facilitaram sobremodo a dinamização de sua sede de expansão, do agudo sentido do espaço a conquistar, ocupar e manter.

OS ESTÍMULOS ECONÔMICOS

No quadro da mentalidade da época, a colonização era a exploração dos recursos da terra. E, de acordo com os princípios que formavam a política monopolista, o recurso principal a pesquisar, lavrar e beneficiar era o metal precioso, particularmente, o ouro e a prata. Foi portanto preocupação primeira dos portugueses descobrir no Brasil o ouro e a prata. E nesse ponto, mais uma vez, o indígena desempenharia papel importante através de seus mitos, dos adornos de ouro que usava e das informações que prestava sobre ocorrências de minerais brilhantes, que lhe pareciam ser ouro ou prata. Atrás desses mitos em busca dos locais onde o indígena colhera as pepitas de ouro e das minas, que dizia existir, atirou-se o português, de início, através das expedições oficiais (as entradas), depois do movimento bandeirante de caráter essencialmente privado.

Mas o ouro, para felicidade dos brasileiros, não apareceu logo e foi preciso, principalmente, subsistir. E para viver, o português utilizou inicialmente as culturas nativas, como as do milho e da mandioca, e depois, a lavoura da cana-deaçúcar, favorecida pela riqueza do massapê da área costeira do nordeste. A industrialização da cana-de-açúcar constituiu-se em outro elemento de estímulo à dilatação e conquista do espaço, através das necessidades de mão de obra, de subsistência, de transporte. Surgiram assim as expedições de preia ao índio, desenvolvendo-se paralela e simultaneamente com a de pesquisa do ouro, a criação extensiva do gado, estendendo-se e cobrindo áreas cada vez maiores no interior do continente. A descoberta do ouro e das pedras preciosas em locais afastados uns dos outros, completaria, com a ocupação, a obra já realizada pela conquista, fixando as bandeiras, adensando o povoamento nas áreas mineiras, provocando migrações intensas de mão de obra e de elemento de subsistência.

Atuando como necessidade, o estímulo dinamizou o sentido de espaço do colonizador, com o fim de satisfê-lo. E daí surgiram o desbravamento, a conquista e depois a ocupação do interior, realizando-se concomitantemente a unidade econômica, favorecida pelas condições geográficas.

A ESTRUTURA SOCIAL

Ao tempo do descobrimento, a população de Portugal não ia muito além de 1.200.000 habitantes e a dos indígenas se a proximava dos 4.000.000. Como, com tão minguados efetivos, poderiam os portugueses conquistar, ocupar, e explorar as costas orientais e ocidentais da África, da Ásia Meridional, muitas ilhas do arquipélago malaio e do Atlântico, por maior que fosse sua fome de espaço e mais eminentes suas qualidades? Essa tarefa imensa escapava nitidamente às suas possibilidades, particularmente, no Brasil, onde havia um continente a desbravar, ocupar e explorar. Não podiam realizá-la sós, necessitavam da colaboração dos colonos, dos nativos e de todos quanto pudessem ajudá-lo sem comprometer a posse e o domínio soberano da terra.

Era necessário pois obter a cooperação dos homens da terra, enquadrálos, orientá-los na realização da tarefa gigantesca. Mas, mesmo para o enquadramento, lhes faltavam os elementos humanos necessários, pois os disponíveis mal chegavam para o estabelecimento da máquina administrativa da Colônia.

Ainda dessa vez, a solução surgiria natural das condições ambientais. Obrigada a cultivar a terra, para dela arrancar seu sustento e seus elementos de riqueza, surgiria, no nordeste, fortemente hierarquizada, a sociedade canavieira, baseada na grande propriedade, na auto-suficiência e num elemento humano volumoso. O chefe dessa sociedade, de indiscutida autoridade, acostumado desde o princípio a bastar-se a si mesmo, a defender seu patrimônio, seria o elemento indicado para realizar a expansão costeira nessa área; estimulado pela necessidade de expandir suas lavouras e orientado pela faixa de massapê. Com o desdobramento do engenho e para não prejudicar as lavouras de cana, o gado se foi internando e os rebanhos crescendo. As barrancas salgadas do São Francisco, as múltiplas aplicações do couro e seu alto valor, criaram as condições para que a criação se desligasse dos engenhos e ganhasse autonomia econômica. Surgiria a sociedade pastoril do nordeste, menos hierarquizada, mas com grande capacidade de expansão. Aí também se encontraria um chefe, cuja liderança se fizera a base de sua capacidade para resolver os problemas do grupo, capaz de vencer o indígena e ganhar o alto sertão em busca das pastagens novas e ricas.

Mais ao sul e o grupo bandeirante que aparece com sua estrutura militarizada. Dispondo apenas de uma agricultura de sustentação pobre, fascinado pela pesquisa de ouro e rudemente atacado pelo indígena, o paulista iniciou o apresamento, como medida de defesa e pela necessidade de mão de obra. Mas cresceu o número de índios apresados e foi preciso vendê-los. O mercado que se ofereceu era o nordeste, onde a lavoura canavieira pedia um volume de braços que o mercado africano não podia suprir.

Encontrava assim o bandeirante uma atividade econômica que lhe permitiria, em primeiro lugar, viver e; depois, continuar a pesquisa do ouro pelo sertão a dentro. A bandeira seria seu instrumento de trabalho. Recebeu do índio os meios e a técnica de navegação fluvial, a capacidade para se defender e viver no sertão, as informações topográficas e geográficas de que carecia para penetrar o desconhecido. No mameluco teria um tipo humano mestiço, rústico, resistente, bem adaptado ao meio geográfico. No português teria o chefe, devorado pela fome e a febre de aventura, misto de pai de família e de cacique, capaz de manter nela a disciplina e o espírito de sacrifício e de conduzi-la aos fins colimados.

Sem o concurso desses elementos sociais, constituídos por grupos fortemente estruturados, que serviam aos interesses da Metrópole, servindo aos seus próprios, a tarefa de desbravamento e conquista do interior brasileiro não teria sido realizada, pelo menos na escala em que foi feita.

A DEFESA DA TERRA

O nordeste brasileiro, avançado como gigantesco promontório no interior do ângulo formado pelos dois grandes feixes de veiculação marítima, favorecido pela direção dos ventos e das correntes marítimas, atrairia o povoamento português e também a agressão dos inimigos de Portugal. Desde os primeiros dias de colonização que franceses, ingleses e, mais tarde, holandeses ameacaram o litoral da colônia lusa na América. A princípio, foram ataques aos entrepostos do litoral, depois foi a tentativa de fixação e colonização. Contra ambos os propósitos reagiu Portugal, com os recursos de que dispunha ajudado pelos colonos e indígenas e, com tenacidade invulgar; conseguiu manter indiviso o extenso litoral, preservando a unidade cultural da ocupação e, indiretamente, a posse da conquista do interior.

A ocupação do nordeste pelos holandeses, a mais seria e mais prolongada, ensejou o adentramento da ocupação e até mesmo enlace das ligações interiores entre o norte e o sul, antes mesmo que se tornasse efetiva, com a expulsão deles, a propiciada pelo mar. Ainda aqui se fez sentir a participação dos diferentes grupos sociais, cuja estrutura permitiu ajudar e apoiar o esforço detensivo da Metrópole, e até mesmo substituí-los, quando não se pode manifestar, por força de seus compromissos internacionais.

IV -FORMAÇÃO ÉTNICA

O estudo da formação étnica resulta, basicamente, do estudo das características dos grupos étnicos presentes, além de uma apreciação sobre os principais fatores que contribuíram para uma maior ou menor aproximação entre os elementos representantes desses grupos. Segundo esta ordem de ideias, examinaremos, sucintamente, esse aspecto da formação da nacionalidade brasileira.

GRUPOS ÉTNICOS a. O Branco

Embora, no cenário histórico de nossa formação, tenham comparecido portugueses, franceses, ingleses, holandeses e espanhóis, apenas os primeiros contribuiram decisivamente na nossa etnia, razão pela qual nos limitaremos apenas à sua apresentação como representante do grupo branco.

Os portugueses resultaram de uma longa miscigenação, em que entraram, inicialmente, iberos, celtas ou ligúrios, que sofreram o domínio de romanos e cartagineses durante muito tempo. Mais tarde sofreram influência de povos bárbaros, como os vândalos, suevos e visigodos. Dominada a terra pelos visigodos, já então cristianizados, surgiram os árabes, que ocuparam a península. A simples enumeração desses fatos e suficiente para dar ideia das contribuições que recebeu o sangue original dos iberos e celtas. Na época do descobrimento, Portugal tinha pouco mais de um milhão de habitantes (alguns mencionam um e meio milhão) e estava empenhado na conquista da Índia. Foi pois a escória da sociedade portuguesa que contribuiu, inicialmente, para o povoamento do Brasil, incluindo-se nela os degredados, os desertores, náufragos, empregados das primeiras feitorias. Com a criação do Governo Geral, em 1548, comecou a elevar-se. O nível social dos povoadores do Brasil aparecendo artífices, soldados e ainda degredados. Esses últimos, porém; eram réus de pequenos delitos, punidos com a pena de degredo, para forçar o povoamento do Brasil. Daí por diante, a entrada dos portugueses no Brasil cresceu constantemente, particularmente durante o domínio espanhol, em que a vida na Mãe-Pátria se Ihes tornara muito difícil. Por essa época entraram também, no Brasil, grandes contingentes de espanhóis.

Gilberto Freire assinala no Português três características que o distinguiram como povo colonizador: a miscibilidade, a aclimatabilidade e a mobilidade.

A miscibilidade trazia-a, o português de suas origens e, no Brasil, encontrou amplas possibilidades para dar-lhe vasão.

A aclimatabilidade resultava das próprias condições físicas de Portugal, em que o clima e mais africano; do que europeu. Sua adaptabilidade, às condições de clima do Brasil, estavam assim favorecidas.

A mobilidade adquiriu-a na luta contra os mouros, em que Precisava aumentar. O valor de seus minguados contingentes militares, utilizando a velocidade e na sua aptidão para a navegação oceânica, decorrente de sua posição geográfica. No Brasil, encontrou uma geografia imensa e agressiva, que precisava dominar ainda com poucos recursos. Observou o índio, e aprendeu com os processos para vencer as distâncias, deslizando em frágeis embarcações pelos caminhos líquidos dos rios, vencendo seus obstáculos, arrastando a embarcação por terra, ou mesmo conduzindo-a nos ombros ao ponto em que fosse novamente possível a navegação.

A contribuição do português à formação brasileira e particularmente notada na unidade de língua e de religião; na integração do território e capacidade para defendê-lo contra toda tentativa de conquista ou fixação; no caráter paternalista do brasileiro; na ausência de preconceito racial; num certo desprezo pelas aptidões técnicas e gosto pronunciado pela profissão especulativa.

b. O Negro

Atingira na África um estágio de cultura francamente agrícola. Quando D. João III decidiu implantar no Brasil o sistema de colonização agrícola, tendo por base a cultura da cana-de-açúcar, o negro seria elemento indispensável a esse esforço pesado, uma vez que o índio, em sua condição de nômade, não se prestava ao trabalho sedentarizado. Os negros introduzidos no Brasil podem ser classificados em cinco grandes grupos: Yorubas, Daomenianos, Malês, Bantos e Minas. Desses os Malês representavam a aristocracia entre os escravos e foram líderes dos movimentos rebeldes entre os negros.

Entre as várias culturas negras, duas tiveram acentuada influência no Brasil: a nagô (ou sudanesa), com grande significação na Bahia, principalmente na culinária (vatapá, acarajé, abará), na indumentária (turbantes, colares, balangandans) e na música, caracterizada por cânticos de melodias curtas e repetidas, e pelos instrumentos de atabaques (tambor) e afifiô (flauta de madeira); e a bantu, que se estendeu por todo o Brasil, tendo influido, particularmente, na música e na língua.

De modo geral, pode-se dizer que os principais traços da intluência negra na formação do brasileiro podem ser notados: no sentimentalismo exagerado que o caracteriza; na linguagem enriquecida pelos termos africanos; na superstição, fruto do primitivismo religioso; na cozinha, na música e na dança.

c. O índio

Os indígenas brasileiros pertencem a quatro grupos principais: Tupi-Guaranis; Gês ou Tapuias; Nu-aruaques e Caribas.

Desses grupos, os Nu-aruaques representavam o mais alto nível cultural dos indígenas brasileiros. A contribuição indígena à formação brasileira foi considerável e pode ser notada: em hábitos e costumes incorporados à vida brasileira, como o uso da piroga, da rede, do fumo, etc. na alimentação com o aproveitamento da mandioca, do cará, do gerimum, da paçoca, etc.; na agricultura de coivara; na terminologia brasilíndia incorporada ao português. Admite-se também que o indígena tenha transmitido ao brasileiro algumas de suas características psicossociais, comoa a inquietação e a indisciplina; o sentimento de liberdade e a atitude individualista; a negligência, particularmente notada no campo econômico pelo esforço desorganizado, imprevidente e descontínuo; na agressividade e suscetibilidade à flor da pele.

MISCIGENAÇÃO

A extensão e a intensidade deste processo resultaria das características dos grupos étnicos, da capacidade de miscigenação desses grupos, e da influência sobre eles exercida pelos fatores geográficos, políticos e econômicos, particularmente.

a. Os grupos étnicos

Os portugueses e espanhóis eram francamente miscíveis, produtos que eram de larga miscigenação na Península. Dos invasores, o que mais se miscigenou foi o francês; os ingleses e holandeses, apenas, se uniram aos demais grupos brancos.

Os negros constituíram o grupo de maior efetivo na miscigenação chegando mesmo, em determinado período, a constituir a população predominante. Pouco se misturaram, porém, com os indígenas.

O índio não ofereceu resistência à miscigenação. As limitações deveramse tanto ao nomadismo indígena como a certos elementos de incompreensão, que resultaram em choques contra os portugueses. Um desses elementos foi sem dúvida o relacionado com a propriedade, pois o índio não a compreendia e provocava a reação do colono e, daí, a animosidade geral.

Um outro aspecto é o que podemos chamar de "simpatia", fenômeno ainda sem uma completa explicaçãofoi o caso das alianças normais entre os tupiguaranis e portugueses e os tupinambás e franceses. Daí talvez a razão de os portugueses terem lutado, inicialmente, contra uma grande agressividade indígena na região do litoral, particularmente devido à influência do francês.

b. A influência da geografia

A geografia foi favorável à miscigenação. A área era perteitamente habitável e não limitou a presença de nenhum grupo étnico. O clima, por sua vez, não constituiu obstáculo (a ausência do negro na região do Rio Grande do Sul se deveu a outros fatores). Um outro elemento geográfico favorável foi a posição do Brasil em relação à África, mercado natural de escravos. A posição, aliada à facilidade de circulação criou amplas possibilidades para a introdução do negro e para a manutenção desse contingente na colônia.

c. O fator econômico

Este, fator favoreceria a miscigenação, pela aproximação dos diferentes grupos para uma determinada atividade econômica. A atividade extrativa vegetal aproximou o índio e o branco, seja na atividade ligada à extração do pau-brasil, seja a da busca de drogas. Na agricultura canavieira, foram aproximados o branco, o negro e o índio. A miscigenação do branco e índio na área canavieira talvez excedesse a do branco com o negro, pois o contingente indígena entregue ao NE pelos paulistas, em muito excedeu ao efetivo negro importado da África.

O efetivo humano da área de cana-de-açúcar tinha pois representantes dos três grupos étnicos principais em nossa formação. Então a miscigenação foi extensa porque abrangeu os três grupos étnicos e foi intensa devido à atividade sedentária do engenho. O que ocorreu na região canavieira ocorreu, de um modo geral, nas demais áreas agrícolas.

Na área mineira o processo se diferenciou, pois aí o índio havia sido expulso, por ter sido elemento perturbador nessas atividades. A mineração foi realizada com base no trabalho do negro e o contato favoreceu a miscigenação entre os representantes dos grupos branco e negro.

Já na região centro-oeste, antes da mineração, o que havia era a ocupação dos pousos das bandeiras pelos elementos índio e mameluco, empenhados em atividades sem expressão econômica. A mineração trouxe o negro e o branco, em menor quantidade, porém devido, principalmente, aos problemas da circulação e distância. Findo o período áureo, o branco e o negro regressaram permanecendo na área apenas os índios, os mamelucos e uns poucos representantes negros, empenhados no pastoreio e na agricultura de sustentação remanescentes.

d. O fator político

A Coroa nunca criou obstáculo à miscigenação, muito pelo contrário, estimulou-a e a Igreja, apenas, combateu a licenciosidade.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Portugal, como Espanha, não pensou no Brasil como válvula de escape demográfico, como área geográfica em que se pudesse transplantar a civilização lusa. Como ela considerou sua colônia americana como provedora de matériasprimas, como consumidora de produtos enviados da Metrópole. Concebeu a colonização como uma empresa comercial, que deveria ser conduzida monopoliticamente, de modo a produzir os maiores lucros no tempo mais rápido possível.

Mas Portugal não pode fazer o que se propunha, porque não tinha meios militares e econômicos para impor essa política. No Brasil, a adoção de uma política econômica se viu limitada por acontecimentos estranhos à América e por condições peculiares à Colônia lusa. Assim é que os portugueses não encontraram no Brasil, de início, os metais preciosos de que tanto careciam para fortalecer sua economia. Não encontraram, igualmente, índios disciplinados e qualificados como trabalhadores agrícolas, que lhes pudessem ajudar no cultivo da terra. Tiveram de importar mão-de obra escrava, distante e cara, o que foi fator de encarecimento da produção e lhes roubou parte dos lucros que poderiam obter.

Mas no Brasil, como nas Colônias hispânicas, a produção se fez em bases aristocráticas e semifeudais, explorando produtos de maior cotação no mercado europeu.

A evolução da economia colonial é, pois, marcada pela predominância ora de um, ora de outro desses produtos, o que permite classificá-la como economia cíclica.

É também característica importante o fato de ter à economia colonial repousado, durante largo período, num gênero de atividade industrial, que se tem revelado superior à agrícola. Conquanto se trate de indústria extrativa de produtos agrícolas, a situáção industrial do Brasil-Colônia era bem superior à da Inglaterra como bem acentua Roberto Simonsen, quando afirma: "em meados do século XVII só nossa produção e exportação na indústria açucareira ultrapassaram em largos períodos a três milhes de libras, anualmente, quando a exportação da Inglaterra não alcançava aquela cifra". Só que nosso comércio exterior se baseou em produtoschaves, cuja exportação independia de transtormação industrial, como café e algodão em rama, é que perdemos essa situação privilegiada.

O estudo da formação econômica do Brasil pode ser orientado através do estudo dos ciclos. Devemos entender por "ciclo" o período no qual determinado produto ou atividade econômica constituiu realmente o esteio econômico básico da colônia, ou sobre o qual a Metrópole tenha dedicado o máximo interesse em determinado período. Assim, convém lembrar que, segundo o conceito acima, os ciclos de nossa economia podem ser limitados no tempo da seguinte forma: Ciclo pau-brasil -de 1500 a 1553. Embora cronologicamente a sua exploração se tenha realizado de 1500 a 1859.

Ciclo da cana-de-açúcar -de 1600 a 1700. Quando a indústria e o comércio da cana atingiu o seu período áureo. Cronologicamente, o período se estende de 1530 a 1830.

Ciclo do gado -de 1650 a 1700. A rigor, o gado não chegou a constituirse uma economia autônoma. A criação do gado foi uma atividade subsidiária da cana-de-açúcar, até 1650, e de apoio à mineração, a partir de 1700, não chegando a constituír-se em atividade econômica capital da Colônia em nenhum período.

Ciclo do ouro -de 1760 a 1770. Sob o ponto de vista econômico, e de 1700 a 1800, sob o ponto de vista cronológico.

O ciclo das especiarias -como o do gado, não constituiu um ciclo econômico e sim uma atividade economicamente importante. Limitamos o período da exploração das especiarias entre 1684 e 1757, ou seja, do estabelecimento de missões no Vale Amazônico à expulsão dos jesuítas e conseguinte secularização dos missões.

PAU-BRASIL

Foi o primeiro produto comercialmente explorado no Brasil. Sua produção estendeu-se de 1503, época da primeira concessão a Fernão de Noronha, até 1859, quando se tornou anti-econômica em face dos sucedâneos químicos resultantes do progresso industrial. Foi desde o início, monopólio da Coroa. Foi regulamentado em 1605, e depois da Independência foi declarado patrimônio nacional.

A chamada costa do pau-brasil se estendia desde o Rio Grande do Norte até o Rio de Janeiro. O ciclo do pau-brasil resultou da falta de metais preciosos; do valor comercial desse produto de grande aceitação na Europa; da possibilidade de aproveitar na sua produção, a mão de obra indígena.

Foi caracterizado pelo monopólio da Coroa; produção e comércio, aproveitando a iniciativa particular, mediante concessão a troco de pagamento de elevado-tributo e servidão na colonização; aproveitamento da mão de obra indígena; destruição de essências florestais raras. Teve como produtos ancilares: animais vivos, escravização do indígena, óleos vegetais e minerais.

Este ciclo teve as seguintes consequências: definição do contorno costeiro, desde Gurupi até o Rio da Prata (expedição de Martin Afonso de Souza), valorização do trecho costeiro entre Pernambuco e Rio de Janeiro, onde se estabeleceram inicialmente as primeiras feitorias e, mais tarde; o Governo Geral e se adensou o povoamento; a guerra contra os franceses, que se prolongaria depois na conquista da costa leste-oeste.

CANA-DE-AÇÚCAR

A cultura da cana-de-açúcar nasceu com a decisão de colonizar o Brasil, à base da agricultura. A cana-de-açúcar já cultivada, com bons resultados, nas Ilhas da Madeira e nos Açores foi o produto escolhido para o estabelecimento da produção agro-industrial do país. Foi trazida da Ilha da Madeira e plantada na povoação de São Vicente por Martin Afonso de Souza, juntamente com o trigo, a cevada, o milho e outros produtos.

Daí estendeu-se para o-norte, tendo encontrado melhores condições para o seu desenvolvimento em Pernambuco e São Salvador. Essa cultura exigia mão de obra vultosa, autossuficiência e capitais abundantes. A necessidade da mão-de obra conduziu, inicialmente, à escravidão do indígena e, depois, à importação de escravos, com grandes repercussões no ambiente social da Colônia (miscigenação, quilombos); ao povoamento das áreas canavieiras; à dilatação do território (estímulo econômico) e às Bandeiras preadoras de índios. A autossuficiência determinou o nascimento da agricultura de sustentação (milho, mandioca) a criação de gado, empregado como animal de tração e produtor de carne; o vestuário (cultivo do algodão); o desenvolvimento do artezanato nos engenhos. O capital, que era de cerca de 10.000 cruzados para um engenho médio, contribuiu para a seleção dos senhores de engenho, para os empréstimos externos, aparecimento dos plantadores de cana ou colonos e desvio de muitos portugueses para as atividades pastoris, que exigiam menor capital.

O período áureo da exploração comercial de produtos foi registrado entre 1600 e 1700. O declínio do comércio decorreu do aparecimento do açúcar de beterraba e da revolução industrial, que criou novas condições de produção. Entre 1530 e 1822, o valor da produção do açúcar foi de 300 milhões de libras esterlinas.

O ciclo da cana-de-açúcar resultou das necessidades de colonização da terra e ausência de metais preciosos, das dificuldades de aclimatação de cereais de origem europeia, do clima e solo da costa; do valor comercial do açúcar; das boas condições ecológicas de áreas costeiras mais próximas da Europa, permitindo produção e transporte econômicos.

Caracterizaram esse ciclo: predominância da grande propriedade rural sobre as médias e pequenas; aproveitamento de avultada mão de obra indígena e negra -12.000 escravos anualmente para produzirem 2.500.000 arrobas de açúcar. Esse contingente de trabalhadores era recrutado: cerca de 4.000 eram escravos africanos, 8.000 indígenas, dos quais um mínimo de 4.000 era fornecido pelos mercadores paulistas; melhoria das condições de vida no tocante à habitação, alimentação, vestuário.

Foram produtos ancilares desse ciclo: algodão, tabaco, milho, couro. Esse ciclo contribuiu para: importação do negro em larga escala e a sua entrada na mestiçagem brasileira; diversificação da sociedade açucareira em classes distintas e a predominância do senhor de engenho nos planos político, social e econômico; expansão litorânea e para o interior, como resultados da expansão das lavouras, da criação de gado, da preia dos índios, ataques de corsários e de potências estrangeiras; nascimento do espírito nativista. A criação do gado intensificou-se com a atividade subsidiária do engenho. Não exigindo grandes capitais e mão de obra avultada, transformou-se na ocupação dos que, tendo algum dinheiro, não podiam montar um engenho. A falta de aramado e a proximidade das lavouras, que eram destruídas pelo gado, obrigou os rebanhos a se internarem em busca de liberdade e de melhores pastagens. Os indígenas foram também atraídos para essa atividade, porque encontraram nela ocupação mais de acordo com suas tendências nômades e individualistas. A rápida multiplicação do rebanho, exigindo sempre pastagens novas, ampliou as zonas de criação, que desbravaram extensas áreas do sertão e plantaram inúmeras fazendas, que foram a origem de povoações que fixaram o povoamento. A criação do gado foi ainda responsável por uma fase típica da evolução da sociedade pastoril, caracterizada pelo emprego do couro nas mais variadas manifestações sociais. Foi, ainda, quem apoiou a mineração, fornecendo aos mineradores alimento valioso e abundante.

Esse ciclo resultou: de necessidade dos engenhos, que precisavam do gado para tração das moendas, dos carros de transporte de cana e da carne para a alimentação; do valor comercial do couro e de sua utilização em variados misteres; da existência de colonos que não podiam montar um engenho; da adaptabilidade do indígena a esse gênero de atividade econômica, da utilização do sal do São Francisco.

São características desse ciclo: a constituição do grande latifúndio pastoril, enprego da mão de obra indígena e do mameluco; desbravamento de grandes áreas do interior, dado o caráter extensivo da criação; o ciclo do couro e o aparecimento das feiras de gado, das quais as mais importantes foram as de Feira de Santana, Itabaiana, Três Corações, Sorocaba.

Esse ciclo contribuiu para: ocupação efetiva de grandes áreas do interior da Colônia, cujas principais cidades nasceram de antigas fazendas de criar; apoio à produção de açúcar e mais tarde à mineração; propiciou a colonização do extremo sul e o desbraramento do oeste brasileiro; deu origem à sociedade pastoril bem adaptada ao cenário brasileiro e a estruturou horizontalmente.

MINERAÇÃO

Em 1695, Antonio Rodrigues Arzão descobriu ouro em Ouro Preto, atraindo para essa região grandes contingentes de mineradores. Em 1718, Pascoal Moreira Cabral descobriu as minas de Caxipó e logo depois as de Cuibá. Em 1722, Bartolomeu Bueno da Silva descobriu ouro em Goiás.

Em 1723 toram descobertos diamantes em Tijuco, em Minas Gerais. Estima-se a produção de ouro no Brasil, durante o século XVIII, em 65.500 arrobas ou seja 982.500 quilos de ouro, assim distribuídos: Minas Gerais, 45.000 arrobas; Mato Grosso e Goiás, 13.000 arrobas; São Paulo, Bahia e Ceará, 5.000 arrobas. Essa produção, em grande parte, era destinada a Portugal que, não podendo retê-la, foi enriquecer, indiretamente, a Inglaterra, França e Holanda.

Esse ciclo resultou: da pesquisa constante, estimulada pelas notícias da descoberta de ouro em outras regiões; da ambição do colono que via no ouro o meio mais rápido de enriquecer: da Bandeira.

Caracterizaram esse ciclo: rápido nascimento de cidades, com afluxo de grandes massas demográficas à região das catas das minas; exploração sob rigorosa fiscalização da Metrópole, que montou aparelhamento fiscal especial para realizá-la.

Teve como consequências principais: a dilatação do território colonial e estabelecimento de sua configuração geográfica atual, graças às atividades e pesquisas realizadas pelos bandeirantes; deslocou o eixo econômico do nordeste (açúcar) para o centro do país com a queda da produção agrícola; influiu, poderosamente, na mudança da capital da Colônia, de São Salvador para o Rio de Janeiro; criação de novas Capitanias (Mato Grosso, Goiás) e transformação da de Minas Gerais num grande centro literário e artístico, de que são símbolos a Escola Mineira e o Aleijadinho; abertura de novos caminhos e estabelecimento da navegação do Rio São Francisco, propiciando mais intercâmbio comercial e humano entre o norte e o sul; sedições internas contra o rigor fiscal da Metrópole; agressões de piratas (Du Clerc e Du Guay Trouin).

Observa Simonsen que, "alargadas as fronteiras econômicas, ocupadas as vastas regiões dos sertões brasileiros, as economias e os capitais nacionais estavam representados, em fins do período Colonial, nos engenhos, na escravaria, na pecuária. Foi a acumulação desses dois elementos, pela mineração, que facilitou a rápida expansão da cultura cafeeira que, por sua natureza especial, exigiria fartos braços e amplos meios de transporte". Não se houvessem acumulado no Centro-Sul Brasileiro essas massas de gente e de gado e não teríamos elementos suficientes para o desenvolvimento de outras atividades como a cultura do café, que permitiu o reajustamento da economia do país, quando do declínio da mineração e do comércio de açúcar, mercê da concorrência estrangeira.

ESPECIARIAS

Enquanto se passavam esses fatos no restante do país, na Amazônia se fazia lenta, mas seguramente, a conquista e ocupação do vale imenso. Depois da luta para a expulsão dos ingleses, holandeses e franceses, que se tinham estabelecido no estuário, entretendo um comércio rudimentar com os indígenas, os portugueses os substituíram nesse comércio restrito. A cultura da canade-açúcar não teve ali o desenvolvimento esperado.

O melhor negócio era o tráfico de silvícolas escravizados para os engenhos de Pernambuco. Daí as expedições para aprisioná-los, Belém, Cametá, Gurupá, transformaram-se em bases de partida para a aventura. Procuravam-se, agora, as especiarias e as plantas medicinais tão cobiçadas pelo comércio internacional, das quais a Amazônia parecia possuir reserva inesgotável. Pimenta, cravo, noz moscada, canela, gengibre, eram artigos de alto valor. Mas como colher essas especiarias no seio da floresta agressiva e desconhecida ? Só o íncola poderia fazê-lo com sucesso. Mas o selvagem era avesso a qualquer disciplina de trabalho e não era possível fiscalizá-lo disperso na floresta. A solução do problema foi dada pelas Missões religiosas. Penetrando na floresta, o missionário foi em busca do indígena, catequizou-o, aldeiou-o e o induziu a pesquisar as especiarias no seio da Floresta. Deixando suas famílias sob a proteção dos missionários, o índio se internava durante meses na floresta e de lá regressava com sua canoa pejada de produtos valiosos, que o missionário vendia aos comerciantes portugueses. Depois se entregava durante outros meses ao amanho da terra.

Multiplicaram-se assim os aldeamentos indígenas no vale amazônico, promovendo sua ocupação sistemática e permanente. Ao ser negociado o Tratado de Madrid, três quartas partes do vale amazônico estavam ocupadas permanentemente por aldeamentos indígenas que reconheciam a soberania portuguesa e com ela taziam o comércio direto e exclusivo das especiarias, avultando como principais produtos o cravo e o cacau.

A expulsão dos Jesuítas do vale amazônico, em 1757, entorpeceu mas não conseguiu destruir o trabalho de colonização alí realizado. É foi graças a ele que o Amazonas restou brasileiro.

COMÉRCIO

A atividade comercial do Brasil-Colônia baseava-se na exportação do produto principal do ciclo (pau-brasil, açúcar, ouro, couro) e na importação principalmente de gêneros alimentícios. Para Portugal eram remetidos os produtos da indústria extrativa e de lá vinham os produtos acabados e alimentos. Para assegurar a chegada a Portugal dos artigos de procedência brasileira, e não tendo meios para armar os navios necessários ao seu transporte, procurou a Metrópole assegurar o monopólio dessas trocas, através das Companhias de Comércio. Ésse sistema produziu alguma vantagem, mas foi responsável pelas restrições na produção, como as que se verificaram durante o século XVII e XVIII em que foram proibidos: o cultivo do trigo, vinha e oliveira; a produção de sal assencial à criação; a fabricação de tecidos, exceção efita dos destinados à sacaria e vestuário dos escravos; a manufatura de joias.

Os impostos eram pesados e extensos, recaindo sobre os produtos. As derramas e as fintas -impostos extraordinários -eram fregilentes e contribuíram fortemente para Revoluções como a Inconfidência Mineira.

VI -FORMAÇÃO POLÍTICA

INTRODUÇÃO

A colonização do Brasil, realizada pelos portugueses segundo critérios econômicos monopolistas e imediatistas, conduziu a uma ordem políticoadministrativa estabelecida sob o primado de um estreito e rigoroso fiscalismo. Quase todos os órgãos políticos e administrativos da Colônia foram uma consequência da necessidade de explorar os recursos da terra com o menor ônus possível para a Coroa e em benefício dela. Daí a diversidade e a complexidade que apresentaram buscando, incessantemente, se adaptarem às condições geográficas, às formas de exploração econômica, à constituição dos núcleos sociais e às ameaças que sofreram por parte de outras potências comerciais da época. O decréscimo acentuado do comércio com as Índias, as dificuldades financeiras do Reino e o recrudescimento do contrabando do "Pau Brasil" decidiram D. João II a realizar a primeira tentativa para colonizar o Brasil, transplantando para cá o sistema de Capitanias. Das doze Capitanias criadas, somente duas prosperaram: a de São Vicente e a de Pernambuco, constituindo-se nos dois principais núcleos de povoamento da Colônia. O povoamento começava, assim, a ser trabalhado por dois poderosos meios de diferenciação: a distância e as condições geográficas existentes em cada uma dessas regiões. É certo que um traço comum as ligava: o cultivo da cana-de-açúcar e o engenho, mas não era suficiente para alterar o grande fato geográfico de que a colonização do Brasil começava por dois núcleos isolados, muito distanciados um do outro e localizados em regiões geograficamente bem diferenciadas.

2. Instituições políticas, administrativas e militares O Governo Geral, estabelecido em 1549, para realizar a obra colonizadora que as Capitanias Hereditárias não puderam executar, foi localizado na Bahia de Todos os Santos. em ancoradouro situado a meia distância dos pontos extremos da costa até então explorada, para criar um elo político entre os dois núcleos principais do povoamento e uma base militar, donde pudessem operar os meios navais, destinados ao policiamento e à defesa da faixa marítima, que medeava entre eles. Com o Governador Geral vieram 600 soldados profissionais do Exército português e a primeira lei orgânica da Força Armada no Brasil -o Regimento de El Rei de 1.548. Em 1570 uma provisão Régia completou esse Regimento, criando o Serviço Militar obrigatório e sistematizando a organização das Forças Terrestres da Colônia. Apareceram assim as Milícias pagas, constituídas com gente da terra, elementos profissionais das Forças Terrestres coloniais, a quem incumbiria, particularmente, a defesa terrestre da Colônia e as Milícias não pagas ou Ordenanças, destinadas especificamente à manutenção da ordem interna nas Capitanias e eventualmente a reforçarem as primeiras.

Em cada Capitania Real, um Capitão General enfeixava o poder militar e político e cuidava da defesa da região, com os elementos permanentes e semipermanentes das Forças Armadas ali sediadas e outros recrutados para esse fim. Em cada vila, um sargento-mor respondia pela ordem e segurança interna e, nos núcleos urbanos menores, prepostos seus exerciam funções semelhantes.

Esse sistema durou até o estabelecimento dos franceses no Rio de Janeiro. Rompeu-se, em 1573, para atender às necessidades de defesa do Sul da Colônia, unificando-se novamente, em 1577, quando já era passado o perigo de uma intromissão estranha entre os núcleos de Pernambuco e de São Vicente.

A A extinção dos vários Governos Gerais em benefício do Governo único do Vice-Rei deu uma aparência de unidade ao organismo político-administrativo da Colônia. Na realidade ele nunca esteve tão dividido. De fato o Vice-Rei, embora fosse um delegado do poder real, com todos os atributos necessários e tivesse alguma ação sobre todos os Capitães Generais das Capitanias, não tinha possibilidades de exercer essa autoridade, dadas as distâncias enormes que as separavam umas das outras e a falta de comunicação terrestre e mesmo marítima entre elas. Essa servidão fazia de cada Capitão General o verdadeiro e único Governo da Capitania, entendendo-se diretamente com a Metrópole, insurgindo-se contra as ordens do Vice-Rei, administrando os negócios do Reino como melhor lhe parecia. E as autoridades do Reino, compreendiam e estimulavam mesmo essa dispersão de ordem político-administrativa, pois, em certos casos, somente ela podia manter certos núcleos de povoamento ligados à Coroa e seu domínio nominal sobre extensas e despovoadas regiões.

