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Lei N.º 10.639/2003

2022, Múltiplos Olhares em Ciência da Informação

Aborda o contexto histórico por meio do qual se dá o projeto e o desenvolvimento da Lei n.º 10.639 de janeiro de 2003, que versa sobre a obrigatoriedade da disciplina sobre História e Cultura Afro-brasileira. Busca entender porque o artigo foi vetado do texto original da LDB/1996 sendo abordado tardiamente. Apoia-se no conceito de regime de informação para identificar as relações de força presentes naquele contexto de modo a entender porque a pauta não foi incluída no texto legal e de que forma a sociedade civil, especificamente o Movimento negro, se mobilizou para reverter à questão. Utiliza de pesquisa exploratória como metodologia para observar os problemas que redundaram na não inclusão desta pauta no corpo da lei geral da educação nacional, questão que reproduz uma ausência de importância sobre a questão do negro enquanto agente histórico e formador da cultura brasileira.

A LEI N.º 10.639/2003: educação antirracista e regime de informação LAW N. º 10.639/2003: anti-racist education and information regime Debora Santos de Oliveira Universidade de Salamanca, Espanha RESUMO Aborda o contexto histórico por meio do qual se dá o projeto e o desenvolvimento da Lei n.º 10.639 de janeiro de 2003, que versa sobre a obrigatoriedade da disciplina sobre História e Cultura Afro-brasileira. Busca entender porque o artigo foi vetado do texto original da LDB/1996 sendo abordado tardiamente. Apoia-se no conceito de regime de informação para identificar as relações de força presentes naquele contexto de modo a entender porque a pauta não foi incluída no texto legal e de que forma a sociedade civil, especificamente o Movimento negro, se mobilizou para reverter à questão. Utiliza de pesquisa exploratória como metodologia para observar os problemas que redundaram na não inclusão desta pauta no corpo da lei geral da educação nacional, questão que reproduz uma ausência de importância sobre a questão do negro enquanto agente histórico e formador da cultura brasileira. Palavras-Chave: Lei n.10.639/03. Regime de Informação. Movimento negro. Educação antirracista. História e Cultura Afro-brasileira. ABSTRACT It addresses the historical context through which the project and development of Law n.º 10.639 of January 2003 takes place, which deals with the obligatory nature of the discipline on AfroBrazilian History and Culture. It seeks to perceive why the article was vetoed from the original text of the LDB/1996 being approached late. It relies on the concept of information regime to identify the power relations present in that context in order to understand why the agenda was not included in the legal text and how civil society, specifically the Black Movement, mobilized to revert to the issue. It uses exploratory research as a methodology to observe the problems that resulted in the non-inclusion of this agenda in the body of the general law of national education, an issue that reproduces a lack of importance on the question of black people as a historical agent and trainer of Brazilian culture. Keywords: Law n. 10.639/03. Information regime. Black movement. Anti-racist education. AfroBrazilian history and culture. Revista Múltiplos Olhares em Ciência da Informação | Universidade Federal de Minas Gerais | Belo Horizonte DOI II Encontro Nacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (II ENBNA) e o I Encontro Internacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (I EIBNA) 1 INTRODUÇÃO, OBJETIVOS E JUSTIFICATIVA No Brasil, temos a segunda maior população de negros fora do continente africano. Mesmo assim, o reconhecimento por parte do Estado de que estudar a História da cultura afro-brasileira no ensino educacional, só veio no ano de 2003, com a promulgação da Lei n.º 10.639. É por isso, que este trabalho busca apresentar os elementos que regem os diferentes períodos históricos, que facilitaram ou dificultaram o avanço do projeto de lei até a sua aprovação. Portanto, a motivação deste trabalho deu-se a partir do interesse em discutir os contextos, históricos e políticos que acompanharam o processo de origem do Projeto de Lei n.