Academia.edu no longer supports Internet Explorer.
To browse Academia.edu and the wider internet faster and more securely, please take a few seconds to upgrade your browser.
2017
…
18 pages
1 file
Este artigo discute o desemprego na sociedade capitalista contemporânea. Para isso, é recuperada a construção histórica da categoria desemprego a partir dos trabalhos de Robert Castel, Jérôme Gautié e Christian Topalov. Nessa construção, é enfatizada a ética liberal do trabalho, as oscilações entre o assistencialismo desconfiado e a repressão aos "sem trabalho", e o papel assumido pelo seguro social, principalmente no século XX, que tornou a condição assalariada desejável e fundamentou a sociedade chamada de salarial. O retorno do desemprego como uma marca estrutural do capitalismo contemporâneo ameaça a coesão social e recoloca as velhas questões sobre o que é o desempregado e, portanto, de como a sociedade deve tratá-lo.
Revista Brasileira de Ciências Sociais
A SOCIEDADE DO DESEMPREGO: CONTRIBUIÇÕES DO MARXISMO PARA UMA ANÁLISE DO CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO, 2018
Monografia para o Curso de Filosofia da Faculdade São Bento RJ, em 2018. Esse trabalho reflete sobre as mudanças cada vez mais rápidas na vida contemporânea e seus efeitos sobre o emprego. Em paralelo, comenta o empoderamento político dos "Sem Voz": grupos sociais que tinham, historicamente, uma participação muito pequena nas decisões políticas. Observa o conflito entre essas duas tendências e mostra algumas contribuições marxistas para o seu tratamento.
Laplage em Revista, 2018
Este artigo se propoe a situar o trabalho no âmbito dos direitos sociais adquiridos ao longo do seculo XX, sobretudo no pos-guerra a partir do modo de regulacao fordista/keynesianista dando nova forma a sociedade salarial e constituiram a condicao em que se davam a relacao de trabalho e, portanto, instaurando uma condicao humana especifica para o periodo. Tal situacao passa por uma reestruturacao como consequencia da reestruturacao da sociedade capitalista a partir da crise dos anos de 1970. Crise essa que afeta os paises centrais, mas tambem os ditos perifericos ou emergentes. Especificamente, trataremos de um dos inumeros retrocessos vividos recentemente, pelo Brasil, no periodo pos-golpe palaciano e parlamentar de 2016 que e a reforma trabalhista.
Revista Economia & Tecnologia, 2012
Trabalho, Educação e Saúde, 2004
O artigo examina, primeiramente, os resultados de uma pesquisa com indivíduos que procuravam emprego por meio de encaminhamento do Sine - Sistema Nacional de Emprego - de Florianópolis (Santa Catarina), com o propósito de apreender as características mais marcantes de sua vivência como desempregados. Em seguida, ao analisar o significado do desemprego no interior da lógica societal capitalista, conclui que os desempregados se encontram numa situação de dificuldade e, no limite, na impossibilidade de vender não somente a força de trabalho, mas qualquer mercadoria, e, dessa forma, também na impossibilidade de comprar os meios de subsistência para poderem produzir suas vidas como seres humanos. Daí se pode entender que as características de suas vivências são expressão, no seu cotidiano, da produção de sua degradação como seres humanos e, ao mesmo tempo, de suas tentativas de reação a este processo.
Esta pesquisa visou identificar fatores de sofrimento psíquico-social em desempregados. A coleta de dados foi realizada no Posto de Atendimento ao Trabalhador localizado num município do estado de São Paulo. Um Questionário Sociodemográfico e a escala para avaliação de sofrimento psíquico-social de trabalhadores desempregados foram utilizados para coleta de dados. Dos 100 respondentes, 57% são homens e 43% são mulheres, na faixa etária de 19 a 41 anos, com tempo médio de desemprego de 11,7 meses. A escala apresentou a média dos itens que correspondem ao sofrimento psíquico igual a 3,32 (desvio padrão = 1,29), com variação entre "às vezes" e "frequentemente" para aspectos como insegurança, medo e vergonha, enquanto a média do sofrimento social foi de 1,84 (desvio padrão = 0,98), variando entre "raramente" e "às vezes" com indicadores de suporte social de familiares e amigos. Os resultados revelaram a vivência do desemprego por parte dos respondentes e apontou para a necessidade de ações da psicologia nas áreas social, de trabalho e clínica voltadas a auxiliar nos impactos provocados pelo desemprego bem como a criação de políticas públicas para diminuir o impacto da recessão.
PEGADA - A Revista da Geografia do Trabalho
O estudo tematiza, a partir de um enfoque crítico e hermenêutico, as relações entre trabalho e cidadania na sociedade contemporânea, buscando compreende-las na interface mediata das mudanças implicadas pelo movimento do capital em escala global. Explicita, para tanto, os vínculos contraditórios entre trabalho e cidadania no mundo ocidental. Condição que permite, de um lado, compreender o projeto moderno como uma forma de emergência da democracia e dos direitos humanos prefigurados pela ótica do Estado-Nação e, de outro, como uma forma de expansão ilimitada do reino da mercadoria, ou mesmo do capitalismo (nacional). O caráter contraditório desta relação se exacerba na sociedade contemporânea (incluindo a brasileira) a partir da fragilização do lugar do Estado-Nação na garantia dos direitos humanos a partir do advento das políticas neoliberais no contexto da fase de acumulação flexível do capital (transnacional).
Comunicação & Educação, 2006
Revista Economia E Desenvolvimento, 2011
reasons that explain why the crisis is not expressed with higher intensity on the job search. In particular, it seeks to highlight the policies of the federal government that avoided a more serious impact on the Brazilian labor market.
Serviço Social & Sociedade, 2010
A crise, o desemprego e alguns desafios atuais* Crisis, unemployment and some current challenges Ricardo Antunes** Resumo:.Este.texto.pretende.indicar.algumas.das.tendências.presentes.na.crise.atual.e.de.que.modo.ela.afeta.intensamente.a.esfera.do. trabalho.em.escala.global,.seja.por.meio.da.erosão.do.trabalho.contratado.e.regulamentado,.seja.pelo.advento.ou.intensificação.das.mais. diversas.formas.que.encobrem.mecanismos.de.maior.exploração.do. trabalho,. seja. pela. ampliação. do. desemprego. estrutural..Além. de. apresentar.algumas.das.presenças.mais.destrutivas.em.relação.ao.trabalho,.o.texto.mostra.como.os.capitais.transnacionais.buscam,.nessa. processualidade.crítica,.ampliar.ainda.mais.o.desmonte.da.legislação. trabalhista..Por.fim,.esboça.o.desenho.de.um.modo de vida alternativo,. indicando.alguns.de.seus.principais.mecanismos.
Introdução
A partir de meados dos anos 1970, o desemprego, que havia sido esquecido por mais de uma geração nas principais economias do mundo, voltou a constituir um elemento permanente da sociedade capitalista. Ele não só se mantém a níveis elevados, como atinge particularmente os jovens, mantendo-os excluídos do processo de reprodução social. Frente a essa situação, o que está em causa? Essa é a pergunta a que este artigo procura responder. Para respondê-la adequadamente, é necessário se resgatar o processo histórico de construção das categorias empregado / desempregado na sociedade capitalista. Somente assim é possível se entender o quanto o desemprego é desagregador.