Se considerarmos porém, que cada Capitania, para maior eficiência da fiscalização das rendas e de sua defesa estava dividida em comarcas, que se subdividiam em termos e distritos que cada um deles possuía autoridades próprias e estava separado de outros por grandes distâncias, que a falta de comunicações extremava, compreender-se-ia facilmente que a administração colonial não estava apenas dividida, mas, verdadeiramente "pulverizada" como bem classificou Oliveira Viana. E assim, cada Capitania, embora conservando todas as aparências de um único Governo do Capitão Geral é, destarte, no fundo e na realidade um conjunto heteroclítico e incoerente de governículos locais, possuindo todas as condições de autoridade soberana: a unidade política é nelas apenas uma feição vistosa, sem quase nenhuma objetividade prática. E agora essa "pulverização" do governo geral já não se fez apenas para atender aos interesses do fisco colonial e as necessidades de manter o domínio da Colônia. Processa-se à revelia das autoridades metropolitanas e, às vezes, contra a sua vontade, como uma imposição da imensa base geogrática, que não tem ao seu serviço a adequada rede de estradas e caminhos que permitam sua circulação social, econômica e política. Em consequência disso, o poder real também estava pulverizado, portanto sem meios para fazer valer a sua autoridade. A Colônia já não era um domínio da Metrópole, mas de milhares de funcionários civis e militares "capitães e sargentos-mores", "comandantes de destacamentos" e de "presídios", "ouvidoresmores", "juízes de fora", etc., -perdidos nos ermos do Reino, que não podiam chegar até eles com oportunidade e presteza necessárias. Eram obrigados, por isso, a recorrerem aos "fazedeiros", "senhores de engenhos", "potentados das minas" a que tudo pertencia em derredor e tudo resolviam, remediavam, julgavam e puniam. Essa independência de fato encontrava nos Senados das Câmaras, existentes em todas as vilas, um organismo político local que, de certo modo, a disciplinava. Órgão de caráter aristocrático, mas eletivo, tinha apenas função administrativa, regulando os problemas locais. Mas essas funções na prática se dilatavam, absorvendo atribuições de Governadores e de outras autoridades metropolitanas, o que dava ao Senado das vilas mais importância e crescente influência na direção dos negócios da Colônia. Mais tarde, junto a essa Câmara, onde predominava a aristocracia da terra, funcionavam os "juízes" ou "procuradores do povo" como representantes das aspirações populares, o que lhe deu um caráter verdadeiramente democrático. Constituíam, assim, esses órgãos da soberania popular de uma região, escola de governo próprio, onde se disciplinavam e organizavam os poderes arbitrários que se arrogavam os fazendeiros, senhores de engenho e grandes proprietários.

E tendo sempre em vista a "melhor arrecadação fiscal, a melhor política fiscal, melhor defesa fiscal", os órgãos administrativos da Metrópole se foram diferenciando, adaptando-se às condições locais.

Segundo refere Oliveira Viana, nas regiões agrícolas onde os fatores de aglutinação demográfica e política eram mais intensos, organizavam-se governos municipais estáveis, animados de grande vitalidade político-administrativa. Mais para o interior, na zona chamada dos "moradores dispersos", onde faltavam elementos para a organização de um governo municipal estável, criavam-se os "capitães-mores-regentes", verdadeiros ditadores que concentravam poderes do governo civil, político e militar da região. O mesmo acontecia nas regiões pastoris e naquelas em que o ouro fora recém-descoberto, onde apareceu o "capitão-mor das minas".

Nas regiões dos campos de ouro e de diamantes, em explorações, em que se acumulavam em torno das "catas", verdadeiros formigueiros humanos, a organização era inteiramente diferente. Havia ali, com efeito, um "capitão-general", dispondo de forças numerosas, uma "junta de arrecadação da Fazenda Real", uma "contadoria geral" e numerosos órgãos com funções específicas, como "as intendências do ouro, as guarda-mores das minas", "as casas de fundição", as "patrulhas volantes", para darem caça aos contrabandistas, etc. ilustra bem essa adaptação dos órgãos políticos às condições locais de trabalho e do grupo social que o produz, o "intendente de diamantes", que não era apenas o administrador, mas "um juiz privativo dos empregados nos serviços diamantíferos, dos habitantes, exercendo jurisdição, no civil, no crime e no contencioso".

No tocante ao Exército, o panorama de dispersão e diferenciação era o mesmo. Cada Capitania provia os elementos de sua defesa própria e era por ela responsável.

As pressões funcionavam, no entanto, como uma força centrípeta unificando em certas épocas e nas regiões onde se faziam sentir mais intensas, o mecanismo militar, com influência aglutinante sobre a organização políticoadministrativa. Para atender às necessidades de defesa de uma região, acorriam unidades de todos os pontos do território colonial, esquecidos momentaneamente de seus interesses locais. No Rio Grande do Sul, durante muito tempo, a organização militar se sobrepôs à organização política, através do "Governador Militar", dos "Capitães-mores de fronteira", "Guardas-avançadas", "Centros de Abastecimentos", "Guarnições Militares", "Tropas de Reserva", espalhados sabiamente pela fronteira e pelo interior. A uma ordem, partida de Porto Alegre, onde tinha residência o Governador-das-Armas, entravam esses órgãos em ação, numa conjunção harmoniosa de esforços para se opor ao inimigo no ponto por ele ameaçado. E com o agravamento da luta com os espanhóis, para lá acorreram Unidades de Milícias de várias Capitanias e tropas regulares do Reino confundindo-se no mesmo afã de dilatar o território da Colônia e de manter a posição daquela região.

VII -FORMAÇÃO SOCIAL

A formação social no Brasil não se operou uniformemente; contingências de ordens geográficas, econômicas, político-administrativas, condicionaram a formação de vários grupos sociais, grandemente diterenciados nos seus fundamentos e propósitos, possuindo cada um deles características próprias.

A SOCIEDADE CANAVIEIRA

É a de formação mais antiga e foi, durante o Período Cojonial, a de maior estabilidade, poder político e econômico. Predominaram na sua estruturação as características psicossociais do luso, visíveis no acentuado individualismo, no apego desmedidido pelos títulos e honrarias, no conúbio do poderio econômico com a autoridade política. Ao patriarcalismo que serviu de base à sua estrutura, juntar-se-á o desinteresse pelas tarefas manuais e mecânicas em contraposição ao ardente desejo de possuir um título ou uma honraria. Era a procura do poder político, representado pelo bacharelato, os cargos eclesiásticos, a representação nos Senados das Câmaras, os postos na Organização Militar.

Repousava no latifúndio e no complexo do engenho. A casa solarenga, dominando as coisas é os homens, honrava como um castelo. Lá estava o senhor que tudo absorvia em derredor. Sua autoridade era imensa e incontestada. Quatro qualidades fundamentais foram, durante séculos, o apanágio da família do grande senhor rural: a fidelidade à palavra empenhada, a honradez, a respeitabilidade, a independência moral.

A estrutura dessa sociedade era vertical e fortemente definida. No topo da organização estava o senhor e a sua família ligados pelos laços da solidariedade parental, "Predominava nela o branco, português ou já nascido na América. Depois dele, vinham os agregados, colonos livres ou foreiros, capatazes, onde se misturavam brancos, mamelucos, mulatos, em permanente conflito com seus troncos originais. Por último estavam os escravos, trabalhadores do campo ou empregados domésticos, construindo diuturnamente a produção do engenho e a riqueza do senhor.

Como elemento de conciliação não faltava ao engenho o padre, adoçando a brutalidade do senhor e de seus familiares, aplainando as arestas da susceptibilidade do mameluco, mitigando o sofrimento do negro. A capela era o seu reino e sua influência imensa no seio da família patriarcal.

O prestígio social, as riquezas acumuladas, as tendências atávicas estimulavam o senhor de engenho a cuidar da educação dos filhos varões. O primogênito seria herdeiro do engenho e do título de morgado. O segundo seria, padre, formado num dos Colégios existentes na Colônia. O terceiro seria militar, comandante do Regimento de Milícia ou de Ordenanças. As mulheres aguardavam, pacientes e resignadas, que os pais lhes designassem o engenho (o noivo era geralmente um senhor de engenho ou herdeiro dele) com quem deveriam casar.

A escola em que esses senhores fizeram sua educação política prática foi o Senado da Câmara, organizado na vila ou na cidade. Suas atribuições não deviam ir além dos negócios municipais. Mas esses senhores poderosos os transformavam em órgãos de grande influência, que chegavam a suspender Governadores de suas funções e prender e pôr a ferros delegados reais, a falar de igual para igual ao próprio Rei.

Depois das lutas pela defesa do Nordeste, em que desempenharam papel relevante, em contraste com a tortuosa política metropolitana e seu pequeno esforço militar, esses senhores rurais foram aos poucos compreendendo que seus interesses eram muito diferentes dos da Metrópole e que bem podiam passar sem ela possuíam, então, todos os elementos para conduzir sua emancipação, mesmo no terreno militar. Possuíam um chefe incontestado e poderoso: o senhor de engenho. Motivos para deseiarem a mudança de um estado de coisas que tolhia sua liberdade, suas possibilidades de ascenção política e os asfixiava sob o peso de impostos cada vez maiores. Possuíam uma força armada, constituída de elementos que lhes eram dedicados ou submissos, adestrada em duros combates e capazes de conduzir com êxito a luta contra a Metrópole. Faltava-lhes apenas a coesão, que permitisse reunir num organismo único esses clãs patriarcais perdidos e isolados na imensidão da terra. No dia em que compreendessem a necessidade de se unirem em torno de interesses comuns, seriam livres e constituiriam uma Nação independente.

A SOCIEDADE PASTORIL

Nasceu no Nordeste, como subsidiária da sociedade canavieira. O gado foi o fato econômico que a estruturou. No início, foi constituída de pequenos proprietários e poucos elementos servis. A ela incorporou o índio, que encontrou em suas atividades ambientes sociais semelhantes ao seu. Depois veio o mameluco, deslocado, por sua susceptibilidade exagerada, da rígida estrutura da sociedade canavieira.

A adaptação dessas sociedades às terras impróprias para o cultivo da cana-de-açúcar, a necessidade de afastar o gado das proximidades dos engenhos, a diminuta exigência de capitais para instalação da fazenda, criavam condições propícias ao seu internamento. E lá, nos horizontes largos das terras sertanejas, nasceu o latifúndio pastoril, conquistado ao íncola e ocupado pelo gado. Nasceram as grandes fazendas de gado, com sua sólida casa alpendrada, os currais de moirões, o moinho para o fabrico da farinha de mandioca, os teares para tecerem grosseiros panos de algodão, a engenhoca para o preparo da rapadura, os cavalos, os vaqueiros e, até mesmo, alguns escravos para atestarem a posição e a riqueza do senhor.

A liberdade nas áreas de criatório, a ausência da fiscalização e de autoridade metropolitana, a atividade econômica desenvolvida em torno de um bem que era mais de todos do que do senhor, desenvolveram o sentimento de solidariedade e cooperação nesse grupo social.

O senhor não se diferenciava muito do vaqueiro e pagava seus serviços com a própria produção dos rebanhos (a quarta ou terça, isto é, para quatro ou três bezerros nascidos um era do vaqueiro). A estrutura dessa sociedade era pois, horizontal. Tinha um chefe pelo poder econômico ou político, mas tinha também um companheiro que executava as mesmas tarefas dos demais e que, pelo trabalho, iniciativa e destemor, conquistara a liderança do grupo. Vivendo de pastagens e aguadas coletivas, essa sociedade se formou e cresceu no plano horizontal, repousando numa convivência cordial e amena, no conhecimento completo um dos outros, na confiança mútua, na honestidade. O respeito à propriedade era um ponto de honra e a injúria suprema, ser acoimado de ladrão. As questões de terras, de família, geravam lutas, que as vinganças prolongavam por muitas gerações.

Internada na agrestia do sertão, separada da sociedade litorânea, trabalhada por uma mentalidade própria, que dia a dia mais se diferenciava, criou-se, assim, nas áreas interioranas da Bahia, de Pernambuco, do Piauí, do Ceará, uma sociedade livre, rústica, inculta, pobre, mas resistente e sóbria, capaz também de se emancipar e viver independentemente ou como retaguarda da sociedade canavieira.

Mais tarde, outro grupamento pastoril se formou e cresceu no extremo sul. Saído dos flancos da sociedade paulista e misturado aos elementos da sociedade pastoril do Prata, encontrou no gado selvagem do Continente de São Pedro os motivos de sua integração. Adaptou as técnicas indígenas e a tradição gauchesca da sociedade platina. Cresceu no ambiente da luta com os espanhóis e ganhou um espírito belicoso, sua característica mais visível. Politicamente se sentia atraído por dois núcleos: o brasileiro, radicado na zona litorânea, tendo como polo Porto Alegre; o platino, materializado por Buenos Aires. Entre os dois, Montevidéu era uma área disputada, que se poderia transtormar no ponto de equilíbrio dessas tendências opostas e converter-se no centro de formação de uma nova Nação.

A SOCIEDADE DO PLANALTO MERIDIONAL

Nasceu com as atividades agrícolas, desenvolvidas em torno de São Vicente, de Santo André da Borda do Campo, de São Paulo, de Piratininga. A inaptidão das terras para o cultivo do açúcar, a notícia do ouro do Peru, a agressividade do silvícola, as necessidades de mão de obra no Nordeste, conduziram-na à preação do índio, como atividade subsidiária na busca dos filões de ouro. Seu traço predominante foi inicialmente a Bandeira. Era uma composição harmoniosa das características sociais das três raças povoadoras, aproveitadas segundo suas melhores possibilidades. Do elemento português lhe veio o instinto do "pátrio poder" no sentido clássico. Do indígena, lhe veio a organização tribal, as técnicas de vida, o caciquismo. O chefe bandeirante exercia poder absoluto sobre os membros legítimos e bastardos da família, bem como sobre seus escravos e apaniguados. Era o pátrio poder reforçado pelo caciquismo. A autoridade incontestada e ilimitada estruturou essa sociedade no sentido vertical, repartida em duas classes bem definidas: a dos dominadores (brancos) e dos dominados (mestiços, escravos e índios). As condições de trabalho na bandeira eminentemente militar e o caráter bélico de suas atividades, lhe imprimiram uma disciplina autoritária.

A descoberta do ouro no planalto central e, posteriormente, a dos diamantes, teve dupla consequência. De um lado fixou a Bandeira. Do outro lado, levou a Metrópole a montar uma máquina administrativa opressiva, despótica, espoliadora. A fixação da Bandeira na área das "catas" atraiu importantes contingentes demográficos para essas regiões, multiplicando as necessidades de transporte e de alimentação. Houve êxodo de braços da região canavieira, entrada maciça de escravos vindos de fora e um crescente afluxo de gado às regiões mineiras. O parasitismo da Coroa e o afluxo de adventícios desencadeou as explosões nativistas de que são sinais, respectivamente, a Inconfidência Mineira e a luta entre Paulistas e Emboabas.

A exaustão das minas provocou a decadência da atividade mineradora. A bandeira se transformou então em elemento sedentarizado, entregando-se às atividades agro-pastoris.

Como traços salientes da psicologia dessa sociedade podem ser apontados o bairrismo e o orgulho. Os paulistas, desde o início de suas correrias pelos sertões, dificilmente admitiam a concorrência estranha. Quem não pertencia ao seu grupo era considerado mais do que intruso: era inimigo. A luta trágica e violenta contra os emboabas (primitivamente essa palavra era dirigida contra qualquer forasteiro fosse português ou não) exacerbou esse sentimento exclusivista do homem do planalto. Hoje essa vivência histórica explica sua permanência na alma paulista. O orgulho paulistano decorreu do "complexo de superioridade" do antigo bandeirante. Tinha suas raízes no passado heroíco das Bandeiras, cujos chefes, incorporando às suas personalidades algo de místico e lendário, transformaram-se em homens-símbolos, de grande prestígio social. O respeito à palavra dada é ainda uma das características dessa sociedade, que tinha nele um ponto de honra.

VIII -INVASÕES ESTRANGEIRAS INTRODUÇÃO

Os Estados Europeus, no início do século XVI, estavam divididos por ódios profundos e competições extremadas, que seriam agravadas por três acontecimentos: a Monarquia Nacional, a Reforma e o Advento do Capitalismo.

A Monarquia Nacional absorvera a maioria dos pequenos Estados Feudais e marcharia para o Absolutismo, abrindo caminho pela força e a violência.

A Reforma sairia do declínio do poder espiritual da Igreja sobre os Príncipes e Reis e de seu desprestígio popular, fruto de sua incapacidade para proteger o povo contra eles, e evoluiria condicionada por interesses diferentes. Para os Príncipes e Reis seria o meio de arrebatar da Igreja Romana, em proveito próprio, suas riquezas materiais, sua autoridade, seu imenso poder sobre as consciências. Para o povo seria o caminho para restituir à Igreja de Cristo sua força moral, única proteção que até então conhecera contra a brutalidade, a injustiça, a opressão dos poderosos. E, finalmente, para a própria Igreja seria à necessidade de voltar à pureza de suas origens para readquirir pela prática da virtude, da humildade, da abnegação, do sacrifício, a autoridade e o poder incontestados que por tanto tempo desfrutara.

Agravando esses conflitos políticos, sociais e morais ganharia nova força o Capitalismo, saído da riqueza acumulada nas cidades mercantis e agora tonificado pelo descobrimento de novas rotas marítimas e de terras onde o ouro de coleta abundava. O lucro fácil e o enriquecimento rápido plasmariam uma sociedade nova, devorada pela febre da empresa e da aventura. Já não seria a renda dos tributos rurais que sustentaria as despesas dos príncipes e dos reis, cada vez mais vultosas, mas a riqueza criada pelas trocas comerciais, pilhadas no mar ou em outras terras, resultantes da exploração de novas fontes de produção.

Essas contingências econômicas, políticas e sociais gerariam a revolução comercial, a navegação oceânica, a pirataria oficializada, as guerras religiosas, em que se envolveriam Portugal e Espanha, de um lado, e Inglaterra, França e Holanda, de outro, com reflexos imediatos sobre o Brasil. Vinculado à coroa portuguesa e pouco distante das rotas comerciais para as Índias e América Espanhola, o Brasil sofreria, com efeito, desde o início de sua colonização, várias e frequentes agressões ao seu litoral, que assumíriam a forma do comércio clandestino, visando a participar das novas fontes de riqueza, protegidos ciosamente pelo monopólio de seus descobridores; ataques de corsários, buscando entraquecer, indiretamente, o poder militar de Portugal e depois de Espanha; tentativas de fixação, a fim de explorar pela colonização sistemática e permanente seus recursos econômicos, particularmente o pau-brasil e o açúcar. Os portugueses e espanhóis, ao descobrirem as Índias e a América, monopolizaram a sua navegação e o seu comércio. E as invasões inglesas, francesas e holandesas explicam-se pelo princípio da luta do livre comércio contra o monopólio. "Foi justamente nessa luta em que taziam o papel de piratas ou corsário, que franceses, ingleses e sobretudo holandeses, começaram a formar esse imenso poder naval, essa supremacia marítima, que acabou por se substituir à dos seus rivais. O comércio livre foi a obra do individualismo, das empresas privadas: os governos europeus, por impotência, reconheciam o monopólio ibérico, o que não os impedia de auxiliar secretamente as tentativas contra aquele privilégio" (João Ribeiro).

OS FRANCESES

Em 33 anos (1500-1533), a atividade dos portugueses, no Brasil, se limitou à exploração de uma parte do litoral e a fundação das três feitorias de S. Vicente, Piratininga e Pernambuco.

Esse abandono da Metrópole, propiciando as ações dos corsários e piratas, principalmente de origem francesa, constituiu, de fato, perigo para as futuras aspirações da corte lusitana nas terras do Brasil. "Durante anos ficou indeciso se o Brasil ficaria pertencendo aos portugueses ou aos franceses". (C. de Abreu).

A partir de 1555 as tentativas dos franceses serão dirigidas não mais para a pirataria, mas, sim, para a fixação à terra e a sua consequente colonização.

A FRANÇA ANTÁRTICA

O almirante francês Nicolas-Durand de Villegaignon, julgando-se injustiçado pelo Rei da França, Henrique II, pressentindo, talvez, o agravamento das relações entre católicos e protestantes em seu país, concebeu o projeto de estabelecer uma colônia francesa no Brasil. Amigo de Calvino, desde a juventude mantinha, também, boas relações com o almirante Gaspar de Chatillon, Conde de Coligny, na época o mentor supremo das atividades marítimas de França. Conseguiu interessá-lo no seu plano, convencendo-o de que se tratava realmente "de fundar na América uma França nova, em que todos os Cristãos gozariam de liberdade de consciência". Por seu intermédio, obteve autorização do Rei para executar seu projeto. Associouse, depois, aos negociantes da Normandia e Bretanha; enriquecidos no comércio clandestino com o Brasil, e iniciou a organização da expedição. O local escolhido é a Baía de Guanabara e ali pretende instalar sua "França Antártica", Estamos em 1555.

A ação é simples e sem resistência: ocupa a ilha da Lage e depois a de Serigi (água dos siris) onde constrói o forte de Coligny, mais tarde Villegaignon (nome trocado pelos portugueses).

Os portugueses estavam ausentes e não molestaram os invasores que por outro lado nada sofreram dos índios locais com quem fizeram imediata amizade.

Assim se passou o ano de 1556 e já em 1557, não só foram reforçados (Bois-Le Conte com 300 homens) como ainda pensaram mais seriamente na ligação da colônia a terra (historiador Jean de Lery, ministros e 5 jovens casadoiras).

Só em 1557 chegou à São Salvador o novo governador-geral do Brasil, Mem de Sá, com a missão especial de expulsar os franceses do Rio de Janeiro. Por outro lado, a convivência entre calvinistas e católicos gerou um ambiente de controvérsia religiosa, alimentado pelo espírito polêmico de Villegaignon. Este, desgostoso com os reveses sofridos na direção da colônia, convencido da impossibilidade de realizar seu plano de colonização, regressou à França em 1559. Os primeiros cuidados de Mem de Sá visaram a pôr ordem na administração e no governo da colônia e despertar a consciência do indígena para a nova situação, aldeiando-o e intensificando sua catequese. Depois começou a preparar a execução da principal tarefa que o trouxera ao Brasil: a expulsão dos franceses do Rio de Janeiro. Desta forma, só em 1560 Mem de Sá vem ao Rio e, sem grandes dificuldades, derrota os franceses, que se internam no território brasileiro. Da ação desenvolvida por Mem de Sá convém ressaltar os seguintes erros, que terão influência mais tarde:

-Não tratou do estabelecimento de um núcleo de colonização portuguesa e nem mesmo deixou um destacamento de vigilância;

-Destruiu o forte de Coligny que lhe poderia servir de baluarte; -Perseguiu as tribos dos tamoios, aliados dos franceses, dificultando a aproximação com os portugueses e facilitando, ao contrário, a amizade com os franceses.

Justamente devido aos erros de Mem de Sá, logo que este se retira, os franceses voltam à Baía de Guanabara; aí reconstroem o forte de Coligny e instigam os índios a atacarem os outros núcleos portugueses do litoral para expulsá-los, especialmente, o de São Vicente. É a "Confederação dos tamoios" que se levantam sob as ordens de Cunhambebe, cujo ódio aos portugueses e tremendo arrojo ofensivo só arrefeceram com a intervenção dos jesuítas Manoel da Nóbrega e José de Anchieta, que conseguem o armistício de Iperoig, estabelecendo-se uma trégua.

Estácio de Sá vem de Portugal com a missão específica de expulsar os franceses e, realmente, consegue se estabelecer nas proximidades do Pão de Açúcar, onde lançou os fundamentos de uma povoação, em 1º de março de 1565, dando-lhe o nome de São Sebastião do Rio de Janeiro. A luta com os franceses é indecisa por dois anos, pois os recursos são muito poucos para os portugueses, enquanto os invasores contam com o apoio decidido dos indígenas. Somente em 1567, Mem de Sá, contando com o reforço de uma esquadra vinda de Portugal, acorre em socorro de Estácio de Sá. A 20 de janeiro as posições francesas são atacadas; depois de longo e cruento combate, em que Estácio de Sá foi ferido por uma flecha, os franceses foram derrotados. Era o fim da França Antártica e, também, do bravo Estácio de Sá.

Em 1º de março desse mesmo ano, Mem de Sá, tendo em vista que a povoação de São Sebastião estava muito exposta aos ataques inimigos, dada sua proximidade da entrada da baía, resolveu transferí-la para local mais abrigado e de mais fácil defesa. Escolheu-o no morro do Castelo e transferiu para lá os fundamentos da povoação. Salvador Corrêa de Sá foi nomeado, em substituição a Estácio de Sá, para governá-la.

Os franceses, expulsos da baía de Guanabara, se fixaram em Cabo Frio e, partindo de lá, faziam constantes incursões pelo litoral com cooperação dos tamoios. A insistência francesa ao Rio de Janeiro e a necessidade de ocupar a costa esteoeste, até então vagamente conhecida, levou a coroa portuguesa a dividir em 1572 o Governo Geral do Brasil em dois. Um, com sede em São Salvador, teria jurisdição sobre a zona costeira de Ilhéus para o norte. O outro, abrangeria o território de Porto Seguro para o sul, teria sede no Rio de Janeiro, e atenderia à defesa da costa sul. Os benefícios desta divisão não se fizeram esperar: o reduto francês de Cabo Frio, sua base de operação, foi submetido após rigoroso cerco. Os estrangeiros foram enforcados, grande número de índios, seus aliados, foram mortos ou escravizados, e o restante internou-se na floresta. Extinguiu-se a influência dos franceses sobre esta região.

Em 1577, recompôs-se o Governo Geral do Brasil. Felipe II, rei de Espanha, decidiu enfrentar decisivamente a situação e designou Gaspar de Souza governador geral do Brasil com instruções especiais e amplos poderes para organizar a defesa da costa este-oeste e conquistar o Maranhão. Gaspar de Souza encarregou Jerônimo de Albuquerque, "Capitão da Conquista", e Diogo de Campos para dirigir as operações. A expedição empreendida foi uma operação combinada por mar e por terra: Diogo de Campos bate os franceses em Guaxanduba (1614) e depois, Jerônimo de Albuquerque estabelece, com eles, uma curta trégua à espera de reforços. De Recife chega Alexandre de Moura com forte contingente forçando os franceses à rendição final e completa (1615). Encerrava-se o sonho da França Equinocial e se abria a luta pela conquista da Amazônia.

A DISPUTA DA REGIÃO DO CABO NORTE

As terras entre o delta do Amazonas e rio Oiapoque, ou Vicente Pinzon, também chamadas do Cabo Norte, foram teatro de longa e difícil luta entre espanhóis e portugueses, de um lado, e holandeses, ingleses, irlandeses e franceses de outro. Toda a orla atlântica do Cabo de Horn ao Golfo do México fora descoberta pelos nautas luso-espanhóis, plantando-se nelas, mais tarde, descontínua e esparsamente, postos militares e mercantis, sinais icos da soberania das duas nações sobre esse vastíssimo litoral. A Holanda, a Inglaterra e a França, concorrentes de Espanha e Portugal no domínio das terras recém-descobertas, procuram quebrar a continuidade da posse luso-espanhola sobre o litoral atlântico, estabelecendo-se, aqui e acolá. O Governo espanhol sabia, desde 1615, da presença de ingleses, holandeses e irlandeses nas terras amazônicas e as informações obtidas pormenorizavam que mantinham contatos cora os indígenas, comerciavam com eles, construíam fortificações que se poderiam transtormar, em curto prazo, em posições militares difíceis de serem destruídas.

Em 1616 o Conselho das índias, fundamentado nessas intormações, expedia instruções aos luso-brasileiros, para que logo se concluísse a "empresa do Maranhão", fossem combatidos os intrusos na Amazônia. Essa decisão contrariava em parte os interesses da coroa espanhola, pois abria excelente oportunidade à expansão lusitana para o norte e o oeste, ameaçando suas possessões no Peru e na Venezuela. Mas os estabelecimentos venezuelanos não tinham possibilidades de executar uma missão dessa natureza estando eles próprios expostos a rudes e frequentes ataques de ingleses e holandeses. Foi necessário, portanto, apelar para o concurso dos luso-brasileiros, que acabavam de dar, no Maranhão, uma demonstração vigorosa de capacidade militar. De 1616 a 1631 a luta seria contra holandeses, ingleses e irlandeses, marcada no plano político pela fundação de Belém e a organização do Estado do Maranhão, em 1621, diretamente subordinado à Metrópole e abrangendo as terras do Ceará ao rio Oiapoque. Em 1634, Felipe II doou a Bento Maciel Parente a Capitania do Cabo Norte, que se estendia para o norte do cabo desse nome ao Rio Oiapoque, e, para oeste, "pelas terras dentro do rio das Amazonas arriba da parte do canal que vai sair ao mar oitenta para cem léguas até o rio dos Tapajusus". Por outro lado, o Governo francês; desde 1605, vinha fazendo repetidas concessões de terras entre o rio Amazonas e a ilha de Trindade. Mais uma vez, portanto, se iriam chocar os interesses franceses e luso-espanhóis no Brasil e desta vez numa luta tenaz que perduraria até 1713 e cujos reflexos se fazem sentir, ainda hoje, na demarcação da fronteira brasileira com a Guiana Francesa, ponto de fricção de consequências imprevisíveis.

Em 1615, os luso-espanhóis davam início ao reconhecimento da costa amazônica. A missão foi confiada a Francisco Caldeira Castelo Branco que, em 1616, levantou o forte do Presépio. Em 1621 criou-se o Estado do Maranhão, com a finalidade de apoiar a conquista da Amazônia e, dezesseis anos mais tarde, era criada a Capitania do Cabo Norte. Desde 1604 os franceses tinham relações comerciais com os índios da Guiana e realizavam tentativas de fixação, abandonadas, ora, pela aspereza do clima, ora pela hostilidade dos indígenas. Em 1633, uma Companhia comercial francesa fundou um povoado na ilha do Cocumbo, origem remota da atual Caiena. A incipiente colônia cresceu lentamente sofrendo os influxos da política europeia; esteve em mãos dos holandeses, posteriormente foi dos ingleses, até 1679, quando retornou aos franceses. O novo governador. De Ferroles, revelou grande capacidade administrativa e deu início à infiltração de franceses nos domínios portugueses.

Os portugueses, livres da dominação espanhola, encetaram vigorosamente à colonização da região, estabelecendo fortificações e povoações na margem norte do Amazonas. Aos jesuítas foi confiada a missão de converter o gentio e manter a região dentro da soberania portuguesa. A dupla ação missionário militar preparou a Capitania para conter os franceses que, em 1688, passaram a exigir que os portugueses abandonassem a margem norte do Amazonas. Da disputa epistolar passaram à luta armada; a fortaleza de Macapá foi atacada em 1697 e, após ser abandonada: pelos portugueses, foi novamente retomada, sendo os franceses repelidos. O primeiro lance da partida pela posse do Cabo Norte fora favorável aos brasileiros.

O século XVII expirou numa atmosfera de grande tensão internacional, decorrente do problema da sucessão da coroa espanhola. Luís XIV, rei de França, como pretendente, procurou aproximar-se de Portugal, para tê-lo como seu aliado na sucessão. Depois de longas negociações firmou-se, em março de 1700, um Tratado Provisório, neutralizando a zona contestada. Os franceses poderiam penetrar no território vindos de Caiena até o Amazonas e os portugueses até o Oiapoque. Em junho de 1701, o Tratado Provisório anterior foi reconhecido como definitivo e perpétuo. Em 1703, porém, Portugal alia-se à Inglaterra abandonando a aliança com a França. Esta, absorvida pela guerra, não poderia dar atenção à questão, que seria resolvida no fim da guerra da sucessão espanhola com o Tratado de Utrecht.

OS ATAQUES FRANCESES AO RIO DE JANEIRO

Frustrados os projetos franceses para conquistar uma região da costa brasileira, onde pudessem estabelecer um entreposto seguro e permanente para servir de ponto de apoio ao comércio que entretinham ativamente, entre o Brasil e a Europa, o Governo francês recorreu à ação diplomática para obter favores da coroa portuguesa. Inicialmente, exigiu que o comércio de bandeira francesa gozasse dos mesmos privilégios que Portugal concedera ao da Inglaterra e Holanda. Não sendo atendido, passou a prestigiar e apoiar os corsários franceses, cujas atividades se tornaram mais intensas e ousadas, atacando e aprisionando navios portugueses, espanhóis e ingleses no Atlântico. A Guerra da Sucessão da Espanha, em que se envolveu Portugal, ao lado da Inglaterra e da Holanda, serviu de motivo para que esses atos de pirataria no mar se transformassem em ataques desabridos às cidades costeiras das colônias espanholas e portuguesas que lhes oferecessem possibilidades de saque compensador. Por esse tempo o sul do Brasil prosperava aceleradamente.

O Rio de Janeiro gozava em toda a Europa a fama de uma cidade opulenta saída natural do ouro produzido em Minas Gerais, e sobre ela iria incidir a ação dos piratas franceses, oficializada pelas cartas de corso. Resultaram dessas condições gerais os ataques de Duclerc em 1710 e o do almirante Duguay-Trouin, em 1711, ao Rio de Janeiro.

A enfermidade de Carlos II, Rei de Espanha, tornara próxima a extinção da casa dos Habsburg, precipitando o problema de sua sucessão. Havia, nele, dois aspectos a considerar: o dinástico, resultante de suas ligações de família com a casa de França e da Áustria, e o político que decorria do equilíbrio de poder das potências europeias, interessando particularmente à Inglaterra e à Holanda. As ligações dinásticas da casa de Espanha indicavam três pretendentes à sucessão de Carlos II: Luís XIV, Rei de França, Leopoldo I, da Áustria. O terceiro pretendente era o príncipe Joseph Ferdinand, Príncipe Eleitor da Baviera.

No plano político, Inglaterra e Holanda não podiam consentir que as coroas da França e da Espanha se unissem, pois isso representaria uma combinação de poder naval que às afastaria da competição no comércio mundial. Igualmente, a combinação de poder terrestre da Áustria com o da Espanha afetaria a segurança de seus interesses no continente. Sendo assim, desde 1698 vinham desenvolvendo grandes esforços diplomáticos para chegarem a uma solução conciliatória do problema da sucessão de Carlos II. À revelia da França e da Áustria e sem conhecimento de Carlos II, Inglaterra e Holanda negociaram um tratado, repartindo a Espanha e suas colônias entre o Príncipe Eleitor da Baviera e o Arquiduque Carlos, sobrinho de Carlos II. Informado dessas negociações, e desejando evitar a divisão do reino espanhol após sua morte, Carlos II fez o Príncipe Eleitor da Baviera, seu único herdeiro. Mas, em 6 de fevereiro de 1699 morreu o sucessor designado pelo rei de Espanha e a questão se reabriu. A Inglaterra e a Holanda negociaram novo Tratado de Partilha da Espanha, em 13 de março de 1700, mas Carlos II anulou essa combinação angloholandesa, proclamando Felipe, neto de Luiz XIV, seu sucessor. Com a morte-de Carlos II, em março de 1701, Luiz XIV proclamou Felipe Rei de Espanha, com o título de Felipe V, e tomou providências para coroar o novo Rei, sentenciando: "não há mais Pirineus". A Inglaterra e a Holanda reagiram imediatamente, organizando, em 1701, a Grande Aliança, com a cooperação de Leopoldo I e outros duques espanhóis da Europa para fazer guerra à França e Espanha.

Portugal aderiu à Grande Aliança e firmou com a Inglaterra, em dezembro de 1703, o Tratado de Methwen, que concedia amplas facilidades, aduaneiras à entrada dos têxteis ingleses no reino e suas colônias, abrindo caminho ao domínio inglês sobre suas atividades comerciais, com reflexos importantes na orientação de sua política internacional. Em consequência, Luís XIV autorizou que se hostilizassem os súditos portugueses em terra e no mar, concedendo cartas de corso aos que as solicitassem.

(1) 1ªExpedição -Duclerc -Governava a capitania do Rio de Janeiro, Francisco de Castro Morais, que, tendo recebido reforços de Portugal e das capitanias vizinhas, designou Gurgel do Amaral para preparar à defesa da cidade. A frota de Duclerc chegou ao Rio de Janeiro em agosto de 1710 e sentindo o perigo a que se exporia, se tentasse forçar a entrada da baia de Guanabara, desembarcou em a cidade.

Atingindo a região hoje conhecida como Engenho Velho, aí travou luta contra as primeiras defesas, que retraítam sucessivamente combatendo até atingirem o local da atual Praça 15. Aí os franceses foram cercados e Ducelere feito prisioneiro. Deve-se destacar a disposição do povo para defender a cidade, o entusiasmo com que acolheu a convocação do governador e o modo resoluto com que se bateu nas ruas. Um fato que deslustrou a vitória portuguesa foi o assassinato de Duclerc, na prisão, em circunstâncias não esclarecidas convenientemente.

(2) 2ª Expedição -Duguay-Trouin -A derrota de Duclerc, seguida de seu assassínio, aliada às esperanças de imensa presa, levaram o almirante Duguay-Trouin a conceber um projeto de ataque ao Rio de Janeiro. Do Rei de França obteve aprovação para esse projeto e as tropas e navios necessários à sua execução para "vingar a morte de Duclerc, punindo Portugal por meio de uma investida contra a sua florescente colônia, ao tempo em que levaria a glória das armas francesas a regiões distantes e se locupletaria, sem dúvida, empresas de valor inestimável".

A expedição chega ao Rio, de surpresa, em setembro de 1711 e, aproveitando-se do denso nevoeiro e do fogo inoperante dos fortes que defendiam a sua entrada, penetra na baía e conquista a Ilha das Cobras. Precedidos de forte bombardeio à cidade, os franceses desembarcaram nas praias do Valongo. A resistência é oposta pelo bravo Gurgel do Amaral, porém o governador é incapaz e covarde. "Contrastando com a resistência apresentada, quando da invasão anterior, os nossos sentiam-se cada vez mais desanimados ante a má orientação do governo e a inépcia da maioria dos chefes. Apenas alguns bons patriotas e sobretudo os estudantes chefiados por Gurgel do Amaral tentavam defender com vigor a cidade. O governador não soube contemporizar a situação até a chegada dos reforços de Minas Gerais, nem sequer negociar as condições em que seria feita a capitulação." Apesar dos protestos, a cidade se rende e é entregue ao saque. Quando 6 dias depois chegam os reforços de Minas nada mais há de fazer. O resgate da cidade foi pago pontualmente e, mesmo, com o afundamento por temporais de alguns navios franceses, o ouro e as mercadorias trazidas do Rio de Janeiro deram para pagar a expedição e distribuir lucro aos interessados.

