Terceira Parte
O dispositivo experimental
Nesta parte de nosso trabalho, caracterizaremos o projeto de formação, a escola em que realizamos a formação e os professores que participaram do projeto.
Além disso, descreveremos e analisaremos a própria formação e apresentaremos,
enfim, nossas considerações conclusivas.
1 Caracterização do projeto de formação, da escola e
dos professores
O objetivo da formação continuada era observar e analisar as ações dos
professores durante a elaboração e aplicação de uma Organização Didática para
ensino dos números fracionários a uma quinta série da escola que sediava nosso
projeto. Durante a formação, a Organização Didática será tratada como uma
sequência de ensino, pois os professores estão familiarizados com esse termo e
tiveram oportunidade de trabalhar com muitas delas na formação em Geometria.
1.1 O projeto de formação
O projeto de pesquisa, do qual os sujeitos desta formação continuada participaram, em sua primeira fase, de 2000 a 2002, intitulado: Estudos de fenômenos
de ensino e aprendizagem de noções geométricas” sob responsabilidade do professor Doutor Saddo Ag Almouloud, foi sediado na PUC/SP e patrocinado pela
Fapesp. Durante esta fase, procuramos
investigar os fatores que influenciam o ensino e a aprendizagem de noções
geométricas trabalhadas nas séries finais do Ensino Fundamental. Suas
136
Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
questões principais estavam ligadas aos fenômenos relacionados à formação de conceitos geométricos; às representações dos professores com
respeito ao papel da Geometria no Ensino Fundamental; e ao uso do computador para desenvolvimento de conceitos geométricos. (MANRIQUE,
2003, p. 45)
Na primeira fase do projeto de pesquisa, como os professores explicitaram
possuir poucos conhecimentos a respeito de Geometria, utilizamos como estratégia de formação, organizações didáticas, especialmente, elaboradas para o trabalho com tópicos de Geometria que, na sua maioria, poderiam ser introduzidas em
sala de aula, se os professores o quisessem.
Durante toda a formação, momentos de reflexão didática sempre estiveram
presentes nas discussões com os professores, sobretudo, para mostrar a necessidade de sempre encaminhar o aluno a buscar hipóteses, de soluções para as tarefas
apresentadas, socializar as soluções encontradas, explicitar a matemática presente
em tais tarefas e, em alguns momentos, demonstrar teoremas e propriedades, etc.
da mesma forma que agíamos com eles em nossos encontros. Assim, acreditávamos que essa estratégia de formação poderia ser reproduzida pelo professor em
suas aulas, pois até o material estava disponível.
Ao término do financiamento da Fapesp, iniciamos a segunda fase com, basicamente, o mesmo grupo de professores, mas ampliando nossos objetivos. O
projeto, agora denomina-se: O pensamento matemático no Ensino Fundamental:
formação de núcleos de ensino, aprendizagem e pesquisa. Seu núcleo de formação
foi deslocado para uma escola subordinada à DE de Jacareí (SP), onde alguns dos
professores trabalhavam, durante 2003 e primeiro semestre de 2004.
Nessa fase do projeto, em que este trabalho está inserido, como o comteúdo
a ser tratado, número fracionário, aparece no discurso dos professores, fundamentalmente, como dificuldades dos alunos. Assim, decidimos mudar a estratégia
de formação, articulando-a como resposta às organizações didáticas, para ensino
de fracionários para uma quinta série do Ensino Fundamental produzidas pelos professores.
Um de nossos objetivos foi usar a formação, agora realizada dentro da escola, para transpor resultados de pesquisa a respeito do ensino e aprendizagem de
números fracionários à escola, visto que o resultado final da formação foi aplicado em sala de aula com a presença dos professores participantes.
Os pesquisadores, vinculados à PUC/SP, de alguma forma, são professores de
graduação e da pós-graduação, alunos e ex-alunos de mestrado e doutorado em
Educação Matemática, além de alunos da graduação em Matemática que participam de Iniciação Científica, que se reúnem semanalmente para estudos, seminários, troca de informações e definição de estratégias e tarefas.
O dispositivo experimental
Cada participante do grupo é responsável por alguma tarefa, como a elaboração das atividades que serão desenvolvidas com os professores, atuação direta
nos processos de formação, realização de observações, gravações, etc. dos encontros, além da elaboração, sistematização e análise dos instrumentos utilizados
nos procedimentos metodológicos. Nossa participação, desde o início do projeto,
constituiu-se na atuação direta na formação dos professores, na elaboração das
estratégias para tal realização e como pesquisadora.