Na primeira parte, apoiando-se na leitura de três autores -Robert Castel, Christian Topalov e Jerôme Gautié -é discutida a imagem do desempregado na sociedade pré-industrial e industrial. A seguir é apresentado o conceito de desemprego formado na ética do trabalho. Na terceira parte, são analisados os limites do pensamento liberal a cerca do tratamento a ser concedido a quem não tem trabalho, o que envolve seu reconhecimento ou não como passível de ser legitimamente apoiado. Na quarta e quinta parte, são tratados a importância do surgimento do seguro desemprego na consolidação da ideia do que é o desempregado e o papel exercido pela então chamada sociedade salarial no processo de coesão social, bem como são evidenciados os riscos decorrentes do desemprego atual e da precarização do trabalho no processo de reprodução social. O artigo se encerra com as Considerações Finais.
O pensamento balizador dessa estrutura é que o desemprego é uma categoria criada no capitalismo e que ele evoluiu no tempo. Os autores escolhidos nos auxiliam a ver que fomos treinados a ignorar os desempregados. Diante de pessoas sem emprego ou sem lugar (aquelas que "incomodam") ou, ainda mais grave, diante das que não incomodam (por serem discretas ou resignadas), nos perguntarmos "o que há de errado com elas?"1. Aprendemos a analisá-las, a indagar se são capazes, potencialmente capazes, ou incapazes, ao mesmo tempo em que buscamos as causas de sua desocupação em suas pessoas, em deficiências físicas, mentais ou de sua formação, em sua falta de "empregabilidade". Como grupos humanos, já foram caracterizados e classificados pela caridade patronal organizada. Acreditou-se que eles eram frutos de fenômenos passageiros, superáveis pelo crescimento econômico, pelo controle dos riscos sociais2, pelo acúmulo de riqueza, pela repressão ou banimento. Entretanto, nunca se conseguiu erradicá-los e nem foi possível ignorá-los. Se nos "trinta anos gloriosos" pareceu que eles eram poucos, hoje seu número é supreendentemente grande, de forma que o desemprego já não é mais visto como o resultado de uma má conjuntura, e sim um problema estrutural ao capitalismos.
A imagem do desempregado na sociedade pré-industrial e industrial
A imagem e a autoimagem do desempregado moderno, sobretudo as das pessoas desempregadas por longo período, estão fortemente associadas a sofrimentos pessoais, a riscos de transtornos psicológicos potencialmente irreversíveis3, à violência, à marginalização, a alguma deficiência pessoal grave, como o despreparo para lidar com equipamentos avançados, ao risco de desrespeito à propriedade privada, ao alcoolismo e à degradação do ambiente familiar. Resumidamente, uma ameaça à própria pessoa, à sua família e à coletividade, que, por sua vez, estigmatiza o desempregado.
Em nome de evitar esses riscos, isto é, de manter empregos, foram realizados caros salvamentos de mega empresas, caracterizadas, durante a crise americana de 2008 ("crise do Subprime"), como "grandes demais para quebrar". Entretanto, nem os cidadãos inadimplentes e nem pequenas empresas receberam ajuda direta, sob os argumentos de "risco moral"; da função pedagógica do desemprego4, que ensina trabalhadores a se contentarem com seus salários; e da vigilante desconfiança em relação aos pequenos assistidos. À desconfiança é associada deias como: os pobres são "espertos", as ajudas podem incentivar a indisciplina ou a acomodação dos assistidos e, no caso de empresas, incentivar a ineficiência (exceção feita às grandes demais para quebrar). Esses argumentos não representam novidades, pois foram elaborados e reelaborados desde o final da Idade Média e foram muito relevantes para a formulação da sociedade salarial do século XIX. Como se verá adiante, essas ideias são peças chave de nossa visão moderna sobre o desemprego e sobre o desempregado.
Essa imagem moderna do desemprego e do desempregado não é perene, natural, universal, eterna, nem trata-se de um fenômeno inevitável. Ela é passível de transformação, e seus limites foram construídos por longos e duros confrontos, por um amplo trabalho reformador, doutrinário e ideológico. Se a imagem pode sugerir que a atual estrutura social ocidental é a única alternativa possível, que apenas o crescimento econômico pode amenizar a inconveniência do desemprego, as investigações e reflexões de autores franceses, como Topalov5, Castel6 e Gautié7, lançaram diversos questionamentos sobre o tema, relacionando-o com a metamorfose ou a transitoriedade desse conceito.
O que entendemos como desemprego depende do (re)entendimento das relações de trabalho, da defesa (ou do ataque) das proteções sociais, de reconhecermos as pessoas como proprietárias de si e como seres livres. Também podemos entender o desempregado como indivíduo (des) protegido ou, ainda, ameaçado ao limite da ruptura social, atomizado, rotulado de "não empregável", excluído8 sem chances de retorno, estigmatizado. Essas abordagens e questionamentos podem divergir do senso comum ou mesmo da ortodoxia econômica, acostumados a índices "naturais", equilíbrios e ciências positivistas, e pouco interessados nas investigações sobre a construção desses conceitos. O desemprego é um fenômeno social, econômico e político; não é exclusivamente pessoal, situação em que caberia a autoincriminação ou um sofrimento resignado, nem simples consequência da falta de autoinvestimento em "capital humano"9.
Robert Castel (2012), em seu livro As metamorfoses da questão social, nomeia como "sociedade pré-industrial" o período histórico da metade do século XIV ao fim do século XVIII, no Ocidente Cristão, que teve relativa unidade em termos de organização do trabalho. Esse período conheceu transformações econômicas e sociais que moldaram um sistema de coerção, uma obstinação de eliminar a "vagabundagem". Investigando o que foi encoberto pelo rótulo de "vagabundo", Castel constatou que: "Na maioria das vezes, este condena a andança de um trabalhador, que vive a instabilidade do emprego, em busca de uma ocupação que se esquiva" (CASTEL, 2012, p 43). A imagem dos que hoje chamaríamos de "desempregados", na sociedade pré-industrial relaciona-se e confunde-se com a imagem do vagabundo -o indigno de receber ajuda porque era válido para o trabalho -, que foi perseguido, estigmatizado e temido. Trata-se frequentemente de um trabalhador que necessitava recorrer ao assalariamento10 numa sociedade com tutelas tradicionais e com obrigações sociais ainda não econômicas (compra e venda de trabalho).
O vagabundo é um desenraizado, um forasteiro, não digno de receber ajuda da solidariedade "proximal" (dos que compartilham o mesmo espaço geográfico, da mesma paróquia). Assim, ele expõe-se a uma dupla vulnerabilidade: o trabalho incerto e a falta de suporte pela proximidade. "A assistência é primeiramente uma proteção próxima. Diz respeito primeiramente a um próximo, ameaçado de afastamento social e incapaz de prover suas necessidades por seus próprios meios" (CASTEL, 2012, p 60 e 130).
O assalariado era aquele que dependia da venda de seu trabalho, podendo necessitar deslocar-se para outras vilas. No caso de ser especializado, poderia receber ajuda da corporação para esse trânsito. Assim, ele estava mais sujeito à precariedade do trabalho do que à falta de solidariedade proximal, já que não era desenraizado inicialmente, mas poderia acabar misturando-se com os desenraizados, durante o caminho. Apesar da distinção sutil entre aquele que ainda poderia contar com assistência proximal e ser reconhecido e o outro que não contava com testemunho de seu caráter, sendo desconhecido e desenraizado, ambos eram considerados trabalhadores válidos e, portanto, controlados, perseguidos; em momentos mais radicais, presos e "tornados úteis". Tentou-se estabilizá-los, em outros momentos, condenandoos a trabalhos obrigatórios ou à emigração. Posteriormente, foram empreendidas ações para separá-los de suas pequenas propriedades rurais ou de suas ferramentas, para comprometê-los com as necessidades da grande indústria nascente, da qual deveriam tornar-se dependentes (CASTEL, 2012, p 145-57). Para Jerôme Gautié (1998, p 69-70), a "vagabundagem" sempre existiu residualmente, entretanto depois da peste negra, no início do século XIV, ganhou amplitude e foi percebida como ameaça à ordem tradicional, emergindo como questão social da época.