CONCLUSÕES

Os propósitos franceses de se estabelecerem no litoral brasileiro contribuiram consideravelmente para a colonização e formação territorial do Brasil. Logo após o descobrimento, suas atividades comerciais clandestinas obrigaram os portugueses a organizar as expedições guarda-costas, a fundarem as primeiras feitorias, pesando, depois, na decisão da Metrópole de instaurar o regime de Capitanias Hereditárias.

A tentativa de fixação, no Rio de Janeiro, contribuiu para um melhor conhecimento do litoral, para tecer os primeiros liames de solidariedade entre os colonos e para fundação da povoação do Rio de Janeiro, novo foco de colonização entre os de S. Vicente e Salvador. A união das coroas de Portugal e Espanha, sob Felipe II, levou os franceses, que combatiam de longa data os interesses espanhóis, a realizarem esforços mais intensos e continuados para criar nas terras, agora lusoespanholas, situações definitivas. Em contrapartida, conter esses audaciosos, projetos e estabelecer em bases sólidas o domínio luso-espanhol na costa É atlântica da América do Sul, passou a ser objetivo fundamental na política colonial da Espanha. Criaram-se, assim, as decisões que determinaram a irradiação persistente e contínua do núcleo pernambucano a direção norte. A invasão do Maranhão conduziu, inicialmente a um esforço de colonização entre Pernambuco e Maranhão, definindo melhor a posse portuguesa do litoral este-oeste. Posteriormente este esforço se dilatou até o extremo norte com a fundação de Belém, em 1616, excelente base de operações para a conquista da Amazônia. Dalí partiria, em 1637, a expedição de Pedro Teixeira indo até Quito e, assinalando, no regresso, com um marco plantado na confluência dos rios Napo e Aguarico, o limite ocidental do domínio luso na vastidão despovoada e desconhecida do vale imenso.

Em abril de 1713 foi assinado o Tratado de Utrecht entre a França, a Inglaterra, a Holanda, Sabóia, Prússia e Portugal, estabelecendo as condições de paz entre essas potências, envolvidas na Guerra de Sucessão de Espanha.

Neste Tratado, a França desistia de "toda e qualquer pretensão sobre as terras chamadas do Cabo Norte" bem como reconhecia "que as duas margens do rio Amazonas pertencem toda em propriedade a Portugal".

Definiam-se assim, clara e definitivamente, os limites das possessões portuguesas e francesas na América do Sul, encerrando mais de dois séculos de disputa militar pela posse do território colonial do Brasil.

A miscigenação entre os índios, brancos e negros ocorreu, fundamentalmente, durante o período histórico, condicionada, por contingências, que serão analisadas mais adiante.

Cumpre, porém, desde logo assinalar a attitude que tiveram os indivíduos de cada uma desses grupos étnicos, em face dos contatos físicos, que proporcionaram os elementos cruzados.

Tanto o português, como o espanhol, eram produtos de longa e permanente mistura racial, não tendo, portanto, nenhum preconceito, quanto à ligação física, com as mulheres negras e índias, particularmente, fora do casamento. Eram indivíduos de grandes miscibilidades, vigorosos e ardentes, os quais, não dispuseram de início de nenhuma mulher branca e, depois, de muito poucas. Era natural, pois, que procurassem satisfazer seus instintos sexuais com mulheres índias e negras, onde as encontrasse e o fizeram intensa e extensamente.

O comportamento do indígena em face do branco, assumiu dois aspectos básicos: submeteu-se ao seu domínio, ou contra ele se insurgiu.

A submissão resultou das imposições da cultura superior do branco, às vezes, reforçadas pelos muitos indígenas, ou da catequese. No primeiro caso o indígena logo descobriu que o branco não era o indivíduo superior, que lhe pareceu ser, de início que lhe impunha formas de vida a qual não estava habituado e procurava empregá-lo para satisfazer suas próprias necessidades, donde o conflito. Como consequência, o índio se insurgia, sendo dizimado, ou então fugia para locais inacessíveis. Os que continuaram submissos foram pouco a pouco aculturados pelo branco como servos, ou assalariados, como trabalhadores e soldados. E num ou noutro caso, não se podiam opor aos desejos sexuais dos brancos.

Os que foram submetidos pela catequese receberam tratamento mais humano, sendo absorvidos pela cultura europeia e incorporados à sociedade, que se foi criando, notadamente no Equador, na Bolívia, no Peru, cruzando com os brancos e dando lugar à maioria dos mestiços.

Os índios que não se submeteram, não se miscigenaram com o branco, seja porque foram mortos, seja porque se refugiaram em locais onde não podiam ir. Permaneceram inicialmente puros.

Os negros eram escravos e, portanto, nenhuma resistência poderiam oferecer aos brancos. Quanto à miscigenação com os índios ela foi esporádica e fruto do ambiente social, no qual os representantes dessas raças foram colocados, notadamente nas atividades econômicas.

A maioria dos índios, que não se submeteu e se refugiou em locais inacessíveis lá permaneceu durante todo o período da colonização e se conservou puro; sendo depois gradativamente absorvida pelas sociedades dos países, em que viviam, como aconteceu na Bolívia, no Peru e no Equador.

No período contemporâneo o efetivo de brancos aumentou muito, incluindo o de mulheres. Além disso os tipos cruzados já eram numerosos e ofereciam mais atrativos físicos do que os tipos originais. Os contingentes europeus entrados com a imigração notadamente os nórdicos e os eslavos, não tinham nenhum pendor para miscigenação com negros e índios e procuravam mesmo suas ligações no quadro de seu próprio grupo.

Desse modo a miscigenação entre índios e brancos foi nula, pela falta mesmo de mulheres indígenas nas áreas já ocupadas e colonizadas e muito pequena com as negras. Ela continuou se operando intensamente entre os brancos e os tipos já cruzados, concorrendo fundamentalmente para o branqueamento dos tipos pardos. b) ELEMENTOS GEOGRÁFICOS O Continente Sul-Americano estava, relativamente, isolado, pela distância, do mundo conhecido, no fim do século XV, e separado das terras, então povoadas por dois Oceanos: o Atlântico e o Pacífico. Entretanto, era mais acessível a movimentos provindos da Europa ou da África, do que da Ásia e da Austrália. Contribuíam para esse fato as distâncias menores a percorrer e a feição dos ventos e das correntes marítimas propícios à navegação na direção SW, conduzindo da península ibérica à costa NE. e N. do Continente. Essas características da posição propiciavam, pois, a abordagem do Continente por europeus, notadamente na costa NE e N.

Por outro lado, os quatro quintos da América do Sul tem uma média anual da temperatura superior a 20º, passando o Equador térmico na altura do Vale Amazônico. É, juntamente, com a África, o Continente mais quente do globo. Três quartas partes de suas terras recebem, também, mais de um metro de chuva por ano e a associação calor-umidade se verifica em vastos espaços da planície do Amazonas, no litoral das Guianas e na costa do Pacífico ao norte de Guaiaquil.

O clima, com essas características, condiciona fortemente a ocupação humana, pois, o homem sofre os efeitos do calor úmido, seja diretamente pela ação que exerce sobre o organismo, seja indiretamente, pelas condições favoráveis que propicia a certos desenvolvimentos microbianos. O calor reduz a secreção gástrica e diminui as possibilidades de defesa do organismo. Favorece, também, o desenvolvimento de moléstias infecciosas, à proliferação de insetos vetores, a proliferação de parasitas etc. A incidência da gastroenterocolite, das dermatoses etc. nos países tropicais corrobora essa premissa.

Os efeitos desse tipo de clima são maléficos aos europeus, e em geral, aos habitantes de áreas de climas temperados e mais secos. Acresce a circulação periférica, aumenta a transpiração, superexcita o metabolismo, provoca destruição do protoplasma, gerando desequilíbrios físicos e mentais.

Esse tipo de clima está, normalmente, associado a uma vegetação, também, hostil ao homem: a floresta. A floresta é monótona e enervante. É mais intransponível do que a cadeia de montanha. Não que ofereça grandes perigos, mas pelos pequenos, permanentes e esgotantes incômodos, que causa. São os espinhos, as linhas, os insetos, as formigas, que dilaceram e picam o corpo e fatigam, até a exaustão, os nervos. Presente a floresta repele a ocupação humana; vizinha ameaça e isola os núcleos humanos.

Mas não são somente o clima e a floresta que repelem a ocupação humana. O deserto, também, não a favorece. E estão nesse caso as zonas costeiras do Pacífico, da ponta de Aguaja a Bahia Blanca, abrangendo a costa peruana e a do norte do Chile, os altos páramos andinos, que separam a Bolívia de NW da Argentina, o pampa vizinho ao rio Colorado e o NE da Patagônia.

Um outro limite climático condiciona a ocupação humana: as baixas temperaturas. E essas aparecem tanto em função da latitude, como devido a associação desta com as grandes altitudes. Estão nesse caso a ponta sul patagônica e os altos planaltos andinos a mais de 4.000 metros.

O relevo é para o clima, predominante no Continente, importante corretivo: torna temperadas e mesmo frias zonas equatoriais na vertente do Pacífico. A muralha da cordilheira barrando as influências do Pacífico, as altas bacias de fundo plano, suficientemente irrigadas, cheias muitas vezes de sedimentos de origem vulcânica se tornaram por isso particularmente atrativas à ocupação humana. A Leste, no erosivo e gasto planalto brasileiro, as condições já não eram tão favoráveis, pois a altitude pouco influi na temperatura. Além disso há a considerar a escarpa do planalto, agressiva na parte central e coberta por densa vegetação, que tornam difícil e ocupação da costa e mais ainda a penetração para o interior.

A ação combinada do clima e do relevo, permite mesmo traçar uma linha delimitando as faixas com condições favoráveis à ocupação do Continente, tendo em vista as vertentes do Pacífico e do Atlântico. Nos Andes setentrionais e centrais, a existência de altos planaltos, que a situação combinada da latitude e altitude tornou sumamente habitáveis, e a proximidade do Oceano, acessíveis, atrairiam o povoamento enquanto a planície equatorial quente e úmida, coberta pela floresta o repeliria, confinando a parte leste do planalto brasileiro. Foi possível pois a existência de um vazio no centro do continente, ladeado por duas zonas de povoamento nos Andes setentrionais e centrais a veste e o planalto brasileiro a Leste.

Nos Andes meridionais a altitude agravaria os efeitos da latitude, fazendo da montanha uma zona pouco favorável ao povoamento, enquanto a planície platina a Leste, situada em área subtropical e coberta por uma vegetação pouco agressiva o atrairia. A montanha agressiva e hostil, funcionaria, então, como vazio demográfico, ladeada por uma estreita área costeira na vertente no Pacífico, favorável ao povoamento, e uma extensa região plana, sumamente habitável do lado do Atlântico.

Essas condições geográficas teriam profunda influência no povoamento da América do Sul e, consequentemente, nas possibilidades de contato físico entre os "stocks" originais e outros que a conquistaram, ou para ela vieram como força de trabalho.

Antes mesmo da descoberta essas condições geográficas condicionaram a ocupação. De um modo geral os efetivos demográficos Indígenas nos altos planaltos dos Andes setentrionais e centrais eram muito maiores, do que aqueles que se fixaram nas áreas costeiras adjacentes, na vertente no Pacífico. Nos Andes meridionais os altos páramos andinos estavam despovoados, restringindo-se o povoamento ao amplo vale central andino e às áreas mais baixas da cordilheira. Na vertente do Atlântico, o povoamento original se adensara na faixa costeira do Prata ao Atrato, sendo rarefeito e sumamente ajustável nas planícies do Orenoco, do Amazonas, do Prata e na Patagônia.

Os indígenas do planalto andino se tinham adaptado bem às condições do meio: o aumento de volume da caixa torácica lhe permitiu suportar a rarefação do ar, enquanto o acréscimo do trabalho cardiovascular, a diminuição da circulação pulmonar reduziam a despesa calórica; as funções sexuais não sofreram alteração e permaneceram elevadas. Nas outras áreas, mesmo nas mais inóspitas o índio se tinha aclimatado, também, mas revelava grande mobilidade e inquietude como se buscasse constantemente melhores condições de ambiente.

O colonizador branco, vindo de uma área de clima subtropical teria dificuldades de adaptação, mas estava em melhores condições de fazê-lo, do que outros povos europeus. Evitaria as áreas de climas quente e úmido, preferindo outras de climas menos agressivos no planalto brasileiro, nos Andes Setentrionais e Centrais, no vale chileno e na planície platina. Sua repartição, entretanto, ficaria condicionada pelos objetivos que o traziam ao Continente: o lucro e o proselitismo.

O negro, entrando na América pela porta da escravidão, tinha poucas possibilidades de escolha. Entretanto, representava um capital, que era preciso preservar e render. Seu senhor empregá-lo-ia, pois, em áreas, que favorecessem o rendimento de seu trabalho e possuíssem condições, que permitissem a boa aclimatação deles. Vindos de áreas de climas quentes e úmidos se adaptariam melhor às planícies equatoriais e as áreas pouco elevadas da cordilheira, onde a regularização térmica de seus organismos se fariam em melhores condições, propiciando-lhes sono mais reparador. Seu senhor evitaria, pois, empregá-lo nos altos planaltos andinos e nas altas latitudes da parte meridional do Continente.

A grande extensão do Continente não poderia ser ocupada pelos colonizadores, em sua totalidade, e imporia mesmo, aliados a outros elementos fisiográficos, tipos diferentes de povoamento, e isolaria os núcleos humanos pelas distâncias. Propiciaria, pois, a existência de imensos vazios demográficos, onde se poderiam refugiar os índios, repelidos pela rudeza do branco, ou os negros fugidos ao cativeiro.

De um modo geral, poderia, pois, limitar os contatos entre os stocks raciais, atuando como elemento freador da intensidade da miscigenação.

Os elementos hidrográficos, notadamente os rios, poderiam funcionar como elementos fixadores de povoamento, via de penetração para o interior ou de ligação entre núcleos humanos isolados.

Os pequenos rios costeiros, notadamente, na costa desértica do Peru, atrairiam o povoamento, e nodulariam em núcleos compactos, facilitando os contatos entre os elementos dos stocks raciais diferentes. Os grandes rios, modelando extensas bacias hidrográficas, como a do Amazonas e a do Prata, serviriam, inicialmente, de penetrantes para o interior do continente, depois de fixadoras do povoamento nos locais mais favoráveis e por fim ligariam permanentemente os núcleos humanos sedentarizados, ou mesmo seminômades que se criassem no interior do Continente. De qualquer forma favoreceriam à miscigenação, levando os brancos e os negros aos contatos com os índios, que viviam no interior do país, fixando-os em núcleos de catequese, ou de atividade econômica, e permitindo depois permanente ligação entre eles.

AGRESSÕES INGLESAS

ATAQUE DE CORSÁRIOS INGLESES

Sendo Portugal um aliado perpétuo da Inglaterra, pouco sofreu o Brasil de parte dos ativos corsários ingleses, nas sete primeiras décadas do século XVI. Protegidos pelos favores da coroa portuguesa, ingleses comerciaram pacificamente com o Brasil, não raro associados aos portugueses, auferindo lucros abundantes. As atividades dos corsários ingleses estavam, então, preferentemente voltadas para o mar das Antilhas, onde trafegavam os navios espanhóis abarrotados com o ouro coletado nos templos e nos palácios dos Aztecas e dos Incas.

Mas a união de Portugal e Espanha sob o cetro de Felipe II, em 1580, modificou essa situação. A competência político-comercial que se estabelecera, entre a Espanha, de um lado, Inglaterra e Holanda do outro, agravada pelos progressos da Reforma nesses países, converteu-se em guerra franca e declarada ao monarca poderoso, que pretendeu constituir-se em sustentáculo do Catolicismo. A partir dessa data o torso inglês e holandês se transformou em arma político-militar, que visava a atrair as forças espanholas para longe da Europa e estancar, ou pelo menos diminuir, o fluxo contínuo de recursos de toda espécie que, partindo das áreas coloniais luso-espanholas, nutria e sustentava o crescente e absorvente poderio de Espanha. O Brasil, com sua crescente e valiosa produção de açúcar e seus estabelecimentos e cidades costeiras indefesas, era um objetivo que servia maravilhosamente a esses propósitos militares. E os ingleses não o pouparam.

Os principais ataques dos ingleses à costa brasileira foram: -expedição de Fenton em 1583, a Santos. Não obteve êxito pois quando se preparava para atacar a cidade foi surpreendido por uma pequena esquadra espanhola que pôs em fuga os ingleses.

-expedição de Withrington, em 1587, à Bahia. Após saquear alguns navios carregados de açúcar foram atacados pelos habitantes de Salvador que lhes infligiram tantos danos que os obrigaram a abandonar a cidade.

expedição de Thomas Cavendish, em 1591, a Santos. Atacou a povoação de surpresa (era véspera de Natal), obtendo êxito. Saqueou os depósitos, armazéns e navios surtos no porto. Permaneceu dois meses na localidade só se retirando quando mais nada havia a saquear. Retirou-se de Santos na direção do estreito de Magalhães. Retornou a Santos tentando novamente saquear a localidade; desta vez encontrou ampla reação retirando-se com grandes perdas. Fez uma tentativa em Vitória sendo, também, repelido pela população, auxiliada por índios.

-expedição de James Lancaster, em 1595, a Recife. Os ingleses, de parceria com franceses, atacaram a povoação obtendo, inicialmente, êxito. A população refugiou-se em Olinda e impôs aos invasores uma luta de guerrilhas que tornou insuportável a sua permanência em Recife. Os ingleses retiraram-se levando, porém, valiosa presa.

As tentativas de colonização no Brasil pelos ingleses se localizaram na Amazônia.

Data de 1616 a primeira tentativa de colonização pelos ingleses nos rios Amazonas e Xingu. Rapidamente outras povoações surgiram no rio Gurupá e na margem esquerda do delta Amazônica na região dos Tucujus. A reação comandada por Bento Maciel, Pedro Teixeira e Pedro Favela, arrasou em 1624 e 1625 os estabelecimentos dos ingleses que estavam associados aos holandeses.

A guerra entre a Inglaterra e a Espanha deu nova oportunidade aos ingleses para renovar sua aventura no Amazonas. Em 1628 a colônia do Tucujus foi restaurada; Pedro Teixeira e Pedro Favela atacaram-na destruindo-a completamente.

Outras tentativas foram feitas, em 1630 e 1631, sendo repelidas pelos portugueses, sempre auxiliados pelos índios.

De um modo geral, com exceção das incursões realizadas sobre a Amazônia, as expedições inglesas não passaram de simples ato de pirataria e saque.

As incursões inglesas ao delta do Amazonas trouxeram, por fim, a colonização da Guiana Inglesa (atual Guiana) e o aceleramento da integração da Amazônia ao território brasileiro.

AGRESSÕES HOLANDESAS

ANTECEDENTES

Em 1492, por decreto do Tribunal de Inquisição, 800.000 judeus abandonaram a Espanha. Os judeus estavam profundamente enraizados na economia espanhola, da qual detinham boa parte do capital, além de serem os comerciantes mais capazes e opulentos.

De início, muitos deles encontraram guarida em Portugal; pouco depois foram também expulsos desse Reino, refugiando-se então na Inglaterra e nos Países Baixos.

Em 1549, foi a vez de 400.000 mouros abandonarem a Espanha. Os mouros, particularmente os árabes, eram agricultores adiantados e praticavam a arte mecânica, constituindo a mão de obra especializada de muitas atividades úteis.

Essas duas medidas, que tanto tinham de políticas como de sectarismo religioso, foram causa direta da desorganização da economia espanhola e da passagem posterior da maioria dos lucros que obtinha no comércio com as colônias para as mãos de ingleses, alemães, holandeses etc. A Espanha confiscara o capital judeu e árabe, mas não sabia como manejá-lo; foi, então, parar em outras mãos mais hábeis, não raro a dos próprios judeus da Inglaterra e dos Países Baixos.

As chamadas províncias dos Países Baixos passaram, por sucessão, a Carlos V, rei de Espanha, que lhes deu franquias muito amplas. Com a abdicação de Carlos V passaram ao governo de Felipe II, seu sucessor.

A Reforma promovida por Lutero, no princípio do século XVI, espalhouse rapidamente pela Europa. Nos Países Baixos, as Províncias do Norte (constituiriam a Holanda) se declararam pela Reforma e as do Sul (constituíriam a Bélgica atual) permaneceram católicas. A Espanha, em face da Reforma, tornou-se o sustentáculo da cristandade e Felipe II se arvorou em "último Imperador de fato da herança Romana". Essa atitude o levou à luta religiosa contra todos os reformistas e intervir severamente na Holanda para sustar a marcha do calvinismo. A pressão espanhola levou os nobres holandeses a se rebelarem; o movimento se propagou às massas poptlares, dando origem aos incêndios de igrejas e queima de imagens católicas.

Felipe II enviou, então, à Holanda o Duque de Alba com um exército de 20.000 homens, que restabeleceu a ordem, executou vários insurretos e exilou outros. Wiliam Orange, um dos exilados, reuniu tropas e invadiu o país. O povo, submetido pelo Duque de Alba ao pagamento de duros impostos, apoiou esse movimento, que ganhou substância e rapidamente se espraiou. Depois de vários anos de luta (1572-1579), as províncias submetidas se uniram e proclamaram a independência sob a chefia de Wiliam Orange (1581). A Inglaterra correu em socorro do novo Estado e depois da destruição da Invencível Armada (1588), levou a Espanha a concertar com a Holanda a Trégua de Doze Anos (1609-1621), que era praticamente o reconhecimento da República Batava. O calvinismo penetrou na Holanda pouco depois de sua aparição e nela se consolidou, exercendo profunda influência na sua evolução econômica e social. O calvinismo, como doutrina religiosa, reabilitou o lucro, "colocando-o no mesmo nível de respeitabilidade do salário do trabalhador e da renda do proprietário territorial". Calvino aplaudiu o estímulo do juro e viu nas virtudes econômicas as verdadeiras virtudes. Deus, para ele havia de ser glorificado não apenas pela oração, mas sobretudo, pelo trabalho, pela ação. Só o trabalho "torna o corpo são e forte e cura as doenças produzidas pela ociosidade".

A Holanda, organizada como República oligárquica independente, estava governada por uma burguesia comercial e financeira com vários interesses ultramarinos e foi profundamente estimulada pela doutrina calvinista. Nenhuma outra potência realizava o comércio mundial na escala com o que fazia a Holanda. O Banco de Amsterdam, anterior quase um século ao da Inglaterra, fundado em 1609, operava em bases capitalistas. As companhias de comércio, que mobilizavam frotas poderosas e tinham sob suas ordens verdadeiros exércitos, não teriam existido se não houvesse na Holanda capital nacional abundante e uma orgarização financeira própria, cujas operações, o calvinismo, come doutrina religiosa, aplaudia e cujos desmandos absolvia.

Em 1580, com a união das coroas portuguesa e espanhola, Felipe II fechou os portos da Península Ibérica ao comércio holandês. Os navios holandeses foram confiscados em portos espanhóis e portugueses, obrigando a Holanda a procurar as matérias-primas de que carecia em suas fontes de produção. Organizouse, então, a Companhia das Índias Orientais, em 1602, para concorrer com o monopólio luso-espanhol. Em 10 anos de operação se apoderou de todo o comércio com o Oriente, produzindo lucros fabulosos.

Durante a Trégua de Doze-anos (1609-1621) os armadores holandeses concentraram-se na construção de numerosos navios. Em 1620, completou-se a organização da Companhia de Comércio das Índias Ocidentais, destinada a entreter o comércio com a África, e a América, Em 1621, auxiliada diretamente pelo governo holandês, comecou a operar, libertada que fora pela terminação da trégua, anteriormente, acordada.

2. CAUSAS DA GUERRA HOLANDESA a. Remotas -A evolução do mercantilismo econômico, na Holanda, em franca evolução para o capitalismo, com a entrada dos judeus expulsos da Espanha e Portugal, a fundação do Banco de Amsterdam e a liberdade da doutrina calvinista, no que respeita a dignificação do comércio e do lucro.

-A emancipação das Províncias do norte dos Países Baixos do domínio da Espanha e sua organização em República Oligárquica, graças às influências do calvinismo e à ajuda da Inglaterra.

b. Imediatas

-A união das coroas de Espanha e Portugal, em 1580, sob Felipe II, e a política deste, envolvendo a Espanha nas lutas religiosas que se feriam na Europa, tendo como inimigos a Inglaterra, a Franga e a Holanda (Guerra dos Trinta Anos).

-A proibição das naus holandesas frequentaram os portos da península ibérica, levando a Holanda a iniciar, através das Companhias de Comércio, a luta pelo domínio do comércio mundial.

-O êxito, obtido pela Companhia de Comércio das Índias Orientais em sua luta pelo domínio das rotas comerciais para o Oriente e a trégua concertada com a Espanha, permitindo consolidá-lo e forjar o instrumento para a luta pelo domínio das rotas comerciais com a América, através da Companhia das índias Ocidentais.

-Fraqueza militar do Brasil, que tinha no Nordeste uma área de grande valor econômico e capaz de servir de base de operações para interferir no comércio luso-espanhol.

OPERAÇÕES DE RECONHECIMENTO

Antes da guerra transoceânica entre a Holanda e o Brasil, navios holandeses visitaram as costas da colônia. Em 1599, uma expedição, comandada por Oliver Von North, reconheceu o litoral, particularmente entre Espírito Santo e São Vicente. Em 1604, outra expedição, a de Van Garden, forçou o porto da Bahia, aprisionando um navio carregado e incendiando outro. Em 1614, a expedição de Spilberg saqueia a cidade de Santos. Todos esses fatos corroboram a ideia de que a Holanda já se preparava para combater a "política oceânica" da Península Ibérica.

PRIMEIRA INVASÃO (1624-1625)

a. Situação político-militar Unido desde 1580 à Espanha, Portugal mantem suas colônias e tem como governo um Regente. A Espanha, em período de decadência, acha-se em guerra com a Holanda, França e Inglaterra.

A Holanda, por seu turno, está em pleno apogeu e faz política imperialista através das Companhias de comércio. Em guerra com a Espanha, aliada à França e à Inglaterra, decide atacar o Brasil e estabelecer uma colônia na sua costa leste com finalidade de interferir com mais eficiência no comércio hispanoportuguês.

b. Teatro de operações

Em 1624, a cidade do Salvador, além de ser a sede do governo geral do Brasil, apresentava sinais evidentes do seu desenvolvimento e prosperidade. O povoamento adensava-se em torno da cidade e o "Recôncavo baiano encontrava-se pontilhado de engenhos florescentes, a agricultura e a criação estavam desenvolvidas e essa prosperidade refletia-se no comércio de Salvador, que assim começava a tornar-se uma povoação grande e forte".

c. A invasão

Embora os preparativos dos holandeses fossem mantidos em segredo, Portugal deles teve conhecimento. O governador geral, Diogo Furtado de Mendonça, auxiliado pelo Bispo D. Marcos Teixeira, tomou as providências de recrutar defensores e reforçar as guarnições das diversas fortificações. Os holandeses retardaram o seu ataque e os defensores, pouco a pouco, esqueceram o perigo, voltando às suas ocupações normais.

Depois de 4 meses de espera; surgiu, em 8 de maio de 1624, a esquadra holandesa comandada por Willekens, tendo como auxiliares, Pieter Heyn e o Coronel Van Dorth. A guarnição portuguesa estava muito desfalcada pois os recrutados já haviam se retirado para a zona rural.

A população foi tomada de pavor e começou a fugir; as defesas são vencidas pela esmagadora superioridade dos atacantes, o governador é feito prisioneiro e os holandeses se tornam dono da cidade.

d. A reação

Surpreendidos com a vitória fácil, ocupados com o saque e o apresamento dos valores, os holandeses não perseguiram os portugueses e baianos que se fixaram no Arraial do Rio Vermelho (a 6 léguas de Salvador). O Bispo assumiu a chefia do governo local e organizou um sistema de guerrilhas que conseguiu manter os holandeses dentro do perímetro da cidade o que lhes dificultava grandemente a permanência na Bahia, impedindo-os de alargar a conquista e fazendo-os depender quase integralmente da Holanda.

A ocupação da Bahia causou sensação e sobressalto nas cortes de Lisboa e Madri e uma frota hispano-portuguesa, sob o comando de Fradique de Toledo, chegou a Salvador no dia 29 de março de 1625 encurralando a esquadra holandesa surta no porto.

Acossados por mar e por terra, reduzidos à zona da cidade, os holandeses terminaram por capitular; os reforços chegam atrasados e nada podem realizar.

EXPEDIÇÃO DE CORSO

Em 1627, Pieter Heyn voltou à Bahia, cujo Recôncavo saqueou, conseguindo boas presas. Em 1628, outra expedição holandesa conseguiu apoderarse da ilha de Fernando de Noronha, logo restituindo-a.

SEGUNDA INVASÃO (1630-1654) a. Causas da nova invasão

As informações colhidas pelos holandeses sobre a, precária defesa do litoral do Nordeste brasileiro, a prosperidade da indústria açucareira aí existente e a necessidade de defender os capitais holandeses nela investidos, através de portugueses.

-O mal êxito do ataque desencadeado contra a Bahia, os prejuízos decorrentes desse fato e o inesperado reforçamento do tesouro da Companhia, obtido com o apresamento de uma armada espanhola.

-A riqueza da indústria açucareira na área do Recife, o precário estado da defesa dessa área, criando condições favoráveis para o desencadeamento de um novo ataque holandês ao Brasil.

b. Situação de Pernambuco

Era, na época, uma das mais ricas e prósperas Capitanias do Brasil. Com uma população superior a 30 mil habitantes, possuía algumas localidades florescentes, além de inúmeras aldeias e povoação em franco desenvolvimento. A sua agricultura era representada principalmente pelas extensas plantações de cana, algodão e fumo.

Para o interior encontravam-se grandes criações de gado e algumas indústrias extrativas de valor.

A posse de Recife significava para os holandeses uma base de operações no Nordeste de forma a permitir futuras expansões e investidas.

c. Primeiro Período do domínio holandês (1630 -1637)

Em fevereiro de 1630, uma grande frota holandesa, comandada por Lonck, ataca Recife. Depois de 15 dias de lutas desesperadas, as tropas defensoras se rendem. O governador Mathias de Albuquerque, vendo que não é possível manter Recife, incendeia o porto, abandona a cidade e vai estabelecer no Arraial de Bom Jesus uma defesa à base de guerrilhas apoiadas em estâncias-redutos.

Pouco a pouco, foi crescendo o número de defensores do Arraial: senhores de engenho, com os seus escravos, índios aldeados e aventureiros. O índio Felipe Camarão (Poti) e o preto Henrique Dias distinguiam-se entre os mais valorosos auxiliares de Mathias de Albuquerque com as suas famosas Companhias de emboscada. As guerrilhas não davam trégua aos invasores e levavam nítida vantagem, a tal ponto que, pouco depois os holandeses não ousavam ir muito longe de seus redutos.

Repetia-se em Pernambuco o que ocorrera seis anos antes na Bahia, isto é, os holandeses dominavam o mar mas não conseguiam expandir-se.

Em 1631 chegaram reforços holandeses sob o comando de Pater; os lusoespanhóis também reforçaram suas forças com elementos conduzidos por D. Antônio Oquendo cujo desembarque os holandeses tentaram impedir.

As duas esquadras se encontraram em setembro, na altura dos Abrolhos, com sucesso para Oquendo que conseguiu desembarcar os reforços que conduzia.

Os holandeses, em dezembro, tentaram se apoderar da Paraíba mas foram repelidos. Atacaram o Potengy e também não lograram sucesso.

Em 1632 receberam a adesão de Calabar que entrara em conflito com as autoridades coloniais portuguesas. Essa adesão trouxe grandes benefícios aos holandeses, pois Calabar conhecia bem o teatro das operações e os processos de operar dos luso-brasileiros. No ano seguinte, os holandeses realizaram vários ataques para expandir a área de ocupação em Recife, dirigidos contra Rio Formoso, Afogados, Arraial, Goiana, Barra Grande e Muribeca. No Rio Grande do Norte conseguiram se apoderar do forte dos Três Reis Magos. Em 1634, conquistaram a Paraíba e a ilha de Fernando de Noronha. Em junho de 1635, a Arraial de Bom Jesus caiu em mão dos holandeses bem como Porto Calvo e a região do cabo de Santa Agostinho. Mathias de-Albuquerque face a esses insucessos decidiu retirar-se para Alagoas conduzindo 8.000 pessoas. Continuando para o Sul retoma Porto Calvo onde é preso Calabar e enforcado. Em agosto, Mathias chegava a Alagoas, reunindo-se às forças de Bagnuolo. No fim do ano de 1635, Mathias de Albuquerque é destituído do comando e substituído por D. Luiz Rojas e Borjas. O novo comandante decidiu atacar os holandeses em Porto Calvo e conseguiu ocupá-lo. Animado pelo Sucesso, quis impor a batalha ao inimigo e foi derrotado na região da Mata Redonda. Porto Calvo passou a servir de base ao reinício da campanha de guerrilhas.

Já 7 anos eram decorridos e os resultados da conquista ainda não se apresentavam promissores para a Companhia das Índias Ocidentais. A situação econômica não satisfazia aos holandeses e tampouco aos brasileiros, pois faltava tranquilidade para o trabalho e para a vida.

d. Segundo período do domínio holandês -(1637 -1644)

As conquistas holandesas já eram de molde a exigir da Companhia das Índias Ocidentais um administrador capaz e chefe de valor. Em janeiro de 1637 chega a Recife, Maurício de Nassau, nomeado, pela Companhia, Governador das terras conquistadas ou a conquistar.

Esse período marcou a administração do Conde Maurício de Nassau, sendo inegável o surto de progresso experimentado pelo Brasil holandês durante sua gestão.

Sua ação administrativa, consubstanciada na fórmula de primeiro plantar para depois colher os frutos, "granjeou-lhe o título de dirigente invulgar". Dentre os diversos atos da administração nassauviana, alinham-se como dignos de registro:

-O respeito à propriedade rural, que ficou em mãos dos luso-brasileiros, confiando-se aos holandeses as atividades comerciais; -A vinda de intelectuais europeus, que deram grande renome ao Brasil, no exterior; -A organização da câmara dos Escabinos, constituída com 55 representantes da Capitania, a primeira Assembleia Legislativa criada na América e que funcionou de agosto a setembro de 1640; -A tolerância religiosa, que permitiu vivessem em paz luso-brasileiros e holandeses;

-A remodelação do Recife, que foi dotada do bairro Mauricéia, com casas de fachadas de azulejos e de pontes sobre o rio Capiberibe.

Maurício de Nassau cuidou de consolidar o domínio holandês. Em 6 de março atacou Porto Calvo, defendido pelo conde de Bagnuolo, obtendo a vitória do rio Comandutuba e logo depois a rendição da fortaleza. Marchou daí até o rio S. Francisco, mandando levantar duas fortificações na margem norte para marcar os limites do Brasil Holandês.

Ao norte, Nassau ocupava, quase sem resistência, o Ceará. Em 1638 atacou a Bahia sendo repelido com grandes baixas. No ano seguinte se dá a vinda da armada do Conde da Torre que é derrotada pelos holandeses na batalha das Pontas das Pedras.

Em 1640, uma revolução em Portugal restaurou a independência do Reino. Ocupado com a guerra contra a Espanha em que visava consolidar a sua independência, Portugal firmou com a Holanda uma trégua de 10 anos em que reconhecia a posse holandesa sobre as terras que conquistara e, a seus súditos, o direito aos engenhos e terras de que tinham apossado.

Desrespeitando a trégua os holandeses ampliaram os seus domínios, ao norte, com a ocupação de São Luís do Maranhão e ao sul até o rio Real, em Sergipe.

Em 1642, Muniz Barreiros desencadeia a revolução do Maranhão contra o domínio holandês, recebendo reforços vindo do Pará e do Ceará. Dois anos mais tarde os holandeses abandonam São Luís.

Em março de 1644, Nassau regressa à Holanda; o governo, que o substituiu, se tornou antipático pela sua intolerância. Nassau, espírito muito evoluído e de família nobre, tinha em vista a formação de uma verdadeira colônia em bases sólidas e, por isto, desenvolveu as instalações locais, promoveu o desenvolvimento industrial e comercial. Em vez de conduzir a conquista Para a exploração imediata das riquezas, seu principal objetivo é a conquista da amizade dos nativos, a exploração territorial da colônia. Isto desagrada a direção da Companhia das Índias Ocidentais que, composta de negociantes e exploradores, só se interessa pelos dividendos imediatos. Esta disputa é altamente prejudicial à própria Companhia e altamente benéfica para os defensores que, com o afastamento consequente de Nassau, ganham o maior tempo para a vitória qué se aproxima. e. Terceiro período do domínio holandês (1644 -1654) (1) As causas da insurreição pernambucana João Fernandes Vieira, André Vidal de Negreiros e Antônio Dias Cardoso foram os articuladores da insurreição, que contou com o apoio disfarçado do governador geral em face da trégua acertada.

Aponta-se como causas dessa insurreição as seguintes: -O rompimento do armistício por Nassau, promovendo a conquista do Maranhão e de Sergipe.

-Os abusos praticados pelo governo holandês, após a saída de Nassau, tais como os confiscos de tesouros, enterrados, as prisões de senhores de engenho, o arbítrio, a violência e intolerância religiosa, exacerbando os ressentimentos. -O êxito, obtido com a insurreição desencadeada pelos senhores de engenho do Maranhão, seguido da expulsão dos holandeses do Ceará, mostrando, praticamente, que os invasores não eram tão fortes como pareciam e que podiam ser vencidos, também, na área de Pernambuco.