º 10.639 de 1995, até a sua promulgação como Lei em janeiro de 2003. Utiliza-se do conceito de regime de informação, entendendo- o como: [...] o modo informacional dominante em uma formação social, o qual define quem são os sujeitos, as organizações, as regras e as autoridades informacionais e quais os meios e os recursos preferenciais de informação, os padrões de excelência e os modelos de sua organização, interação e distribuição, enquanto vigentes em certo tempo, lugar e circunstância (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2012, p. 43). O objetivo do artigo é observar o viés normativo que marcou o processo de elaboração da Lei n.º 10.639 de janeiro de 2003, que define a obrigatoriedade do ensino da História e Cultura Afro-brasileira no currículo da educação básica, sob a lente do conceito de Regime de Informação. Para atingi-lo buscou-se explicitar o contexto que levou a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1996) cujas diretrizes previam a inclusão da temática como componente curricular e que foi vetada quando da promulgação da Lei, o que forçou a elaboração de uma Lei específica para tratar da questão, atrasando sua inclusão no elenco de disciplinas do ensino básico. Entender o fluxo da informação sobre o tema, o modo como à informação foi produzida e circulada entre órgãos consultivos e deliberativos e os motivos que levaram ao veto, assim como o trajeto legal para se tornar uma Lei específica é a questão a nortear esse estudo. Outra questão importante é entender o papel do movimento negro nesse debate, tendo em vista a importância da sociedade civil organizada para requerer junto ao Estado o cumprimento de suas obrigações. II Encontro Nacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (II ENBNA) e o I Encontro Internacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (I EIBNA) A escolha do tema se justifica no sentido de conhecer os fluxos de informação que culminaram, ainda que tardiamente, com a promulgação da Lei n.º 10.639 que determina a obrigatoriedade do estudo da História Cultura Afro-brasileira na rede nacional de ensino. A temática foi incluída nas pautas políticas do programa de governo do expresidente Luiz Inácio Lula da Silva, pois o mesmo apoiava o movimento negro. (PEREIRA; SILVA, 2012). No entanto, a Lei n.º 9.394, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional fora desenvolvida muito antes, em 20 de dezembro de 1996. Por que neste período não houve a inclusão da obrigatoriedade do ensino da História e cultura Afro-brasileira? Porque o contexto político brasileiro não sinalizou a necessidade dessa pauta nos currículos do ensino básico? Em termos metodológicos trata-se de pesquisa exploratória de caráter bibliográfico e documental com vista a discutir os problemas que redundaram na retirada do tema do elenco de matéria tradas pela LDB/1996, vindo a ser retomado apenas em 2003 por meio de legislação específica, passando a incluir o currículo oficial da rede de ensino nacional. Esse atraso na elaboração reproduz uma ausência de importância, ou baixa estimação que simplifica a questão do negro, sua história e cultura na formação da nação brasileira. 2 REVISÃO DE LITERATURA 2.1 Histórico da lei n.º 10.639/2003 A Lei de Diretrizes e Bases (Lei n.º 9394/96) em seu texto original, ratificando a posição da Constituição Federal de 1988, determinava que: Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. § 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras (BRASIL, 1996, online). II Encontro Nacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (II ENBNA) e o I Encontro Internacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (I EIBNA) Mas, o Art. 26-A foi vetado não integrando o texto final da Lei, promulgado em dezembro de 1996. Isso redundou em um atraso na incorporação do tema como elemento curricular do ensino básico nacional. Fora do texto das diretrizes nacionais o tema foi tratado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) com uma temática transversal de História ficando a questão de sua inclusão como disciplina específica adiada. O veto e a forma secundarizada como a questão abordada levou a sociedade civil, por meio do movimento negro a se mobilizar. A Lei n.