Nos primeiros séculos do primeiro milênio, a sociedade medieval passou de essencialmente agrária para uma bipolaridade urbana e rural. No meio rural, parte importante da propriedade se fragmentou, dando origem ao pauperismo, que se manifestou intensamente nas cidades, onde algumas pessoas ascenderiam -às vezes, até a burguesia e ofícios -e outras seriam semi assalariadas (quando mantinham ainda um pequeno pedaço de terra) ou assalariados integrais (sem terra). Houve uma movimentação de terra, de bens e de homens, dando início a algo semelhante à liberdade, Esse movimento de homens tornou-se um empecilho para o aumento ou a manutenção da produtividade da terra e da indústria (CASTEL, 2012, p 113).
Após a peste negra, que matou um terço da população europeia no século XIV, houve falta de mão de obra e elevação dos salários. Em 1349, Eduardo III, rei da Inglaterra, promulgou o Estatuto dos Trabalhadores, impondo a obrigação de servir, retroagindo o nível salarial aos antigos valores, proibindo esmolas e doações e fluxo de súditos. Esse estatuto, que se opõe ao código de assistência, foi seguido de outros similares ou mais rígidos, na própria Inglaterra, na França, Portugal, Aragão, Castela, Baviera e ainda em cidades-Estados, impondo trabalho obrigatório e imobilidade a populações em um momento em que a fome e os andantes faziam parte da paisagem, e que não poderiam agir de outra forma (CASTEL, 2012, p 96-106). O Estatuto do Trabalho de Eduardo III pretendia fixar os trabalhadores, impedindo sua livre movimentação.
As pessoas que se desprenderam de suas antigas inserções e não se (re) integraram -os desfiliados -começaram a ser vistas como uma questão social. Assim como a oferta de oportunidades e de salários aumentou, também cresceu o número de pessoas "rejeitadas". Os trabalhadores agrícolas desterritorizados não apresentavam as qualidades exigidas pela modernização do aparelho produtivo. A situação era de desemprego em ambiente com aumento de demanda, no qual as pessoas são "livres", mas carentes de tudo. Havia pessoas desterritorizadas, sem a qualificação desejada, com grande mobilidade e com a presença de um código que desejava fixá-las. "A liberdade chega-lhes como uma maldição" (CASTEL, 2012, p 118).
Questionando, Castel reflete: Qual o seu lugar? Nenhum. Os desterritorizados eram inúteis para o mundo, selvagens sem fé, ligados ao crime e a atividades ilegais, perseguidos, presos, mortos, condenados a trabalhos forçados e à galera, marcados com a letra "V" com ferro em brasa, deportados, transformados em escravos. Tudo isso acontecia em pleno Renascimento. Nada tendo a perder, essas pessoas tornaram-se uma classe perigosa, criminalizada. Para erradicá-la, seria necessária uma intervenção especializada, mas o constante fracasso das políticas adotadas trouxe uma lição válida até os dias de hoje: "O cerne da problemática da exclusão não está onde estão os excluídos" (CASTEL, 2012, p 128-43).
Gautié (1998, p 69-70) afirma que a miséria e a pobreza existiram em praticamente todas sociedades, excluindo as primitivas11. Particularmente a pobreza das sociedades pré-industriais, do século XIV ao fim do século XVIII, recebeu tratamento que oscilou entre a assistência e a repressão, sempre sobre um fundo produtivista (acentuado a partir do século XVII), que esperava tornar os pobres rentáveis, expectativa quase sempre frustrada. A assistência relacionava-se à caridade cristã (a esmola permitiria a salvação pessoal do rico) e foi regida pela proximidade geográfica (próximo era aquele que estava espacialmente perto) e pela preocupação em apoiar o bom pobre, o que implicou o desenvolvimento de uma atividade classificatória.
No final do século XVII e início do XVIII, há uma tomada de consciência da vulnerabilidade de massa. Uma massa de pessoas que vivia em condições precárias, limítrofes, bastando uma crise para que ficassem dependentes. Conforme o lugar e a época, entre um terço e a metade da população, vivia "pensando só no dia de hoje", sem autonomia mínima, sem reservas. A precariedade não era restrita aos que não trabalhavam, aos mendigos e "vagabundos", mas também aos que trabalhavam, isso em razão dos baixos salários, da instabilidade e intermitência do emprego. Ser pobre era quase sinônimo de ser trabalhador. Pagar pouco foi visto como um antídoto contra a ociosidade, um corretivo contra os "vícios do povo". A representação da indigência não se restringia mais ao mendigo e aos miseráveis. Na Inglaterra, continua Castel (2012, p 225): "no fim do século XVII, entre um quarto a metade da população vivia em uma situação próxima da indigência".
Segundo esse autor, a miséria levou à um enigma na história social do século XIX: as regiões mais pobres possuíam menos indigentes, enquanto as mais opulentas possuíam mais miseráveis. No Portugal "pré-industrial", a pobreza era menos visível e mais integrada, enquanto na Inglaterra, a Revolução Industrial multiplicou riquezas e indigência, sendo onipresente, maciça e visível. A indústria foi comparada a Saturno, que devora seus filhos e vive de sua morte, e acusada de utilizar passageiramente pessoas e crianças de maneira insegura, amontoando-as em subúrbios sem higiene e sem bons costumes. O pauperismo, originado pela industrialização, era condição de imoralidade e degradação dos operários e de suas famílias. O medo e o desprezo pelos proletários, uma "classe perigosa" que habitava os subúrbios das cidades fabris, revelou que a consciência de classe não é uma invenção apenas dos coletivistas (CASTEL, 2012, p 283-90).
O pauperismo representou o fracasso do otimismo liberal, pois quase a totalidade da população operária parisiense12 corria o risco de desfiliação. No entanto, os princípios liberais defendiam uma assistência sem Estado, pois este nada devia a quem não o servia, não devendo, portanto, intervir. Assim, abria-se espaço para uma "política sem Estado", uma volta da tutela sem o intervencionismo estadual. A política social deveria ser responsabilidade dos cidadãos esclarecidos, de patrões que assumiam voluntariamente a proteção das classes populares. "A virtude do rico funciona como cimento social que filia novamente esses novos bárbaros que são indigentes dos tempos modernos" (CASTEL, 2012, p 320).
Também a "economia da salvação" trouxe uma vantagem para as duas partes: o rico ganhava a salvação, e o pobre também era salvo, desde que aceitasse sua condição. Houve uma percepção discriminatória da pobreza. Os pobres que se revoltavam contra a ordem do mundo (desejada por Deus) eram heréticos, pecadores. "O 'pobre ruim' é antes de tudo uma categoria teológica" (CASTEL, 2012, p 66). Conforme Gautié (1998, p 70), os pobres que mereciam ajuda eram as crianças, os órfãos, os velhos, os doentes13 e os inválidos. O pobre válido para o trabalho era uma figura infame, que deveria ser reprimido.
Em alguns períodos, a assistência é prioritária, em outros, a suspeita sobre a eficiência das políticas assistenciais, somado à desconfiança de encorajar o fenômeno que desejam combater, levaram a atitudes repressivas. Para Gautié, a dupla assistência/repressão, piedade/força, fundamentam as políticas sociais até hoje. As ideias repressivas prevaleceram na Lei dos pobres (Poor Laws), que desenvolveram as workhouses inglesas, ou no grande enclausuramento francês, na metade do século XVII. Citando Foucault, Gautié (1998, p 70) relata que os hospitais de caridade foram verdadeiras "manufaturas-prisões"14 e sua emergência foi associada ao aparecimento da ordem mercantil e da disciplina do corpo, ligado ao objetivo da integração à ordem capitalista. O produtivismo (intenção de transformar assistidos em úteis) e a moral foram marcantes tanto na assistência como na repressão.