-A consciência, de que os interesses da Metrópole estavam em oposição aos da colônia e que cabia a esta encontrar uma saída para a situação angustiante, que se criara na Capitania com a assinatura do armistício.

-O poder e a experiência militar dos senhores de engenho, criando possibilidade para uma luta vitoriosa contra as forças holandesas e a esperança nos auxílios que lhes prometera a Metrópole, através do governador geral.

(2) A evolução dos acontecimentos A insurreição rebentou na Paraíba e, embora não obtivesse exito, exigiu que os holandeses mantivessem ali grandes efetivos.

Em março de 1645, os senhores de engenho comprometidos na insurreição assinaram em cartório um compromisso para libertar a Capitania de jugo holandês.

As operações começaram com um incidente em Ipojuca e o primeiro combate notável trava-se no Monte das Tabocas onde os luso-brasileiros alcançam completa vitória.

Em seguida, Vieira se apodera do Cabo e decide sitiar. Recife, organizando o Arraial Novo do Bom Jesus (a 6 quilômetros ao sul de Recife). Em princípio de 1648, se apresenta no Arraial o General Barreto de Menezes com credenciais do governo de Lisboa para comandar os rebeldes.

(3) Primeira batalha dos Guararapes A posição dos holandeses era precária pois, sitiados no Recife, não podiam manter ligações com os núcleos isolados na Paraíba, em Sergipe e em Alagoas. Para isso seria necessário destruir a posição do Arraial Novo de Bom Jesus e a chegada dos reforços iria proporcionar-lhes meios para tentarem realizar essa tarefa.

Os insurretos, apesar dos sucessos obtidos, careciam de meios para tomar a ofensiva. A batalha trava-se em 19 de abril de 1648 com a derrota dos holandeses.

Depois de Guararapes, os holandeses reocuparam Olinda mas toram logo repelidos; tentaram ocupar a Bahia sem sucesso. 4 Em 1653, chegou ao Brasil uma esquadra da Companhia de Comércio, criada em Portugal, para fazer concorrência à sua congênere holandesa e, ao mesmo tempo, apoiar a insurreição visando a expulsão definitiva dos flamengos.

Em 26 de janeiro de 1654 assinou-se a capitulação da Campina de Taborda cujas condições de paz desgostaram os colonos. Portugal foi obrigado a pagar aos holandeses uma indenização e abrir os portos ao comércio de navios holandeses, nas mesmas condições da Inglaterra. Em consequência, novos impostos foram lançados sobre os colonos para pagar esses compromissos.

Consequências da Guerra Holandesa

-Preseverou a unidade cultural da Colônia, impedindo, que um grupo numeroso de população de etnia, crença, língua, costumes diferentes dos que nela existiam, se radicassem numa área, que, pela sua posição, cindiria irremediavelmente, em dois segmentos costeiros, à área colonial.

-O aumento do efetivo demográfico, a melhoria da circulação política e social na área, permitiram melhores contatos, entre seus diversos núcleos de população, intensificando as trocas de influências culturais e ampliando o sentimento de solidariedade regional.

-O amálgama étnico, que se vinha processando no Nordeste, se consolidou à base de uma miscigenação realizada através de contatos afetivos e de sacrifícios realizados por todos em defesa de uma causa comum, fazendo surgir um sentimento patriótico de caráter, ainda, regional.

-Exacerbou-se o antagonismo luso-brasileiro, quando os colonos tiveram consciência, de que a Metrópole, não trepidaria em sacrificar os interesses deles, colonos, para defender os seus próprios, fortalecendo desta maneira o sentimento autonomista e de autodeterminação existente na área.

IX LUTAS MILITARES NO PRATA

Os portugueses perderam várias oportunidades de se apossar da margem esquerda do rio da Prata. A primeira quando da expedição de Nuno Manoel, em 1513, que descobriu e navegou pela primeira vez aquela bacia do Prata. A segunda, em 1532, quando El-Rei em carta a Martim Afonso de Souza, revelou o plano de dividir em capitanias todo o território espraiado entre Pernambuco e o rio da Prata. Na doação das capitanias não se aproveitou do território à margem esquerda do Prata para o estabelecimento de uma capitania hereditária. Assim mais de um século se passou e, afora as manifestações dos bandeirantes, o Rio Grande permanecia entregue ao gentio e às reduções jesuíticas espanholas.

A Bula Papal de 1676, criando o bispado do Rio de Janeiro e estendendo a sua jurisdição até o rio da Prata, deu a D. Pedro 11, de Portugal, o motivo para colocar na barranca setentrional do estuário, o marco extremo sul da dominação lusa. E assim expediu o regente ordens a D. Manoel Lobo para que "depois de tomar conta do governo do Rio de Janeiro, desça ao rio da Prata e na ilha de São Gabriel, firme as fortificações necessárias e uma nova Colônia". Nesse mesmo ano foi fundada Laguna pelo paulista Domingos Brito Peixoto.

Em 1º de janeiro de 1680, Manoel Lobo fundou, em frente às ilhas de São Gabriel e na margem esquerda do rio, a colônia do Sacramento.

a. Causas da fundação da colônia do Sacramento

Em 1680, os portugueses, apoiados pela Capitania Geral do Rio de Janeiro, implantaram, na margem norte do estuário do Prata, uma Colônia fortificada, que visava servir de núcleo à colonização daquela região considerada como pertencente a eles de acordo com o direito firmado pelo Tratado de Tordesilhas, alterado pela Escritura de Saragoza, de 1520. As causas que os levaram a essa decisão foram as seguintes:

-A consolidação da conquista e da colonização na faixa costeira, de São Vicente ao rio Oiapoque, e o êxito obtido na dominação do estuário do Amazonas, criando possibilidades para o domínio de toda bacia desse rio e de desviar seus recursos para atender tarefas, até então, adiadas.

-O melhor conhecimento da geografia e da etnografia do Tontinente, completado com a Bandeira de Raposo Tavares (1646-1651), permitindo-lhes chegar à consciência da existência de uma unidade geográfico-etnográfica e dar organização política e a identificação dos limites naturais, que poderiam conformála, no interior, ao longo do Madeira-Mamore ou Guapore-Paraguai-Paraná-Prata.

As concessões feitas pela Espanha, no Tratado de Paz de 1668, reconhecendo como válidas as conquistas portuguesas, realizadas no período de 1580 a 1640, e a possibilidade de dar-lhes sanção jurídica através do instituto do "uti possidetis" de fato.

-O exaurimento do poder espanhol, na Europa, duramente atingido pelas guerras, em que se envolvera na Europa, entre 1540 e 1670, e no momento histórico, ainda, engajado no Velho Continente.

-A necessidade de dominar o estuário platino, ou pelo menos obter o condomínio dele, através da neutralização da base de Buenos Aires e da Colonização intensiva de sua área norte, a fim de criar condições para dominar a linha fluvial interior e transtormá-la em limite do futuro espaço colonial no Brasil.

-O atrativo, que oferecia o comércio legal e extralegal no estuário do Prata, conhecido e explorado durante o período de 1580 a 1640 o que poderia ser, novamente, aproveitado mediante o porto de Colônia do Sacramento e outros que se instalaram na área após ser dominada.

-As possibilidades que se abriam ao comércio português caso fosse obtida a liberdade de navegação nos rios Paraná e Paraquai.

b. As lutas em torno da Colônia O governador de Buenos Aires, José Garro, logo que teve conhecimento da presenca dos portugueses no rio da Prata, reuniu 3.000 índios das Missões jesuítas e em agosto de 1680 essa força tomou de assalto a nova colônia. Na Europa, essa notícia causou sensação e uma comissão foi nomeada para dirimir, não só essa questão, mas também a posse das Molucas. Daí resultou o tratado provisional de 1681 que regulou as divergências portuguesas e espanholas sobre a origem dá contagem das léguas estipuladas pelo Tratado de Tordesilhas. Em consequência, a Colônia do Sacramento foi devolvida a Portugal e rapidamente prosperou.

Nos primórdios do século XVIII, a Europa está agitada pelo problema sucessório da Espanha; Portugal alia-se à coroa ibérica que, no Tratado de 1701, reconhece como definitiva a posse portuguesa sobre o território da Colônia do Sacramento.

Mas, já em 1703, Portugal renovou sua aliança com a Inglaterra, contra a Espanha, no Tratado de Methwen. Felipe V como represália deu ordem ao governador de Buenos Aires para que se apoderasse da Colônia. Assim, nada menos de 6.000 soldados e índios aldeados sitiaram a praça portuguesa; após 6 meses de sítio (1705), os portugueses conseguem romper o bloqueio e abandonam a Colônia aos espanhóis.

Ao término da guerra da sucessão espanhola o Tratado de Utrecht estipula a entrega à Portugal da Colônia o que é feito em 1716. O representante português recebe sob protesto, em virtude de lhe ter sido adjudicado, pelos espanhóis, sômente o terreno "que não ultrapasse o alcance de um tiro de canhão".

Em 1723, os portugueses informados de que os espanhóis se preparavam para fundar Montevidéu, decidiram antecipar-se na execução dessa medida, que neutralizaria de vez a Colônia, como posto militar avançado. Nesse mesmo ano uma expedição portuguesa desembarcou na enseada de Montevidéu e começou a fortifica-la. O Governador de Buenos Aires, Bruno Zavalha, pro testou imediatamente junto aos portugueses e, não tendo recebido explicações satisfatórias, reuniu pessoal e material para expulsar os intrusos. Sem meios para resistirem, os portugueses retiram se para o Rio de Janeiro.

Com a aprovação de Madrid, os espanhóis povoam, com fortes guarnições, Montevidéu e Maldonado. Os espanhóis acharam a solução do problema e a Colônia do Sacramento continuaria, por mais 9 anos, a sua vida precária.

Em 1735, aproveitando-se de graves incidentes que, por motivos fúteis, puseram Espanha e Portugal às portas da guerra, o Governador de Buenos Aires, Miguel Salcedo, à frente de numerosa força de 5.000 homens, na sua maioria composta de índios das Missões, atacou a Colônia. Defendia-a Antônio Pedro de Vasconcelos que resistiu ao ataque.

Em janeiro de 1736, chegam reforços para os portugueses e Salcedo se retira sem ter logrado atingir seu intento. O Governador do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade preparava uma expedição, sob o comando do Brigadeiro Silva Pais, a fim de apoderar-se de Montevidéu. Pais chegou ao rio da Prata, em setembro, mas como encontrasse Montevidéu fortemente defendida, desistiu de atacá-la.

O Armistício de Paris, assinado em 1737, estipulou que cessassem as hostilidades entre os portugueses e espanhóis na América. Nesse mesmo ano, Silva Pais, tendo recebido ordem para retirar-se para o Rio Grande, desembarca nas proximidades da barra do Rio Grande, fortificando e explorando a região. Em carta dirigida a Gomes Freire, Silva Pais lhe dizia que a ocupação do Rio Grande era mais útil ao Brasil, do que a tomada de Montevidéu.

A refrega de 1735-37 servira para convencer os espanhóis e portugueses da necessidade de procurar limites mais de acordo com os conhecimentos geográficos do que com Tordesilhas. E, assim, com essa compreensão, auxiliada pelo parentesco das coroas, chegar-se-ia a um acordo pacífico que, embora revogado mais tarde, havia de prevalecer, um dia e servir de base a acordo definitivo entre os descendentes de espanhóis e portugueses, na América No fim de 1753, a transmigração dos índios das Missões havia chegado a um ponto morto. Era manifesta a reação contra a determinação do Tratado. Embora atribuída, por alguns, aos jesuítas, é fácil compreender e justificar a natural reação dos Tapes ou Guaranis. O que parece lógico é que alguns, senão todos os curas, procurando fazer cumprir a sentença, tenham deixado transparecer o que a eles, também repugnava, que de alguma forma, terá encorajado a resistência. Mais de meio século abrangia a obra civilizadora dos jesuítas; sabiam defender-se das espoliações e reconheciam o desprezo que lhes votavam os governos espanhóis. Entre os índios já surgiam curiosas personalidades de líderes com perfeito conhecimento de sua missão e com à boa dose de assimilação da civilização europeia. Os primeiros a se insurgir foram esses, contra a determinação do Tratado e aparente esforço de acomodação dos padres missioneiros. O primeiro sinal de luta foi o encontro dos índios com os demarcadores. Parou a demarcação. Os índios só obedeceriam pela força. Passada a fase dos protestos, eles passaram a se preparar para a guerra.

(1) Primeira campanha Assim, em março de 1754, os representantes dos dois governos resolveram atuar contra o território dos Sete Povos, numa ação de duplo envolvimento e simultânea. Os espanhóis, pela falta de recursos, agravada pelos rigores do inverno, retrocederam sem ter feito junção com os portugueses. Estes, em face da retirada dos espanhóis, celebraram uma trégua com os índios, após terem atingido o cerro de Botucaraí.

(2) Segunda campanha Desta vez, espanhóis e portugueses decidiram antes, de empreender qualquer ação, concentrar seus exércitos. Em fevereiro de 1756, travou-se o combate de Caaibaté (nas proximidades de Cacequi), em que os índios foram completamente batidos. (a) Brasil -No povoamento do território ao sul de Santa Catarina, pois a maioria das cidades sul-riograndenses nasceu em função das necessidades militares, que ela originou.

-Na posse do território do Centro Oeste que serviu de compensação às perdas impostas aos portugueses no Sul. pelo Tratado de Madrid e de Santo Ildefonso.

-Na posse dos territórios das Missões riograndenses, graças à ação dos "caudilhos", que a reocuparam em 1801.

-Na mudança da Capital de São Salvador, para o Rio de Janeiro e na criação da Capitania do Rio Grande, transformada em Base Militar.

-No aproveitamento das qualidades positivas dos "caudilhos" sulriograndenses em tarefas de interesse nacional, anulando-se assim os fermentos de desagregação, que poderiam ter produzido e atraindo-os para a órbita portuguesa.

-Na segurança da fronteira sul do Império pela criação de um "Estado Tampão" e na tradição de sentinela da Pátria que cimentou a formação militar é cívica do povo riograndense. -No aumento do poder militar de Buenos Aires, permitindo-lhe lutar contra a reação legalista partida de Montevidéu.

-Deu ao "caudilho" platino o ensejo de aparecer uum cenário militar, fazendo sua aprendizagem para a guerra civil que ensanguentaria a bacia do Prata.

-No esfacelamento do Vice-Reinado do Rio da Prata.

-No apasiguamento das pretensões regionalistas dos "caudilhos" da Mesopotâmia.

-Na segurança de Buenos Aires e depois da Argentina pela criação de um pequeno "Estado-Tampão". -No desenvolvimento e fortalecimento do sentimento regionalista, de que resultou o partido que lutaria pela Independência completa do Uruguai e na feição legalista da população de Montevidéu.

-Tornou possível o jogo político dos "caudilhos" platinos, de que resultou a independência do país.

-Na garantia da Independência do Uruguai por dois grandes estados, o que o colocou como fiel de balança no equilíbrio do Prata e lhe abriu amplas possibilidades de progresso.

(d) Paraguai

-Pelo deslocamento do poder político da Colônia, de Assunção para Buenos Aires, possibilitando o crescimento e a pujança dessa região, agravando-se assim o antagonismo do interiorlitoral que sua posição geográfica ensejava.

-Pela contribuição que deu à expulsão dos Jesuítas, desorganizando a ordem econômica e social das reduções do Paraguai, com reflexo na vida posterior dessa República.

-Pelas repercussões qué teve nos limites, entre a Intendência do Paraguai e o Brasil, criando focos de atritos capazes de provocarem desentendimentos posteriores, (no Centro Oeste).

g. Conclusão

A região Sul do Brasil seria ainda o palco de intensos e duradouros conflitos; as intervenções de 1811 e 1816 que culminariam com a incorporação da Província Cisplatina em 1821 e a independência do Uruguai em 1828.

Mas as lindes que atingiramos em 1801, haviam de permanecer praticamente inalteradas, embora violadas muitas vezes por pretenciosas incursões dos castelhanos e seus descendentes, os quais jamais deixaram de tramar inconformadas ambições sobre esta faixa de nosso território, conquistada pelo valor indomável de nossa gente.

APRECIAÇÃO

Ao se iniciar o século XIX era essa a organização político-administrativa do Brasil Colônia. Nesta época, possuía já o Brasil uma população orçada em 3 milhões de habitantes, dos quais 50% era constituída de negros e o restante de mestiços e de brancos. De acordo com os limites definidos pelo tratado de Santo Ildefonso de 1777, cabia ao Brasil uma superfície de, aproximadamente, 8 milhões de km², o que, em termos de população, traduzia uma densidade de ocupação de cerca de 0,3 habitantes por km². Essa ocupação, no entanto, só era adensada na região litoral, mas se estendia desde o Amazonas ao Rio Grande do Sul. No interior, estava habitada, apenas, a área de Minas Gerais; na região do Centro-Oeste já havia desaparecido o adensamento populacional provocado pelo aparecimento do ouro é que dera origem a cidades como Cuiabá e Vila Bela, agora já sem expressão. Estava pois habitado o Brasil. Mas era um povoamento ganglionar, disperso, apenas presente em todas as áreas de seu imenso-território. E esta população falava à mesma língua, tinha a mesma religião e uma tradição comum.

Embora precariamente, as diferentes áreas da Colônia estavam ligadas umas às outras. O Centro-Sul ligava-se, por mar e por teira, à região sul; ligava-se ao Centro-Oeste por vias fluviais e terrestres; pelo S. Francisco alcançava o Nordeste. Por meio do Parnaíba e do Itapicuru atingia-se a região de São Luís, partindo-se do Nordeste. Do Amazonas, via Madeira, Guaporé e Paraguai, atingia-se a região Centro-Oeste. Havia, portanto, um mínimo de circulação política e social na Colônia.

Esses elementos contribuíram para a unidade da Colônia e davam ao Brasil possibilidades de, ao se emancipar, herdar este território e esta população, enfim, constituir-se em Estado, tendo por base este imenso trabalho de 300 anos. Poderia, pois, o Brasil, constituir-se num imenso Estado, como ocorreu. Mas poderia, também, fragmentar-se. E para isso, contribuiriam elementos negativos que germinaram e cresceram ao longo do processo "colonial, relacionados com a imensidão territorial, com a diversificação das regiões naturais, com atividades econômicas diferenciadas. Podem distinguir-se nessa época quatro comunidades, com tendência e características próprias, capazes de provocar o fracionamento da unidade colonial, quando irrompesse o movimento emancipacionista. Vejamos de per si cada uma dessas comunidades e caracterizemos suas tendências: a. Comunidade Canavieira, ligada à Comunidade Pastoril do Nordeste Geograficamente, essa comunidade se assentava no território compreendido entre o Recôncavo, na Bahia, e a área do Rio Grande do Norte.

Estava balizada pelos engenhos e áreas de cultivo de cana, no litoral, e pelas inúmeras fazendas de criação de gado, no interior. As Sociedades Canavieira e Pastoril possuíam uma elite, representada, de um lado, pelos senhores e, de outro, pelos fazendeiros. A elite definida pelo senhor de engenho, no entanto, se diferenciava e se sobrepunha à elite de fazendeiros criadores de gado, pois tinha poder político, poder econômico, prestígio social e experiência militar. Tinha sido trabalhada, em virtude de suas atividades econômicas, por um profundo espírito de regionalismo. Estava ligada àquela área e pouco conhecimento tinha do que se passava no restante da Colônia. Via os problemas políticos em termos locais. Esta comunidade tinha todas as possibilidades de se emancipar e de se transformar num Estado, o Estado Nordestino. Um comprovante dessa possibilidade nos seria mostrado posteriormente através dos movimentos insurrecionais havidos, como as Revoluções de 1817 e 1824, por exemplo.

b. Comunidade do Centro-Sul

Esta comunidade é tão antiga quanto a primeira, mas sofreu uma evolução diferente. Inicialmente, ela foi a sociedade bandeirante, foi uma sociedade nômade, pobre e rústica, mas dispondo de poder e experiência militares. Com a descoberta do ouro, à sociedade bandeirante sedentariza-se, enriquece, ganha prestígio econômico, político e social, e começa a constituir-se uma elite, que se ergue em paridade com a elite nordestina, mas com uma outra visão sobre os problemas políticos. Era uma visão mais larga, talvez devido à tradição bandeirantevia o Brasil como todo o território colonial. Nela se inoculara à tendência para a constituição de um único Estado, não em termos regionais, mas à base de toda a obra colonial. Exemplo disso tivemos na Inconfidência Mineira, movimento emancipador, que visava a criar uma república, que envolvesse não apenas a área de Minas ou mesmo da região Centro-Sul mas de todo o Brasil. Nota-se, perfeitamente, a presença dessa elite no movimento de Independência, orientando-o sempre em termos gerais, nacionais e nunca em termos regionais.

c. Comunidade do Norte

Geograficamente, esta comunidade se assenta no território que vai, do Ceará, ao Oiapoque, incluindo a sociedade extrativa do extremo norte. Essa comunidade se formou com base na produção agrícola e na produção de especiarias; era uma comunidade pobre. Além de não possuir o poder econômico, não tinha também expressão política, nem poder e experiência militares. Esteve durante largo tempo, justamente o de sua formação, ligada à Metrópole, através do Estado do Maranhão que, até sua extinção, foi interdependente do restante da Colônia. A sociedade do Norte não tinha pois, por si só, condições para tornar-se independente. Permaneceria ligada à Metrópole ou seria submetida pelas outras comunidades.

d. Comunidade do Sul

Ainda estava, na época, em formação e apresentava dois aspectos distintos. Havia o núcleo costeiro, onde predominava o que se chamou "continentino" e havia um núcleo no interior, o platino. No litoral, na faixa que se estende de Laguna até a Coxilha Grande, se estabeleceram os portugueses, que tinham descido da região de Laguna e do Rio de Janeiro, para promover a defesa da terra. Com o mesmo objetivo, estabeleceram-se ao sul do Canal do Rio Grande os espanhóis que tinham subido, desde a região de Buenos Aires. A colonização dessa área se realizou e foi consolidada em função de necessidades militares. Nela havia, pois, organização política, disciplina e forte sentimento da nacionalidade lusobrasileira. O grupo "platino", que habitava o interior, se formara sob influências portuguesa e espanhola e ainda não havia se definido. Essa comunidade pastoril poderia se tornar portuguesa, espanhola ou, mesmo, adotar uma solução de autonomia própria, segundo as tendências, que se fossem avolumando ao longo de sua formação, ainda incompleta. e. Conclusão: no caso de emancipação, o Brasil poderia constituir-se:

-em dois Estado ou -em apenas um Estado.

Os dois Estados estariam assim definidos: um pela "Comunidade do Nordeste", a que fosse agregada a Comunidade ou Área do Norte. O outro baseado na "Comunidade do CentroSul", a que fosse agregada a Comunidade ou Área do Sul. Esses mesmos dois Estados poderiam constituir-se ainda de modo diferente: o "Estado do Nordeste" com base na Comunidade canavieira e o "Estado do Centro-Sul", ou seja, limitado pelas áreas de Minas Gerais e São Vicente. A "Área do Sul" poderia ser atraída para o estuário do Prata e integrar a Argentina ou o Uruguai. A "Área do Norte" poderia continuar, até o presente, na situação colonial, como ocorre com as Guianas.

Finalmente, os elementos positivos da Unidade brasileira poderiam ser fortalecidos por outras circunstâncias históricas que permitissem anular as tendências divisionistas dessas comunidades, atenuando, desta forma, os fatores desagregantes e estabelecendo a união. Seria pois a emancipação com base na herança colonial, ou seja, constituindo um único Estado. Foi o que, felizmente para nós, ocorreu.

Em 1808, a presença da "Coroa" na Colônia vem favorecer hipótese do Estado único. O processo da Independência sofreu um retardo mas foi enriquecido com novos aspectos que vão diferenciar a independência do Brasil e a independência das demais nações sulamericanas. O Brasil inicia o século XIX como sede do Governo Português e unificado em torno de um poder central. Antes de se tornar independente, era um Reino organizado e colocado em pé de igualdade política com Portugal. O Estado já existia. Bastava cortar o vínculo que o unia a Portugal.

SUL-AMERICANOS*

*Este trabalho foi realizado pelo Gen. Flamarion Barreto e publicado, originariamente, pelo Clube Militar. O autor, mui gentilmente, permitiu que o Curso de Preparação à ECEME o reproduza para distribuir aos seus alunos como subsídios.

FATORES PSICOSSOCIAIS

Principais grupos étnicos sul-americanos, em particular brasileiros. Fatores e elementos que influíram na sua formação e localização: Principais características.

I. Aspectos gerais

Dos 10º de latitude Norte, aos 54º de latitude Sul, se estende o Continente Sul-Americano, cobrindo uma área aproximada de 18 milhões de quilômetros quadrados e povoado por cerca de 140.000.000. Foi descoberto, conquistado, povoado e colonizado por espanhóis e portugueses, entre 1492 e 1808.

Como o grande Continente Americano, de que é uma das frações, a América do Sul participa de seu isolamento, entre as duas massas líquidas dos Oceanos Atlântico e Pacífico, e do mesmo esquema orográfico, representado a Este pelos planaltos arqueanos de altitude média do Sistema Brasileiro, no Centro, pelas planícies amazônicas e platina de formação recente e a Oeste pela massa terciária dos Andes, erguida como uma alta e abruta escarpa, entre os dois Oceanos. É, pois, um Continente tropical, com tudo o que isso implica, em limitações de superfícies utilizáveis, em dificuldades à atividade humana, notadamente, a de europeus. É, também, um Continente de planaltos, altos e exíguos do lado andino, médios e amplos na parte brasileira, atenuando as temperaturas com a altitude, transformandose em focos de atração da ocupação humana. Nos altos planaltos andinos se abrigaram, as mais avançadas civilizações bárbaras dos povos pré-colombianos, ficando confinados aos planaltos de altitudes médias e às planícies tropicais os povos caçadores e coletores dessa humanidade indígena.

Essa humanidade indígena, que se elevava a cerca de 11 milhões de indivíduos, repartida irregularmente, não era autóctone, mas era, relativamente, jovem. Viera de outros Continentes, ao longo de repetidas e progressivas ondas imigratórias. No início do século XVI os indígenas do planalto andino, bastante numerosos, ensaiavam a metalurgia do cobre, da prata, do ouro, mas não conheciam a do ferro. Utilizavam a lhama, mas não empregavam a energia muscular do boi e do cavalo. Criaram algumas formas institucionais no Governo e na Sociedade, mas não tinham grande coesão social interna e viviam em isolamento ignorando-se mutuamente. Os índios das planícies e dos planaltos médios em pleno estado selvagem vagavam pelos campos ou pela floresta, praticando a coleta de vegetais, a caça e a pesca, ou uma agricultura rudimentar como meios de subsistência e viviam sob instituições sociais primitivas.

Nessa situação a encontrará o ibérico, que se desenvolveu noutro Continente, pararelamente a ele no tempo, mas ignorando-a completamente. Desse contato se esboroará o mundo pré-colombiano na América do Sul, como se tivesse ocorrido o choque de um vaso de barro, com outro de ferro. Com rapidez fulminante as civilizações bárbaras indígenas, mesmo as mais avançadas, foram sobrepujadas pela cultura ibérica. Mas desse impacto resultaria alguma coisa de novo e permanente. Do embate entre a humanidade indígena, que se desenvolvera na América do Sul, e a humanidade ibérica, que crescera na Europa, nasceria a humanidade sul-americana de nossos dias, nos seus fundamentos étnicos temperado pelo exotismo da humanidade africana e no seu caráter, ao longo de cinco séculos de uma ampla e permanente síntese biológica e cultural.

A) PERÍODO DA FORMAÇÃO: 1492-1808 Do encontro dos grupos étnicos branco, índio e negro, no quadro geográfico da América do Sul, condicionado pela colonização de espanhóis e portugueses, resultaria, ao fim do período colonial, uma população de 16,0 milhões de habitantes, segundo estimativa de Humboldt e outros, dos quais 3,5 milhões eram brancos, 6,0 milhões índios puros, 2,8 milhões de negros e 4,0 milhões de pardos, representando o produto dos diferentes cruzamentos, que se tinham operado.

Na América espanhola a população era estimada em 1.800 em 12,0 milhões de habitantes dos quais cerca de 2,7 milhões eram brancos, 5,6 milhões eram índios, 400 mil pretos e os restantes pardos. Além desses tipos étnicos, havia os zambos, resultantes das uniões entre pretos e índios, e outros tipos advindos dos cruzamentos de zambos com outros elementos. Esses cruzamentos foram, porém, muito menos frequentes e numerosos, do que aqueles, ocorridos com os tipos acima citados.

Nos brancos se distinguiam os "españoles", "criollos" e "extranjeros". Os "españoles" eram brancos nascidos em Espanha, normalmente, donos das terras, dos talhos mineiros, do comércio e exerciam as principais funções públicas no Governo Colonial. Os "criollos", eram; os descendentes dos "españoles", brancos como eles, mas nascidos na América, excluídos, com poucas exceções, do exercício de funções públicas de relevo e do comércio. Os "extranjeros" eram brancos europeus, notadamente, franceses e ingleses, cuja entrada na América fôra tolerada durante o século XVIII.

Os índios constituíam a maior parte da população. No Peru, na Bolívia, eram cerca de 75% da população. Os índios semicivilizados trabalhavam na agricultura, pecuária e mineração e os insubmissos, ainda selvagens, viviam confinados em locais de difícil acesso, na cordilheira andina, na floresta amazônica, no pampa, ou na patagônia. Viviam, ainda, a época pré-colombiana e não raro assaltavam as populações das fazendas e das cidades menos protegidas.

Os negros eram em sua maioria escravos, mas os havia, também, em número reduzido, libertos. Trabalhavam nas fazendas de áreas tropicais, ou no serviço doméstico em cidades como Bogotá, Buenos Aires, etc.

Dos tipos mistos, os mestiços tinham melhor condição social, ainda que em plano inferior ao do branco. Os mulatos eram numerosos em cidades, como Caracas, Guaiaquil, Lima, Buenos Aires, onde exerciam ofícios manuais. Os zambos, pouco numerosos, trabalhavam como assalariados nas fazendas ou nas cidades. Mulatos e zambos não podiam ocupar nenhum cargo público, não podiam frequentar escolas, nem adquirir postos nas milícias. Na América portuguesa, segundo estimativa de Humboldt, havia uma população de cerca de 4,0 milhões de indivíduos, dos quais 900.000 eram brancos, 1,9 milhões pretos escravos, ou libertos, 400.000 índios e o restante pardos. Como na América espanhola, na portuguesa, os tipos pardos eram muito diversificados, resultantes dos contatos entre os grandes "stocks" raciais originários (brancos, negros e índio), como entre os produtos derivados. Entretanto, desde muito cedo, as denominações populares consagraram, as diferentes misturas raciais, Assim do cruzamento entre o branco e o índio resultou o mameluco, ou mamaluco, ou cabloco, em algumas áreas brasileiras. Do cruzamento do branco com o negro, resultou o mulato e do negro com o índio, o curiboca, ou cafuso. Aos elementos misturados se pode dar, como na América espanhola o nome de pardos embora em algumas regiões do país, se dê o nome de pardo ao mulato.

No há, ainda, no Brasil, um estudo científico em termos de percentagens de sangue dos tipos resultantes da mestiçagem. Entretanto, o linguajar popular tem suprido essa deficiência com denominações de mulato-claro, mulato-escuro, cabra, moreno, mulato-da-bahia para indicar os vários graus de diluição do sangue negro no branco. Curiboca, caboré, carijó, cabo-verde são denominações usadas pelo povo para designar os produtos do cruzamento do índio com o negro. Quanto à denominação mameluco, se acha registrada desde Frei Vicente do Salvador, a Euclides da Cunha, mas é chamado, também, de cabloco, cabloco é outras corruptelas dessa denominação. b) PERÍODO DA EVOLUÇÃO: (1808 a 1940) A América do Sul conquistou, entre 1808 e 1831, sua independência, no custo de sua unidade. Em 1831, o mapa político, que resulta da Guerra pela Independência, acusava a existência de uma Nação de origem portuguesa, dez Nações de origem, espanhola e três possessões de países europeus, as Guianas. Continuava, porém, essencialmente ibérica, em sua cultura e mestiça em seu "stock" racial.

A partir de 1850, foi, porém, profundamente, modificada em sua estrutura humana. Continente, preponderantemente, índio e negro, até meados do século XIX, teve sua área subtropical e temperada, submergida por um imensa vaga humana, vinda da Europa. Com efeito, entre 1850 e 1930, chegaram à América do Sul cerca de 6,0 milhões de europeus, originários de países latinos do sul da Europa, particularmente da Itália.

Essa segunda conquista da América do Sul efetuou, principalmente, o Brasil, a Argentina, o Uruguai e, em menor, escala, o Chile, Foi motivada, principalmente, pelo vertiginoso crescimento da população europeia, pelas modificações das condições de circulação no Atlântico, decorrentes do navio a vapor, pela crise econômica, em que mergulharam vários países da Europa nesse período.

A Argentina, desde 1816, procurou atrair imigrantes europeus, oferecendo-lhes melhores vantagens do que aos seus próprios cidadãos, mas a instabilidade política, em que mergulhou, permanentemente, até 1853, paralisou, logo no início, a corrente imigratória, que começou a fluir. Mas, superada a fase da anarquia política, logo retomou seu curso com grande volume. Entre 1857 e 1926, mais de 5,7 imigrantes europeus penetraram na Argentina, deixando um saldo líquido em seu efetivo demográfico de mais de 3,0 milhões de indivíduos. Essa imigração foi, essencialmente latina, representada por 47,3% de italianos, 32,3% de espanhóis. Os franceses, alemães e ingleses cobriram, quase totalmente, os 20% restantes. No Uruguai se repetiu, em menor escala, o mesmo fenômeno. O acréscimo de um milhão de habitantes, experimentado pela população uruguaia, entre 1884 e 1925, se deveu, em cerca de 34%, à imigração europeia.

O Brasil, mais ainda do que a Argentina, se transformou ao impacto da imigração europeia. Graças à entrada de mais de 4,0 milhões de imigrantes europeus, com um saldo positivo de 2,5 milhões no efetivo demográfico, o Brasil, de nação, preponderantemente, negra, se transformou na maior Nação branca da América do Sul. Em 1872, os brancos representavam, apenas, 30% da população e, em 1940 já eram 51%. Os italianos, com cerca de 1,4 milhões, representando 34% da corrente imigratória, chegaram entre 1884 e 1934, passando a constituir o grosso do operariado agrícola de São Paulo. Os portugueses forneceram um contingente de 30% e os espanhóis de 14%. Os alemães, também, em contingentes importantes se fixaram, principalmente, nos Estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, enquanto os japoneses, com um efetivo aproximado de 300.000, se localizaram em São Paulo.

O Chile recebeu um contingente de 50.000 imigrantes, entre 1880 e 1916, constituídos de latinos e alemães. Os alemães se fixaram nas regiões de Valdivia e Llanquihue, oferecendo uma notável contribuição ao desenvolvimento econômico do país. Depois, vieram franceses e suíços, que se fixaram nas regiões ao sul do Bio-Bio, e, por último, os iugoslavos, que se locarizaram em colônias nas áreas de Punta-Arenas e Antofogasta.

No Peru, a imigração foi muito fraca, notando-se apenas uma corrente de chineses e japoneses que se fixaram em importantes colônias agrícolas em Lima, radicaram-se, também, alguns europeus. Recentemente tem crescido a imigração de alemães para o Peru.

Nos demais países da América do Sul o fluxo imigratório foi muito pequeno e não alterou a estrutura da população.

II. Análise dos fatores e elementos condicionantes da miscigenação:

Cumpre estabelecer, inicialmente, que a miscigenação é o contato físico entre pessoas de sexo e "stock" raciais diferentes. Sendo, assim, somente, as pessoas que satisfaçam essas condições, influem, diretarente, nas miscigenação. Os demais fatores, como os geográficos, os econômicos, os políticos, etc. influem apenas, indiretamente, na miscigenação, condicionando a presença dos grupos étnicos, ou não, em determinadas regiões e seus efetivos, a permanência e intensidade dos contatos físicos entre eles. Trataremos, pois, inicialmente, dos grupos étnicos que entraram na miscigenação na América do Sul. a) GRUPOS ÉTNICOS Indígenas:

Constituem o grupo étnico antigo e discute-se ainda, hoje, de onde provieram. Sobre o assunto formulam-se três hipóteses vieram de um tronco único, muito antigo, que se relaciona com a própria origem da humanidade; surgiram no próprio continente; vieram de outros continentes através de imigrações sucessivas.

A hipótese comumente aceita é a última, de autoria do antropólogo norteamericano HRDLICKA, completado por RIVET. Segundo esses dois antropólogos o homem americano é originário de outros continentes; veio, inicialmente, da ÁSIA, pelo estreito de BEHRING, vencendo cerca de 100 km, ou pelo cordão das ilhas Aleutianas, passando pela península de KAMCHATKA e ALASKA, percorrendo 400 km, aproximadamente. Essas imigrações ocorreram, entre 10.900 a 15.000 A.C. e essa corrente humana levou cerca de 5.000 anos para atingir a ponta sul do continente. Encarou-se, com RIVET, a possibilidade de os indígenas de algumas áreas terem vindo das ilhas POLINÉSIAS e da AUSTRÁLIA, talvez, há 6.000 anos A.C., através do Continente ANTÁRTICO, então, parcialmente degelado. Há, ainda, a considerar a presença de um elemento esquimó de origem uraliana, vindo pelo ÁRTICO, em época bastante recente.