º 10.639 que determina a obrigatoriedade do ensino da História e cultura afrobrasileira foi sancionada em janeiro de 2003, ano e mês em que tomou posse o expresidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pereira e Silva (2012) afirmam que: [...] a inclusão desse tema nos conteúdos escolares reconstrói nos alunos e nos professores uma imagem positiva daquele continente, além de, por um lado, elevar a autoestima dos alunos afrodescendentes e, por outro lado, tornar os demais alunos menos refratários à diversidade étnico-racial (PEREIRA; SILVA, 2012, p. 1-2). Oliveira e Silva (2017) também argumentam que a legislação seria uma crítica a hegemonia e ao “[...] conhecimento eurocêntrico e socialmente valorizados pela secular elite brasileira nos currículos escolares”. Ou seja, a inclusão da temática nos currículos escolares da educação básica brasileira é uma das práticas de descolonização e questionamentos de direitos e privilégios na formação da organização da sociedade no Brasil (GOMES, 2012). O Movimento Negro neste período, em sua luta pela educação, pela inclusão da temática através dos currículos, abordava a questão no sentido de que as pessoas negras não fossem mais vistas como objetos e sim como sujeitos de sua história. Por isso, sendo sujeito era necessário incluí-las na constituição da História e Cultura brasileira, sendo a escola um dos espaços de inserção da questão por meio de seu currículo (PEREIRA; SILVA, 2012). Justifica-se, deste modo, a necessidade de compreender o movimento político e histórico em que ganhou destaque os movimentos sociais, chamando a atenção, durante todos esses sete anos, do governo e políticos para a inclusão da temática na lei de Diretrizes e Bases da Educação. II Encontro Nacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (II ENBNA) e o I Encontro Internacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (I EIBNA) Do mesmo modo, absorver essa nuance contextual é colocar as lentes do conceito de regime de informação para melhor compreensão dos sistemas de poder e força. As políticas de informação foram consideradas por Bernd Frohmann (1994-95) como parte de um regime de informação. Segundo Oliveira (2019, p. 22, grifo nosso): O autor notou que estas [politicas de informação] sofriam mudanças ao sabor das estratégias de governança do Estado e de sua articulação no cenário internacional. Assim, trouxe a noção de que a política de informação está sempre interligada a uma política de governo. Em seu artigo principal sobre regime de informação, ele discorre a respeito das circunstâncias da política de informação (científica e técnica) nos Estados Unidos da América. Desta forma, admitimos que analisar a Lei n.º 10.639/2003, sob a perspectiva de regime de informação é poder compreender o favorecimento, ou não, de um regime para certos temas e interesses por parte do Estado, por meio das políticas de governo. 2.2 As leis no contexto dos regimes de informação Para poder compreender o porquê a Lei n.º 10.639/03 não foi aprovada na década de 1990 é necessário alcançar entendimento sobre os elementos que favoreceram ou não sua promulgação. Desta forma, a seguir se discutirá o conceito de regime de informação e em seguida como o Movimento Negro se protagonizou na luta por uma educação antirracista e no desenvolvimento da legislação até o ano de 2003. Bernd Frohmann (1994-1995) foi o precursor do conceito de regime de informação, ele observou os fluxos informacionais ao nosso redor, sejam eles culturais, acadêmicos, financeiros, etc. No olhar para as politicas de informação analisa como os regimes se originam e se estabilizam e como formas de poder são exercidas em e através deles. (FROHMANN, 1995, p. 7, tradução da autora). Apesar de ser descrito e apresentado primeiramente por Frohmann (1995), outros autores discutiram o conceito. Sandra Braman (2004) discute as políticas de informação, nos conceitos de governança e governamentalidade. Bruno Latour (2007) aborda o conceito por meio da Teoria Ator-Rede, isto é, as relações de um objeto dentro de um regime de informação. E, a professora Mª Nélida Gonzalez de Gómez (2008) ampliou o conceito trazendo interesssantes abordagens para a Ciência da Informação. II Encontro Nacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (II ENBNA) e o I Encontro Internacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (I EIBNA) Para tanto, admite-se a compreensão de “regime de informação” na perspectiva de González de Gomez (2008), cujo conceito pode servir como instrumento analítico. Nessa direção, a autora traz-nos uma reflexão sobre o conceito com o qual nos aproximamos neste trabalho, ao defini-lo como “o modo informacional dominante em uma formação social”. Regime de informação então serve para reconstruir os “modos de produção de ações e práticas de informação, ancoradas nas redes densas de relações culturais, sociais e econômicas e condicionadas pelas estruturações preferenciais das relações de poder” (GONZÁLEZ DE GÓMEZ, 2008, p. 2). No caso da Lei n.º 10.639/03 entendemos ser o Movimento Negro o agente propulsor dessa discussão, no sentido que desde a década de 1930 vem acionando a sociedade civil na luta contra o apagamento histórico da causa negra em nosso país; para desnaturalizar o mito da democracia racial e mostrar as contradições que tal discurso engendra, enfraquecendo a luta pela igualdade racial. Um dos caminhos para desconstruir as ideologias raciais é a crítica à educação e a todo fluxo informacional que a cerca: a legislação, as diretrizes, os currículos, o modelo de ingresso no sistema de ensino, a forma de avaliação etc. Nesse cenário o Movimento Negro assume-se como “autoridade informacional” sobre a temática levando a discussão ao Parlamento e exigindo do Estado o que estava previsto na Constituição Federal. O que foi feito em 2003 é fruto de um processo de lutas que se iniciam em 1930, como veremos na seção seguinte. 2.3 O Protagonismo do Movimento Negro no Brasil Na história do Brasil o protagonismo do Movimento Negro pode ser observado a partir da criação da “Frente Negra Brasileira (FNB), fundada em 16 de setembro de 1931, tornando-se o maior e mais amplo Movimento Negro do século XX, de caráter nacional” (PAULA, 2009, p. 108). A sociedade brasileira, neste período histórico (década de 30) vivia sob a bandeira da modernidade e da tentativa do país se constituir enquanto nação. Nesse ensejo, o Movimento Negro buscava por meio da luta antirracista o direito do cidadão negro se tornar participante dessa reconstituição nacional. Diante disso, o Movimento se deu conta que necessitava de participação política para conseguir dialogar com mais veemência, foi quando a FNB se transformou em partido II Encontro Nacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (II ENBNA) e o I Encontro Internacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (I EIBNA) político em meados de 1936, na crença que assim teria um alcance maior na eloquência de suas pautas. A Frente Negra Brasileira torna-se, então, ator principal por protagonizar algumas ações na época, tais como “[...] criação de uma escola e cursos noturnos de alfabetização de jovens e adultos negros e a publicação de um jornal”. Assim como a realização do I e II Congresso Afro-brasileiro, em Recife no ano de 1933 e na Bahia em 1937. (PAULA, 2009, p. 109). Outros passos relevantes ocorreram, como: Em 1944, Abdias Nascimento, Aguinaldo Camargo e Sebastião Rodrigues Alves fundaram o Teatro Experimental do Negro (TEN) em protesto contra a falta de artistas negros nos palcos brasileiros. Além de criar escolas de atores, o TEN também publicou o jornal Quilombo, ofereceu aulas de alfabetização e de iniciação cultural, estratégias organizativas e formativas da população afro-brasileira. Organizaram ainda a Conferência Nacional do Negro, em São Paulo e no Rio de Janeiro, e a Convenção Nacional do Negro, também no Rio de Janeiro (PAULA, 2009, p. 109). O Movimento Negro também atuou por meio das seguintes acontecimentos: Em 1950 a Organização das Nações Unidas (ONU) apoiou os estudos sobre relações raciais incluindo o Brasil nas discussões; em 26 de janeiro de 1950 houve a criação do Museu do Negro, por meio do TEN na Associação Brasileira de Imprensa; em 1952 a criação da Lei Afonso Arinos, que reconhecia a existência do preconceito racial no país; em 1955 com a execução de um concurso de artes plásticas liderado por Abdias do Nascimento e em 1964 o mesmo fomentou outros cursos por meio do Movimento. O desempenho demonstrado, associado à luta antirracista, antes do período da ditadura militar no Brasil, contribuiu para um forte legado até a publicação da Lei n.