Castel descreve que a proteção proximal passou por contradições: da assistencial cristã à racional laica; da família-previdência (não interdepender priva os indivíduos de proteções); da coerção sobre o vagabundo que devia trabalhar mas não o podia por ter sido desfiliado; da questão dos pobres envergonhados 15 que ficaram livres de trabalhos braçais pelo seu capital social; da impossibilidade de pessoas válidas se auto sustentarem, dos miseráveis válidos que desejavam mas não tinham trabalho, ou se o tivessem, não conseguiam o necessário para manter-se. Essas contradições da história da assistência mostram que a exigência da incapacidade de trabalhar para obter auxílios não foi um critério permanente. Por não conseguirem mantê-lo, tiveram que adaptá-lo. "Tropeçam na impossibilidade de retrabalhar completamente os problemas que a indigência válida suscita dentro das categorias específicas da assistência" (CASTEL, 2012, p 92).
O conceito contemporâneo de desemprego e a ética do trabalho
Gautié explica que o pauperismo do início da industrialização antecedeu à invenção do desemprego nas sociedades ocidentais europeias. O julgamento moral sobre estes trabalhadores miseráveis e a emergência da economia clássica, que é o paradigma da ciência econômica dominante atual, influiu na criação do conceito do desemprego. Uma nova concepção de riqueza e de trabalho deixou de se basear em fundamentos morais, passando a se constituir numa concepção econômica. Adam Smith superou a concepção do trabalho como maldição bíblica, reconhecendo-o como fundamento da riqueza (valor trabalho) e considerando que ele deve se desenvolver livremente, submetido às leis do mercado (GAUTIÉ, 1998, p 74).
Christian Topalov (1990) enfatizou o conceito de desemprego como criação, não com uma descoberta de filantropos, reformadores e administradores que, pelos avanços das ciências, reconheceram problemas sociais já existentes, acarretados pela industrialização e pela urbanização. O conceito moderno de desemprego surgiu pela necessidade administrativa, cuja classificação afeta o dispositivo de intervenção. Foi somente na passagem para o século XX que se admitiu o desemprego de caráter involuntário: "Assim, a partir da virada do século, começou a emergir uma nova concepção de desemprego. A causa deste não mais seria atribuída aos defeitos pessoais dos desempregados; ficou aceito que o desemprego resulta das leis objetivas do mercado" (p. 384), uma abordagem do desemprego que colaborou para superar o moralismo vitoriano, abrindo para a era da administração moderna do social.
Nem o desenvolvimento da industrialização resolveu o problema da pobreza. À pobreza clássica, 'resíduo' composto dos desfiliados da ordem tradicional, vai suceder uma miséria maciça, rapidamente percebida como a consequência direta do funcionamento do novo sistema econômico: a fábrica produzindo dois artigos, como numa piada de mau gosto, 'algodão e pobres'. Ao lado do miserável desprovido de trabalho aparece o trabalhador miserável (GAUTIÉ, 1998, p 73).
Coube à política resolver essa contradição, pela revolução ou pela questão social, por reformadores ou por conservadores, pelo direito ao trabalho ou pela autorização do trabalho sem distinções. Dominaria até o final do século XIX uma "política social sem Estado", uma vitória liberal-conservadora, marcada pela assistência personalizada, aos indigentes, e pela assistência da patronagem para os operários. Os reformadores também consideraram a necessidade das empresas não sofrerem com a falta periódica de força de trabalho. A ligação dos operários com as empresas era inicialmente fraca, notadamente na França, onde muitos operários eram também agricultores. Uma estabilização relativa foi conseguida com uma construção jurídica, passando de uma concepção do direito civil para o direito do trabalho, de uma relação simples de troca à outra, que cria uma relação de subordinação do indivíduo à empresa, vinculando o trabalhador com o empregador. O emprego passou a ser uma relação social e jurídica, regulando a participação dos indivíduos na produção da riqueza. Escritórios de empregos teriam o papel de separar os bons e os maus desempregados. Os bons seriam aptos, temporariamente desprovidos de emprego; os outros, "não empregáveis" ou preguiçosos, necessitando de assistência ou de repressão (GAUTIÉ,1998, p 74, 75).
A passagem da cultura pré-industrial para a ética do trabalho assalariado é descrita por Topalov (1990, p 382) como uma transição dolorosa e pelo afastamento de trabalhadores dos meios de produção, criando o trabalhador livre, aquele que teria que ganhar a vida apenas com "a força de seus braços". Castel (2012, p 226) acrescenta: a obrigação ao trabalho é a única forma de pagar a dívida social, para aqueles que só têm a força de seus braços. É a contrapartida por estar fora da ordem da riqueza.
Conforme Topalov (1990, p 381-2), a resistência a essa nova ética, à fábrica e ao assalariamento pode ser constatada pela queda da atividade feminina quando "as moças chegam à idade de casar", pelo apego dos operários camponeses à sua pequena propriedade agrícola, pela mobilidade espacial, práticas de poupanças operárias, absenteísmo e rotatividade. Quando as condições dos operários de ofício permitiam, o trabalhador desejava trabalhar menos, com mais liberdade para si, ou mesmo não fazer nada. As dificuldades de impor a relação salarial são permanentes no capitalismo. Contraditoriamente, a relação salarial impõe à força o trabalho livre, desejando-o livre, porém dependente.
Após a Grande Depressão de 1880-90, estabeleceu-se a noção moderna de desemprego, relacionado à nova relação salarial imposta pela mecanização e pelo sistema de fábrica. É a definição de desemprego que redefinirá o trabalho. O termo desemprego, chômage, em francês, no final do século XIX, tinha um sentido muito amplo, abrangia as folgas dos operários nos dias santos, entressafra, greves, doenças, idade. Nos países anglo-saxões, o termo fora do trabalho (out of work) distinguia-se de desempregado (unemployed), mas certos sindicatos pagavam o auxílio-desemprego em várias situações de perda de salário, como doenças, invalidez, falta de trabalho, falência patronal, incêndio, lockout, greve, pane na oficina, perseguição patronal. Ambos os conceitos, francês e inglês, mantiveram certa confusão de significados durante muito tempo. Mas a formulação teórica por grupos de reformadores, para intervenções distintas junto aos pobres, elaborou classificações mais precisas. Estas, por sua vez, modelaram a realidade a partir das classificações. A obra do reformador social inglês, William Beveridge, "Unemployment, a Problem of Industry", publicado em Londres, em 1909, foi um instrumento para a definição de novas políticas públicas. Admitindo e especificando o desemprego involuntário, classificou também os desempregados e foi aplicado a enormes contingentes de pobres da cidade industrial (TOPOLOV, 1990, p 283-5).
Concepções classificatórias como a de Beveridge propiciariam a separação entre aqueles que merecem ajuda e apoio, daqueles que não querem ou não possuem energia suficiente para um emprego regular, necessitando de disciplina e de dispositivos de coerção. Beveridge defendeu a criação de agências públicas de emprego para impossibilitar, gradualmente, o trabalho intermitente e ocasional, colocando o operário nesta condição nas mãos dos reformadores para ser formado e disciplinado. Beveridge desconsiderava fatos como a peregrinação forçada de operários no século XIX; a imigração "trans-fronteiras" dos mineiros de ferro de Lorena que voltavam de tempos em tempos à Itália; e os trabalhadores das aciarias da Pensilvânia que retornavam para a Eslováquia, Croácia e Hungria (TOPALOV, 1990, p 387-8). Para Castel (2012, p 420), o doutrinador inglês acabou colaborando para produzir a visão do desemprego moderno, desconsiderando a sazonalidade da própria indústria, as crises industriais e as necessidades de famílias operárias urbanas, não mais ligadas à propriedade rural, subsistirem durante todo o ano e a toda conjuntura econômica. Foi a partir do julgamento moral e da desconfiança que foram elaboradas classificações que geraram seus próprios diagnósticos e estatísticas e que permitiram ações disciplinadoras. A realidade foi "criada" pelas classificações necessárias ao funcionamento de nossas sociedades salariais. A noção moderna de emprego e de desemprego iniciou-se pela nítida separação entre estes dois conceitos, segundo a qual inativos e semiativos devem ser excluídos ou submetidos aos regulamentos e adaptados ao modelo de disciplina operária.