Aceita essa origem para o homem americano, QUATREFAGENS considera-o como pertencente aos "stock" mongolóide, distinguindo, porém, dois grupos: o paleo-americano, que teria seu representante mais típico no Homem de Lagoa Santa, de que surgiria o grupo GÊ e o neo-ameríndio, representado pelas demais raças.

Quanto ao efetivo de indígenas existentes antes do descobrimento da América do Sul há, também, grande controvérsia. Aceita-se, porém, como cifra aproximada do efetivo dos indígenas sul-americanos a de 11,0 milhões de índios, assim, distribuídos: 1,0 milhão nas áreas da Venezuela e Colômbia atuais; 4,5 milhões na área andina, do Equador ao Chile; 1,5 milhão nos territórios das atuais Argentina, Paraguai e Bolívia e 4,0 no Brasil.

Essa população indígena se adensava, particularmente, na Cordilheira do Caribe, nos Andes, na área costeira, do PRATA ao ATRATO, ao longo do vale do rio AMAZONAS. Havia rarefação no litoral do Pacífico, nos Andes Meridionais e no Planalto Central Brasileiro.

As principais tribos indígenas eram as seguintes, tendo em vista os idiomas:

Família CHIBCHA -No lago de NICARÁGUA até as proximidades de GUAIAQUIL, estendendo-se à costa do PACÍFICO e à planície de este ao rio CABANARE. As tribos principais desse grupo eram: os MAYSCAS, na área de BOGOTÁ e no alto MADALENA; os TUHEBAS à este de BOGOTÁ; os ARAHUANAS na Serra de NEVADA e os TIMOTES na Serra de HÉRIDA. Não classificados em grupos linguísticos havia, ainda, as seguintes tribos: CHOCÓS-SAMBU no vale do rio ATRATO é na costa do PACÍFICO, entre 8 e 4 graus de Lat. Sul; os ARIDAQUES no SW da COLÔMBIA; os ESMERALDOS, entre o rio ESMEFRALDAS e o Cabo PASSADO, no EQUADOR e ainda nesse país; os JIVAROS, os CANARIS na Província de AZUAY. Na bacia do rio ORINOCO havia os OTAMAC, entre os rios META e APURE; os GUAIBAS entre os rios META e ORINOCO; os GUARAUNAS na delta de ORINOCO. Na bacia do rio AMAZONAS distinguiam-se o ZAPAROS, entre os rios BOLONAZA e PASTAZA; os QUITOTOS entre os rios JUPURÁ e PUTUMAIO; os MAKU entre os rios negro e JAPURÁ.

Família QUICHUA -Estendiam nos Andes, desde o rio ANGAMÁSIO, ao norte, até o BIO-BIO no sul, e mais parte da BOLÍVIA e NW da ARGENTINA. As principais tribos eram: os HUANCAS à nordeste de LIMA; o QUITENO na área de QUITO; os LOMANOS na área de TRUJILLO; os INCAS, entre os rios APURIMAC e PANCARTAMBO e no vale do VILCANOTA; os AYMARAS nas áreas de COCHABAMBA, CHUQUISACA e POTOSI; os DIAGUITAS e CALCHAQUIES no noroeste da ARGENTINA.

Não classificados em grupos linguísticos -os KASSIVOS, KOMBO, PANOS, no vale do UACAYALI eram antropófagos; TORAMONO, entre os rios MADRE DE DIOS e BENI.

Grupos dos Fueginos e Pampeanos -CHARRUAS, MINUANOS e YAROS no território do URUGUAI e na MESOPOTÂMIA argentina; os CHANASES e QUERANDIES na margem sul do rio da prata; os PAMPAS e os PANTAGÕES, entre o rio NEGRO e o estreito de MAGALHÃES; e OÑA na costa sul da TERRA DO FOGO.

Grupo do CHACO -PAYAGONES nas proximidades de ASSUNÇÃO; ABIPONES no CHACO; os MATACAS e CHAROTES na bacia do rio PILCOMAIO.

Grupo ARAUCANO -Estendia-se pela vertente andina do PACÍFICO, entre COPIAPÓ e CHILOÉ e na atlântica, desde o lago GUANACACHE ao NAHIL-HUAPI, prolongando-se aos Territórios de NEUQUEM e RIO NEGRO. As principais tribos eram: os ATACAMENOS, no vale do rio LOA; os CHANEGOS, no Deserto de ATACAMA.

Família TUPI-GUARANI -Ocupava praticamente, toda a extensão do litoral brasileiro, prolongando-se pelos territórios dos atuais URUGUAI, ARGENTINA, PARAGUAI, BOLÍVIA e PERU.

O Tupi-Guarani pertence ao "stock" racial neo-ameríndio, relacionado com o Homem dos SAMBAQUIS, Representa o mais típico exemplar da raça Brasílio-Guarani. Possuem pele amarelo-bronzeada, nariz bem formado, zigomas salientes, cabelos lisos, estatura baixa (média de 1,68 m). Entre dolicocéfalos e mesocéfalos.

Traços culturais, cultura material -A casa era uma choça. Grupadas em quatro ou cinco constituíam a maloca de tipo quadrangular, plantada em regiões altas, nas margens dos rios. Mudavam-se com frequência. Como elementos acessórios da habitação tinham a rede, bancos toscos, etc. Cuidavam da higiene do corpo, praticavam deformações e usavam tatuagens feitas com incisões profundas. Vestimentas de penas e mantos de peles, ornamentos vários. A economia estava no estágio de coleta (caça e pesca), praticando algumas tribos a agricultura da mandioca, do milho, aprendida com os Aruaks. O armamento era o arco, a flexa, o tacape, o laço. Exímios pescadores a linha, o anzol; com rede, arpão, à mão; usando às vezes o processo de barragem e do veneno. Alimentavam-se de peixes, farinha, milho, vinhos de caju, cauim. Usavam como narcótico o tabaco. Como meios de navegação usavam as canoas em troncos (igara), feitas com casca (ubá), ou troncos de árvore (jangada).

Cultura espiritual -Acreditavam na existência de uma alma (AN), ligada ao corpo, a qual tomava o nome de ANGUERA, quando dele se separava e empreendia viagem para locais, onde gozaria de todas as delícias. Nos seus movimentos migratórios diziam buscar "uma terra onde não se morre".

Os laços matrimoniais eram frouxos e baixo o "status" da mulher. Havia poligamia em diversas tribos, mas a primeira mulher era sempre considerada a esposa. Falavam uma língua geral "Tupi-Guarani" e tinham organização política e social muito rudimentar. Hospitaleiros, mas desconfiados.

As principais tribos eram as seguintes -Tupinambás entre os rios Pará e Parnaíba, do rio S. Francisco do Camamu, arredores da Baía da Guanabara. Fotiguara, entre os rios Parnaíba e Paraíba do Norte. Tabajara no alto Gurupi, na Serra da Ibiapaba, em Pernambuco e Espírito Santo. Caetés, entre os rios Paraíba do Norte e S. Francisco, TE do Rio. S. Francisco às proximidades do Mucuri, tendo sido o o contato com portugueses. Tomimino do Espírito Santo ao curso inferior do rio Paraíba do Sul. Tamoios na região costeira do Estado do Rio de Janeiro, do Cabo de S. Tomé a Angra dos Reis e daí até Bertioga. Carijó da Barra de Canaéia até o Rio Grande do Sul. Tapê no litoral a atualidade essas tribos, que tiveram grande influência na miscigenação inicial, entre portugueses e índios, pois habitavam a faixa costeira, estão extintas. Alguns remanescentes estão civilizados e outros vivem no interior do país.

Tribos da bacia do Amazonas -Omáguas na margem do rio Amazonas, entre a foz do rio Napo e a do Juruá, estando, hoje, confinados à área, entre os rios Napo e Ucayali Pupinambaranas na ilha desse nome e mais ao sul em Maués. Outros grupos tupis-guaranis são encontrados, hoje, nas bacias dos rios Tapajós, Xingu, Tocantins, Grajaú, Mearim.

Tribos Tupis Guaranis do sul -Camigua no norte do Paraguai e no sul de Mato Grosso. Chiriguanos no "lanos" da Bolívia, aldeados na sua maior parte nas como mulher era o ser fundamental. Uma mulher, que não teve esposo, deu origem aos Aruaks. Várias tribos, como a dos Parecis, são monógamas e outras polígamas, como observou Roquete Pinto. As mulheres estão geralmente afeitas aos trabalhos domésticos e agrícolas.

Tribos das bacias dos rios Orinoco e Amazonas -Aruan na Ilha de Marajó, já extintos. Achagua, Goajiro, Piapoco na Venezuela. Bare e Banivas na bacia do rio Negro. Izazom com várias tribos na bacia do Içana. Caniari-Passe os mais belos índios do Brasil, bacia do rio Japurá. Assemelham-se aos brancos.

Tribos das Guianas -Maramane no baixo Oiapoque. Taruná no alto Essiquibo. Ateraí na Guiana Inglesa.

Tribos do sul do Amazonas -Os Parecis habitam o planalto desse nome. Algumas tribos são semicivilizadas, como a de Moxes no Mamoré central, Uamairi, Baure na arca boliviana, O grupo Puru-Puru com inúmeras tribos na bacia do rio Purus, Juruá, das quais os Paumari, Jamanade, ipurina, ainda existem hoje. Os Ianapari e os Chontoquero na bacia do Madre de Dios.

Tribos meridionais -Atingiram o Paraguai. As principais tribos são os Quiniquino a E. do rio Paraguai, os Guana, entre os rios Paraguai e Salado e os Terenos no sul de Mato Grosso, Grupo Tacana com várias tribos nas bacias do Madre de Dios e do Beni.

Família Caribe: Tipo físico -Raça brasilide. Não tem tipo físico definido, sendo por exemplo, altos ao norte do rio Amazonas e baixos no sul. Alguns traços comuns são: a pele cor de argila e os cabelos negros ondulados.

Estendiam-se das Antilhas às nascentes do Xingu, além do 13º de lat. sul, da borda de planalto brasileiro a este, ao alto Amazonas a oeste.

Tribos do sul do Amazonas -As principais tribos são: Os Pimenteiras nas nascentes dos rios Piaui e Gurgeri: Apiacá, entre o baixo Tocantis e o Xingu, Palmela nos afluentes do Guaporé e nascentes do Xingu.

Tribos ao norte do Amazonas -Cumanagoio na Venezuela, civilizados pelas Missões; Carinaco na bacia do Orinoco; Acanoio na bacia do Guiúnia e Macuxi na bacia do Branco.

Tribos do alto Amazonas -Umana na bacia do Apaporis: Peba no alto Amazonas.

Dos grupos não classificados nas grandes famílias se distinguem: O grupo Bororó. Tipo físico -Pele cor de barro, cabelos pretos, cabeça alta, testa baixa, rosto oval, singomas salientes, olhos castanho-escuros, orelhas pequenas e nariz de base achatada, dentes sólidos e regulares, lábios grossos e salientes, prognatismo médio, estatura elevada (1,76 para os homens).

Tomando Cuiabá, como centro temos dois grupos: os Bororós Ocidentais -que compreendem os Bororós da Campanha (margem direita do Paraguai e Jauru), os Bororós dos Cabaçais (rio Cabaçal) e Bororós Orientais, com os Coroados, os Orari, que habitam as margens dos rios, São Lourenço e alto Araguaia.

Grupo Nambiquara: Tipo físico -Pele amarelo-queimado, cabelos duros e lisos (semelhante ao dos polinésios), pernas finas e musculosas, mãos pequenas, mesocéfalos. Habitam a zona serrana do norte de Mato Grosso e foram localizados e estudados pelo Marechal Rondon. As tribos principais são o Congore no vale do rio Buriti, o Nênê na bacia do Juruena, o Anuzê na bacia do rio 12 de outubro.

Grupo Carajá. Tipo físico -Cabeça alta e comprida, nariz reto e saliente, cabelos duros e lisos, pele delicada, narinas largas, boca grande, lábios cheios, dentes fortes, queixo largo. Estatura de 1,68.

Vivem na margem esquerda do rio Araguaia, entre os 15 e 6 graus de lat. sul. Foram encontrados pela Bandeira de Amador Bueno. Os padres dominicanos aldeiaram grande parte deles nos seus postos de Porto Nacional e Conceição do Araguaia.

Grupo Pano -É muito numeroso e ocupa extensa área. As tribos mais importantes são encontradas, desde o Jataí a este, até o Hualada a peste, em toda a bacia do Javari nas duas margens do Ucayali, no alto Juruá e nas nascentes do Purus.

Outras tribos estão na bacia do Inambari. Finalmente, tribos numerosas se encontram nas bacias do Mamoré, do Beni, Madre de Dios e no Estado do Acre.

Guaicurus e Cariri -Tem interesse histórico. Os remanescentes dos primeiros são encontrados, hoje, em Santa Fé e Santiago del Estero, na Argentina, no Sul de Mato Grosso, nas bacias do Apa e do Ipane e no vale do Nabileque. Os dos segundo estão em Águas Belas no Estado de Pernambuco.

Grupo Tucano -Estendem-se por vasta área ao NW do Brasil, prolongando-se pelos territórios da Colômbia, Peru e Equador. Dividem-se em tribos orientais, que ocupam as bacias do rio Negro e Apaporis. Tribos ocidentais: ocupam a bacia do Napo desde a confluência com o Amazonas até o Aguarico, bacia do Putumaio, alto Caquetá. Grupo setentrional: vivem no vale do Manacá.

BRANCOS:

Os brancos são europeus e devem ser analisados sob dois aspectos: o europeu histórico, isto é, o colonizador dos primeiros séculos e o europeu imigrante, aqui entrado depois da Independência, notadamente, a partir de 1850. Os primeiros foram de modo geral espanhóis e portugueses e os segundos, ainda esses, acrescidos de italianos, alemães, franceses, eslavos e judeus.

Espanhóis: Tipo físico -Racialmente, pertence à raça mediterrânea, com influências do tipo atlântico-mediterrâneo e, talvez, dinárico, na Catalunha e Valência, com maior relevo do tipo nórdico nas províncias do NW, principalmente, nas Astúrias. Os traços físicos principais são os seguintes: índice cefálico médio 77 cm, estatutra 1,863 m, predominantemente moreno, cabelos negros, olhos negros, nariz, às vezes, convexo. Os tipos regionais podem ser visto assim: o andalus com estatura média, corpo flexível e delgado, o catalão e valenciano de alta estatura e corpo pesado.

A maioria dos espanhóis que fizeram a conquista eram agricultores pobres e rudes, vindos da Andaluzia, cerca de 20,5%, de Castelha Velha e Nova 28,6% e dos Países Bascos 11,6%.

Castela, a quem coube a posse da terra por bula papalina, era região de pastoreio e seus habitantes preferiam a guerra sobre qualquer outra atividade e nela serviam ao Rei e ao Deus. Foram educados, durante séculos inteiros, na ideia, de que a matança de infiéis enobrecia e de que o trabalho manual envelhecia, uma vez que era atividade própria do vencido escravizado. O infiel e seus bens pertenciam ao cristão, que tivesse poder para submetê-lo e deles despojá-los. Por outro lado, o catolicismo tinha inoculado na alma espanhola, sentimentos nobres, endossados pelo Governo.

Estes dois fatos, o tradicional e o místico configuram os fúndamentos da colonização espanhola na América do Sul e até certo ponto explicam suas contradições.

O tradicional levará o colonizador a utilizar os indígenas para explorar as riquezas da Nova Terra, a saquear os seus tesouros, a fazer de suas mulheres concubinas. O místico os conduzirá a redimir os índios de sua selvageria, a procurar, sinceramente, ensinar-lhes mais altos e mais dignas formas de viver. A colonização espanhola, está pois marcada por essa contradição de alma espanhola: a ideia do lucro que conduzira à escravização de fato do indígena e a do proselitismo, que muito realizaram em prol de sua redenção como pessoa humana.

O Espanhol histórico -Entre 1509 e 1798 (289 anos) entraram na América do Sul espanhola, aproximadamente, 150.000 espanhóis. Em 1808 calculase que existissem cerca de 200.000 espanhóis e 2,5 milhões de descendentes brancos seus.

No Brasil, o número de espanhóis entrados, entre 1580 e 1640; foi perceptível, mas sua influência se fez notar, particularmente, nas áreas marginais da colonização, no sul e no centro-oeste. No sul foi importante; no Rio Grande, devido às lutas que se travaram para definir a fronteira nessa região. Os espanhóis que vieram para o Brasil provinham, particularmente, da Extremadura e da Andaluziá.

Espanhol imigrante -Está representado por um contingente importante na Argentina com 32,3% dos imigrantes entrados no país; no Uruguai, em que essa percentagem é de 30% e no Chile em menor escala. No Uruguai o número de espanhóis era de 25.200, em 1950, representando o segundo contingente de imigrantes.

No Brasil o número de espanhóis entrados, entre 1844 e 1944 (100 anos), foi de 584 mil, 14% dos imigrantes; sendo notável os efetivos entrados; entre 1804 e 1913, cerca de 224.672.

De acordo com o recenseamento de 1940 a distribuição de espanhóis pelas diferentes regiões brasileiras era a seguinte: Norte 1407, Nordeste, 337, Este 18.559, Sul 127.327. Centro-Oeste 4.465. São Paulo recebeu 121.327, ou seja 81,93% do contingente. Fixaram-se na zona noroeste, da alta Sorocabana, e da Araquarense e na Baixada Santista, particularmente, pequeno comerciante, garçon, estivador. Em 1950, o número de espanhóis existentes no Brasil, era de 141.608, ou seja 10,8% da população estrangeira do País.

Portugueses: Tipo físico -Domina o dolicocéfalo mediterrâneo de pequena estatura, pele morena e olhos castanhos. O português era produtos de longa e ampla miscigenação. Inicialmente, foram os iberos e os celtas, que sofreram a dominação cartaginesa e depois dos romanos e com eles se miscigenaram. Depois o contato foi com povos bárbaros, como os vândalos, suevos e visigodos, tendo os últimos sofrido a dominação dos mouros.

O cristianismo deu conteúdo espiritual à cultura portuguesa e um sentido comum aos diferentes grupos que formaram esse povo com a conversão do rei visigodo Recaredo, no século VI, se iniciou o processo de unificação da cultura portuguesa, que encontrou um estímulo poderoso nos Mosteiros, que funcionavam, como escolas e centros religiosos. De tal modo o sentido cristão da vida se inoculou na alma portuguesa, que se tornou o principal veículo de sua expansão na Ásia, na África e na América, através das virtudes, que lhe comunicou. Aonde foram as caravelas aventureiras e ousadas, foi também essa cultura cristã, feita de tolerância e de compreensão, de tenacidade e de energia, as quais se constituíam na base, do que houve de flexível, e de plástico, na ação colonizadora desse povo, que soube, apesar de seus pequenos recursos humanos e materiais, superar todos os obstáculos, vencer todas as dificuldades e implantar, em toda a parte, a eternidade de sua presença. A cultura cristã e o mar foram, talvez, as fontes mais ricas da cultura portuguesa. A primeira plantou fundo suas raizes, ungindo-as de fé e de tolerância; o segundo abriu-lhe os caminhos para sua expansão no espaço, levando-a a todos os continentes.

O português histórico -Na América espanhola marcou sua presença apenas nas zonas de contato das áreas que colonizaram. Alguns portugueses se fixaram na região de Cumaná, na Venezuela, no Paraguai, em Buenos Aires e em Charcas. Os contingentes portugueses, hoje, são numerosos na Venezuela, e na Argentina.

O povoamento do Brasil se iniciou, de fato, com a implantação do Governo Geral, em São Salvador, em 1549. Em 1580, a população branca do Brasil era de 15.000 almas, num total de 57.000, segundo avaliação do padre Anchieta. Em 1640 a população da Colônia orçava em 200.000 almas, dos quais cerca de 715.060 eram brancos, notadamente, portugueses e espanhóis e alguns franceses, holandeses e judeus.

Com a criação do Estado do Maranhão, os portugueses encaminhavam para a região amazônica grande número de açorianos, visando à ocupação definitiva da área do Baixo Amazonas e a colonização da região do Golfão Maranhense. A mesma providência tomaram à partir de 1747, visando a ocupar a área, que se extende de Paranaguá a São Pedro do Rio Grande. Os açorianos são encaminhados, inicialmente, para a região de Santa Catarina e, irão depois para a do canal do Rio Grande. Vários imigrantes de Traz-os-Montes foram, também, encaminhados para a Colônia do Sacramento.

A descoberta do ouro, inicialmente, em Minas Gerais e depois em Mato Grosso e Goiás atraiu um volumoso fluxo de colonizadores portugueses para essas Distrito Federal 16.439, ou seja 5,77%, em Minas Gerais 13.741, ou 4,82%. Em 1950, os italianos, no Brasil, somavam 242.337, ou seja 20,1%, dos estrangeiros existentes no País.

Os italianos que se fixaram nos Estados de São Paulo e no do Paraná vieram predominantemente, de Veneza; para Santa Catarina de Gênova e Trieste. De um modo geral os italianos que se fixaram, nas áreas urbanas são do sul da Itália e nas áreas rurais do norte.

Em São Paulo, os italianos se fixaram, inicialmente, no litoral de Iguape a Cananéia, ganhando depois as áreas do planalto. No Paraná fixaram-se de ínicio, no litoral, em Paranaguá e Morretes e depois no planalto até a Foz do Iguacu. Em Santa Catarina, a imigração começou, em 1836, com a fundação de colônias, em Itália e Urugussanga. No Rio Grande do Sul as Colônias de Bento Gonçalves e Garibaldi foram fundadas, em 1875. Depois veio a de Caxias do Sul, que se transformou no centro da colonização italiana nessa área, mais tarde a colonização se expandiu por todo o território do Rio Grande do Sul.

Alemães: Tipo físico -Nas regiões planas do norte o tipo físico é dolicocéfalo nórdico; na região montanhosa do sul é o braquicéfalo, com intrusão dinárica, no oriente é o braquicéfalo nórdico louro. A imigração alemã só começou com a unificação política empreendida por Bismarck. A influência dos alemães no período histórico foi nenhuma, em que pese a colonização dos Welsers, na Venezuela, feita, particularmente, com judeus.

Alemão imigrante -Na América do Sul de origem espanhola a imigração alemã teve significação na Argentina e no Chile, particularmente, na primeira.

No Brasil a imigração começou cedo, em 1824, com a fundação da Colônia de Feitoria; futura São Leopodo. Daí, se irradiou pelo vale do rio dos Sinos, onde foi fundada Montenegro, em 1840. Houve uma pausa no fluxo imigratório, devido à instabilidade política da área. Foi retomada mais. tarde nascendo então as chamadas colônias da Serra Ijuí, (1890), Serra do Cadeado (1895), Buriti (1803), Boa Vista (1912), Sobradinho e outras no vale do rio Jacui e no planalto de Nordeste.

Em Santa Catarina, a colonização alemã começou, em 1828, com à fundação de São Pedro de Alcântara. Em 1829, foram fundadas as colônias de Mafra e Corisco. A primeira tentativa, no vale do rio Itajai, se verificou, em 1835, mas a colonização nessa área, só tomou impulso com Hermann Blumenau, em 1848. Blumenau foi fundada em 1852, Joinville, em 1851 e Itajaí, em 1864. No caminho de Lages foram fundadas em 1653, Santa Tereza e Terezópolis. As últimas colônias fundadas foram Passarinho, Dom Carlos, Iracema (1933).

No Paraná a colonização alemã começou com um grupo vindo de Santa Catarina o qual fundou Rio Negro. A colonização se expandiu depois fundando-se Castro (1877), Dom Jardim, Irati (1908), Afonso Pena (1914. Em São Paulo a colonização foi prolongamento, da que se verificou no Paraná.

No Espírito Santo a colonização alemã se radicou nas áreas das colônias de Santa Leopoldina 1857 A cultura de cana de açúcar criou um núcleo novo, na Baixada de Goitacases e a mineração outro, em Minas Gerais. Este último ainda em função da exploração mineira se irradiou para Goiás e Mato Grosso. Já ao findar o período colonial o núcleo mineiro iniciava sua irradiação para o vale do Paraíba, onde começava a cultura de café.

No período contemporâneo a entrada de negros como escravos, no Brasil, continuou intensa, até 1850, quando foi abolido o tráfico de escravos. Daí por diante, o número de escravos começou a decrescer, seja através da libertação, seja devido a grande mortalidade, que lavrava entre eles. A grande lavoura de café começou a reclamar mais e mais braços e os escravos foram se concentrando nas áreas cafeeiras. Inicialmente, a importação a supriu de braços, mas depois, da abolição do tráfico, esse suprimento ficou restrito ao mercado interno, tendo lugar as imigrações internas desse tipo de mão-de-obra particularmente das áreas do Centro-Oeste, e do Nordeste para os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Explica-se, assim, o crescimento do número de escravos nesses Estados, acusado pela estimativa de 1868.

Em 1940 havia no Brasil 6,0 milhões de negros, numa população de 41,0 milhões.

Do que foi exposto se poderá concluir que:

A costa norte e nordeste do Continente, onde radicaram numerosos contingentes indígenas, seriam as áreas mais acessíveis ao conquistador português e espanhol e aos negros, que viriam posteriormente, seja das Antilhas seja da África, e nela se operariam os primeiros contatos, inicialmente, entre índios e brancos, e depois entre os dois primeiros, seus descendentes e os negros. Nessa área se poderiam dar, pois, contatos raciais de grande intensidade entre os três grupos étnicos originais.

A extensão do Continente, aliada à associação do clima-relevo-floresta tornariam, particularmente, atrativos ao povoamento parte da área costeira da Venezuela e da Colômbia, os Andes, setentrionais e centrais, o vale central chileno, a planície pampeana do Prata a área costeira do Brasil, do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte e poderia repeli-lo em áreas das bacias do Amazonas e do Prata, da costa do Pacífico até a proximidade de Guaiaquil, dos Andes meridionais, das áreas desérticas da ponta de Aguaja a Baía Blanca na costa peruana e norte do Chile nos altos páramos andinos, que separam a Bolívia do NW argentino, no pampa vizinho ao rio Colorado e NE da Patagônia, bem como de regiões permanentemente geladas na cordilheira andina e na ponta sul do Continente. Por outro lado, essas áreas pouco favoráveis ao povoamento, menos aquelas extremamente hostis, poderiam servir de refúgio aos grupos indígenas, que fugissem ao contato com o branco, ou aos negros evadidos das senzalas, propiciando lhes esconderijo seguro e tranquilo. As áreas do vale central chileno, do pampa argentino-uruguai brasileiro, bem como às da parte sul do planalto brasileiro, a partir do paralelo de Belo Horizonte propiciariam boas condições à aclimatação de europeus, mesmo os provindos de climas temperados, podendo ser escolhidas para a instalação desses imigrantes.

A opulenta hidrografia da Bacia do Amazonas e da Bacia do Prata poderia propiciar um povoamento disperso filiforme, ao longo dos rios, cobrindo grande extensão da área de florestas equatoriais do norte e da região de savanas e floresta tropicais do centro do continente, notadamente, a base índios, brancos e pardos, além de instalação de grande número de Reduções, ou de Missões religiosas, onde os índios catequizados ficariam isolados não só do contato com outros elementos de stocks raciais diferentes, como em alguns casos com outros grupos indígenas.

Os brancos só podiam ser limitados na ocupação do continente por condições de clima, de cobertura vegetal e de relevo, extremamente desfavoráveis. Entretanto, as zonas de maior adensamento, no período histórico, coincidiram com as mais favoráveis ao povoamento, ou seja a área montanhosa da costa da Venezuela e da Colômbia, nos Andes setentrionais e centrais o vale central chileno, a região do estuário platino, a faixa costeira de São Vicente a Olinda, em torno do golfão maranhense e margem sul do estuário do Amazonas. Nas outras áreas o povoamento branco foi extremamente rarefeito.

Os negros, se bem que de início tenham sido encaminhados para áreas de grande altitude, Cordilheira andina, foram, logo, de lá retirados e enviados a outras mais favoráveis ao rendimento de seu trabalho e prolongamento de suas vidas. Os maiores adensamentos de negros foram inicialmente os da área costeira do Atlântico do Rio de Janeiro a São Luís e, posteriormente, os da área central de Minas Gerais, os da região costeira da Guiana Holandesa, da Venezuela e da Colômbia, da costa do Pacífico da Província de Esmeraldas a Pisco, com contingentes, apreciáveis em Guaiaquil e Lima. Os movimentos de população no período contemporâneo não alteraram grandemente, esta distribuição nem o quadro geral da intensidade da miscigenação a não ser no sentido de branqueamento dos tipos pardos.

C) FATOR ECONÔMICO

As influências dos elementos econômicos na miscigenação estão ligadas às formas de exploração dos recursos econômicos e à força de trabalho empregada.

As primeiras condicionam, particularmente, a frequência, a intensidade e a amplitude dos contatos, pelas oportunidades permanentes, ou esporádicas, que lhes oferece e a segunda influi, fundamentalmente, na intensidade deles pelo efetivo dos stocks raciais, que a compõem, e na sua extensão pelas limitações, que poderá impor a determinado tipo de mão de obra.

Sendo assim, verifica-se que nas atividades sedentárias, como a agrícola, a mineradora, em grande número de ocupações urbanas, os stocks raciais em presença permanecem fixos por largos períodos em áreas determinadas, se misturam com mais facilidade, criando-se inúmeras oportunidades para os contatos íntimos entre os indivíduos de sexos diferentes e, consequentemente, para uma intensa miscigenação entre eles, seja pela via do casamento, seja pela do concubinato. Nas atividades nômades, ou seminômades, como a coleta na floresta, a preia do índio ou de gado, a pesquisa de metais preciosos, a criação extensiva de gado, os indivíduos componentes da força de trabalho se acham frequentemente separados, as oportunidades de contatos são menores e o cruzamento entre indivíduos de sexos diferentes se torna esporádico e aleatório. Por outro lado essas atividades são pouco rendáveis e não podem utilizar uma mão-de-obra cara, como a escrava por exemplo, pois não tem condições para custeá-la em condições econômicas vantajosas, limitando por isso a presença desses trabalhadores nas áreas, em que se realizam, como repercussões na composição e na intensidade dos contatos físicos.

Examinando a miscigenação na América do Sul, tendo em vista esses condicionamentos, poderemos discernir a influência, que nela exerceram elementos econômicos no período histórico e no contemporâneo.

No período da formação dos países sul-americanos havia na costa da Venezuela, da Colômbia, do Equador e do Peru uma extensa atividade agrícola, desenvolvida em grandes fazendas, empregando como mão-de-obra o índio "ecomiendado" e, principalmente, o negro escravo. Os efetivos brancos eram elementos de direção, ou de enquadramento da atividade econômica, e por isso reduzido. A vida sedentarizada, a intimidade das senzalas e dos solares senhoriais proporcionou oportunidades numerosas e frequentes para os encontros físicos de brancos, negros e índios, notadamente, dos dois primeiros, resultando numa miscigenação intensa pela frequência dos contatos e extensa pelos grupos diferentes que nela entraram. Desse cruzamento resultou um grande número de mulatos e menor de mestiços e quase nenhum de zambos. No Vale Central andino desenvolveu-se, também, grande atividade agrícola, mas a mão-de-obra nela empregada foi de brancos, ou de indivíduos já cruzados, uma vez que o negro não se adaptou às condições, para ele hostis, no meio físico e o índio não se submeteu às imposições de colonizador, tornando-se um elemento perturbador do trabalho desenvolvido nessa área.

No Paraguai, havia intensa atividade agrícola na área Assunção-Vila Rica-Concepción, em grandes fazendas e nas Reduções Jesuíticas. Nas primeiras, a mão-de-obra empregada foi a do índio "ecomiendado", resultando num intenso cruzamento com o branco, na maioria das vezes através do casamento. Nas Reduções, o índio estava segregado de qualquer contato, mesmo com outros índios, e não teve oportunidade para cruzar-se com indivíduo de outra raça, sendo, apenas, preservado e até acrescido o "stock" indígena primitivo.

Em torno de Buenos Aires, nas áreas de Córdoba, Tucumán e Mendoza se desenvolveu, também, alguma atividade agrícola. Nela a mão-de-obra empregada foi a do indígena "ecomiendado", embora houvesse certo número de escravos negros nas áreas açucareiras do Tucumán e nos vinhedos da região de Mendoza.

Na área costeira do Brasil, desde a Baixada de Goitacazes até Belém, se desenvolveu importante atividade agrícola baseada na produção de açúcar. Foi uma atividade permanente em todo o período colonial e empregou um grande efetivo de mão-de-obra escrava e índia, além de grande número de brancos, seja no enquadramento da atividade básica, seja na produção de subsistência, de algodão e de fumo. O maior adensamento se verificou na área de São Salvador à Paraíba, de forma quase contínua, mas havia, também, núcleos açucareiros ponderáveis em torno do golfão maranhense, de Belém e na Baixada de Goitacases. Nessas áreas operou-se durante quase trezentos anos, um intenso e amplo cruzamento, entre brancos, índios e negros, sendo importantes os contingentes de mulatos e mamelucos dele resultante e menor o de cafuso.

A mineração atraiu e fixou importantes contingentes de brancos e índios, em torno das minas de Bogotá, Quito, Huancavélica, Cuzco e Potosi, geralmente, situadas a mais de 3.500 metros de altitude nos Andes setentrionais e centrais. Nessas altitudes, apesar da latitude tropical e equatorial, o negro não encontrou ambiente para trabalhar. As baixas temperaturas e as pressões características dessas áreas, aliada ao rude esforço, exigido pela mineração da prata, do ouro e do mercúrio levavam o trabalhador negro à morte prematura e a um baixo rendimento no trabalho. Foi necessário empregar, então, o indígena, em número cada vez maior, inicialmente, da própria região e, mais tarde, recrutado, em outras, pelo "Rapartimiento" e a "Mita". Assim sendo, enquanto nas áreas mineiras concentravam-se enormes contingentes de "mitaios", Os negros eram delas retirados e empregados em atividades agrícolas, ou pastoris, nas áreas costeiras do Peru, do Equador, do vale do Madalena e de Tucumán. Resultou, então, que o cruzamento nas áreas mineiras da América Espanhola foi, essencialmente, entre brancos e índios, resultando em grande contingente de mestiço. Mas apesar da intensidade do cruzamento, uma vez que a mulher branca não esteve em número ponderável nessas áreas restou um grande efetivo de índios puros, que não teve oportunidade para cruzar-se e representava o grupo mais numeroso da população.

Na América Portuguesa a mineração na região central de Minas Gerais, na Chapada Diamantina, foi realizada por brancos e negros. Os brancos tiveram seu efetivo demográfico rapidamente acrescido, com as imigrações internas e externas e os negros foram deslocados, em grande número da área açucareira do Nordeste para à região mineira e, também, importados, em larga escala, da África. Reuniram-se, pois, em torno das catas, grandes efetivos negros e de brancos, donde resultou um grande contingente de mulatos. Nas áreas mineiras de Mato Grosso e Goiás ocorreu fenômeno semelhante, mas aí entrou, também, o indígena, recrutado no próprio local, dadas as imensas dificuldades para levar grandes efetivos de escravos do litoral às áreas, onde se localizavam as catas. Nessas regiões houve, portanto, cruzamento de branco com o negro, mas ele foi bem mais intenso, com o índio, uma vez que esse representou o maior efetivo presente no trabalho mineiro.

Nas grandes cidades coloniais como Caracas, Cartagena, Santa Marta, Panamá, Guaiaquil, Lima, Córdoba, Assunção, Buenos Aires, Rio de Janeiro, São Salvador, Recife e Olinda era grande o efetivo de brancos e negros. Os primeiros eram funcionários da adminis tração colonial, comerciantes e fazendeiros e os segundos empregados domésticos e "escravos do ganho", exercendo atividades assalariadas bor conta dos respectivos senhores. Realizou-se, pois, nesses centros urbanos intensa miscigenação, entre brancos e negros, resultando no mulato. Os índios estiveram quase ausentes dos centros urbanos, onde se sentiam marginalizados, sendo pois pequeno o número de mestiços resultante da miscigenação com o branco.

As atividades coletoras deram na América Portuguesa oportunidade para os primeiros contatos entre brancos e índios na faixa costeira, logo após o descobrimento. Mais tarde, proporcionou, também, contato entre os índios e os brancos na bacia do rio Amazonas, onde a coleta das "drogas do sertão" só podia ser feita, em grande escala, pelo índio, dada a hostilidade da floresta. O negro, tanto num, como noutro caso, esteve ausente, não havendo, pois, oportunidades para contatos entre brancos e negros.

Na preia de gado, realizada, essencialmente, no pampa platino e nos "llanos" do Orenoco, houve oportunidade para contatos físicos de branco com o índio, resultante no mestiço, que acabou predominando na demografia dessa área. Na criação extensiva de gado, a mão-de-obra empregada, foi também, o índio e o mameluco ou mestiço, uma vez que essa atividade, pela sua natureza e pouca rentabilidade, não admitia o emprego de mão-de-obra escrava em grande escala. Nas áreas onde se praticou essa atividade, como no Nordeste brasileiro, planaltos do Paraná e de Santa Catarina, e, mais tarde, em Mato Grosso e Goiás, o tipo cruzado predominante foi o mestiço, vindo de outras regiões ou nelas nascidos, como resultado do encontro dos brancos e índios, absorvidos por ela.

Durante a fase de pesquisa do ouro, houve, também, oportunidade para os contatos de índios e brancos, notadamente, na América Portuguesa, onde durou quase duzentos anos.

Os negros estiveram presentes em muito pequena escala, tanto nas fazendas de criar, como empregados domésticos como nas Bandeiras, mas seus cruzamentos com os brancos foram pouco numerosos e não afetaram o quadro geral da miscigenação nas áreas de criação ou nas perlustradas pelas Bandeiras paulistas.