º 10.639 em 2003. No período entre 1965 até 1970 houve um apagamento das discussões sobre as relações raciais no Brasil, justamente porque a pauta se tornou questão de “segurança”, como por exemplo, o exílio de um dos grandes líderes do Movimento Negro, Abdias Nascimento, já que o país passava por uma ditadura em seu sistema político. Ainda na década de 70, houve a primeira comemoração na data da morte do líder Zumbi dos Palmares, mas as demandas sociais recomeçam a surgir como pauta a partir da década 80, após o fim da ditadura militar e início do processo de redemocratização. Os movimentos sociais não tinham apoio do governo político em suas lutas e por isso enfrentavam muitas dificuldades, sendo para os próprios negros outras problemáticas como a questão da integração, a precariedade na formação social, a falta de união dos II Encontro Nacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (II ENBNA) e o I Encontro Internacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (I EIBNA) próprios negros entre outras questões, que muitas vezes enfraqueciam o movimento. Ao retornar do exílio, Abdias Nascimento elegeu-se deputado federal (1983-1987) e elaborou, em 1983, um projeto de Lei n.º 332, que versava sobre uma educação antirracista. Em princípio vetado completamente, analogicamente podemos dizer que era o que viria a ser mais tarde em 2003 a Lei n.º 10.639. Porém, o projeto de lei de Abdias Nascimento era muito mais completo e alegava muitos pontos que sumiram quando a lei foi aprovada como, por exemplo, agregar o ensino de línguas africanas em regime opcional. A crise do Estado novo (1945) assim como fim da ditadura (1985) foram marcos na história que levaram ao fim da Frente Negra Brasileira, enquanto partido político. No entanto, o Movimento social Negro prosseguiu, por meio de clubes e associações cívicas, fundamentado no sentimento de democracia, o movimento reivindicava por meio de campanhas educacionais, como por exemplo, a petição para a proibição de anúncios discriminatórios contra trabalhadores negros. (PAULA, 2009). A conjuntura internacional demonstrou que os movimentos sociais acenderam o debate sobre as desigualdades raciais que vitimavam afrodescendentes em todo o mundo, enquanto no Brasil, no período da ditadura militar, o mito da democracia racial foi reavivado. (PAULA, 2009, p. 111). Em 1987, quando o país passou por uma de uma nova Constituição, Carlos Hasenblag compartilhou uma agenda com reivindicações do Movimento Negro, com destaque para aquelas do campo educacional como, por exemplo, a reforma dos currículos escolares para a valorização do negro, principalmente no ensino de disciplinas como História. Portanto, havia uma pressão do Movimento Negro e também de alguns políticos de esquerda para que essas pautas fossem recorrentes até que fossem finalmente consideradas pelo Parlamento. Porém, sabe-se que o regime político dominante não impulsionava essas questões, portanto, elas não ganharam a força que requeriam. Os representantes das entidades do movimento negro do país, na Constituinte, apresentaram as seguintes reivindicações vinculadas à educação: O processo educacional respeitará todos os aspectos da cultura brasileira. É obrigatória a inclusão nos currículos escolares de I, II e III graus, o ensino da história da África e da história do negro no Brasil. (PAULA, 2009, p. 114). II Encontro Nacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (II ENBNA) e o I Encontro Internacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (I EIBNA) Pode-se observar que a pauta foi contemplada na Constituinte, mas a discussão da “inclusão da História afro-brasileira e africana na sala de aula”, como vimos, foi vetada do texto da LBB/96. Mas a temática não foi esquecida. O Movimento se consolidou por meio de suas críticas, atos de protestos, marchas, etc. Na década de 90 ganhou destaque através da ida até Brasília, na realização da Marcha Zumbi dos Palmares (1995), com a entrega de uma petição ao governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, no entanto, obteve o pedido requerido no documento negado. Ainda nos anos 1990 origina-se o movimento voluntario denominado Pré-Vestibular para negros e carentes (PVNC), sendo uma ferramenta para que estes cidadãos pudessem ter a oportunidade de competir com vagas no ensino superior. Ao final dessa década, ocorreram conferências preparatórias para a formação da delegação brasileira à Conferência Mundial da ONU contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, em Durban, África do Sul, em 2001. (PAULA, 2009, p. 114). Porém, algumas constituições estaduais avançaram com a pauta, como foi o caso de Belo Horizonte e Bahia (década de 90), ainda que o governo federal não assumisse a ajusta como obrigação geral – o Movimento recebia apoio das iniciativas locais. Ao se chegar à aprovação da Lei em 2003, ainda que com seu artigo 26 vetado, somouse à legislação, o que levou à criação de secretarias que apoiasse e fiscalizasse a causa. A Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, além das Coordenadorias de Promoção da Igualdade Racial que também atuam no campo político organizacional e no apoio às causas raciais. Esse momento fecundou-se por ser resultado de uma longa participação e influência do Movimento Negro na conjuntura política nacional, uma vez que muitos de seus militantes conseguiram ocupar lugares no Parlamento e no governo. Após mais de meio século de reivindicações, a promulgação da Lei n.º 10. 639 foi vitória, por meio do protagonismo político do Movimento social. Paula (2009, p. 107) afirma que a educação, “mais designadamente, o currículo, é um campo de luta por reconhecimento e promoção da igualdade racial”. E que a questão mais adiante foi ampliada, com a inclusão das culturas indígena, ocorrendo alteração no texto de 2003. Em 2008, seu art. 26-A foi alterado pela Lei Federal nº. 11.645 incluindo a cultura indígena, passando a ter a seguinte redação: II Encontro Nacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (II ENBNA) e o I Encontro Internacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (I EIBNA) Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. § 1o O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil. § 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de literatura e histórias brasileiras. (BRASIL, 2008, online). A nova abordagem veio sinalizar a problemática do negro tocando no âmbito dos povos indígenas brasileiros. A legislação atualizada em 10 de março de 2008 pela Lei n.º 11.645 buscava corroborar a Lei 10.639/03 com acréscimos da obrigatoriedade dos estudos também para a História e Cultura dos indígenas. A legislação vem como base jurídica para que qualquer instituição de ensino da educação infantil ao ensino superior se destituísse do conhecimento eurocêntrico e do racismo institucional presente nos currículos brasileiros. (SOUZA, 2005). Esse movimento de perceber e questionar os lugares de poder, relacionado com a indagação da relação entre direitos e privilégios, demonstra como “infelizmente, o sistema de ensino brasileiro continua sendo um dos principais instrumentos ideológicos de interiorização do negro, [e do indígena] bem como de distorção e ocultamento de sua verdadeira história” (JORNAL DO MNU, apud SOUZA, 2005). Sendo assim, a legislação é uma tentativa de combate no que tange a um regime político de formação dominante que evocou discussões trazidas e apoiadas fundamentalmente pelos movimentos sociais, neste caso pelo Movimento Negro. As nuances do racismo a brasileira têm sido um empecilho ao crescimento do movimento negro num país no qual os negros são maioria em todos os setores e lugares socialmente desprestigiados, e são sempre vistos como suspeitos. Entretanto, se apontam o caráter racista da discriminação nos processos de exploração e competição no trabalho e nas oportunidades educacionais, são imediatamente acusados de praticar o 'racismo às avessas' (SOUZA, 2005, p. 49). II Encontro Nacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (II ENBNA) e o I Encontro Internacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (I EIBNA) Para tanto, ao reconhecer e analisar a história da educação brasileira, pelas nuances das lutas antirracistas