Reivindicações como a celebração da Santa Segunda-feira (França e Inglaterra), do direito de falar, de pausas para beber e fumar, foram algumas maneiras de controlar o tempo ou de reduzir esforços que os trabalhadores especializados encontraram. Isso se manifestava quanto mais eficientes e essenciais fossem os trabalhadores para a produção. Por outro lado, parte dessas reivindicações pode ser vista como amortizadora do desemprego, como opção de repartir o trabalho e a remuneração por períodos mais longos. A reação do patronato ocorreu pela divisão de trabalho -que permitiu a passagem de atividades complexas às menos complexas, feitas por trabalhadores menos qualificados -, pela fixação de prêmios por produção, pela contratação por empreitadas ou por meio de mecanização, quando habilidades outrora necessárias passaram a ser feitas pelas máquinas. O taylorismo pode ser visto como uma componente importante nesse conflito de interesses e como forma de controle (TOPALOV,1990, p 388-91).
Os não empregáveis possuiriam produtividade "fraca demais" para serem empregados ao salário corrente ou mesmo ao de subsistência; dependeriam, assim, da assistência para as desvantagens que não poderiam ser modificadas ou da política de formação para os casos possíveis de correção. Beveridge completou a categoria do desemprego ao distinguir suas causas como conjunturais, sazonais, estruturais ou como fruto de inadequação. Assim, passou-se de uma coleção de indivíduos pobres, indigentes ou desempregados para um fenômeno macrossocial: o desemprego. A partir dos anos 1930, nos Estados Unidos, o trabalho estatístico conferiu "realidade" e caráter operatório a esse conceito. O desemprego pôde, assim, ser monitorado por diversos atores. Foi mais do que um nome de uma realidade antiga, foi mais que "a falta de trabalho, que teria adquirido dimensões particularmente importantes com a industrialização". O desemprego é antes de tudo uma categoria de ação, feita por reformadores sociais, sendo estes orientados para a intervenção pública, para uma concepção estatística e macrossocial, associando o desemprego a um risco social. Ideologicamente, o desemprego foi marcado pelo durkeiminismo e uma técnica de seguro, ou seja, pelo solidarismo e pela estatística (GAUTIÉ, 1998, p 74-7).
A Assistência, a virada liberal e a Leis dos Pobres
Christian Topalov, cuja ideias seguiremos neste tópico, diz que a existência de uma tensão constante entre o princípio filantrópico e liberal, "as duas faces da medalha na época do laissez-faire", provocou expansões e contrações no auxílio ao indigente e também no desenvolvimento de dispositivos repressivos. O princípio liberal diferia do filantrópico por considerar que o Estado não devia nada a quem não o servia, devendo a sobrevivência do inválido ficar somente a cargo da caridade privada, o que explica fatos como a retirada de ajuda a todas instituições filantrópicas pelo Estado de Nova Iorque, em 1873 (TOPALOV, (1990, p 388-9).
Workhouse (Inglaterra), Almshouse (EUA) e Hospitais Gerais já existiam e, no início do século XIX, essas instituições punitivas começaram a se transformar paulatinamente em "dispositivos de transformação íntima dos seres"16, com base científica, objetivando reeducar os assistidos, inválidos, pobres, fracos para o trabalho, doentes e vagabundos e evitando que as ações de socorro perpetuassem os efeitos que desejavam combater, ou seja, manter a pobreza e as debilidades de quem era socorrido. Mas o alto custo e o insucesso recorrente dessas técnicas levaram a reformas, preservando a ideia de necessidade da classificação. Contudo, a maioria dos pobres não ficaram nessas instituições, mas sim nos bairros operários, onde a dinâmica de solidariedade permitia a sua sobrevivência.
Uma virada liberal ocorreu com a reforma de 1834, quando a Poor Laws, a Lei dos pobres inglesa, só admitiu ajuda aos necessitado mediante seu confinamento em Workhouses e com perda de seus direitos civis. Essa diretriz prevaleceria na maioria dos países industrializados, com o afastamento dos Estados e com intenção da produção de trabalhadores livres, prevalecendo a ideia liberal. A assistência foi deixada à filantropia sustentada pelo patronato, que por sua vez, esperava reconhecimento e fidelidade por parte de seus assistidos. O triunfo do capitalismo liberal tentou eliminar a "economia moral", na qual o provento só poderia vir pelo trabalho assalariado, mas o pobre deveria ser socorrido pelo "poderoso" (TOPALOV, 1990, p 388-9). Cheia de contradições, a assistência patronal desejava criar um patronato com sua clientela.
Entretanto, as forças sociais socorristas -como a Igreja, a prefeitura, as elites das grandes cidades americanas -desejavam criar suas próprias massas urbanas obedientes e ter seu domínio político. Essa situação ocasionou tensões entre interesses distintos e gerou a possibilidade de o pobre procurar auxílio em patronatos concorrentes, "obtendo mais do que precisa" ou mais do que conseguiria antes com as autoridades locais. A resposta liberal foi a criação da filantropia científica ou a caridade organizada, centralizando sistematicamente os pedidos de auxílios (evitando a duplicidade de ajuda e eliminando os indesejáveis), disciplinando, inspecionando, classificando e tendo como propósito um caráter reformador.
Para os homens válidos, os auxílios ficam subordinados ao trabalho. Para mulheres e famílias, as inspeções regulares do domicilio, ao controle do orçamento, à adoção de práticas de higiene. Para as moças, à participação em atividades educativas adaptadas à sua idade. Categorias particulares deverão ser tratadas em instituições especializadas: à noção de debilidade ou a de delinquência surgem então como instrumentos de intervenção concreta (TOPALOV, 1990, p 399).
Seguro social: alívio de tensão e redefinidor do conceito de desemprego
Castel relata que nos debates da Constituição francesa de 1793, discutiu-se a visão de que a propriedade faria o cidadão, o patriota e daria segurança nos infortúnios. As propriedades coletivas, não sendo apropriáveis individualmente, não dariam suporte suficiente às necessidades. A questão fundamental era como oferecer igualdade de fato, sem cair na reforma agrária ou na partilha das fortunas.
A questão foi respondida por uma mudança de interpretação: a segurança é dada por uma construção coletiva, por um seguro obrigatório, em vez da difícil propriedade, que implicaria em divisões de fortunas, de reformas agrárias que retirariam trabalhadores da indústria nascente, da relativização da propriedade, com entendimentos que ressaltariam a função social ou reconheceriam o caráter social da propriedade. A constituição francesa de 1793 reconheceu o direito de propriedade, punindo de morte qualquer pessoa que propusesse reforma agrária. Para solução da questão social, criouse um seguro obrigatório, com regras de funcionamento social, mas de usufruto individual, aproximando-se do funcionamento de um patrimônio privado. Esse seguro representou um incentivo à poupança (o poupador já era um minúsculo proprietário), promoveu a seguridade, não ameaçou a propriedade e nem as relações de produção (CASTEL, 2012, p 392-8). Em uma nota (número128), o autor observou que a previdência do trabalhador rural ficou presa à propriedade da terra, um núcleo mais arcaico. O papel do seguro social, no caso da falta de propriedade própria, caso da maior parte da população francesa, pode ser esclarecida pelo trecho seguinte:
A tarefa de uma política social a partir do século XIX será, realmente, escorar esta estrutura muito friável do livre contrato de trabalho. [...] A liberdade e o individualismo triunfantes comportam uma face sombria: a individualidade negativa de todos aqueles que se encontram sem vínculos e sem suportes, privados de qualquer proteção e de qualquer reconhecimento (CASTEL, 2012, p 45).