Depois da independência, o afluxo de escravos negros na América Portuguesa continuou volumoso, até 1850, quando o tráfico, foi realmente, abolido, mas cessou na América Espanhola, uma vez que os países Hispano-Sul-Americanos foram, sucessivamente, libertando seus escravos, a partir de 1810.

Na América Portuguesa continuou o afluxo para as áreas açucareiras do Nordeste, mas com a progressiva extinção da lavra de metais preciosos os grupos de escravos nela empregados foram sendo deslocados para a lavoura do café, implantada em larga escala, inicialmente, no vale do rio Paraíba do Sul e, depois, na Província de São Paulo. Mas num, ou noutro caso, a miscigenação de branco com o negro foi caindo de intensidade uma vez que crescera muito o número de mulheres brancas é surgiram tipos femininos cruzados muito mais atraentes do que os das raças negra ou índia. Com a Abolição da escravatura, grande parte da massa escrava permaneceu nos seus locais de trabalho, como trabalhadores assalariados e outra se deslocou para os centros urbanos, onde foi engrossar o grupo dos marginalizados pela falta de emprego, ou de aptidão para as ocupações que lhes eram oferecidas. Num, ou noutro caso, o panorama não se alterou substancialmente no que respeita à miscigenação.

Na América Espanhola os escravos libertados pereceram em grande número na Guerra da Independência e os que sobreviveram foram se radicar nas cidades, onde poucas oportunidades tiveram para se miscigenar com os brancos.

O grande contingente de imigrantes, que afluiu à América, a partir de 1850, pouco alterou o quadro da miscigenação original, embora tivesse influído, consideravelmente, na composição do efetivo demográfico. A maioria desses imigrantes se fixou no campo, mas o fez em Colônias Agrícolas, mais ou menos fechadas, aos nacionais, dos países que os receberam. Esse fato, aliado aos pruridos racistas de alguns grupos, fê-los procurar ligações físicas nos quadros de seu próprio grupo, preservando-se na maioria dos casos sua origem racial. Excetuam-se os portugueses e espanhóis e, até certo ponto os italianos, que na maioria das vezes se uniram a mulheres do país para onde imigraram, embora o fizessem, preferentemente, com brancas, ou com tipos mulatos. Os imigrantes, que se fixaram nos centros urbanos se foram misturando, naturalmente, com os naturais dos países; onde se fixaram, e se miscigenaram na maioria das vezes, com brancas, ou mulatas. Os índios, refugiados em áreas pouco acessíveis, ou confinados em Missões Religiosas, ou áreas privativas deles, não tiveram oportunidades para influir na miscigenação nesse período.

A principal contribuição dos imigrantes foi no acréscimo do efetivo branco da população do país e no branqueamento da população parda das áreas em que se fixaram.

Como conclusão do que foi exposto poderemos alinhar as seguintes conclusões:

-Nas áreas costeiras da Venezuela, da Colômbia, do Equador e do Peru, verificou-se no período da formação intensa miscigenação, entre brancos, negros e índios, resultando num grande efetivo de pardos, em que predominou o mulato e num grande contingente de negros puros. Nos centros urbanos dessas áreas predominou ainda, o mulato, como tipo cruzado, e o branco como tipo étnico original. Esse quadro pouco se alterou depois da indenpendência, havendo, apenas, a assinalar o crescimento da população branca, notadamente em Caracas, Lima e Guaiaquil.

-Na área costeira do Brasil, do Rio de Janeiro a João Pessoa se operou intensa miscigenação entre brancos, negros e índios, predominando no cruzamento o mulato e no efetivo original o negro. Igual panorama se verificou na Baixa de Goitacazes, em torno de São Luís e Belém. No interior de Minas Gerais e, mais tarde, no vale do Paraíba e em São Paulo, houve, também, intensa miscigenação, entre brancos e negros, com predominância do mulato, no grupo pardo e de negro no "stock" original. Com a Abolição e a entrada de imigrantes no Estado de São Paula o efetivo branco foi ali grandemente acrescido, enquanto o de negro decresceu, rapidamente.

A situação continuou, porém, sensivelmente a mesma nos Estados, de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco, tendo crescido, consideravelmente, a população negra radicada nas cidades.

-Nas regiões andinas da Colômbia, do Equador, do Peru e da Bolívia a miscigenação foi intensa entre brancos e índios, predominando como tipo cruzado o mestiço e no efetivo original o índio. Apesar dos acréscimos de população branca ocorridos posteriormente, a situação não se alterou substancialmente continuando, quase a mesma até os dias atuais.

-Nos "llanos" do Orenoco, e cruzamento se operou entre brancos e índios, mas de pequena intensidade, dado o pequeno efetivo tanto de um, como de outro grupo, em presença, predominando como tipo cruzado o mestiço. No pampa platino o cruzamento inicial foi entre brancos e índios, produzindo o mestiço. Mas esse quadro foi amplamente modificado, com a colonização empreendida nessa área com o imigrante estrangeiro, que elevou rapidamente, o efetivo branco, superando, inteiramente o mestiço, particularmente, nas Províncias de Buenos Aires, Santa Fé, Entre Rios, no Uruguai e no Rio Grande do Sul.

-No interior do Nordeste brasileiro o cruzamento foi bastante intenso, entre brancos e índios, predominando o mameluco, como tipo cruzado, e o branco como representante dos grupos étnicos originais. Esse quadro não foi alterado, permanecendo, até nossos dias.

Na região Centro Oeste, houve intenso cruzamento, entre brancos, índios e negros predominando o cafuso como tipo pardo e o índio, como tipo étnico original. Esse quadro se alterou; sendo de assinalar o crescimento do efetivo branco proveniente de imigrações internas e a progressiva diminuição de efetivo indígena, que refluiu para pontos poucos acessíveis do território.

No Paraguai houve intensa miscigenação de brancos e índios nas áreas agrícolas, com predominância de mestiço, enquanto eram preservados, nas Reduções Jesuíticas, importantes efetivos de índios puros. Com a expulsão dos Jesuítas, a maioria dos índios catequizados nas Reduções se deslocou para as áreas agrícolas, pastoris, e até mesmo, para os centros urbanos, crescendo rapidamente o efetivo indígena e lhe dando predominância no quadro geral da demografia desse país. Entretanto, essa massa indígena foi rápida e progressivamente sendo absorvida, resultando na ampla predominância, atual, do grupo mestiço.

Na área amazônica o cruzamento foi entre brancos e índios, no interior, e entre brancos e negros na área litorânea, até o golfão maranhense. Resultou, então, na predominância do mestiço, no interior, e do mulato, no litoral. As imigrações internas, ocorridas, posteriormente, apenas reforçaram o grupo mameluco e muito pouco o grupo branco, permanecendo quase a mesma situação, do período colonial.

d) FATOR POLÍTICO

No período histórico o pleno domínio e a situação privilegiada do branco sobre os índios e os negros anulavam qualquer resistência da mulher dessas raças ao contato físico com ele. Por outro lado, tanto a Coroa portuguesa como a espanhola não criaram dificuldades, antes incentivaram a miscigenação; se bem que na América Espanhola houvesse reflexos desfavoráveis a essas ligações decorrentes do sistema de castas.

Na América Espanhola houve, também, limitações e rigorosa fiscalização quanto à entrada na Colônia de elementos brancos, considerados herejes ou súditos de potências inimigas, durante os dois primeiros séculos da colonização, resultando disso pouco incremento no crescimento da população branca. Após a ascensão dos Borbons essas limitações foram atenuadas, notadamente, quanto aos franceses, incrementando-se, assim, a entrada de brancos na Colônia.

A imigração estimulada e dirigida para a América do Sul começou, realmente, após a independência.

No Brasil a imigração começou com D. João VI, Em 1818, foi assinado contrato com Nicholas Gáchet para a da de dois mil suíços, os quais deram origem à Nova Friburgo. Em 1824, D. Pedro I permitiu a vinda de alemães para o Brasil, os quais se fixaram em São Leopoldo. Outras tentativas se fizeram, encaminhando-se os estrangeiros para áreas abandonadas, onde ficaram isolados em relação a outras populações brasileiras, iniciando-se assim a criação dos chamados "quistos raciais" no Brasil.

Com o Ato Adicional de 1834 o problema foi entregue às Províncias. Como não tinham recursos para fomentarem a imigração, a solução não apresentou resultados favoráveis. No Governo de D. Pedro II a Coroa resolveu ajudar as Províncias, nascendo então as Colônias de Petrópolis, Blumenau, Brusque, Santa Cruz do Sul e outras. Inaugurou-se, também, em 1883 a Hospedaria da Ilha das Flôres. Em todas essas iniciativas empregou-se o processo de fixar os imigrantes em Colônias quase isoladas, dificultando seus contatos com brasileiros e levando-os a se organizar no Brasil, como viviam na Europa, preservando costumes, línguas, tradições etc, dificultando, pois, a miscigenação deles com nacionais.

O Senador Vergueiro, em sua Fazenda de Ibicaba, em São Paulo, providenciou a vinda de imigrantes europeus para nela trabalharem, empregando-os em conjunto com os escravos e outros trabalhados nacionais. A iniciativa aceita, inicialmente, com agrado, logo se revelou ineficaz, pois os trabalhadores brancos se recusavam a trabalhar no lado de escravos, passaram a exigir maior participação na produção e acabaram por se rebelar, criando problemas de ordem internacional.

Depois da extinção da escravatura foi grandemente incrementada a corrente de imigrantes para o Brasil. Ela foi dirigida, sobretudo, para os Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, em face da suavidade do clima, da fertilidade dos solos, pequeno índice de população negra, existência de núcleos colônias mais antigos, que facilitavam a adaptação dos imigrantes novos. Perseverou-se no emprego das Colônias agrícolas, ficando os imigrantes, isolados quanto aos contatos com os nacionais.

Em 1907 começaram a entrar no Brasil os japoneses, causando grandes discussões. Como agricultores, dizia-se, não eram muito competentes, e quanto à miscigenação eram difíceis os contatos, dadas as diferenças de língua, de religião e até de mentalidade política. Fixaram-se, também, em Colônias, mais ou menos fechadas, principalmente no Estado de São Paulo e pouco se tem miscigenado com brasileiros.

Em 1921 e 1924 o Governo Federal com dois importantes decretos assumiu o pleno controle da imigração. Iniciou-se a fase do planejamento, com estudos prévios do problema, visando a selecionar os elementos, que convinham ao desenvolvimento brasileiro em todos os seus aspectos.

As Constituições de 1934 e 1937 inauguraram o sistema de quotas fixando-as num limite máximo de 2% do total de imigrantes de cada nacionalidade, recebida nos últimos 50 anos. O sistema mostrou-se inoperante e até mesmo contrário ao interesse do país, uma vez que os limites eram fixados de modo aleatório por falta de estudos completos sobre o assunto, ou contemplavam com quotas volumosas imigrantes discutíveis.

Finalmente a Constituição de 1946 deixou a cargo do Congresso a legislação sobre o assunto.

A política imigratória na Argentina se iniciou com Rivadávia, em 1812. Já em 1813, a Assembleia autorizou a venda de terras públicas e mais tarde a doação das mesmas. Em 1820 Rivadávia apresentou o projeto de enfiteuse, que foi aperfeiçoado pela Lei de 1826. A terra pública era arrendada a longo prazo, persistindo esse sistema até a época de Rosas, em que a terra começou a ser distribuída entre militares e soldados.

Entrementes, era estimulada a iniciativa privada, visando a colonizar as terras das Províncias de Santa Fé e Entre Rios com europeus. Em 1855 chegaram 160 famílias europeias de Dunquerque, que foram encaminhadas para Missiones. Uma empresa de Aaron Castellanos fundou a Colônia de Esperanza, em Santa Fé. Em Entre Rios se fundaram a Colônia de Las Conchas e depois a de São José (1857).

O desenvolvimento das estradas de ferro, o maior conhecimento do país na Europa e a progressiva estabilidade política, que foi adquirindo, favoreceram a imigração. Em 1889 anotou-se o saldo mais elevado, ou seja, 220.260 imigrantes.

Entre 1890 e 1903 houve um decréscimo no surto imigratório, caindo o saldo de imigrantes a 30.375, em 1901. Mas já no período de 1904 a 1914 o saldo positivo foi de 1,5 milhão de imigrantes na maioria italianos, espanhóis, franceses, britânicos. Nos anos de guerra (1914)(1915)(1916)(1917)(1918) não houve a imigração de nacionais dos países beligerantes, havendo ao contrário a saída de estrangeiros, que se foram incorporar aos Exércitos em luta. Terminada a guerra se reiniciou o fiuxo imigratório, embora mais moderado, decaindo, sensivelmente, no período de 1924 e 1846.

Em 1947 se registrou um saldo volumoso na imigração, o qual se prolongou até 1951.

A política imigratória está definida no texto da Constituição, em que se declara no artigo 17 que o "Governo Federal fomentará a imigração europeia e não poderá restringir, limitar, ou gravar com imposto algum a entrada em território argentino de estrangeiro, que traga com objetivo lavrar a terra, melhorar as indústrias e aperfeiçoar as artes e as ciências". Por outro lado a Lei 817 concede ao estrangeiro facilidades de entrada e para se adaptar ao novo meio. Entretanto o Decreto de 26 de novembro de 1933 vedou aos agentes consulares expedir vistos de entrada aos "imigrantes que não pro vem ter assegurado na Argentina um destino, emprego ou ocupação que lhe assegure a subsistência". O Governo, ultimamente, tem firmado convênios com a Itália e Espanha favorecendo a entrada de trabalhadores contratados, de estrangeiros que já tenham família redicada na Argentina e outros casos especiais.

No Uruguai a imigração tem sido, também, estimulada, concedendo aos estrangeiros igualdade de direitos com os nacionais, bem como várias vantagens e franquias econômicas, sendo pouco fregitentes e isoladas as tentativas para impor critérios restritivos à entrada de estrangeiros no país. A primeira Lei de imigração projetada por Jaime Estrázulas data de 1853, e concedia várias vantagens a famílias agrícolas imigrantes. Em 1880, no Governo Vidal uma nova Lei autorizava o fomento à agricultura, por meio de empresas de colonização, ou estimulando a iniciativa privada. Em 1890, se manifestou a intervenção do Estado, precurando impedir a entrada de enfermos, mendigos ou incapacitados para o trabalho. Criavase também a Oficina de Trabajo, que se devia encarregar da colocação dos imigrantes.

Em No Chile não há uma legislação específica sobre imigração. Entre tanto as estatísticas assinalam um ponderável movimento de imigrantes dos países vizinhos como Peru, Bolívia e Argentina.

-O branco histórico não sofreu nenhuma restrição de ordem política aos seus contatos com as mulheres índias e negras. Bem ao contrário, a situação privilegiada, de que desfrutavam, colocava-as à disposição de seus instintos sexuais. Miscigenou-se, pois, com elas, largamente, sendo o responsável pelo elevado contingente de mestiços e mulatos, existentes na América do Sul, no momento da independência dos países que a constituem.

-O imigrante, porém, foi confinado de modo geral a áreas mais ou menos isoladas não tendo, portanto, muitas oportunidades para contatos físicos com mulheres, que não fossem as das suas Colônias.

Apenas os imigrantes, que se radicaram nas cidades, tiveram oportudades mais frequentes para contatos físicos com as mulheres do país. Mas mesmo nesse caso se miscigenaram com mulheres brancas ou com pardas e não com índias ou negras. Contribuíram, assim, fundamentalmente, para aumentar o efetivo do contingente branco e o branqueamento do contingente pardo. e) ELEMENTOS SOCIAIS O veículo social no período histórico dos contatos físicos entre os indivíduos brancos, índios e negros foi o concubinato. Os casamentos foram esporádicos, entre brancos e índios e quase nenhum entre brancos e índios com negros. Limitou, fortemente, o casamento entre os indivíduos de raças diferentes não o preconceito de cor, mas o social, decorrente do sistema de castas, observado com rigor na América Espanhola. Na América Portuguesa, embora não houvesse o sistema de casta, o preconceito social limitou os casamentos entre indivíduos de raças diferentes, apesar de o Governo Colonial ter, às vezes, incentivado as ligações legais entre indivíduos de raças diferentes como ocorreu durante a administração de Pombal.

Na América espanhola, herdando o filho a condição social do pai e tendo o mestiço posição de algum relevo na organização de castas, houve numerosos casamentos entre brancos e índios em algumas regiões, onde ocorreram outros estímulos favoráveis. Tal aconteceu no Paraguai, em face da beleza e meiguice das mulheres indígenas, da falta absoluta de mulheres brancas e no Peru, devido à beleza das jovens incas, seus hábitos mais civilizados e a alta linhagem que tinham algumas no quadro do destruído Império incaico. A língua geral tupi-guarani no Brasil a quíchua e a chibcha na América Espanhola facilitaram os contatos dos brancos com os índios favorecendo a miscigenação.

A ação da Igreja influiu na miscigenação, ora como elemento freador dos contatos físicos, ora oferecendo condições favoráveis a eles. Zelando, como sempre pela pureza dos costumes, a Igreja combateu rudemente o concubinato e só registrava os filhos decorrentes de ligações estáveis e legítimas. Contendo esse o veículo normal das ligações físicas entre indivíduos de raças diferentes conteve implicitamente a miscigenação entre eles. Por outro lado, catequizando o indígena, dando-lhe hábitos e costumes civilizados, procurando introduzi-lo no seio da sociedade colonial, e, portanto, aproximá-lo em boas condições dos indivíduos de outras raças, favorecia a miscigenação entre eles. Contribuía, assim, para aumentar o efetivo de indígenas aptos às ligações físicas com brancos e negros, mesmo fora do casamento, concorrendo para maior intensidade da miscigenação.

A promiscuidade dos alojamentos de trabalhadores nas grandes Encomiendas e Fazendas, a intimidade dos ambientes solarengos, a licenciosidade e frouxidão dos costumes, numa sociedade em formação, tudo isso contribuiu para ativar os contatos físicos, entre brancos, índios e negros, nas áreas agrícolas, e mineradoras e entre negros e brancos, notadamente, nas casas grandes das zonas rurais e até mesmo nos solares dos centros urbanos.

Do que foi exposto se poderá dizer, em conclusão, que de medo geral os elementos sociais influíram na intensidade e extensão dos contatos físicos entre brancos e índios e negros e na maioria das vezes criaram condições desfavoráveis para que se realizassem.

Quanto aos imigrantes, chegados no período contemporâneo, a diferença de língua, de religião, de atitude, quanto ao casamento, e até mesmo, o preconceito racial, contribuíram negativamente para um pequeno índice de nupcialidade entre eles e sul-americanos, destacando-se, nesse particular, os judeus, japoneses, eslavos e alemães. Entretanto, os imigrantes de origem latina, como os portugueses, espanhóis e italianos, casam-se, normalmente, com sul-americanas, particularmente, as brancas e as mulatas, contribuindo dessa forma para o branqueamento do tipo étnico da população continental.

II -Principais grupos étnicos sul-americanos e suas caracierísticas básicas

Os principais grupos étnicos sul-americanos se formaram, basicamente, no período colonial, resultante da miscigenação entre stocks raciais de brancos, índios e negros, condicionada, particularmente, por fatores geográficos e econômicos. Os movimentos de população, ocorridos depois da independência dos países sul-americanos, notadamente, o proveniente da imigração de brancos europeus e amarelos asiáticos, não alterou, substancialmente, a estrutura étnica das populações do continente, existente em 1831, nem sua repartição fundamental, produzindo mais efeitos demográficos e culturais, do que étnicos, propriamente ditos. Concorreram, principalmente, para o aumento e distribuição do efetivo branco e melhoria de técnicas culturais. Do ponto de vista étnico concorreram, apenas, para o branqueamento de tipos pardos, como os mamelucos, mestiços e mulatos.

Contemporaneamente, os grupos étnicos sul-americanos podem ser apreciados da forma que se segue: a) VENEZUELA De acordo com os dados do recenseamento de 1960, existiam na Venezuela 7.524.000 habitantes, excluídos os índios ainda não integrados no quadro social do país.

De acordo, com o censo de 1950, para uma população de cerca de 5,0 milhões de habitantes a estrutura étnica era a seguinte: brancos 22%, negros 10%, índios 2%, pardos 66%. Dos brancos, cerca de 4% eram estrangeiros, dos quais 125.000 italianos, 106.000 espanhóis, 37.000 norte-americanos, 31.000 portugueses, 23.000 colombianos. O grosso da população venezuelana se localiza na área montanhosa da costa, do delta do Orinoco ao lago de Maracaibo, na região do lago Maracaibo e na serra de Mérida. Aí se localizam os maiores contingentes de brancos e de pardos, notadamente mulatos. Na cordilheira de Mérida se localizaram ponderáveis contingentes de mestiços e índios civilizados, entregues principalmente às atividades agrícolas. Na bacia do Orinoco, na área pastoril dos llanos, o povoamento é muito disperso. Mas aí vivem, também, numerosos contingentes de mestiços e índios puros. Os índios em estado selvagem, cujo contingente é estimado em 110.000, vivem na chamada região da Guiana, na área fronteiriça com o Brasil e a Guiana Holandesa. Alguns estão sendo catequizados em Missões religiosas.

O principal problema da Venezuela é o de um país rico, cuja preocupação atual é a de colocar essa riqueza ao serviço do bem estar e da prosperidade de seu povo, não sacrificando o futuro, por um presente que poderá ser passageiro. É também no plano humano e cultural, preservar os valores tradicionais de sua cultura, representada pela Espanha e pela França, em face da ameaça da técnica avassaladora, da mecanização, do materialismo; nascido nesta época de profundas transformações e de espantosas facilidades oferecidas às atuais gerações. Alguns de seus espíritos mais lúcidos, e ela os tem em abundância, não se cansam de pregar a necessidade de colocar seu humanismo, tão rico em flexibilidade e tolerância, senão acima, pelo menos no mesmo nível de um enriquecimento mais ilusório, de que real. É enfim, para esta Nação, que não tem, ainda, um século e meio de existência, mas que teve uma atuação tão destacada na emancipação dos países sul-americanos, chegado o momento de ser ela mesma, de afirmar sua personalidade indo-afroeuropéia, a fim de apresentar ao mundo uma fisionomia, na qual se possam reconhecer, apesar de sua juventude, os traços vigorosos de sua formação cristã e humanista.

b) EQUADOR

De acordo com recenseamento de 29-XI-1950 a população do país ascendia 3.203.000 habitantes, incluindo a população indígena, ainda selvagem, com uma densidade de 16,5/hb/km2. A estimativa para 1961 era de 4.455.000 habitantes.

A estrutura étnica da população equatoriana, em 1950, era a seguinte: brancos 8%, índio 45%, negros 71%, pardos 40%. Dos brancos 0,7% são estrangeiros.

Cerca de 58% da população equatoriana está radicada nos planaltos da cordilheira andina, 20% na faixa costeira, 2% na área oriental do país. O grosso da população indígena está radicada nos planaltos, incorporada à sociedade do país, vivendo alguns na área oriental, como semicivilizados, notando-se as tribos Jivares, intratáveis e quase selvagens. As principais tribos do planalto são a tribo Cara e Colorados que vivem nas proximidades de Quito e falam o quíchua e os Otavaios, que são hábeis tecelões. Os índios são em geral agricultores, trabalhando nas grandes propriedades agrícolas ou como arrendatários, (o huasinpungo). A maioria é analfabeta de baixo padrão de vida, mas resignado à sua sorte. Os negros estão concentrados na Província de Esmeraldas, juntamente, com contingente apreciável de zambos e mulatos. Na cidade de Guiaquil é considerável o contingente negro e mulato, empregado em atividades urbanas. Os brancos constituem uma pequena minoria, mas detém o grosso das propriedades agrícolas do país e controlam a maior parte de suas atividades econômicas.

O mestiço, que se espalha por todas as áreas do país, é ativo, inteligente, ambicioso. Constitui a força viva da Nação ocupando os mais importantes postos na vida política e administrativa e nas Forças Armadas é o mais autêntico representante da cultura indo-europeia e na sua atividade, inteligência e tenacidade repousam as esperanças de um futuro mais próspero e mais feliz para o Equador. Representam, também, a esperança de progresso do grupo indígena e de sua integração definitiva e atuante na sociedade equatoriana. c) COLÔMBIA De acordo com o recenseamento de 9/V/1951 a Colômbia tinha uma população de 11.548.000 habitantes e uma densidade de ocupação de 12,7/hb/km2.

A população indígena era de 127.980. A estimativa para 1861 era de 14.447.000.

A estrutura étnica da população era representada por: brancos 29%, negros 5%, índios 1%, mestiços 57%, mulatos 14% e zambos 3%. Na parte andina da Colômbia, incluindo áreas da costa, sobre 45% do território se radicaram 98% da população, ficando os 2% restantes distribuídos pela área dos "ilanos" das bacias de Orinoco, e do Amazonas e pequenas áreas planas da costa do Pacífico. A região de Antióquia é típica da ocupação humana na Colômbia, tanto sob o ponto de vista étnico, quanto sob o aspecto econômico, em relação às variações de altitude. Característica importante da população da Colômbia é o relativo equilíbrio na sua distribuição.

Na área da capital concentram-se apenas 5% da população, havendo outros nódulos densos de população, em torno de cidades importantes como Medellin, capital do Departamento de Antióquia, Barranquilla, o grande porto do Caribe, Cali no vale do Cauca, Cartagena, antigo núcleo colonial, Manizales e outras 15 cidades com mais de 50.000 habitantes e 68 de mais de 20.000 habitantes.

A população branca se dissemina na região andina e da costa do Caribe, estando a mulata concentrada nas áreas costeiras do Atlântico e Pacífico. Os índios civilizados estão concentrados, ainda, na Cordilheira dos Departamentos de Antióquia e Cudinamarca.

A situação social da Colômbia tem sido trabalhada por três elementos principais: o analfabetismo, o alcoolismo e o subemprego. Nas imensas propriedades agrícolas consagradas à agricultura do café e à criação de gado e, particularmente, nos "Hanos" orientais, uma mão-de-obra analfabeta, mal retribuída e subalimentada tem sido presa fácil para propaganda extremista. Por outro lado, o hábito corrente de fornecer ao trabalhador, como elemento essencial de sua alimentação a "chicha", espessa bebida obtida com a fermentação de milho e de grande teor alcóolico, sob pretexto de utilizar suas qualidades nutritivas, tem fomentado o alcoolismo, com graves danos sociais. No curso dos últimos anos importantes reformas tendem a melhorar as condições do trabalhador urbano e rural, mas muito há, ainda, que fazer. O esforço deverá se orientar no sentido da realização dessas reformas, como meio de harmonizar as classes sociais, manter a paz interna e melhorar as condições de vida do povo.

d) PERU

De acordo com o recenseamento de 2/VII/1961 a população desse país era de 9.926.000 habitantes com uma densidade de ocupação de 7,8 hb/km2.

A estrutura étnica da população era a seguinte: brancos 13%, Índios 46%, negros 0,5%, mestiços 40%, amarelos 0,5%, Em 1876 a percentagem de índios era de 58%, enquanto a de mestiços era de 25%. Comparando-se essas percentagens com as existentes em 1961 verifica-se uma diminuição de 12% no número de índios e um crescimento de 15% no de mestiço, o que indica uma permanência nos tempos atuais da miscigenação, entre brancos e índios. O número de estrangeiros era de 0,71% dos quais os amarelos (japoneses e chineses) representam 0,5%.

A distribuição da população é bastante irregular. As planícies e desertos irrigados da faixa costeira, equivalente a 11,5% do território abrigam 25% da população e produzem 75% dos suprimentos de alimentos do país. A região da "Sierra", constituída de profundos vales, enquadrados por planaltos de 3.500 a 5.000 metros de altitude, cobrindo 27% do território, abriga 62% da população, com uma densidade que varia de 16 hab/km2 até 400 hab/km2. A "Montafia", extensa região da vertante oriental dos Andes, coberta pelas "yongas" e a floresta equatorial, cobre 40% do território e abriga, apenas 13% da população, com uma densidade de 1,4 hab/km2. A irregularidade na distribuição da população não se verifica, apenas, desproporção da ocupação dessas grandes regiões naturais. Vai além, tanto na Costa, como na "Sierra". Na primeira os pequenos vales concentram a maioria da população, enquanto na segunda o mesmo fato ocorre, nos vales fundos e nos altos planaltos. Desse modo o panorama geral da ocupação no Peru é a de alternância de espaços densamente habitados, separados por grandes vasios ermos da ocupação humana. O deserto, a alta montanha e a floresta se associam no Peru num quadro único, exigindo de seu povo sacrifícios imensos para viver e prosperar.

A população branca se dissemina pela Costa e pela "Sierra". A população negra e mulata se encontra na área da Costa, onde aparece Lima, com grande quantidade de negros e mulatos. A população indígena, de maior efetivo, se concentra na região da "Montafia". Os índios civilizados, descendentes dos antigos Incas ou Aymarás, falando ainda o "quechua" vivem nos pequenos planaltos da precordilheira da montafia, com famílias numerosas e grupadas em pequenos "povos". Estima-se que a colheita média de uma família indígena na área de Cuzco alcance 200 kgs de milho, 1.800 kgs de batatas, 100 kgs de trigo por ano, o que lhe proporciona um baixo padrão de vida. Apesar disso, o indígena agarrado ao seu "povo" resiste a todos os apelos das autoridades para abandoná-lo e mesmo aos melhores salários, que lhe oferecem os grandes proprietários rurais, ou a exploração mineira. No Peru meridional os índios civilizados ocupam os altos planaltos de "Sierra", à mais de 5.000 metros de altitude e vivem particularmente da criação de carneiros e de lhamas. Os índios semicivilizados, ou ainda inteiramente bárbaros, estão disseminados pelas "yungas" ou pela floresta da área amazônica, vivendo uma vida pre-colombiana.

O principal problema social do Peru é o da integração dessa massa de indígenas ao quadro social do país. O regime republicano no Peru ensejou transformações profundas, no quadro de sua sociedade, profundamente influenciada pela tradição colonial desapareceram as castas e com elas a estratificação social, baseada na raça, libertaram-se os escravos, substituindo-se por imigrantes, notadamente, japoneses e chineses; surgiu uma classe média, constituída à base do mestiço, que vem lutando para destruir os últimos resquícios do passado colonial, representado, ainda pelo "patrício". Entretanto, a grande massa indígena permanece à margem da sociedade e ultimamente, vem sendo objeto da exploração política, inicialmente, através da A. P. R. A. (Aliança Popular Revolucionária Americana, fundada em Paris em 1924) e mais recentemente do comunismo internacional.

Mas se registra no Peru uma nítida ascensão dos mestiços no quadro político e social e com ela uma consciência mais nítida dos problemas nacionais, no qual avulta o da integração do indígena. e) BOLÍVIA De acordo com o recenseamento de 5/IX/1950 a população do país era de 3.019.000 habitantes, incluindo os índios selvagens estimados em 87.000. A estimativa para 1961 era 3.509.000 com uma densidade de ocupação de 3,2 hab/km2.

A estrutura étnica da Bolívia, em 1950, apresentava o quadro seguinte: brancos 15%, índios 54%, mestiços 31%. Os estrangeiros correspondem a 1,3% da população.

Os altos planaltos bolivianos, que abrangem 40% do território, abriga 75% da população, enquanto a área da planície com 60% da área é ocupada por 25% da população.

A Bolívia é povoada por uma maioria expressiva de índios puros. Nessa população indígena se distingue um grupo mais volumoso descendente dos antigos habitantes do país os Aymara-Quíchua e um grupo menos numeroso de índios selvagens. Os Aymaras constituem no altiplano um grupo homogêneo que se radicou na área de Oruro a Puno, enquanto o grupo Quíchua, cobre o norte do altiplano, enlacando-se com o grupo peruano, no grande vale que se estende ao norte de Cuzco. O Aymara é o único ser humano a viver voluntariamente em aititudes, quase inacessíveis e desérticas. Seu caráter sombrio, sua tenacidade, lhe comunica uma espantosa capacidade de isolamento. Está grupado em comunidades indígenas o "ayllu" pré-colombiano, com estrutura fortemente patriarcal, vivendo numa terra pobre, ou trabalhando nas minas. Conserva seus costumes seculares, fala seu dialeto duro e rusgoso e, cultiva, também, seu poético misticismo quechua. Suas habitações são miseráveis, suas aldeias desoladas, seus vestuários de cores vivas, sua alimentação sumária. Bebe a "chicha" fortemente alcoólica, come batatas geladas e carne de lhama e masca "coca" a planta sagrada dos quíchuas. O animal de transporte que, também, lhe fornece lã e carne é a lhama, cujos excrementos servem de combustível. O barco, em que pesca nas águas do lago Titicaca é o "totora", armado com junco. Conservou a crença nos seus deuses, embora sob a aparência cristã: Santiago, tornou-se o Deus do trovão, o cura católico, o "tata", não é mais do que o feiticeiro inca e não suprimiu as crenças do Kallawaya.

Quíchua se distingue do Aymara por sua língua mais flexível e mais musical, pelo seu caráter mais franco. Habita regiões menos hostis e menos isoladas, onde o trabalho é menos duro e a resistência ao alcool é mais fácil e se transformou num excelente agricultor agarrado à sua gleba. Fisicamente os dois tipos indígenas não se diferenciam, salvo quanto aos elementos mais puros nos quais sobressai a rara beleza das mulheres e até mesmo dos homens incas. Os dois tipos étnicos são muitos resistentes, mas a longevidade é rara entre eles, particularmente, devido às más condições sanitárias em que vivem. Guardam, ainda, apesar da devastação orgânica, causada pela "chicha" e pela "coca", seu amor à terra, extraordinária resistência à agressividade do meio e a natural altivez de seus ascendentes.

Os índios amazônicos oferecem enorme variedade, como os do Chaco. Uns são inteiramente selvagens, outros estão abrigados nas Missões Religiosas, num número reduzido trabalha na indústria extrativa vegetal, constituindo uma mão-deobra instável e de efetivo insuficiente.

É difícil traçar uma paisagem psicossocial do povo boliviano sem referir alguns conceitos de seus escritores. A sobriedade, já assinalada pelos seus poetas, não é mais do que uma atitude reservada, que se traduz num ar abstrato e sombrio. O boliviano não acolhe bem o estrangeiro, mas é capaz de aceitá-lo, completamente, ao longo dos anos. Sua força de assimilação é muito grande. Contra o intruso o boliviano se defende pela adulação. Não gosta de abandonar seus altos planaltos e suas florestas quase virgens, mas aceita a inovação e o progresso. De tudo isso brota um amor quase feroz pelo país e um animismo essencial, que é como a possessão do homens pela terra.

O índio não é um escravo, mas tem sido uma figura do "folclore", ou tema de discurso. O mestiço tem um largo campo aberto adiante de si, mas não conseguiu ainda superar seu desprezo excessivo pelo índio. A maioria da população tem uma vida espartana e o senso da autoridade. Um programa sério de recuperação da nação encontrará eco, seja no índio, amargo e triste, seja no mestiço valente, desconfiado e astucioso. O boliviano, entretanto, critica sua terra, seus índios, seus ditadores, suas cidades; mas não admite nunca os outros o façam.

Esta nação suscetível, de homens corajosos e políticos astúciosos, vive polarizada pelo Pacífico e pelo Atlântico, por La Paz e Sucre, com as implicações do mito andino vindo do núcleo Aymara e à nostalgia do mar, a velha, Arica dos Incas. Parece, pois, que a alma boliviana é formada pelos contrastes e o mimetismo do Aymara. Participa, sem chegar contudo a exprimi-lo, do grande destino que E. Reclus e E. Huot, viram inscritos em sua geografia monumental; a ação natural de "chave da abóbada orográfica da América do Sul".

f) CHILE

De acordo com o recenseamento de 29/XI/1960 a população chtlena ascendia 7.340.000 habitantes com uma densidade de ocupação de 10,6 hab/kEm2. A estima para 1961 era de 7.827.000. O número de estrangeiros era de 1,7%, notadamente, alemães yugoeslavos, suísso e sul-americanos e o de indígenas 127.377.

A estrutura étnica da população chilena estava representada por 95% de brancos, 2% de índios puros e 3% de mestiços.

O grosso da população, ou seja, 90%, se concentra na área entre Copiapó e Porto Menti, no vale central chileno. Na área de Valparaíso e Santiago se radicaram 22% da população do país, estando outra concentração importante na área de Concepcion. A densidade de ocupação que é de 100 hab/km2 ao norte, decai para 18 hab/km2 na área central. No extremo norte no deserto de Atacama é apenas de 2 hab/ km2 e no extremo sul nas terras geladas é de menos de 1 hab/km2.

A população branca e mestiça se adensa na área central e se dissemina por todo o território. Os índios estão concentrados na área ao sul do Bio-Bio nas Reduções de Cautin 97.332, Mallece 17.896, Valdivia 12.345, Arauco 3.602, Bio-Bio 1.802 e Osorne 229. São araucanos, na grande maioria agricultores, criadores de gado e madeireiros. Da diversidade do povoamento primitivo quase nada mais resta no Chile. O Chile de hoje é uma Nação etnicamente homogênea e um Estado concentrado.

A inflação tem nos últimos anos comprometido a estabilidade social e política do Chile. Mas os valores permanentes de sua cultura cristã, de suas instituições democráticas, das oportunas reformas sociais, opuseram um sólido dique à onda materialista e anárquica que pretendeu sufocar seu progresso e sua prosperidade. O Chile é um centro de cultura aberta a todas as mensagens, mas é, sobretudo, um laboratório de ideias, que soube elaborar um pensamento próprio, que se exprime com felicidade em todos os ramos do saber e que engendra fórmulas de evolução e de progresso dignas de ser meditadas, como a do seu atual socialismocristão.

g) PARAGUAI

De acordo com o recenseamento de 28-X-1950 a população desse país ascendia a 1.408.000 habitantes, incluindo os indígenas com uma densidade de ocupação de 4,5 hab/km2. A estimativa para 1961 era de 1.812.000. O número de estrangeiros é de 4,0%, particularmente, argentinos, suíços e alemães. O número de indígenas é avaliado em 30.000, dos quais cerca de 17.000 vivem no Chaco, onde há uma população de 94.000 e 13.000 na área florestal fronteira ao Brasil.