O objetivo de integrar em um mesmo projeto, pesquisadores e professores do
Ensino Fundamental não foi o de fornecer a esses professores uma espécie de “receita de como dar aulas”, mas, sobretudo, de despertar a atenção do grupo para
a necessidade de um trabalho reflexivo sobre as ações pedagógicas, tendo como
referência pesquisas sobre o ensino e a aprendizagem matemática. Além disso,
pretendíamos contribuir para a formação dos participantes, na expectativa de que
se tornem profissionais mais críticos, participativos e competentes para atuar em
sala de aula e, portanto, mais que executores de tarefas, procedimentos e técnicas.
(Almouloud, Manrique, Silva e Campos, 2004).
Nesta segunda fase do projeto, temos, entre outros, os seguintes objetivos:
• dar subsídios teóricos ao trabalho de professores e pesquisadores interessados na integração de pesquisas em Educação Matemática e novas tecnologias
nas aulas de Matemática;
• produzir conhecimento na área de formação de professores de Matemática
utilizando novas ferramentas de apoio;
• investigar a formação e desenvolvimento de conceitos matemáticos referentes aos blocos de conteúdos: geometria, álgebra, tratamento da informação
e o pensamento numérico;
Os sujeitos desta pesquisa são professores de Matemática que atuam no Ensino Médio e ciclos finais do Ensino Fundamental da rede estadual de ensino e reúnem-se com formadores e observadores todas às sextas-feiras das 8 às 11 horas
no laboratório de informática da escola.
1.2 A escola
A escola, situada no centro do município de Arujá, Estado de São Paulo,
próxima à Rodovia Dutra e de um bom centro comercial, atualmente, conta com
aproximadamente 1.800 alunos matriculados, no Ensino Fundamental, médio e
suplência, de vários bairros e municípios vizinhos, participam do Projeto Parceiros do Futuro que tem como objetivo atrair a comunidade para a escola.
A escola possui uma biblioteca, que conforme nosso ponto de vista, é precária; sala de vídeo, um laboratório de informática e 17 salas de aula. No período
noturno, a escola atende alunos que, por algum motivo, abandonaram os estudos
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138
Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
e hoje, com idade defasada e dificuldades de aprendizagem cursam o supletivo,
porque precisam trabalhar para complementar a renda familiar.
Por outro lado, no início de 2003, os professores fizeram questão de colocar
uma faixa à frente da escola para anunciar à comunidade que vários alunos haviam sido aprovados no vestibular.
Um de nossos objetivos era tornar essa escola em centro-piloto de formação continuada de professores de Matemática que, a médio prazo, poderia se
tornar um centro de referência de multiplicação de resultados para as escolas próximas.
A escola não é das piores, embora precise de manutenção, é muito barulhenta. Em uma locomoção para a sala de vídeo, os alunos de uma classe gritavam e
tocavam instrumentos de percussão, tornando praticamente impossível o trabalho de nosso grupo, enquanto os professores justificavam tranquilos que o barulho terminaria em instantes.
Durante nosso trabalho, fomos recebidos com entusiasmo pela direção da
escola que apoiava a iniciativa de parte do corpo docente de levar para a escola
nosso projeto de formação, embora dos 15 professores de matemática da escola
só três que já tinham participado da primeira fase do projeto na PUC/SP, foram
constantes durante os trabalhos, alguns não quiseram participar e outros compareceram a alguns encontros.
1.3 Os professores em formação
Iniciamos a formação com 15 professores, no segundo semestre de 2003,
mas por vários motivos alguns deles não conseguiram manter a frequência, aparecendo eventualmente. O engajamento efetivo no trabalho apareceu para nove
desses professores, embora um deles desistisse no início de 2004, por causa de seu
horário escolar, e uma nova professora entrasse entusiasmada contribuindo muito
até o final de nossa formação. Uma aluna do primeiro ano de Licenciatura em
Matemática participou de todo o trabalho, pois veio a convite de sua ex-professora que fazia parte do grupo.
Nesta caracterização, os professores serão identificados por nomes fictícios,
para realizá-la utilizamos um questionário aplicado no início dos trabalhos, em
agosto de 2003.