pode-se admitir que as políticas de informação que predominaram em cada período e que interferiram no avanço ou retrocesso das pautas que traziam o Movimento, assim como a adequação do mesmo aos debates políticos em questão, como na década de 30 quando o Brasil passava por uma transição e aceitação de si mesmo enquanto nação, momento este em que os negros se sentiam obrigados a chamar atenção para serem vistos como cidadãos dessa nação em desenvolvimento, como sujeito participativo, atuante e não mais como ato passivo de uma formação escravista dominante, advinda do período colonial. Conhecer as agências, seus agentes, atores e política dominante e observar os nós que formam as redes, com a legislação aqui estudada, permite-nos desvelar a raiz de um regime de informação. A luta pela elaboração da Lei n.º 10.639/2003 envolveu atores (estatais e não estatais) que foram percebidos por meio da governança e da governabiblidade, cujas decisões e comportamentos – como o veto de uma legislação – têm efeito sobre a sociedade (BRAMAN, 2004). Sendo a governaça do Estado, para a sua propria manunteção, adiando então a inclusão da pauta antirracista na LDB/1996. Contudo, apesar de afetar a política estrito senso, acredita-se que um regime de informação não se restringe ao campo da política, mas o ultrapassa. É um processo onde novas formas políticas emergem fora do campo da política. 3) RESULTADOS E DISCUSSÃO Observemos que o caminho que a Lei n.º10.639 percorreu se coadunou com os regimes de informação que a antecederam, incluindo momentos de repressão ao movimento negro e suas lideranças. No entanto, a pauta chegou ao parlamento, por meio do deputado Paulo Paim, que retomando os preceitos constitucionais, apresentou à Câmara Federal a proposição de lei. O projeto foi encaminhado ao Senado, “[...] mas arquivado em 1995, certamente por questões políticas e burocráticas, consideradas – na ocasião – mais importantes que o contexto das relações étnico-raciais na educação.” (PEREIRA; SILVA, 2012, p. 6, grifo nosso). II Encontro Nacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (II ENBNA) e o I Encontro Internacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (I EIBNA) Conhecer como foi desenvolvido o sistema de educação brasileiro, nos períodos históricos anteriores a década de 90, ajuda-nos a perceber o porquê as questões raciais ainda eram complicadas de serem tratadas, porque o Brasil foi um país com um longo percurso de escravidão. O Brasil (1500-1815), como Colônia de Portugal percorreu um estreito caminho onde a formação educacional era controlada pelo governo, especialmente pela Igreja Católica, sobretudo pelos jesuítas. Educar fazia parte do regime de informação dominante, constituindo-se como um dispositivo de poder, de formação e de controle. Em todo este período (mais de 300 anos) os negros não tinham acesso direto e exclusivo ao ensino, às vezes não recebiam ensino nenhum, e quando recebiam alguma instrução, esta era limitada (LEITE, 1949). “Para os negros bastava ensinar o idioma para que obedecessem às ordens.” (OLIVEIRA, 2019, p. 42). A educação, no Brasil, foi institucionalizada como símbolo de status social e ascensão política, cuja promoção não tinha acesso a maioria dos cidadãos, principalmente os negros. Em síntese, pode-se dizer que o regime de informação predominante nesse período envolveu uma educação de classe sendo os homens negros e pobres dela excluídos. Na luta para reverter esse quadro, o Movimento Negro colocou-se na cena política, desde os idos de 1930, como protagonista na tentativa de lutar contra o racismo estrutural, cujas raízes escravocratas persistiam escamoteadas pela ideologia da democracia racial, adiando o debate e a lutas pela igualdade racial em nosso país. A história herdada pelo Movimento Negro, que resistiu os “nãos” quando o regime de informação dominante não apoiava a sua causa, vem dando estofo para as suas reivindicações, apoiando suas lideranças no parlamento a conduzir a aprovação das pautas antirracistas. Na educação, a aprovação da Lei nº 10.639 de 2003, cuja temática poderia ter sido incluída na LDB/1996, mas que, devido às forças que regiam o poder naquele período foi adiada, voltou ao parlamento em outro momento. Mas como vimos, percorreu uma extensa temporada até que o Brasil, favorecido por um partido político reconhecido como de esquerda, somasse forças a favor em prol das discussões do negro. 