O grosso da população paraguaia se concentra no triângulo Assunção, Vila Rica, Concepcion, radicando-se na área em torno de Assunção 18% da população.

A estrutura étnica da população paraguaia é representada por 14% de brancos, 2% de índios, 1% de negros e 74% de mestiços. Os brancos estão concentrados na área a este do rio Paraguai e os negros particuiarmente nos centros urbanos, destacando-se Assunção. Os índios estão repartidos pelo Chaco e à área florestal de este. Na sua maioria são civilizados, mas no Chaco vivem algumas tribos em pleno estado selvagem. Os mestiços ocupam os altos postos na administração e na Força Armada do país e constituem seu grupo dirigente atuante.

O Paraguai é uma nação indo-europeia, que guarda ainda hoje traços fundamentais de sua formação humana. O espanhol é a língua oficial, mas toda a população fala o guarani. A Nação paraguaia é etnicamente homogênea, constituída por um povo resistente, sóbrio, altivo, resignado e desconfiado. Modelado por sólida formação cristã pelo isolamento de sua posição geográfica e por férrea disciplina, busca perseverantemente seu destino, num meio pobre, com altivez e decisão. h) ARGENTINA O recenseamento de 30-XI-1960 acusou uma população de 20.009.600 habitantes, incluindo as 3.524 pessoas do Setor Antártico, das ilhas Malvinas e demais ilhas do Atlântico Sul. A estimativa para 1961 é de 231.079.000 com uma densidade-ocupação de 7,6% hab/km2. O número de estrangeiros existentes no país é atualmente de 15,6%, notadamente italianos, espanhóis e alemães.

A estrutura étnica de sua população acusa: brancos 97%, mestiços e mulatos 3%. A população indígena está quase totalmente extinta.

Tomando-se a cidade de Buenos Aires como centro e tendo em vista o espaço abrangido por uma circunferência de 700 km de raio, teremos 22% do território e 68% de população. Nesse espaço encontram-se também 62% do rebanho de bovinos, 85% da produção agrícola, 15% da extensão ferroviária e 84% dos automóveis em tráfego na Argentina e uma forte urbanização, com 715% da população vivendo em cidades.

A Argentina é hoje uma Nação de ascendência nitidamente européia, embora guarde na sua psicologia nacional os traços de sua formação indo-espanhola. A extraordinária força de absorção, que revelou ao longo de dezenas de anos de forte imigração, é verdadeiramente notável. Recebendo um fluxo numeroso de italianos, franceses, alemães, escandinavos, levantinos, se transformou demograficamente, mas não descaracterizou culturalmente. Os filhos de alemães, de franceses, de escandinavos, argentinos de nascimento, já não falam a língua de seus pais, adquiriram os hábitos e os costumes de sua nova pátria e se comprazem em falar de sua velha e tradicional cepa "criolla". Não há problemas raciais e não constitui desonra para ninguém carregar nas veias um pouco de sangue dos calchaquies, dos diaguitas e até mesmo dos bravos e inquietos querandies. Todos os argentinos, mesmo os de data recente, como os filhos de imigrantes, orgulham-se da nacionalidade a que pertencem e das suas tradições espanholas e indígenas. É sintomático sob esse aspecto o fato de o Chefe do Estado, não se chamar, como é usual nas demais Repúblicas, Presidente, da República, mas Presidente da Nação.

A imigração não pôs em perigo a unidade da nacionalidade argentina, antes a enriqueceu com sangue e culturas novas, mantendo-se invioláveis os valores, que fluem de suas origens mais remotas. i) URUGUAI O recenseamento de 12-X-1908 acusou a presença de 1.043.000 habitantes e uma densidade de ocupação de 15,2% hab/km2. A estimativa para 1860 era de 2.846.000 habitantes. O número de estrangeiros existentes no país era de 18%, notadamente espanhóis, brasileiros e italianos. A população indígena não tem expressão.

A estrutura étnica do país acusa 90% de brancos e 10% de mestiços. Grande parte da população, ou seja, 48% se concentra nos Departamentos de Montevidéu, Canelones e Colônias, disseminando-se os 52% restantes pelo interior do país. A população urbana é estimada em 81%. O Uruguai é hoje uma Nação homogênea do ponto de vista étnico, mas há tensões pronunciadas sob aspecto cultural. Em primeiro lugar se aponta o antagonismo entre a intervenção estatal e a livre empresa, em seguida as tendências opostas da liderança política, uma vinculada à sua formação cristã, outra trabalhando pelo materialismo da época, deixando-se arrastar pelo laicismo, ou mais extremadente, ainda, pelo agnoticismo. j) BRASIL O recenseamento de 1-IX-1960 acusou 70.967 habitantes e uma densidade de ocupação de 8,6% hab/km2. A estimativa para 1964 foi de 79.837.000 habitantes. O número de estrangeiros é estimado em 2%, notadamente portugueses, italianos, espanhóis e alemães.

De acordo com o recenseamento de 1950 para uma população de 51.944.000 a estrutura étnica era representada por: brancos 32.028.000, ou seja, 61,7%; negros 5.692.000, ou seja, 11,0%; parda 13.787.000, ou seja, 26,5%; amarela (japoneses 108.000), ou 0,2%. O número de indígenas, segundo o Serviço de Proteção aos Índios, é calculado em 1.244.687, assim distribuídos: Mato Grosso 500.000, Acre 300.000, Amazonas 200.000, Pará 100.000, Goiás 100.000, Maranhão 10.000, Espírito Santo, Bahia e Minas Gerais 10.000, Paraná 10.000, Santa Catarina 10.000, Rio Grande do Sul 2.517 e São Paulo 2.170.

A estrutura étnica das diferentes regiões naturais do país se apresentam conforme o quadro a seguir, com base no recenseamento de 1950. Da análise desses dados e tendo em vista os condicionamentos estudados antes se poderá concluir, que há no Brasil, do ponto de vista étnico: uma área com nítida preponderância da população branca, abrangendo os Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, justamente, aquela, onde se concentrou a massa de imigrantes europeus. Uma área de mestiços, abrangendo os Estados do Amazonas, Pará, Acre, e Territórios de Amapá, Rondônia e Roraima, o interior dos Estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia e os Estados de Goiás e Mato Grosso. Uma área com uma grande mancha mulata e abrangendo a faixa litorânea dos Estados do Maranhão, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Rio de Janeiro, Estado da Guanabara, região central do Estado de Minas Gerais.

ETNIA

REGIÕES FISIOGRÁFICAS (DADOS RELATIVOS %)

A distribuição da população brasileira é muito irregular. As regiões Centro-Oeste e Norte, abrangendo 5,4 milhões de km2 ou seja 75% do território abrigam apenas 4,6 milhões de hab. ou seja 7,1% da População. As demais regiões Nordeste, Leste e Sul abrangendo 25% do território abrigam 93% da população. Além disso nas próprias regiões, relativamente povoadas o grosso da população se condensa na costa, numa faixa de 500 km de profundidade, a qual só ganha maior profundidade no Eixo Vitória-Belo Horizonte-Brasília.

A imensa extensão territorial do Brasil vem sendo o palco desde o descobrimento até nossos dias de um processo de miscigenação e aculturação entre os três "stocks" raciais de caucásicos, negróides e mongólicos, que tem variado de intensidade no tempo e no espaço e que deverá continuar ainda por alguns decênios. A base étnica da raça brasileira foi o português, em seus contatos com os índios e os negros, nos primeiros séculos de nossa formação. Posteriormente, a entrada de imigrantes produziria como efeito étnico o branqueamento dos tipos pardos originais e, demograficamente, o crescimento do efetivo branco.

A base da mestiçagem brasileira foi o mulato. Emergindo dos engenhos, dos talhos mineiros, das fazendas de café, imigrou em grande número para as cidades, onde estudou e trabalhou, conquistando com seu esforco uma lenta, mas segura ascensão na escala social. Sendo inicialmente um tipo marginal, está hoje plenamente integrado na comunidade nacional a ponto de não ser possível distinguilo do branco.

O mameluco emergiu da sociedade pastoril e da bandeirante. Representa aquele tipo resistente, sóbrio, rústico, que varou o Brasil Central, montado nas pirogas de seus ancestrais índios e ocupou o imenso deserto do interior nordestino, tangendo seus rebanhos de bovinos e plantando nas margens dos rios suas fazendas de criar.

Duas zonas permaneceram por largo tempo de nossa formação, marginais no esforço colonizador do português: o extremo norte e o extremo sul. Lá freiou o impulso colonizador à presença hostil da floresta, quase impenetrável, acolá a vigilância implacável e indômita do "castellaño". A floresta, foi um pouco devassada e ocupada pela obra do missionário, mas a falta de continuidade nesse esforço permitiu que ela retomasse todo seu império. Só mais tarde, já fim do século XIX, os nordestinos começaram a imigrar para o Amazonas, atraídos pela borracha e lá se foram transformando em seringueiros, madeireiros, pequenos agricultores é criadores de gado, misturando-se com os índios da área e produzindo novos brasileiros resistentes, bem adaptados ao meio resignados, que mantiveram e ampliaram sua ocupação.

O povoamento do extremo sul iniciado no ambiente de uma luta feroz e sem tréguas com o "castellaño", tem características próprias. Na formação de sua população entravam o mameluco paulista, o mestiço argentino é uruguaio, o açoriano, o soldado espanhol e português, os índios remanescentes das Reduções Jesuítas, resultando o gaúcho, misto de pastor é cavaleiro, de soldado é de civil; com seus hábitos, seus costumes, seu linguajar típico. Foi sobre este fundo multivário e instável, que se vieram depositar, cada vez mais numerosas, as levas de imigrantes brancos, italianos, portugueses, espanhóis e alemães. A princípio con formada a uma região determinada, depois espraiando-se ou contidos por todos os recantos dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Alterou, sem dúvida, o quadro cultural e étnico, influiu nele, mas não o modificou substancialmente. O gaúcho aprendeu com o imigrante, mas sobretudo lhe ensinou a ser brasileiro, a se enquadrar naquela comunidade de fronteira, carregada de tradições guerreiras e de sentimentos livres, mas que soube conciliar no interesse maior e mais alto da Nação, a liberdade com a obediência, o sentido aventureiro da vida nos descampados, com a disciplina social aa pela paz e prosperidade da Nação.

IV. Apreciação final

Segundo André Siegíriea se podem distinguir na América do Sul: Uma América branca, com ascendentes, predominantemente, do "stock" caucásico, cujo ponto alto está na Argentina com seus 97% de brancos e uma minória, de mestiços, se estendendo para-este ao Uruguai onde a fusão superou à base de 60% de sangue branco e 40% de índio, produzindo 90% de brancos atuais a-oeste para o Chile, com seus 985% de brancos e para nordeste ao-sul; do Brasil, com seus 84% de brancos ,nos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Uma uma unidade física, cada um deles apresenta a rigor um grande variedade de tipos físicos, mesmo entre os mais, homogênicos.

O mesmo se poderá dizer em-relação ao processo transculturativo. Os mesmos grupos, que participaram do processo étnico, apresentavam vários graus de cultura panorama esse que foi agravado com a entrada de grupos étnicos não ibéricos, como alemães, italianos, poloneses, russos, libaneses e até mesmo japoneses.

O que há em verdade na América do Sul atual, como de resto em toda América Latina, é o pluralismo étnico e cultural. E nesse pluralismo é possível distinguir além das diferenças de níveis culturais, e que "se convencionou chamar "a simultaneidade de tempos culturais", expresso por populações indígenas, vivendo uma época pré-colombiana, populações rurais em níveis atrasados de cultivo, populações semi-urbanas sem noções de bem-estar, higiene e conforto e populações urbanas em conflito com técnicas e conquistas mal assimiladas ao lado de outros com pleno domínio do desenvolvimento técnico.

Na realidade é este o problema mais sério a enfrentar, pois a pluralidade étnica e cultural, conduzirá, sem dúvida, ao estudo de soluções bem adequadas a cada situação e não à solução global para o problema mesmo no quadro de cada país. As diferenças étnicas, a diversidade cultural, a vida em tempos culturais diferentes, é o desafio, que a América do Sul lança a suas elites. Nada de soluções simplistas e globais. Nada de figurinos importados e fórmulas utópicas. Mas o estudo frio, sistemático e perseverante de cada situação e dos próprios matizes existentes dentro dela. Aqui será preciso avançar, ali será preciso manter a situação, acolá será aconselhável, mesmo, retroceder. Só assim, com prudência, frieza de analista e obcessão de crente, se poderá pensar na universalização da cultura sulamericana, como base para seu desenvolvimento e esperança de felicidade para suas populações. O trabalho que vai se ler, reveste-se de particular importância, não só pela autoridade eminente do autorantigo Chefe da Seção de História Militar da ECEME -como pelo relevo do tema focalizado. Para compreender-se a filosofia de nossas lutas, internas e externas, um dos aspectos de grande expressão será, sem dúvida, a psicologia do Homem brasileiro, suas virtudes, seus defeitos, sobretudo suas peculiaridades emocionais.

BIBLIOGRAFIA

Só assim poderemos compreender seu comportamento na fase colonial, de que as lutas contra os holandeses, assim como o aventurismo bandeirante, são exemplos significativos. Ou, ainda, sua atuação trepidante, movimentada, contendo muita vez a pigmentação caudilhesca nos embates que se desenrolaram no Sul, mas invariavelmente consoante o anseio regional e nacional. Tudo se refletindo, mais tarde, na Guerra do Paraguai, nas Revoluções Republicanas e, mesmo, durante a Campanha da FEB na Itália, onde afloram excelentes oportunidades para fixação psicológica no nosso combatente, e que deverá certamente influir nos estudos que se fizeram, visando a uma estruturação doutrinaria para as Forças Terrestres do Brasil.

No presente estudo, o então Ten. Cel. Flamarion trata da Campanha de Canudos, repositório de um sem números de ensinamentos, de toda ordem.

A. Raposo Filho

A psicologia do combatente não se pode inscrever na esfera da psicologia normal, sendo difícil, para não dizer impossível, predizer com segurança qual será o comportamento de um homem médio, participando ativamente de uma guerra, por mais estáveis que sejam suas reações.

Sem dúvida o homem médio de qualquer raça, cultura, crença, possui uma plasticidade mental incrível, podendo adaptar-se a qualquer situação, desde que esteja convencido da necessidade de fazê-lo. Se estiver incorporado no estado emocional do grupo, que aceitou ou pretende provocar a guerra, essa adaptação não será difícil. Mas, ao contrário se não se convenceu da necessidade de fazer a guerra, aceitando apenas suportá-la com resignação, estará desajustado, indagando frequentemente de seus "porquês", ou reagindo com uma série de "poréns". Num ou noutro caso, submergido por situações anormais, o mais que se poderá prever é que a anormalidade seja a regra geral de seu comportamento.

Pode-se, no entanto, estabelecer com bastante precisão, algumas constantes de seu comportamento e, por via delas, os limites em que poderão variar suas emoções básicas: de defesa-medo, ataque-cólera, criação-amor. Assim sendo, convirá antes de entrar no exame do fato histórico, que pretendemos estudar, precisar o que entendemos por combatente sob o ponto de vista psicológico e investigar algumas das condicionantes de seu comportamento em combate.

O COMBATENTE

No "Dicionário Militar para Operações Combinadas" se encontram as seguintes definições:

-"Tropa -Termo coletivo que designa o pessoal de uma organização militar (não aplicável a marinheiros embarcados)'".

-"Tropa combatente -Pessoal organizado, equipado e treinado para cumprir missão de combate".

Dessas definições poderemos concluir que a Tropa só recebe o qualificativo de combatente, quando se desuna a cumprir uma missão de combate, que pode ou não, ser efetivada e independente de sua situação no Teatro de Guerra. Igualmente, nos parece acertado concluir, que com-batente é o soldado que tem como missão principal e específica combater, isto é, que está destinado principal e permanentemente à luta armada com o inimigo.

Mas, sob o ângulo psicológico o que importa não é o que o indivíduo deve fazer, mas as emoções que lutam dentro dele para definir a resultante de sua atitude, em face da situação que defronta. Um soldado na primeira linha está mais sujeito ao medo, que outro operando um posto de suprimento. Mas o primeiro tem junto a si muitos companheiros, está apoiado por um armamento poderoso, se sente membro de uma organização potente; enquanto o segundo está mais ou menos isolado, trás um armamento mais leve, não se sente tão integrado na organização a que pertence. Logicamente o primeiro terá mais medo, mas se sentirá mais confiante, enquanto o segundo terá menos medo, mas se sentirá menos seguro. Qual a reação psicológica, que terão ambos, em face de um ataque aproximado? Só a realidade poderá responder com segurança a essa pergunta.

Assim sendo, nos parece conveniente, num estudo psicológico do combatente, nos atermos mais ao exame das situações que condicionarão suas emoções básicas, do que à missão que recebeu.

TIPOS DE COMBATENTES

Admite-se facilmente a existência de três tipos combatentes: o mercenário, o conscrito, o voluntário. Três palavras podem também definir o traço dominante na psicologia de cada um deles. O mercenário, o soldo; o conscrito, o dever; o voluntário, a causa. O mercenário faz a guerra por dinheiro. Fixa o preço de uma tarefa, executa-a e a cobra. Serve a quem melhor o pague e o submeta a menores riscos. O conscrito faz a guerra como uma obrigação, por imposição da Lei. É dominado pelo dever a que se poderá juntar a resignação, a firmeza e, até mesmo, a exaltação.

O voluntário é uma convicção em marcha. Integra-se na luta para obter o triunfo de um ideal. Quando essa convicção deixa de ser racional para se transformar numa mística, o voluntário poderá transmudar-se num fanático. Se perde o impulso idealista e permanece na fileira acabará como um mercenário, trocando o ideal pelo soldo.

Psicologicamente, o combatente que está melhor predisposto para adaptar-se às condições especiais de uma guerra é o voluntário. E é natural que seja assim, pois já traz na sua personalidade, como convicção profundamente enraizada, as razões que reclamarão e justificarão sua adaptação a essa situação, as quais funcionarão como lubrificante de suas reações.

O COMBATE

O ambiente em que se desenrola o combate moderno é de um vazio cheio de ruídos e de luzes aterrorizantes. Vê-se pouco o inimigo, mas veem-se e ouvem-se muito bem as manifestações de sua presença. O perigo parece estar em toda parte e, especificamente, em parte alguma. Pode estar no chão que se pisa, no ar que se respira, no horizonte que se perscruta. Tudo é incerto. O que há de definitivo, mas impalpável é o sentimento do desconhecido, do inesperado, do imprevisível. Agrava-o a solidão que cerca geralmente o combatente moderno. Dispersos, enterrados nos seus buracos, perdidos no meio do fumo ou dos nevoeiros artificiais, os companheiros não são facilmente visíveis e quando o são, se reduzem à pequena equipe habitual. E como é confortador ouvir-se, próximo, uma voz amiga ou lobrigar-se, na curta corrida de um lanço, um vulto conhecido. E como é tentador deixar-se ficar para trás, aconchegado àquela depressão acolhedora do terreno, enquanto a tempestade de ferro e fogo estrondeia e se abate em derredor. Nenhum oficial está por perto, nem mesmo um graduado. Ficar para trás como aconselha o instinto de conservação, ou avançar como o impõe o dever? Esse o dilema que defronta o combatente moderno, esse o drama emocional que nesse ou noutro matiz, vive diariamente. De que dependerá sua resposta? Investiguemos.

A Arte da Guerra evoluiu muito, mas o homem mudou pouco. O poder de destruição do armamento cresceu, o campo de batalha ganhou novas e maiores dimensões, o perigo da morte se tornou mais frequente e mais permanente, mas o Homem continua sendo, como o foi antigamente, o instrumento primário do combate. E hoje, como ontem, não luta por prazer, mas para assegurar a vitória que julga justa ou necessária. E todo seu engenho se tem concentrado em assegurar o triunfo e poder gozá-lo, isto é em matar o inimigo, correndo o menor risco de morrer.

Sua capacidade combativa, sua agressividade resultarão, pois, em grande parte, da certeza que tiver de sua superioridade sobre o inimigo, da possibilidade que estimar de triunfar sobre ele. A potência de que dispuser o combatente está assim, intimamente associada à sua agressividade, à sua vontade de lutar. E como a medida dessa potência depende essencialmente de uma avaliação individual, percebe-se facilmente como podem ser diferentes a agressividade dos indivíduos armados do mesmo modo quando apreciado e comparada isoladamente.

Buscou-se, então, substituir esses componentes tão díspares, por uma resultante que, compensando os mínimos e máximos das avaliações individuais, integrasse a força de cada um na potência coesa e disciplinada do conjunto. Já não há então indivíduos, mas grupos unificados pela solidariedade, hierarquizados pela subordinação de uns a outros, todos vitalizados pelo sentimento do dever, pelo espírito de sacrifício, pela necessidade de fazer vitoriosa a causa comum. Dominando o grupo um Chefe deve zelar para que a agressividade de todos os combatentes se integre na do grupo de que são parte e que ele corporifica.

O instinto de conservação individual ficará assim amortecido por um critério moral, que deve ser um ponto de honra. Já não se trata de uma luta de indivíduos, mas do grupo de que participam. A fuga do indivíduo ao combate já não é apenas vergonhosa, mas infamante, porque implica no abandono do Chefe e dos companheiros. É traição. O problema se transmuda: já não é apenas o de assegurar a vida, mas as razões de viver.

Esse homem coletivizado em face de uma tropa disciplinada é, naturalmente, um valente, porque substituiu sua coragem individual pela do grupo que o enquadra. Mas em luta com outra organização também coesa e poderosa o instinto de conservação retoma nele todo o império. Cumpre, pois fortalecer o elemento que se lhe opõe, o sentimento do dever. E isso se fará espicaçando-o, com estímulos adequados, apoiando suas imposições com sanções que a inobservância dele acarretará. Substituiu-se assim o horror da morte por um horror maior: o horror ao castigo, à desonra, ao desprezo público. Mas há sempre a possibilidade de que o horror natural sobrepuje o horror moral, sobrevindo então o pânico.

Do que, dissemos poderemos concluir que a capacidade combativa do indivíduo está intimamente ligada à organização, à disciplina e à potência do grupo de que é membro, e ao valor do chefe que o encarna. Inicialmente, e, sobretudo, é necessário que o combatente esteja convencido de que defende uma boa causa e de que seu triunfo é possível. Obtido esse primeiro resultado é preciso dar-lhe chefes decididos, firmes e enérgicos, que lhe possam servir de exemplo no cumprimento do dever. Dar-lhes as melhores armas e ensinar-lhe os melhores processos de empregálas. Apoiá-lo fisicamente, cuidando de sua saúde, de seu conforto, de seu bem-estar; animá-lo com paixões elevadas, como o anseio pela independência, o sentimento religioso, o amor à glória; estimular incansavelmente o seu sentimento do dever, que é em última análise o liame que o liga aos chefes e aos companheiros.

O Professor Myra y Lopez, estudando nas emoções básicas do combatente, assim apoiado e organizado, alinhou os seguintes fatores que o influenciam:

(a) Defesa-medo:

-Ausência de direção ou de comando.

-Exaustão física e mental decorrente de excesso de ruídos e de luzes; de silêncio ou solidão; imprecisão do perigo e temor de que esteja cercado pelo inimigo; receio de armas desconhecidas.

-Falta de um plano definido de ação, resultando na insegurança de quem não sabe como agir em face de uma situação determinada.

(b) Ataque e cólera:

-Agressividade constitucional resultante da saúde física e mental do temperamento, da educação, etc.

-Poder de autodomínio, que anula ou amortece os temores imaginados.

-A prévia disposição afetiva, consequente do maior ou menor convencimento da necessidade de realizar a ação.

-A proximidade do inimigo no tempo e no espaço.

-O suposto poder agressivo do inimigo.

-Experiência prévia quanto às possibilidades de triunfar sobre o inimigo ou de ser por ele derrotado.

-Vantagens pessoais de enfrentar ou iludir o inimigo.

TENDÊNCIAS PSICOLÓGICAS DO COMBATENTE

Submergido por esse conjunto de forças antagônicas e sumamente variáveis, qual serão, de um modo geral, a tendência da conduta do combatente? É certo que, antes de tudo, ele é um animal normal como atestam os seus caninos bem a mostra. E sendo-o, sua reação deveria subordinar-se a fórmula simplificadora de que o forte sobreviverá ao fraco.

Mas é também uma alma, uma pessoa, que discrimina, compara, pesa e julga valores espirituais e morais. Seus pés estão firmemente plantados na terra, mas sua alma está permanentemente voltada para Deus.

Desse modo não pode ser apenas uma expressão da luta pela existência, mas, é, sobretudo, o resultado de uma luta da existência. Síntese de perpétuas e oscilantes antinomias é uma expressão de forças em conflito e sua conduta uma resultante inevitável delas.

A primeira consequência de fato, mergulhado o combatente no mundo novo da Guerra, será seu rompimento com todo um passado de hábitos, de sentimentos, de opiniões, de crenças, de preconceitos e seu encontro com o imprevisto, o desconhecido, o inesperado. Não sabe em uma hora determinada, o que lhe poderá acontecer noutra. Estão superadas suas reações habituais. Adaptandose formulará novos planos, adquirirá novos hábitos, adotará novas atitudes, esforçando-se por trabalhar e produzir com a mesma eficiência física e mental anteriores. E isso exigirá dele inteligência, iniciativa plena liberdade de pensar e de agir.

Mas, nesse ponto, absorve-o a máquina militar, constringindo-o e tolhendo-o nas malhas rígidas de sua organização e disciplina. Deve evitar cuidadosamente certos perigos e enfrentar decididamente outros. Deve estimar os companheiros e ser capaz de denunciar qualquer delas em caso de traição ou derrotismo; respeitar os superiores, mesmo aqueles que lhe pareçam não merecê-lo; obedecer cegamente às ordens mais extravagantes e possuir espírito crítico, determinação própria, raciocinar; comportar-se como um selvagem, ou uma besta feroz, e meia hora depois, como um indivíduo educado. Deve, em suma, ser um perfeito ginasta mental, admitindo-se continuamente às mais diversas situações e continuar lúcido, equilibrado, eficiente.

A existência nesse estado conduz naturalmente às condições emotivas da vida primitiva, em que as paixões negativas do medo e da cólera predominam sobre os estímulos criadores da simpatia e da compreensão. O combatente tenderá então para o abandono das emoções generosas e elevadas, substituindo-as pelas reações instintivas e naturais, afetivamente irracionais, caracterizadas por atos extremos. Progressivamente sua conduta passará a inspirar-se na Lei do "tudo ou nada", que se traduz praticamente por completa insensibilidade a certos estímulos e pronta e agressiva reação a outros, sem meios termos repousantes. Todos os que fizeram a guerra sentiram em si ou observaram nos outros essa tendência, que se manifesta primeiro no desleixo do uniforme, no abandono de certas práticas higiênica, para se fixar depois em ásperas e agressivas demonstrações de ceticismo de desprezo pelas normas convencionais, justificadas pelo conceito de que "a guerra é assim". O COMBATENTE BRASILEIRO NA "CAMPANHA DE CANUDOS" Esboçados esses aspectos gerais da psicologia do combatente e caracterizados os principais fatores que condicionam suas reações básicas, apreciaremos a conduta de combatentes brasileiros em duas ações de Campanha de Canudos, ocorridas em 1897. Sem dúvida, a Campanha de Canudos, não foi uma Guerra, no sentido que lhe pretendemos dar nas observações anteriores, mesmo encarada sob o aspecto restrito de uma guerra civil. Ali se defrontaram, com efeito, de um lado algumas Unidades do Exército Nacional, no cumprimento de uma missão mais policial que militar e, de outro um grupo de sertanejos ignorantes, sem organização, armamento e comando regulares, que tinham como denominador comum, apenas, o fanatismo religioso e a obediência incondicional de um chefe espiritual. Tratava-se, pois, mais de uma expedição punitiva, que visava dispersar e destruir um agrupamento social heterogêneo e espúrio, do que de uma luta armada entre forças regulares.

Mas o caráter especial da ação bélica não invalidará as observações que fizermos sobre o comportamento dos combatentes que dela participaram, contribuindo no revés, para esquematizar melhor as reações que apresentaram, pois nela se empenharam bem definidos, os dois principais tipos de combatentes: o voluntário e o conscrito.

O primeiro representado pelo fanático religioso, que entrou no conflito em defesa de suas crenças, movido mais pelo desejo de sacrificar-se, do que pela vontade de destruir o inimigo. Buscava mais o martírio, do que a destruição. O segundo é o soldado do tempo de paz, conscrito no sentido psicológico, porque jungido ao dever de servir, mas no fundo um mercenário, pois visava fundamentalmente ao soldo. Obedecendo ordens deixou o conforto e a segurança relativos de seus quartéis, para o que julgava ser um passeio militar, uma excitante e rápida aventura.

De ambos os lados nenhuma excitação psicológica anterior. Em jogo, apenas interesses que sentiam, mas não compreendiam bem.

Mas, dos dois lados, o Homem é o mesmo. É o mestiço brasileiro, com suas taras atávicas, seus desencontros emocionais, sua fanfarronice e petulância costumeiras, mas, servido por uma incrível capacidade de adaptação, uma natural vocação para a guerra, um admirável espírito de luta.

Fixados os tipos dos combatentes e reavivados os seus traços psicológicos principais passemos aos fatos.

"A LÉGIO FULMINATA DE JOÃO ABADE" Canudos, uma fazenda velha, perdida numa curva do Vasa Barris, em pleno sertão baiano, ganhara, no ano de 1896, triste notoriedade, como valhacouto de bandidos que dali partiam para assaltar e depredar as vilas vizinhas, executar empreitadas particulares ou políticas, a soldo do coronelismo sertanejo.

Atraídos pela auréola mística de Antônio Conselheiro, um paranoico bronco e esperto, ali se tinham reunido com o crente fervoroso, o bandido nômade e o assassino contumaz, constituindo-se uma população heterogênea nas mais baixas condições sociais. Jungidos, porém, ao prestígio do evangelizador primitivo, esses voluntários da miséria e da dor, formavam um clã dominado por uma psicose coletiva, que a levava a aceitar como infalíveis às decisões irrevogáveis desse chefe natural.

"O sertanejo simples transmudava-se, penetrando-se, no fanático destemeroso e bruto. Absorvia-o a psicose coletiva. E adotava ao cabo, o nome até então consagrado aos turbulentos da feira, aos valentes das refregas eleitorais e saqueadores de cidades: jagunço". Suas armas eram o facão de folha larga e forte, o ferrão de picar a rês empacada, a parnaíba longa e esguia como uma lanceta, o cacete nodoso de jucá, a espingarda de caça e raros clavinotes e bacamartes boca de sino.

Depois de diligências infrutíferas da polícia estadual, pensou-se numa expedição militar regular para extirpar aquele cancro social, que ameaçava infeccionar o sertão inteiro.

Em 12 de janeiro de 1897, essa expedição, constituída dos 9°, 26° e 33° Batalhões de Infantaria, sediados, respectivamente, em Aracajú, Maceió e Salvador, reforçados por 2 canhões Krup, 2 metralhadoras Nordenfelt, com suas guarnições, e 200 homens da Polícia baiana, partia de Monte Santo, em busca de Canudos, sob o comando do Major João Febrônio.

No dia 17, tinha atingido Rancho das Pedras, a 12 km de arraial de Canudos. Para alcançá-lo cumpria atravessar um desfiladeiro. Estreito e profundo da Serra do Cambaio, por onde no dia seguinte se engolfou essa força numa longa e serpejante coluna. De repente, o inimigo até então invisível, rebentou do chão num estralejar de tiros esparsos e rouquejar de gritos e impropérios, em que os vivas ao Senhor "Bom Jesus" e ao "nosso Conselheiro", alternavam com a frase provocadora e pejorativa "avança fraqueza do Governo". De uma ponta a outra a coluna estava sob o fogo do inimigo.

A surpresa foi total. Mas o comando da tropa se impôs e pouco mais tarde, a Artilharia, em posição, bombardeava a queima roupa os sertanejos, que debandaram tontos, numa dispersão instantânea. Continuou a marcha, reorganizado o dispositivo.

Pequenos grupos inimigos flanqueavam a coluna de um e outro lado do desfiladeiro, correndo pelos cimos, aparecendo e desaparecendo, mas sempre hostilizando-a. Outros, constituídos de 3 a 4 homens, abrigados em boas posições de tiro alvejavam-na. Como as armas eram poucas empregavam um ardil. Enquanto um atirador único disparava imperturbável a arma, os outros carregavam os clavinotes e espingardas disponíveis. Se esse atirador era abatido, outro o substituía célere e um novo busto, que para o inimigo era sempre o mesmo, ressurgia indistinto, disparando com precisão sua espingarda ou clavinote. Era como se a posição de tiro fosse ocupada por um atirador fantásticos e invulnerável, que abatido, ressurgisse assombroso e terrível.

Mas, essa era uma luta desigual, pois os tiros da defesa pelo alcance das armas não atingiam os atacantes, e após três horas de luta aconteceu o inevitável. O caminho foi aberto, balizando-o 150 cadáveres de sertanejos. As perdas das forças regulares eram de 4 mortos e uma vintena de feridos sem gravidade. A marcha prosseguiu e ao anoitecer, a força acampou nos Taboleirinhos, tendo os sedentos e famintos corridos em desordem para molharem os rostos afogueados e as gargantas ressequidas, nas águas paradas e lodosas da Lagoa de Cipó. Depois, no desleixo das fadigas acumuladas e na ilusão do triunfo recente, adormeceram.

Os jagunços, fervilhando na caatinga, rodearam o acampamento, vigiando sem ruído aquele sono profundo.

Na manhã seguinte, a coluna tomou o dispositivo de marcha. E, nesse ponto, passemos a palavra a Euclides da Cunha, para não per-dermos no sabor de sua prosa magnífica, a fotografia do que se seguiu. las, naquelas aperturas estabeleceu separação completa. Subiu com meia dúzia de fiéis para os andaimes altos da igreja nova, e fez retirar, depois, a escada.

O agrupamento agitado ficou embaixo, imprecando, chorando, rezando. Não olhou sequer o apóstolo esquivo, atravessando impassível sobre as tábuas que infletiam, rangendo.

Atentou para o povoado revolto, em que se atropelavam, prófugos, os desertores da fé, e preparou-se para o martírio inevitável... Neste comenos sobreveio a nova de que a força recuava. Foi um milagre. A desordem desfechava em prodígio."

UMA EXPLICAÇÃO DO FATO Este o fato desconcertante. No combate do morro do Cambaio, desprezo pela morte, o heroísmo sem testemunhas, a bravura sem par; na marcha para os Taboleirinhos o apego à vida, o medo paralisante, o pânico incontrolável, apesar da ausência física do inimigo. Os homens eram os mesmos, a organização, o armamento os chefes, os interesses. Não mudaram. E, no entanto, a conduta individual ou coletiva tão diametralmente oposta. Tentemos a explicação.

Observemos em primeiro lugar que os combatentes eram ignorantes os supersticiosos, o que ampliava e dilatava os limites de sua credulidade. Batiam-se por motivos sobrenaturais, que não se apoiavam na razão, mas no sentimento. Não defendiam um princípio, um direito, um interesse material; mas a fé, inconsciente e irracional. O prêmio que os sustentava e animava. O prêmio que ambicionavam e que acreditavam certo não pertencia a este mundo, mas a outro, que criaram nos seus espíritos embrutecidos. Absorvidos por essa mística viam a morte como uma libertação. Libertação das misérias deste mundo; ingresso no reino da felicidade eterna. O preço dessa transição era a morte, o sacrifício, o martírio. Nessas condições o instinto de conservação estava intimamente submergido pelo sentimento da fé e perdera todo seu poder. O perigo não os afastava, atraia-os. A morte não os horrorizava, fascinava-os.

No Cambaio, havia ainda a certeza do perigo representado por aqueles soldados bem armados e por aqueles canhões tonitruantes. E como parecia pequeno, em face do temor a uma condenação eterna, aos suplícios infernais.

Era necessário não perder a oportunidade de pagar tão pouco, para ganhar tanto. E vimos, então, um João Grande, herói alucinado, lançar-se indefeso sobre uma peça de Artilharia e cair esviscerado por um de seus tiros disparados à queimaroupa.

Na marcha para os Taboleirinhos o quadro psicológico era ainda o mesmo. Apenas o inimigo estava distante.

De repente começaram a cair mortos ou feridos, como se os abatesse uma mão invisível, aqueles filhos diletos da Providência. Quem os feria assim? O inimigo distante, de quem ignoravam o alcance das armas, ou a mão de Deus, que os abandonava retirando-lhes a proteção de sua Graça. A resposta rebentou na consciência de cada um, como uma revelação. Deus os condenara.

Desmoronava-se, assim, em segundos, a armadura psicológica que os sustentava.

O julgamento estava feito e lhes fora desfavorável. O sacrifício se tornava inútil, perdera seu objetivo. O instinto de conservação recuperou todo seu domínio, o medo apareceu com a máxima violência, paralisando mesmo as reações habituais com o abrigar-se, ou dispersar-se. E houve o pânico.