1.3.1 Professor Antonio
Este professor tem 33 anos, é solteiro e leciona há oito anos. No início da
formação ministrava 42 aulas no Ensino Fundamental em uma escola particular
e em uma escola estadual. Cursou licenciatura plena em Matemática, faz parte de
O dispositivo experimental
nosso projeto desde 2002 e, nos últimos três anos, como complementação de sua
formação, fez um curso de 60 h na PUC/SP. Participou de uma oficina de quatro
horas sobre matemática na sala de aula pela Editora Ática e de um “treinamento”
de 16 horas para utilização de apostilas, em sala de aula, na escola particular
onde leciona.
Embora tenha computador em casa, usa o da escola, por quase duas horas
semanais, para treinar, revisar atividades do projeto, estudar apostilas sobre Cabri
e trabalhar com alunos, não tendo o hábito de acessar a internet. No entanto, na
escola particular, leva seus alunos pelo menos uma vez por semana, ao laboratório
de informática, o que não faz na escola pública porque não tem computadores
suficientes, mas já “treinou” alguns alunos para se tornarem monitores no futuro. Fez alguns cursos para utilizar computadores em sala de aula oferecidos pela
Diretoria de Ensino.
Diz conhecer e utilizar os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais) para a
Matemática, mas não tece opinião alguma a respeito. Não conhece os Experiências Matemáticas e usa alguns livros didáticos, de acordo com a metodologia, dinamismo e ilustração do assunto. Em sala de aula, utiliza revistas, jornais e livros
como recurso didático. Acredita que os problemas aritméticos são importantes,
porque são pré-requisitos, pois, por eles, “iniciamos todo nosso trabalho”.
1.3.2 Professor Bruno
Este professor é casado, tem 37 anos e é graduado em licenciatura curta em
Ciências com complementação em Matemática, de dois anos e em Pedagogia.
Faz parte de nosso projeto desde 2000, leciona Matemática há seis anos e, nesse
período, não lecionou apenas para a sexta série. No início da formação, tinha 46
aulas semanais em três escolas públicas e uma particular no Ensino Fundamental e Médio.
Possui computador em casa e utiliza-o por 5 horas aproximadamente para
pesquisas pessoais e enviar email para colegas. Fez alguns cursos básicos de Windows, Word e Excel, mas só usa o computador em sala de aula na escola particular.
Diz conhecer os Parâmetros Curriculares Nacionais, mas duvida de sua utilização em sala de aula, porque acredita no que está escrito, mas não em sua aplicabilidade em escolas públicas. Utiliza o livro didático eventualmente para consulta,
pois prepara suas aulas, baseando-se: no Experiências Matemáticas porque estes
proporcionam mais opções para reflexões com alunos em sala de aula. Procura
sempre levar sugestões das apostilas que utiliza na escola particular à escola pública. Diz não ter oportunidade de usar vídeos ou a sala de informática em suas
aulas e acha que a Aritmética é importante, porque desenvolve o raciocínio, tornando-o mais veloz.
139
140
Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
1.3.3 Professora Carla
A professora tem 39 anos, é casada e leciona Matemática há três anos no
Ensino Fundamental e Médio. Nesse período, não trabalhou nem na sétima série
do EF, nem na terceira série do EM. No início de nossa formação, dava dez aulas
semanais em uma escola estadual. Cursou licenciatura plena em Matemática e
não participou de cursos ou congressos nos últimos três anos.
Afirma ter recebido formação para usar o computador na universidade, emprega seu computador pessoal por quase duas horas semanais, para ajudar na
preparação de aulas e acessa a internet para “pesquisar” trabalhos escolares e
buscar informações sobre assuntos matemáticos e outros.
Declara conhecer e utilizar os PCN, embora eles só esclareçam sobre a melhor maneira de ensinar. Não conhece os Experiências Matemáticas e adota um
determinado livro didático por possuir assuntos voltados ao cotidiano dos alunos. Consulta também a revista Nova Escola para preparar suas aulas e utiliza
como recursos livros didáticos, jogos matemáticos e pesquisa em revistas e jornais
“buscando sempre mostrar aos alunos a matemática presente em tudo em nossas
vidas” sendo também, por esse motivo, que a Aritmética é importante.