Com o fracasso da filantropia sem o Estado, na época pré-Revolução Francesa, surgia a expectativa de que o Estado Social pudesse dar respostas, garantias e evitar a ruptura do tecido social. Castel (2012, p 345-52) descreveu duas posições antagônicas: os partidários da luta de classes e os moralizadores filantropos. Os primeiros, revolucionários, possuíam perspectiva da luta entre explorados e exploradores; enquanto os segundos, conservadores, tinham visão da mansidão de pessoas de bem, relacionando-as com miseráveis, assistencialmente e paternalisticamente. O Estado Social, terceiro elemento entre esses "atores", abriu espaço de negociação, buscando uma ação pública que evitasse intervenção sobre a propriedade e a economia. Embora constituído lentamente, foi inovador o advento do seguro. A propriedade social reelaborou o conflito secular entre o patrimônio privado e o trabalho, admitiu e contornou o antagonismo de classes, criou o direito ao trabalho, como o direito de viver trabalhando e para os abastados, o direito à propriedade.
Os primeiros beneficiários do seguro foram aqueles que apenas possuíam seu trabalho para sobreviver, no começo do século XX. Nesse contexto, teve início na França um complexo processo de mudar do seguro propriedade para o seguro direito. "O seguro atualiza um modelo de solidariedade, mesmo que os acionistas não estão conscientes disto. [...] Um trabalhador não compra um seguro para ser solidário com os outros cotistas, mas o é. [...] Um risco individual é 'coberto' pelo fato de que está assegurado no quadro de uma participação num grupo" (CASTEL, 2012, p 382-6). Assim, a segurança mudou a relação propriedade-trabalho, tornou-se o primeiro passo para a sociedade salarial e contornou a oposição trabalho-propriedade, elaborando uma propriedade coletiva que seria justaposta à propriedade privada e compensando a falta de propriedade. Ocorreu a mutação da seguridade-propriedade para a seguridade-direito. Como alguns indivíduos estavam expostos aos riscos, enquanto seu trabalho representava o interesse de todos, indenizar vítimas ou suas famílias é um ato de justiça. A velhice também deveria ser assegurada, depois que um trabalhador tivesse gastado suas forças em empreendimentos de interesse coletivos (CASTEL, 2012, p 382-7).
Apesar do surgimento do seguro social, continuou a existir divergência entre empregadores, empregados e desempregados, e também a desconfiança no uso de auxílio desemprego. Topalov e Gautié mostram a "saída social" com um novo conceito de desemprego, que exige a permanência no mercado de trabalho. O seguro social evitaria o risco do abuso dos maus pobres e preservaria a sobrevivência do bom pobre que estaria temporariamente sem emprego. Topalov (1990, p 396) relatou como Beveridge defendeu um seguro desemprego que protegesse os trabalhadores estabilizados no regime assalariado, que poderiam estar desempregados independentemente de suas vontades, mas deixando os instáveis sem proteção a serem tratados "como convém", pela emigração, nos centros de reeducação pelo trabalho voluntário e, às vezes, até obrigatório. O seguro-desemprego separou o joio do trigo, estabilizando a relação salarial em uma instável economia baseada na concorrência. Apoiando-se em regras, evitando o arbitrário do "corpo a corpo filantrópico", tendo como intenção favorecer o empregador e o operário regular, exaltou a poupança e a previdência. Separou quem tinha direitos (porque trabalhavam) dos outros, instáveis ou fora do mercado de trabalho. Mas as únicas instituições que praticavam o seguro-desemprego eram os sindicatos operários. Os reformadores nelas se inspiraram, adaptando-o a outros interesses.
A noção moderna de desemprego, ligado à permanência no mercado de trabalho e à ideia do trabalhar como obrigação, permitiria a introdução de certas práticas, como a interrupção do seguro-desemprego quando deixasse de ser involuntário e sua distinção com relação a outras causas que ocasionam perda de salário, como a doença, greve, lockout ou falta. Mudaria também o modo de financiar o seguro e com clara definição do risco coberto. Uma recusa a um emprego proposto implicaria a suspensão do seguro desemprego controlado pelo Estado, ao contrário do seguro desemprego do sindicato que permitia que o trabalhador recusasse uma oferta com salário abaixo das normas sindicais. Dessa forma, quando na mão do sindicato, era um instrumento de luta social, para além de um "instituto" de previdência.
Para Gautié, em termos de intervenção pública, a construção da categoria desemprego só terminaria com a crise de 1929. Keynes, teve papel central para dar base teórica e justificação para as ações de intervenção pública. A grande força do keynesianismo foi reconciliar o econômico e o social -que o século XIX tratava como contraditórios -e o estímulo da atividade econômica ao direito ao trabalho, reunindo o econômico ao Estado Providência. Keynes inspirou as políticas de pleno emprego dos países ocidentais nos "trinta anos gloriosos" seguintes após o final da II Guerra Mundial (GAUTIÉ, 1998, p 77). Por esse motivo, a desconstrução da categoria desemprego afeta a ciência econômica como referência da intervenção pública.
O seguro social criou um novo compromisso coletivo, uma propriedade social, reabilitou os não proprietários, os somente assalariados, oferecendo segurança em reconhecimento ao trabalho assalariado, à submissão e disciplina. As relações de trabalho, que puderam ser estruturadas em torno do Estado Social, permitiram o exercício da cidadania, o desenvolvimento de estratégias pessoais, a liberdade de escolha, a apropriação do corpo, do tempo, do destino, pois garantiam alguma segurança. Ficar sem emprego tornou-se mais do que perder renda, significava o risco de não ter garantias sociais (CASTEL, 2013, p 22).
A sociedade salarial, a coesão social, a precarização e o futuro do trabalho
Com a urbanização e o desenvolvimento da indústria, o assalariado instalou-se e consolidou-se. O assalariamento não era mais uma condição provisória, da qual se buscava sair o mais rápido possível. A sociedade salarial não era apenas um lugar onde a maioria de seus membros é assalariada, mas representava uma forma de inserção social, ligada ao lugar que ocupavam no salariado. O assalariamento proporcionava não apenas renda, mas status, proteção, identidade, distintamente de antigas relações em que a proteção estava relacionada à propriedade de bens. Ser assalariado não era mais uma situação indesejada. A segurança diante das incertezas da vida deixava de ser privilégio dos que possuíam posses. Ao assalariado foi prometido, pela seguridade, poder controlar seu futuro, superando a desvantagem inicial e o descrédito, tornando-se, nos anos 1960, a base da sociedade salarial moderna, consolidada juridicamente (CASTEL, 2013, p 22).
A proteção e a regulação passaram a ser um novo atrativo, dignificavam e consolidavam o assalariamento. A proteção ligada ao trabalho tornou interessante para os trabalhadores independentes, também para os representantes da burguesia e de fortunas, que colocavam seus filhos no mercado de trabalho, geralmente por meio de grandes escolas, diplomados e em posição superior. Essas proteção e regulação foram desenvolvidas na negociação conflituosa entre diferentes parceiros, não representaram a superação da exploração, da competição entre grupos sociais e da forte hierarquia, mas significaram a possibilidade de garantir um mínimo a todos, uma promessa de vantagem futura ao controlar incertezas (CASTEL, 2013, p 287-94).