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS II Encontro Nacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (II ENBNA) e o I Encontro Internacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (I EIBNA) Cada período histórico, expressa um regime de informação distinto, ou seja, relações de força que se instauram quando alguns atores sociais ascendem ou declinam. A escola acabou participando desse processo de reconfiguração do Brasil, mas, sobretudo inicialmente com um projeto hegemônico, atendendo a propósitos políticos, econômicos e ideológicos. Não é possível observar esse processo de forma naturalizada, na década de 90 quando houve a discussão e criação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (1996) e dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997)1 a pauta antirracista era para ser incluída, no entanto, estas questões raciais não eram interesses do Estado. Em cada contexto informacional há muitas relações transversais que tocam a promulgação de uma legislação como, por exemplo, as forças de interesse das bancadas políticas partidárias; acontecimentos e circunstâncias na sociedade que reforçam o desenvolvimento e aprovação de uma lei; a bandeira que levanta um partido político, que está no poder; as demandas socioeconômicas, como uma crise etc. Todos esses são exemplos e elementos manuseados que circulam ao redor da aderência a uma legislação. Sendo assim, quando o Estado está a favor de uma “causa”, sua ação é refletida através de investimentos e recursos para garantir benefício ou direito em prol da sociedade, como a aprovação de leis e o desenvolvimento de políticas públicas. Mas, quando essa garantia não advém do Estado para a sociedade, os cidadãos se manifestam para mobilizar o Estado. Desta forma, nota-se que muitas vezes são os movimentos sociais que tentam quebrar esses “regimes de informação”, isto é essas relações de força que estão em luta na sociedade que impõe sua direção. A pauta antirracista na política de Diretrizes e Bases da Educação viria para reparar um apagamento das questões raciais e para corrigir a hegemonia do currículo europeu, notado como favorecedor de uma parcela da sociedade, parcela menor. Entretanto, a aprovação da Lei não é garantia do ensino do conteúdo exigido já que outras ações, como a garantia de formação educacional para os professores quiçá pela supervisão das Secretarias de Educação e outros recursos efetivariam mais a legislação e a colocariam em cumprimento. Oliveira (2019, p. 24) salienta que “o estatuto normativo é um dos nós 1 Sendo incluído nos Parâmetros apenas como tema transversal o que ainda era muito pouco. II Encontro Nacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (II ENBNA) e o I Encontro Internacional de Bibliotecárias(os) Negras(os) e Antirracistas (I EIBNA) que compõem o sistema escolar e por meio do qual também fluem outros meios que engendram sua estrutura”. Sendo assim, a legislação é apenas um dos “nós” do sistema de educação, para que haja êxito no cumprimento da Lei e respeito às questões levantadas pela mesma é necessário que outros nós, dessa rede de atores estejam interligados e seguindo o mesmo propósito. Isto não é garantido, já que o regime dominante sofre alterações a cada mudança protagonista política. REFERÊNCIAS BRAMAN, S. The emergent global information policy regime. New York: Palgrave, 2004. BRASIL. Lei n.º 10.639, de 2003: Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", e dá outras providências. Brasília, DF, 2003. BRASIL. Lei nº 9.394, de 1996: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, DF, 1996. FROHMANN, B. Taking policy beyond Information Science: applying the actor network theory for connectedness: Information, systems, people, organizations. In: ANNUAL CONFERENCE CANADIAN ASSOCIATION FOR INFORMATION SCIENCE, 23., 1995, Edmond, Alberta. Anais […]. Edmond: ACAIS, 1995. GOMES, N. L. Relações Étnico-Raciais, Educação e Descolonização dos Currículos. 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