À margem do episódio será interessante assinalar o aparecimento dos chefes naturais; a fertilidade da imaginação suprindo a deficiência do armamento; a lealdade para com o inimigo que teve seu sono respeitado. E dominando tudo, o espírito combativo, que não se escorava na superioridade material e moral, fundamentando-se na bravura espontânea, no heroísmo natural, na coragem sem cálculo.

SEGUNDA EXPEDIÇÃO A CANUDOS

A nova do insucesso imprevisto e humilhante da expedição do Major Febrônio repercutiu na Capital da República como uma bofetada. E para liquidar a questão o Governo decidiu enviar contra os fanáticos de Canudos uma força poderosa, convidando para comandá-la um dos oficiais de maior reputação e prestígio no Exército, o Cel. Antônio Moreira Cezar, recém vindo de Santa Catarina, onde granjeara renome excepcional de coragem, tenacidade e energia.

Tomamos do retrato, que dele fez Euclides da Cunha, os traços psicológicos que se seguem.

"Os que pela primeira vez o viam custava-lhes admitir que estivesse naquele homem de gesto lento e frio, maneiras corteses e algo tímidas, o campeador brilhante, ou o demônio crudelíssimo que idealizavam. Não tinha os traços característicos nem de um, nem de outro. Isto, talvez, porque fosse as duas coisas ao mesmo tempo. Justificam-se os que o aplaudiam e os que o invectivavam.

Naquela individualidade singular entrechocavam-se, antinômicas, tendências monstruosas e qualidades superiores, umas e outras no máximo grau de intensidade. Era tenaz, paciente, dedicado, leal, impávido, cruel, vingativo, ambicioso. Uma alma proteiforme constrangida em organização fragílima. (...)

Assim, era um desequilibrado. Em sua alma a extrema dedicação esvaíase no extremo ódio, a calma soberana em desabrimentos repentinos e a bravura cavalheiresca na barbaridade revoltante.

Tinha o temperamento desigual e bizarro de um epilético provado, encobrindo a instabilidade nervosa de doente em placidez enganadora."

Esse o Chefe da expedição no julgamento de Euclides da Cunha. Aceitando o convite, o Cel. Moreira Cezar partiu para a Bahia, em 5 de fevereiro de 1897, com o Batalhão de seu comando o 7° de Infantaria, a melhor Unidade do Exército, o 2° Regimento de Artilharia sob comando do Cap. José Agostinho Salomão da Rocha e um Esquadrão do 9° Regimento de Cavalaria "Homens de todas as cores, amálgamas de diversas raças, parece que no sobrevir dos lances perigosos e no abalo de emoções fortíssimas lhes preponderam, exclusivas, no ânimo, por uma lei qualquer de psicologia coletiva, os instintos guerreiros, a imprevidência dos selvagens, a inconsciência do perigo, o desapego à vida e o arremesso fatalista para a morte.

Seguem para a batalha como para algum folguedo turbulento. Intoleráveis na paz que os molifica, e infirma, e relaxa; inclassificáveis nas paradas das ruas, em que passam sem garbo, sem aprumo, corcundas sob a espingarda manejada, a guerra é o seu melhor campo de instrução e o inimigo o instrutor predileto, transmudandoos em poucos dias, disciplinando-os, enrijando-os, dando-lhes em pouco tempo, nos exercícios extenuadores da marcha e do combate, o que nunca tiveram nas capitais festivas -a altivez do porte, a segurança do passo, a precisão do tiro, a celeridade das cargas. Não sucumbem à provação. São inimitáveis no caminhar dias a fio pelos mais malgrados caminhos. Não bosquejam a reclamação mais breve nas piores aperturas; e nenhuns se lhes emparelham no resistir à fome, atravessando largos dias à brisa, segundo o dizer de seu calão pinturesco. Depois dos mais angustiosos transes, vimos valentes escaveirados meterem à bulha o martírio e troçarem, rindo, com a miséria.

No combate é desordenado, é revolto, é turbulento, é um garoto heroico e terrível, arrojando contra o adversário, de par com a bala ou a pranchada, um dito zombeteiro e irônico. (...) Bate-se, então, sem rancor, mas estrepitosamente, fanfarrão, folgando entre as cutiladas e as balas, arriscando-se doidamente, barateando a bravura. Fá-lo, porém, de olhos fixos nos chefes que o dirigem e de cuja energia parece viver exclusivamente. De sorte que a mínima vacilação daqueles tem, de chofre, extintas todas as ousadias e cai num abatimento instantâneo salteado de desânimos invencíveis."

O ATAQUE

Às onze horas a expedição chegou aos Angicos. E em vez do repouso anunciado receberam do Chefe o convite para almoçarem em Canudos. Aceitaram com gritos entusiásticos, atirando os bonés para o alto.

Meia hora depois infantes dispersos em linhas de atiradores desciam o alto da Favela em direção da marcha acinzentada do arraial. A artilharia fez dois disparos a guisa de cartão de visita. Respondeu-lhes do alto da torre da igreja velha o sino pequenino tocando rebate. E logo depois a luta começou. Dispersa em conflitos parciais, afundou-se no casario desencontrado, emergiu nos altos desnudo, tumultuosos, intermitente, incontrolado. Cercado por seu Estado-Maior o Coronel Moreira Cezar viu seus Batalhões divididos dispersarem-se em pequenos grupos perdidos e nos meandros do terreno atormentado, no labirinto das vielas irregulares, varejando, revolvendo, queimando os casebres imundos. Mas, viu também que os fanáticos não esmoreciam, resistindo nas trincheiras nos buracos, nos altos, em toda parte. Decidiu então lançar o Esquadrão de cavalaria naquele terreno empinado em corcovas ásperas, apertados em corredores estreitos, cortado no leito de águas encaixadas. Partiu a carga. Mas os cavalos não conseguiram vencer essas dificuldades, refugaram, empinaram, tomaram os freios nos dentes e voltaram à linha de partida. O chefe indignado lançou-se na direção deles gritando: -"Eu vou dar brio àquela gente". Galopou pouco. Colheu-o uma bala bem dirigida e ele caiu desemparado sobre o arção dianteiro do selim, ferido no ventre. Assumiu o comando o Coronel Tamarindo entrechocado e surpreso.

Aproximando a noite começou o refluxo dos atacantes, decepcionados perseguidores de uma vitória fácil e certa que lhes fugira por entre os dedos, vindos aos grupos ou isolados, não se sabe donde, extenuados, trôpegos, transformando as armas em bastões. Foram se acumulando junto às posições de Bateria com se buscassem no aço daqueles canhões a têmpera que sentiam fugir-lhes da alma. Inconformados, arrasaram-nos mais tarde para longe, afastando-se dos sertanejos, que no momento tiveram os rudes chapéus de couro, descobrindo-se no som do Ângelus, enquanto disparavam a última descarga.

À noite, já no acampamento improvisado, o Coronel Tamarindo, em Conselho com os oficiais, tendo obtido a unânime aprovação deles, decidiu retirar no dia seguinte. Cientificado dessa decisão, o Coronel Moreira Cézar exigiu que se lavrasse uma ata da reunião havida, consignando nela seu protesto formal e a promessa de que fosse efetivada abandonaria a carreira das armas. A altivez do Chefe ferido, que recebia seu último golpe, não convenceu a oficialidade e a decisão foi mantida, dando-se as ordens consequentes. A repercussão sobre os soldados foi terrível.

E vindo de baixo das brasas das palhoças, queimadas, subiu uma ladainha triste e dolente, estropeada nos Kiries lamentosos e roucos, envolvendo a soldadesca apreensiva, como uma advertência significativa. Pela madrugada correu comovida e aterradora a nova de que o Coronel Moreira Cezar morrera.

O PÂNICO

Aos primeiros clarões da manhã a Vanguarda se pôs em marcha, seguida pelas ambulâncias, os cargueiros, os feridos e, numa padiola, o coroo do Chefe morto. Lego depois foi rudemente atacada de todos os lados pelos jagunços que saltavam de dentro do mato num vozerio infernal, enquanto o sino da igreja velha tocava rebate e toda a população de Canudos, velhos, mulheres, crianças trepadas nos morros próximos, comtemplava a cena "dando ao trágico do lanço a nota galhofeira e irritante de milhares de assobios estridentes, longos, implacáveis". E na descrição de Euclides da Cunha:

"E foi uma debandada. Oitocentos homens desapareciam em fuga, abandonando as espingardas; arriando as padiolas, em que se estorciam feridos: jogando fora as peças de equipamento; desarmando-se; desapertando os cinturões, para a carreira desafogada; e correndo, correndo ao acaso, correndo em grupos, em bandos erradios, correndo pelas estradas e pelas trilhas que as recortam, correndo para o recesso das caatingas, tontos, apavorados, sem chefes...

Entre os fardos atirados à beira do caminho ficará, logo ao desencadearse o pânico -tristíssimo pormenor! -o cadáver do comandante.

(...) Apenas a artilharia, na extrema retaguarda, seguia vagarosa e unida, solene quase, na marcha habitual de uma revista, em que parava de quando em quando para varrer a disparos as margens traiçoeiras; e prosseguindo depois, lentamente, rodando, inabordável, terrível.

A dissolução da tropa parara no aço daqueles canhões cuja guarnição diminuta se destacava maravilhosamente impávida, galvanizada pela força moral de um valente.

(...) A bateria afinal parou. Os canhões, emperrados, imobilizaram-se numa volta do caminho... O coronel Tamarindo, que volvera à retaguarda, agitando-se destemeroso e infatigável entre os fugitivos, penitenciando-se heroicamente, na hora da catástrofe, da tibieza anterior, ao deparar com aquele quadro estupendo, procurou debalde socorrer os únicos soldados que tinham ido a Canudos. Neste pressuposto ordenou toques repetidos de "meia volta, alto!". As notas das cornetas, convulsivas, emitidas pelos corneteiros sem fôlego, vibraram inutilmente.

(...) Debalde alguns oficiais, indignados, engatilhavam revólveres ao peito dos foragidos. Não havia contê-los. Passavam; corriam; corriam doidamente; corriam dos oficiais; corriam dos jagunços; e ao verem aqueles, que eram de preferência alvejados pelos últimos, caírem malferidos, não se comoviam. O capitão Vilarim batera-se valentemente quase só, e ao baquear, morto, não encontrou entre os que comandava um braço que o sustivesse.

As notas das cornetas vibravam em cima desse tumulto, imperceptíveis, inúteis...

Por fim cessaram. Não tinham a quem chamar. A infantaria desaparecera... (...) Logo adiante, na ocasião em que transpunha a galope o córrego do Angico, o coronel Tamarindo foi precipitado do cavalo por uma bala. O engenheiro militar Alfredo do Nascimento alcançou-o ainda com vida. Caído sobre a ribanceira, o velho comandante murmurou ao companheiro que o procurara a sua última ordem.

(...)

O coronel Sousa Meneses, comandante da praça (Monte Santo), não esperou os fugitivos. Ao saber do desastre largou à espora feita para Queimadas, até onde se prolongara aquela disparada." A segunda expedição fora dispersada, deixando, assim, ao ar livre um arsenal desarrumado e abundante. No meio do material recolhido pelos jagunços estavam os quatro Krupp, santificados pelo sangue dos heróis que os defenderam até o último alento, digno pedestal para a imortalidade de um Chefe: -O Capitão José Agostinho Salomão da Rocha.

UMA INTERPRETAÇÃO DO FATO

Aqui ainda foram os mesmos tipos de combatentes, que se defrontaram. Em ambos são facilmente identificáveis o desapego à vida, a bravura natural, a coragem desmedida.

Mas, agora, foi o conscrito adestrado, bem armado, excepcionalmente comandado, que se deixou empolgar pelo pânico, sob um ataque desorientado e ineficiente do voluntário.

O que se teria passado? Experimentemos reconstituir as emoções que o saltearam.

Observe-se, de início, que no conscrito a coragem nasce do sentimento do dever é sustentada pela organização, porque se nutre com o seu poder e se fortalece com sua disciplina. No caso era reflexo do valor do Chefe admirado como um valente e temido como um juiz inflexível; da solidariedade dos companheiros; da superioridade do armamento cujo poder rugia na boca daqueles canhões; da coesão, da unidade, da potência do todo. Era uma coragem organizada, dirigida, comandada.

Antes do combate era firme, impulsiva, quase orgulhosa; era a bravura do forte contra o fraco, o desorganizado, o quase indefeso.

Dispersada a organização no entrevere dos choques dos pequenos grupos, ou na ferocidade da luta individual, tornou-se colérica, vingativa, quase desesperada; era a bravura do forte, que se surpreendeu com a resistência do fraco, com a coesão do desunido, com a agressividade do inerme.

Depois do combate o que se refletiu nas fisionomias cansadas, nos músculos relaxados, que tropeçavam nas pedras do caminho foi à coragem, desalentada, amolecida, francamente apreensiva; era a bravura do forte, que não compreendeu nem explicou como foi dominado pelo fraco.

Ainda não era a desagregação, mas já era o desencanto, a perplexidade, o retraimento. Subsistia ainda o imenso poder aglutinador da Organização e aquele aconchego confiante aos tubos de aço dos canhões, que representavam seu maior poder, tinha essa significação. Mas, a notícia de que o Chefe invencível fora também atingido pelo desastre incompreendido foi um golpe mortal, no que lhe restava de agressividade. E aquele lento arrastar dos canhões para longe do inimigo era um sinal inquietante. A apreensão já era alarma. Os limites da Organização estavam por um fio.

Um chefe decidido e enérgico talvez a tivesse salvo, uma noite de repouso a refaria. Mas, o novo comandante, surpreendido pela substituição inesperada, hesitou e vacilou. Quando era preciso agigantar-se amesquinhou-se. E amesquinhando-se, omitiu-se na irresponsabilidade de uma decisão coletiva, apagou-se no anonimato de uma votação melancólica. Nem o protesto que matou o Chefe moribundo teve o condão de comover-lhe a alma conturbada, de revigorar lhe as energias desalentadas. Os soldados não ouviram as palavras sussurradas pelos seus oficiais, mas viram suas fisionomias transtornadas, seus olhos amortecidos, suas narinas dilatadas, tremendo na claridade das chamas que subiam hesitantes e tímidas da fogueira, que lhes iluminava a reunião. Não souberam logo do que se decidira, mas sentiram que era a retirada. Não examinaram suas razões, convenceram-se de que era o fim. Saltara a mola mestra da Organização, a força que a animava, a vontade que a impelia, a inteligência que a comovia, a confiança que a mantinha. A hierarquia se tinha nivelado na unanimidade de uma decisão anônima, a disciplina se dissolvera na melancolia da irresponsabilidade coletiva. O horror ao amoral, ao infamante, ao vergonhoso, já não tinha ponto de referência; o temor ao castigo anulava-se na absolvição prévia. E o horror natural, o velho medo primitivo, infiltrou-se naquelas almas que tinham perdido o norte de seu destino. Agora já não era apenas a apreensão que as empolgava, era a angústia que as avassalava.

Agravava-a o cantochão dos jagunços, que subia da terra como um "De profundis". A superstição que jazia no fundo daqueles espíritos sugeriu a explicação do desastre até então incompreensível e lhe deu o sentimento do sobrenatural, a profundidade do abismo.

Os jagunços já não eram homens comuns indefesos. Eram seres privilegiados que gozavam da proteção divina, invulneráveis aos golpes que recebiam. Era inútil lutar. Pensou-se em sobreviver.

Naqueles soldados disciplinados, confiantes, adestrados, organizados, que pela manhã, entre gritos de entusiasmo se lançaram decididos e resolutos ao combate, subsistia apenas o instinto de conservação, embotando, verrumando, aniquilando, todas as emoções, pungindo como um ferro em brasa, numa ferida recente. A notícia de que o comandante morrera soou o dobre de finados antecipado a cada um.

Noite ainda começaram os preparativos da retirada. E na azáfama, na pressa com que foram feitos, já havia um começo de fuga. Desfechou a o ataque inesperado dos jagunços, coroou-a a vaia estrondosa dos fanáticos, ampliou-a o contágio do medo. E sobreveio o pânico, que foi quase terror.

Mas, uma Unidade resistiu à elaboração e ao contágio do pânico; a Bateria de Artilharia. Como explicar isso?

Anotemos em primeiro lugar que os artilheiros não estiveram face a face com os jagunços, não sofreram seus ardis e suas malícias, não experimentaram na carne e nos nervos o furor de seus golpes, o vigor sua defesa desesperada. Encastelados no alto do morro da Favela, dispararam de lá os seus shrapnells, dispersando agrupamentos inimigos, incendiando suas palhoças, ceifando suas fileiras. Não se cansaram em correrias, não se exauriram na tensa preocupação de evitar os perigos aproximados, não se esgotaram vibrando golpes no vácuo.

Bem ao contrário, tiveram no alcance e no poder de fogo da arma, que matava a grande distância, a prova física de sua superioridade no medo, que tonteava os jagunços, quando alcançados pelos seus tiros sua confirmação moral.

Na reunião dos derrotados em torno dos canhões, silenciosos, mas ameaçadores, sentiram, que representavam o reduto do poder militar da expedição. Era como se na alma de aço daqueles tubos, se tivesse refugiado a própria honra do Exército; era como se eles o representassem naquela dolorosa e decepcionante circunstância. E o orgulho dessa descoberta sublimou-se no espírito de equipe, na aceitação do sacrifício, no desejo de emulação. Era preciso ser forte onde todos pareciam fracos.

Esses sentimentos encontraram um chefe, que os compreendeu e um caráter que os personificou: o Capitão Salomão da Rocha. Reclamou para si o lugar mais perigoso na coluna: a retaguarda, recebendo-o como um lugar de honra. E o honrou, verdadeiramente, sacrificando-se na defesa dos canhões que o Exército lhe tinha confiado. Eles ficaram na mão do inimigo, mas dignificados pela guarda de honra dos cadáveres dos bravos que o defenderam até o último alento. A vergonha da fuga, lavou-se na glória da epopeia.

A bravura e energia do comandante na hora do perigo redimiu-o também do seu desalento anterior. O sentimento do dever, o senso da responsabilidade, lhe voltaram fortalecidos e engrandecidos pela desgraça. Mas, para aqueles soldados que fugiram, ele não era o Chefe: era apenas um Homem. E o sacrifício dignificante do homem, não foi capaz de ressuscitar a autoridade do Chefe. Salvou-se, no entanto, com ele a seriedade da instituição que ele representava.

ALGUMAS CONCLUSÕES

Evidentemente da análise desses dois fatos, muito pouco poderemos induzir sobre a psicologia do combatente brasileiro.

Mas se aliarmos essas observações a outras tão visíveis no curso de nossa formação histórica, poderemos assinalar algumas de suas tendências.

A primeira delas é a rapidez com que passa dos estados de exaltação aos de depressão, com funda repercussão na sua agressividade. Comovendo-se facilmente, em particular quando estão em jogo sentimentos nobres e elevados, deixa-se dominar pelo entusiasmo e o otimismo; surgidos, porém os primeiros obstáculos, aparecidas as primeiras dificuldades, desanima e se deprime, abandonando as tarefas iniciadas interrompendo os esforços que vinha produzindo. Precisa, então, de assistência e apoio adequados, e os espera. Daí estar sempre com os olhos voltados para os chefes, buscando nas suas atitudes e nos seus conselhos indícios que neguem ou confirmem os temores que o assaltam.

É também notável sua capacidade de adaptação e de improvisação.

Mesmo os que estão habituados ao conforto e facilidades da vida citadina não fogem à regra senão para confirmá-la pela exceção. Dócil e tímido é naturalmente respeitoso e resignado. Aceita de bom grado as privações e os sofrimentos mesmo que não os compreenda e justifique plenamente. Neste último caso resmunga, trepa, despista, ilude, mas acossado, obedece sem maiores dificuldades.

Ama a exceção e não somente a aceita sem escrúpulo como o procura por meios nem sempre recomendáveis.

Embora possua uma pronunciada tendência para ridicularizar e menosprezar os feitos próprios e os dos companheiros, é exibicionista e muito suscetível à censura e à crítica, atribuindo na maioria das vezes, a outrem, ou a circunstâncias exteriores, a culpa dos erros e faltas cometidos.

Mas dele, também, se pode dizer que, como o povo de que é parte, é sobretudo, um complexo de aparências enganadoras e realidades profundas.

Desse-lhes chefes dignos desse nome e é capaz de operar prodígios, como em Coimbra, em Itororó, no cerco da Lapa. Convença-se da necessidade de enfrentar o inimigo, ou mesmo, circunstâncias adversas e será capaz de uma nova Laguna.

Empolgue-o uma convicção ou mesmo uma paixão, boa ou má e realizará falhas que ganharão tons de epopeia. Convença-se o combatente de que é preciso fazer a guerra e não, apenas, suportá-la resignadamente e ele poderá emparelhar-se com os mais abnegados e agressivos do mundo. Que o digam estes oito milhões de quilômetros de terra, arrancados ao continente desconhecido e, por ele, mantidos unidos e indivisos, contra a cobiça de ingleses, franceses, holandeses e espanhóis, pela força de corações, que os souberam amar e defender, batendo uníssonos ao compasso da mesma causa. "Os exemplos históricos esclarecem tudo e constituem prova convincente, nas ciências comportamentais. Isto é aplicável, melhor do que em qualquer outro assunto, e Arte da Guerra." CLAUSEWITZ "Quanto mais retrocedemos na história da conduta da guerra, tanto menos úteis serão para nós os pormenores, porque as formas de ataque e os métodos das batalhas mudam sempre com a evolução de técnica." CLAUSEWITZ *Publicado originalmente na revista A Defesa Nacional: revista de assuntos militares e brasileiros, Volume 46, n. 537, Rio de Janeiro: 1959.

SEÇÃO DO CANDIDATO À ESCOLA DE COMANDO DE ESTADO MAIOR

Coordenador Maior OCTÁVIO TOSTA Aproximando-se a época dos exames, apesentamos aos candidatos questões de História e Geografia, formuladas pelo General Flamarion Barreto Lima a seus alunos particulares.

O General Flamarion, agora na reserva, dedica parte de seu tempo preparando camaradas para o ingresso na ECEME. Quando na ativa, o General foi, por muitos anos, instrutor da referida Escola.

-RESOLUÇÃO

1 -O Brasil está localizado com a maioria de suas terras entre o Equador e o trópico do Capricórnio. Considerando as terras a Este do meridiano de Manaus e Sul do paralel0 de Guaporé, seu tipo poderá ser enquadrado na categoria "longilínea". Sua forma é aproximada de um "presunto" com a ponta voltada para o Sul.

2 -a. As diferentes ilhas arqueanas dão uma unidade geológica. O complexo cristalino brasileiro aglutina as diferentes regiões. A diversidade dos solos permite (condiciona) o aparecimento de diferentes economias complementares: mineira, extrativa, agrícola, pastoril. O fator GEOLÓGICO foi coesivo. b. A orografia brasileira apresenta-se sob a forma de PLANALTOS. Há o planalto Atlântico, o meridional, o central. Notam-se também as PLANÍCIESamazônica e platina. Não há elevações de vulto.

-O fator OROGRÁFICO foi coesivo. A grande extensão dos planaltoscerca de 4.000 quilômetros quadrados -aproximando-se da extensão das áreas de planícies, contribuíram para o equilíbrio da Unidade geográfica. Criava, no entanto, o problema das distâncias. Permitia a interligação entre as diferentes áreas. Determinou tipos sociais que não tiveram características antagônicas. c. (1) As costas, desenvolvendo-se por mais de 7.000 quilômetros, apresentavam características diferentes. No seu primeiro trecho, até S. Luís, eram baixas, com boas articulações, com mangue, ilhotas. Continuava baixa, arenosa, pobre de articulações até S. Roque. Para o Sul, apareciam os recifes e haviam algumas articulações. Passando por um tipo intermediário -com barreiras -onde destacava-se a articulação de Salvador, chega ao tipo recortado e bem articulado, onde a montanha passa a bordejar a costa. Ao Sul de Laguna é arenosa em sua maior extensão.

-O fator HIDROGRÁFICO, visto sob o aspecto costa, foi coesivo. Permitiu a interligação do mar com a terra, em sua maior extensão. Na região onde esta articulação estava dificultada pelo aparecimento da barreira orográfica, os rios, uma vez galgado o paredão, facilitavam o adentramento.

(2) As três grandes bacias -interligadas nas cabeceiras de alguns de seus afluentes -soldaram as diferentes regiões do território. Os afluentes do Amazonas e do Prata determinaram o aparecimento da costa fluvial interior -delimitando a ilha Brasílica.

-A influência da HIDROGRAFIA, vista sob o aspecto RIOS, foi coesiva, a despeito da influência de algumas bacias menores. São interessantes os múltiplos aspectos da bacia do S. Francisco. Condensa elementos em seu vale médio (criadores de gado). Dispersa os grupos humanos ao longo de seu extenso vale. Procuram-no para ligar os dois grandes focos de riqueza da época (Minas, S. Paulo e Nordeste). Além disso, o seu mais importante papel foi dobrar, pelo interior, os caminhos do mar, tão mal servidos na época considerada. A cachoeira limita a influência marítima ao curso inferior.

-No seu conjunto, o FATOR HIDROGRÁFICO foi coesivo, a despeito da influência dos rios da bacia do Prata, drenando a economia para Buenos Aires. As costas marítimas, e fluvial interior, a interligação e permeabilidade entre as bacias, trabalhavam sensivelmente no sentido da Unidade.

d. Situado na zona tórrida, o clima é modificado pela Posição (região antártica do globo, onde há um sensível equilíbrio entre as águas e as terras), pelas direções dos vales das grandes bacias (Amazonas e Prata), pela comodidade do relevo, pelos ventos (consequentes da formação de áreas de ciclones e anticiclones em diferentes épocas do ano) e pelos coeficientes pluviométricos.

-A influência do fator CLIMA na formação da Unidade Brasileira foi coesiva. As médias de temperaturas, oscilando entre 17 e 28 graus, permitiam a vida humana em qualquer região do território. A formação das áreas climáticas -trêsnão diversificou a população a ponto de terem tendências fragmentárias. Os coeficientes pluviométricos, variando entre 500 e 3.000 mm, mas estabilizando-se na sua maioria entre 1.000 e 2.000 mm facilitaram o estabelecimento de populações.

e. O Brasil está dividido em áreas nítidas de vegetação, função da natureza do solo, do clima, do coeficiente pluviométrico e dos ventos.

-A influência do fator VEGETAÇÃO pode ser considerada fragmentária, se atentarmos para a característica isoladora da floresta, especialmente em algumas áreas. No Amazonas, a influência é nitidamente isoladora, pois as populações só se podem fixar em áreas muito restritas e dispersiva também. Dispersão e isolamento conduzem à fragmentação. Despertou a cobiça dos estrangeiros, fazendo com que nossas costas tivessem de ser guardadas. Era permeável ao longo dos rios do planalto, portanto, pouco navegáveis. Dificultou o estabelecimento de caminhos terrestres.

Visto no seu conjunto, o FATOR ESPAÇO, ressalvadas as ações isoladoras das distâncias e a influência dispersiva das áreas florestais, particularmente no Amazonas, foi coesivo. Permitiu a permeabilidade do território em todas as direções. Determinou o aparecimento de uma costa interior. O maciço das Guianas ao Norte, as florestas amazônicas a Oeste e o mar, determinaram limites nítidos para o território. Na região platina, não havia a mesma nitidez de limites. Portugueses e seus vizinhos tiveram de contentar-se, por razões geopolíticas, com uma linha artificial, após encarniçadas lutas. Outro aspecto negativo foi a possibilidade de gêneros de vida diversos, ensejando a formação de grupos sociais com características diferentes (o agricultor sedentarizado; o minerador; o pastoril e o extrativista com tendências nômades) e separados uns dos outros por distâncias consideráveis.

4-POSIÇÃO

a. A POSIÇÃO ABSOLUTA pode ser considerada coesiva. Perfeitamente limitada por acidentes naturais -na sua grande maioria -determinou o aparecimento de um compacto território. b. A POSIÇÃO RELATIVA é mais fragmentária do que coesiva. O saliente nordestino e a região platina sofriam atrações divergentes: Prata-Antilhas-Europa. Contrabalançavam estas influências o mar (como elemento de ligação periférica) e as enormes massas florestais e tropicais, separando-nos das civilizações caribas e peruanas. No período Colonial, o luso dominou o estuário do Prata, corrigindo, a ação fragmentária da calha Paraguai -Paraná, uma vez que fechou o contorno da ilha Brasil. O FATOR POSIÇÃO. Visto em seu conjunto, teve influência fragmentária. A situação de algumas de suas áreas despertou a cobiça dos estrangeiros. Na luta para a retomada da terra, acendeu-se e vivificou-se a chama do sentimento nacional que não mais se extinguiria.

-CIRCULAÇÃO

a. Internamente, ressalvada a ação isolante das distâncias, a falta de caminhos terrestres, criando imensos espaços vazios e a região amazônica (onde só se fazia através dos rios) o FATOR CIRCULAÇÃO INTERNA ainda foi coesivo. O Espaço permitia, com alguma dificuldade -por intermédio de determinados cursos d'água -a interligação entre diferentes áreas ecumênicas. No seu conjunto, a circulação periférica auxiliava enormemente os contatos dos diferentes núcleos da costa e do interior e foi durante o Período Colonial o único elo de ligação permanente. b. Externamente, era facilitada pelo mar, e dificultada, por parte, pela Posição relativa para o Norte e Oeste e novamente facilitada na região da Bacia do Prata, a despeito da distância.

-O FATOR CIRCULAÇÃO EXTERNA poderia ter tido um nítido caráter fragmentário. A forma da costa, com seu estirão Norte. Voltado mais para as retas marítimas que para o resto do país. -O saliente nordestino, continuado por Fernando de Noronha, como a desafiar -pela sua riqueza e proximidade -a sanha dos conquistadores estrangeiros. No Prata, a despeito do domínio do estuário, os interesses econômicos desviados para o Sul, em parte. Estas diferentes regiões, acrescido à enormidade do território, poderiam ter tido influência fragmentária.

-O FATOR CIRCULAÇÃO, visto em seu conjunto, a despeito do caráter fragmentário que poderia ter tomado o fator circulação externa foi coesivo ou, no máximo, neutro. A mentalidade do povo, sua energia, a miscigenação variada, formaram tipos resolutos. Lutaram contra as influências negativas e a resultante -no conjunto -foi coesiva (agregante). Predominaram os elementos hidrográfico, orográfico e climático.

5 -O FATOR GEOGRÁFICO, no seu conjunto, no Período Colonial exerceu muito mais influências coesivas do que fragmentárias. Contribuiu para a formação de Unidade Brasileira essencialmente com o Fator Espaço. Determinou a formação de um sólido território, engastado numa massa geológica compacta, limitado por nítidos acidentes. Permitiu a formação de uma organização políticaem bases federativas -sem problemas de vulto. Dos primórdios, os senhores aceitavam a subordinação ao poder central, como uma imperiosa necessidade de defesa, já que pelas contingências geográficas, o socorro só lhes podia vir por mar. Condicionou uma distribuição de núcleos populacionais, que, se só ativeram à costa, não pode o Fator Geográfico disso ser culpado.

Observação: Trabalho realizado pelo Capitão P... C... , em noventa minutos, sem consulta aos documentos. Metódico, claro, com análises e sínteses equilibradas, mereceu menção "Muito Bem". GEOGRAFIA I -QUESTÃO PROPOSTA "Caracterizar a influência que poderá exercer a mudança da Capital para Brasília, no fortalecimento da unidade política e no desenvolvimento econômico do Brasil". (Duração: 1 hora).

II -UMA SOLUÇÃO 1 -SITUAÇÃO DA NOVA CAPITAL Situar-se-á a nova Capital Federal no Maciço Central, que representa a estrutura física da unidade do território nacional e no planalto dispersar de águas das grandes bacias hidrográficas: Amazonas, Prata e São Francisco. A área reservada ao futuro Distrito Federal, por sua posição central, equidistante das fronteiras, por estar na região natural de ligação entre as cinco grandes regiões naturais do território brasileiro, corresponde à "área cuore" do Brasil, cuja significação transcende o âmbito nacional para adquirir características de "Terra Central" da América do Sul, com todas as consequências a ela atribuídas.

-INFLUÊNCIAS POLÍTICAS QUE PODERÁ EXERCER

A MUDANÇA DA CAPITAL PARA BRASÍLIA Desde seu descobrimento, a vida do Brasil tem estado dirigida para o mar. Ainda hoje, na faixa litorânea, se concentra cerca de 80% da população e 90% da potencialidade econômica. O interior, que corres-ponde a 80% do território, continua completamente desconhecido com regiões ainda por desbravar. A sede atual do governo, localizada na orla marítima e mais voltada para o Sul, tem agravado o desequilíbrio existente entre o litoral e o interior. As áreas geoeconômicas, mais favorecidas, têm atraído a quase totalidade da ação governamental em prejuízo de outras regiões. O desequilíbrio entre os Estados componentes da Federação é flagrante. Enquanto determinadas regiões atingem um surto de progresso comparável aos mais adiantados centros mundiais, outras permanecem ainda num estágio de primitivismo. Conspira tal desequilíbrio contra a unidade nacional e constitui um imperativo de ordem política corrigir tal situação. As populações do interior, dispersas, desamparadas e ressentidas do poder central, poderão vir a constituir uma força desagregadora a comprometer a unidade nacional. Um dos objetivos da interiorização da Capital será o desenvolvimento equilibrado da Nação. O Govêrn0 se transplantará para junto das áreas do País que reclamam atualmente suas maiores atenções. As duas grandes "áreas problemas", a Amazônia e a Bacia do S. Francisco, com a mudança da sede do Governo para o Planalto Central, poderão encontrar um forte incentivo para sua incorporação efetiva à unidade nacional. A ação governamental, fazendo-se sentir equanimemente em todo o território e com certo privilégio para regiões menos favorecidas, atrairá para a órbita nacional a população do interior, elevando-lhe os níveis culturais e econômicos, fixando-a ao solo, fazendo, enfim, participar da vida nacional. Por outro lado, os órgãos de poder da Nação, afastados das injunções e atrações dos grandes centros econômicos, que perturbam as diretrizes de uma política verdadeiramente nacional, terão em Brasília maior segurança, mais tranquilidade e liberdade de ação, aliviando-os também de preocupações dos problemas de uma grande cidade como o Rio de Janeiro. O futuro Distrito Federal se situará ainda em posição equidistante e mais próxima das fronteiras terrestres. Poderá o Governo Central, com maiores dificuldades, incentivar o desenvolvimento da faixa de fronteiras, de modo a garantir a posse efetiva da periferia terrestre, como também impedir que influências contrárias ao sentimento nacional atraiam para outras órbitas a população fronteiriça. A futura Capital poderá exercer, por sua posição, uma influência favorável na verificação de nossas fronteiras.

-INFLUÊNCIAS DE ORDEM ECONÔMICA

Se a mudança da Capital para Brasília é uma exigência da unidade nacional, com mais forte razão é um imperativo de ordem econômica. Adquirirá, neste particular, a nova Capital, além de suas funções políticas, o caráter de uma frente pioneira de colonização. O interior, até hoje, não teve os estímulos econômicos que condicionaram o progresso de outras regiões do País. A ausência de comunicações tem entravado o aproveitamento de suas riquezas. A valorização econômica da Amazônia e da Bacia do São Francisco, apesar do que já se tem feito a este respeito, ainda constitui problema cuja execução tem desafiado a capacidade dos dirigentes. Estas duas áreas correspondem a cerca de 60% do território nacional.

Com a interiorização da Capital se abrirá no hinterland do País um novo centro desbravador e incentivador do progresso. A valorização das terras, a atração de novos contingentes populacionais, o aumento de capitais, serão de molde a dar nova feição à economia daquelas áreas. A existência da sede do Governo no interior está condicionada a um sistema de comunicações ligando a futura Capital a todas regiões do País. A rede de Transporte a ser montada para atender às necessidades da administração incorporará à economia nacional regiões de grande potencialidade econômica, estimulando a produção, a circulação de riqueza e abrindo novos centros consumidores. O aproveitamento dos dois grandes troncos fluviais, o Tocantins e o São Francisco, hoje abandonados, como vias de transporte, virá conferir-lhes um papel de relevância nas ligações entre Norte e Nordeste e o Sul do País. A valorização econômica da região norte e centro oeste integrará na economia do País estas duas grandes áreas, atenuando o desequilíbrio econômico entre o litoral e o interior. A execução do planejamento do aproveitamento econômico do Vale do São Francisco e da valorização da Amazônia, com a abertura de uma frente pioneira oficial, contígua às suas bacias, tomará novo surto. As providências que os órgãos federais "in loco" poderão tomar na recuperação daquelas duas grandes bacias proporcionarão uma valorização mais rápida que a verificada atualmente. Sob rigorosa fiscalização se impedirá que interesses políticos estranhos desvirtuem a verdadeira finalidade dos órgãos incumbidos da execução daquele planejamento. É de esperar, que a mudança da Capital atraia para o interior o centro econômico da Nação, ao contrário do que foi verificado anteriormente, quando o Governo Central foi deslocado para o Rio de Janeiro, atraído pelo poder econômico do Sul. O Brasil então, harmonicamente desenvolvido, poderá irradiar, para onde se fizer necessário, do centro do continente, onde se concentrará o potencial da Nação, a influência de sua política, de sua economia e de sua cultura. *Publicado originalmente na revista A Defesa Nacional: revista de assuntos militares e brasileiros, Rio de Janeiro: Agosto, 1959.

Sobre Psicologia do Combatente Brasileiro -187 2. Subsídios para questões propostas sobre como o fator geográfico e como a mudança da Capital para Brasília, contribuiu para o fortalecimento do Brasil na Seção do Candidato à Escola de Comando de Estado Maior -207 ENSAIO SOBRE PSICOLOGIA DO COMBATENTE BRASILEIRO*