Este autor constata que, durante os "trinta anos gloriosos" (1945 -1973) houve uma sinergia entre o crescimento econômico e o quase pleno emprego com a proteção social e o direito do trabalho. Isso estava fundado na ideia de que era possível o enriquecimento coletivo por meio de desenvolvimento e regulação estatal, passando a impressão de que a questão social seria resolvida pelo crescimento indefinido. Nesse período, a expectativa de obter mais no futuro possibilitou desenvolver estratégias de longo prazo: "meu filho irá à escola, diplomará e ascenderá". Mesmo permanecendo as desigualdades, os bolsões de pobreza, as injustiças, pensava-se que esses seriam reduzidos. "O futuro será melhor que hoje", acreditavam (CASTEL, 2013, p 294).
Contudo, as mudanças ocasionadas pela globalização e pela financeirização da economia ameaçam as pessoas que se encontram individualizadas, atomizadas. O elevado nível de desemprego que se instalou nas principais economias do mundo mostram que: [...] os 'supranumerários' nem sequer são explorados, pois, para isso, é preciso possuir competências conversíveis em valores sociais. São supérfluos. Também é difícil ver como poderiam representar uma força de pressão, um potencial de luta, se não atuam diretamente sobre nenhum setor nevrálgico da vida social (CASTEL, 2012, p 33).
Daí emerge a "nova questão social", no dizer de Castel. E como torná-los discretos, imperceptíveis, como fazer políticas de inserção social que ratifiquem a separação social, mesmo denunciando a exclusão? (2012, p 33-4). Para o autor, o que está em pauta é o risco de ruptura e de desfiliação. Para ele, o primeiro proletariado, subversivo e miserável, tornou-se uma classe operária relativamente integrada. Por isso, preocupa-se com os retrocessos palpáveis da sociedade salarial, questionando a desmontagem e as ameaças de um sistema de proteção, a desestabilização de empregos, que foram vinculados às proteções e garantias.
Além de afetar indiscriminadamente qualificações e categorias sociais, esse processo buscou a desestabilização dos estáveis e instalou a precariedade, principalmente entre jovens, e produziu sobrantes. Trabalhadores que possuíam posições sólidas na divisão clássica do trabalho, foram desestabilizados e afastados do circuito produtivo. Operários com 45 anos exemplificam a desestabilização, ao serem considerados muito velhos para serem reciclados (CASTEL, 2013, p 300).
A instalação da precariedade pode ser exemplificada pelo aumento do desemprego entre os jovens, levando-os a atividades temporárias, intermitentes, sem registro formal. Castel (2013, p 300-4) chamou esse efeito de "cultura do aleatório", pessoas vivendo o dia-a-dia, como se dizia no século XIX. Constatou, sem pretensão de ser exaustivo, que as pessoas que não encontram lugar criam inquietude na sociedade. Não são nem úteis e nem explorados: "Estão lá como inúteis, inúteis ao mundo como se costumava falar dos vagabundos nas sociedades pré-industriais". São pessoas que foram invalidadas pela conjuntura econômica e social dos últimos 20 anos 17 .
O desemprego não é uma bolha que se formou nas relações de trabalho e que poderia ser reabsorvido. Começa a tonar-se claro que a precarização do emprego e do desemprego se inseriram na dinâmica atual da modernização. É consequência da estruturação do emprego, a sombra lançada pelas reestruturações industriais e pela luta em favor da competitividade (CASTEL, 2012, p 516-7).
Castel ainda observou a homologia entre os "inúteis para o mundo", representado pelos vagabundos antes da Revolução Industrial, e diferentes categorias de 'inempregáveis' de hoje, constituindo os supranumerários de outrora e atual (CASTEL, 2012, p 27). Mesmo isso sendo um fenômeno massivo, não gerou movimentos reivindicatórios devido à situação de atomização, "rejeitados de circuitos que lhes poderiam atribuir uma utilidade social" (CASTEL, 2013, p 304). O autor sugere que uma unidade, uma identidade ou mesmo uma consciência cívica, depende da inserção na sociedade salarial e de seus suportes, suas garantias. Sem esses, as pessoas tendem a manter-se despolitizadas e desarranjadas. Essa seria outra consequência do desemprego e da falta de espaço na sociedade salarial, em termos de consciência e de direitos. O desemprego, a flexibilização do trabalho e a subcontratação de terceirizados com poucos direitos, tendem a não integrar os locais de trabalho, ameaçam diretamente os direitos sociais conquistados, agravam o próprio desemprego e ainda a consciência cidadã.
A ameaça aos direitos conquistados, o desemprego, a precarização dos empregos, que acompanharam o avanço da auto regulação do mercado, formaram um cenário angustiante: "teremos chegado a uma quarta etapa de uma história antropológica da condição do assalariado, etapa em que sua odisseia se transforma em drama?" (CASTEL, 2012, p 496), e ainda: "Será que a flexibilização deve ser paga a qualquer custo, pela precarização ou ausência de status?" (CASTEL, 2013, p 312). Profundamente preocupado com a precarização do trabalho, admitindo desconhecer o amanhã, Castel tentou desenhar desdobramentos baseados em escolhas de políticas econômicas, organização do trabalho e intervenção do Estado Social, supondo quatro possibilidades:
A primeira é acentuar a degradação da condição salarial pela aceitação da hegemonia do mercado, em nome da modernização e da flexibilização da relação trabalhista. Essa degradação da condição salarial teria consequências imprevisíveis, fabricando a segregação e a violência. A lógica do mercado desregulado poderia destruir a ordem social que preexistiu. Formas de solidariedade proximal -aquela relação informal que não passava pelo mercado e ajudava a sobrevivência em bairros populares 18 -foram diminuindo gradualmente com a instalação da sociedade salarial, fragilizando a sociedade e reiterando a importância das proteções sociais construídas pelo Estado. Se retiradas as proteções legais, expõe-se ao risco do "quase vazio", pois o mercado não comportaria os elementos necessários à coesão social. Não seria apenas retrocesso de conquistas sociais, mas quebra da forma de coesão moderna, onde a solidariedade informal foi substituída pelas proteções organizadas pelo Estado Social, sobretudo em países "mais desenvolvidos". "Um dos paradoxos do progresso é que as sociedades mais 'desenvolvidas' são também as mais frágeis" (CASTEL, 2012, p 560-4).
Uma segunda possibilidade seria controlar o processo de desagregação da sociedade salarial com políticas de inserção, concedendo tratamento social ao desemprego, o que atenuaria os efeitos das transformações em curso e ajudaria as vítimas de serem atingidos mortalmente pelas transformações em curso. Entretanto, manter a situação atual implica grandes esforços. Castel não duvida da utilidade destes esforços, mas observa que ocorre aumento do desemprego, mostrando que esses tratamentos não estão na medida da gravidade do problema. Para o autor, taxas de 10, 12 ou 15% de desemprego indicam uma sociedade doente, que nega os fundamentos de uma sociedade democrática.
A potencialidade do serviço público para lutar contra a exclusão é extensa, mas é subutilizada e pouco coordenada. "Uma das maiores causas das dificuldades encontradas em alguns bairros decorre da pouca presença dos serviços públicos" (CASTEL, 2012, p 565). Castel entende que "o Estado poderia fortalecer seu papel de fiador da coesão social a um custo que não seria exorbitante" (CASTEL, 2012, p 565). Entretanto, isso permitiria uma versão otimista, que entende ser necessário suportar alguns anos ou decênios até que haja a consolidação de um novo sistema de regulação na sociedade pós-industrial. Também permite outra visão "cínica", que "não acha escandaloso que uma sociedade possa prosperar, aceitando certa proporção de rejeitados" (CASTEL, 2012, p 566). O autor adverte que a prática da ajuda e garantias ao desempregado, necessárias enquanto a sociedade não conseguir oferecer outra opção de inclusão, não deve limitar-se à atenuar efeitos, deixando o questionando político e da organização da sociedade (CASTEL, 2013, p 306-7).
A terceira possibilidade seria o reconhecimento da perda de centralidade do trabalho, a perda de relevância do trabalho assalariado. Nessa opção podem ser propostas alternativas, como a economia social, o terceiro setor, a mercantilização de tudo (como pagar para alguém levar o cachorro para passear) e até "o fim do trabalho". Mas as atividades do chamado "terceiro setor" não ocorrem em escala suficiente para absorver a queda do trabalho industrial tradicional e tem remuneração bastante inferior ao emprego industrial extinto (CASTEL, 2012, p 571-9). O autor ainda analisou criticamente a questão de "O fim do trabalho", muito discutida na época em que escrevia o livro Metamorfoses da Questão Social. Concordou com a diminuição do trabalho socialmente necessário, que ainda poderá acentuar-se com a automatização, a robótica e a informática, mas não com o seu fim. Poderia ser visto como uma emancipação, se considerar que nem todo trabalho é prazeroso, mas por outro lado, é ameaçador e angustiante, pois o fundamento da identidade nos últimos duzentos anos, para o sentimento de pertencimento para as proteções, é o trabalho. O trabalho não acabou e nem teve (tem) apenas como papel prover o salário, a renda. O trabalho continua sendo uma referência não apenas econômica, tem importância psicológica, cultural e simbólica, comprovadas pela reação dos que não o tem. O autor observou que se questionássemos os desempregados e os jovens, constataríamos que eles continuam a reivindicar trabalho, emprego, demonstrando, mais uma vez, o quanto é necessário para a autoestima, ao sentimento de pertencimento, à segurança, uma identidade na sociedade do trabalho. Castel defende o emprego, a segurança social, que foram criadas e conquistadas penosamente e ao longo de muito tempo. Considera a regulação do Estado necessária, observando as condições atuais e enquanto não houver outra forma de criar identidade, inserção social. Essas regulações são a única opção capaz de limitar o mercado, evitar o aprofundamento das desigualdades sociais e evitar a ruptura do tecido social, o processo de desfiliação (CASTEL, 2013, p 304-7).
A quarta possibilidade é a distribuição do trabalho socialmente necessário. Castel, propõe a divisão do trabalho socialmente útil, do recurso raro, alertando que não se trata de uma operação simples ou contábil, solicitando uma negociação e aceitação pelos diferentes interessados. Ele considera ser necessário se colocar no mesmo plano de igualdade a defesa da remuneração do trabalho e do capital. Entre os Estados, é necessária a instituição de uma convergência no domínio social, pois não se trata apenas de uma questão interna a um país (CASTEL, 2012, p 580-9). Observando que a jornada de trabalho já foi de sessenta horas semanais, chegando a quarenta (ou menos, em alguns países europeus), o que permitiu ao ser humano desenvolver outras atividades, indaga-se sobre a importância dessa solução. Isso permitiria que mais pessoas tivessem empregos e os empregados tivessem mais tempo livre, o que beneficiaria a todos. Mas se mantivermos a mesma jornada, estaremos onerando os mais vulneráveis da sociedade, os que ficam sem empregos, os jovens que não conseguem inserir-se na sociedade do trabalho. (CASTEL, 2013, p 304-7).
Para esse autor, o poder público é o único capaz de construir pontes entre os dois polos de individualismo, de impor um mínimo de coesão à sociedade, de evitar a ruptura entre trabalho e proteção. O Estado não deve omitir-se diante da proposta do mercado autorregulado e da globalização, que seguem uma lógica que desperdiça pessoas, condenando-as à inutilidade, e não comporta o mínimo de coesão e preservação da sociedade (CASTEL, 2012, p 590-610).
-Considerações finais
Como visto, a imagem do desemprego e do desempregado subjacente às estatísticas e aos seguros desemprego é fruto de uma longa construção histórica. Nesse processo (longo, enfatizamos), o "vagabundo" transformou-se em trabalhador sem emprego, a quem o Estado deveria proteger no momento da falta de trabalho, dando lugar à construção dos seguros-desemprego. Em seu auge, nas três décadas que se seguiram ao final da II Guerra Mundial, Keynes, segundo Gautié (1998, p 77), teve papel central para fornecer a base teórica e a justificativa para a intervenção pública nesse campo, associando o estímulo à atividade econômica ao direito ao trabalho, reunindo o econômico ao Estado Providência. Por esse motivo, a desconstrução da categoria desemprego afeta a ciência econômica como referência da intervenção pública.
Castel nos mostrou como, nessas mesmas três décadas, foi construída uma sociedade com base no assalariamento -a chamada sociedade salarial -, pilar da coesão social então existente. Nesse período, o seguro desemprego era garantido aos trabalhadores que, independentemente de sua vontade, tivessem perdido seu trabalho e que estivessem dispostos a rapidamente se integrarem no mercado de trabalho. Eram tempos de taxas de desemprego relativamente baixas, a tal ponto que a literatura considera que as principais economias viviam situação de quase pleno emprego.
A realidade da sociedade contemporânea é bem outra. Taxas elevadas de desemprego são a norma, de modo que o desemprego de longa duração passou a fazer parte da situação de milhões de trabalhadores no mundo. Os seguros desempregos, que não contemplavam essa situação em sua arquitetura, não dão conta dessa nova realidade. E ao mesmo tempo em que discute soluções para minimizar o desemprego e para assistir aos que perderam totalmente seus direitos -pois estão afastados há muito tempo do vínculo que lhes permitia tê-los, o salário -ressurge em parte a argumentação que separava, no passado, o "bom" do "mau" pobre, tornando atual o comentário de Castel sobre como o "vagabundo" era visto anteriormente. O chamado "vagabundo"na maioria das vezes, tratava-se de um trabalhador que vivia a instabilidade do emprego, em busca de uma ocupação que se esquiva -era visto como indigno de receber ajuda porque era válido para o trabalho e por ser um forasteiro.
Esse mesmo autor, se manifesta sobre o avanço da "auto regulação do mercado", que leva à desmontagem de um sistema de proteção, à desestabilização de empregos, à instalação da precariedade principalmente entre jovens, invalidando pessoas, criando diversas categorias de 'inempregáveis' (os supranumerários de hoje), indagando: "teremos chegado a uma quarta etapa de uma história antropológica da condição do assalariado, etapa em que sua odisseia se transforma em drama?" (CASTEL, 2012, p 496). Tal como visto na última parte deste artigo, este autor defende que o Estado não pode se omitir com relação ao desemprego, pois o vínculo salarial continua a ser o vínculo que concede pertencimento na sociedade contemporânea. Com isso os autores deste artigo concordam plenamente.
The Believer and the Modern Study of the Bible, 2019
Antiphon: A Journal for Liturgical Renewal, 2018
Запреты и предписания в славянской и еврейской культурной традиции. Серия "Культура славян и культура евреев: диалог, сходства, различия", 2018
Historical Sciences Studies, 2019
Experimental and Applied Acarology, 2010
Nigeria Journal of Educational Leadership and Management, 2024
Journal of the Early Republic, 2005
Conference Paper Proceedings, 2012
Open Forum Infectious Diseases
Dental Materials Journal, 2007
Ecological Engineering, 2017
Miranda, 2017
Progress in Photovoltaics: Research and Applications, 2014
Schizophrenia Research, 2008