1.3.4 Professor Davi
Este professor é solteiro, tem 23 anos e leciona há três anos, não tendo, nesse
período, dado aulas somente na sétima série. No início da formação, ministrava
30 aulas semanais em duas escolas estaduais. Cursou licenciatura em Matemática
e Ciências, além de Especialização em Psicopedagogia. Nos últimos três anos, foi
monitor de um curso de Correção de Fluxo oferecido pela Diretoria de Ensino.
Utiliza seu computador pessoal por, aproximadamente, seis horas semanais,
para se manter informado e buscar informações sobre os conteúdos que levará para
a sala de aula com o intuito de melhorá-los. Poucas vezes, utilizou o computador
escolar, porque o acesso é restrito. Apenas uma vez levou alunos ao laboratório
de informática da escola, embora possuísse formação para utilizar o computador
na graduação e cursos de Windows, Word, Milenium, Excel, Access, etc.. Acessa a
internet para se comunicar com os amigos e trocar materiais de apoio pedagógico.
O professor acima afirma conhecer os PCN com relação à Matemática, mas
não são usados. Quanto aos Experiências Matemáticas, considera ser um bom
material, embora não o utilize. Adota determinado livro didático em suas aulas
pela explanação que apresenta do conteúdo, complementando-o com seu trabalho e o que encontra nas revistas Ciências Hoje e Nova Escola. Nas aulas, utiliza
fitas de vídeo, lousa, giz e retroprojetor, além do livro didático que foi distribuído
aos alunos. Quanto à importância da Aritmética, diz que: “o conceito e conteúdo
O dispositivo experimental
de Aritmética faz com que o aluno pense e descubra cada situação problema levantado em sala de aula”.
1.3.5 Professor Edson
O professor é casado, tem 60 anos e está aposentado de outra atividade.
Leciona Matemática há quatro anos e já trabalhou com todas as séries do Ensino
Fundamental e Médio. No início da formação, dava 31 aulas semanais em uma
escola estadual.
Desde 2000, participa de nosso projeto, fez um curso de correção de fluxo
oferecido pela Diretoria de Ensino de 260 horas, um curso de Introdução ao
Estudo da Educação na USP de 30 horas; um curso de Metodologia do Ensino
de Física na USP de 60 horas e foi monitor no Projeto Construindo Sempre Matemática, oferecido pela PUC/SP e SEE-SP durante 60 horas. Participou ainda
dos cursos: Softwares básicos, Cabrincando Geometria, Supermáticas, Um X em
questão, todos oferecidos pela Diretoria de Ensino.
Tem computador em casa e usa-o por, aproximadamente, duas horas semanais para “pesquisar” e buscar atividades relacionadas às aulas de Matemática e Física.
Não se pronunciou a respeito dos PCN nem de livros didáticos, mas afirma
conhecer os Experiências Matemáticas, embora não os utilize. Às vezes, recorre
a alguma revista, vídeo ou computador como recurso didático para suas aulas.
Quanto à importância da Aritmética, diz que: “nas aulas de aritmética, os
alunos têm compreensão das operações básicas, compreendendo os símbolos e
como usá-los”.
1.3.6 Professora Fabiana
Esta professora é casada, tem 47 anos e leciona Matemática há seis anos, já
tendo trabalhado em todas as séries do Ensino Fundamental e Médio. No início
da formação, ministrava 33 aulas semanais em uma escola estadual. Cursou licenciatura curta em Matemática e fez complementação para a licenciatura plena na
mesma área. Faz parte de nosso projeto desde 2000, participou do I CabriWord
e foi monitora no projeto Construindo Sempre Matemática, ambos pela PUC/SP.
Possui computador pessoal e usa-o por, aproximadamente, 15 horas semanais, para pesquisas na internet, enviar email, participar de fóruns, estudar o Cabri e digitar provas e trabalhos. Em sala de aula, utiliza-o para ensinar Geometria
com o Cabri.
Conhece e emprega os PCN porque “é muito importante para nos orientar
sobre os assuntos mais necessários”, os Experiências Matemáticas porque “é um
141
142
Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
material didático muito bom, faz o aluno caminhar passo a passo para a aprendizagem” e a Revista de Educação Matemática da SBEM para preparar suas aulas.
Justifica o emprego de Experiências Matemáticas e do material de Correção de
Fluxo por não serem técnicos e possuírem linguagem clara.
Como recurso didático, utiliza: calculadora, computador, as fichas do Projeto de Aceleração e o livro didático. Quanto à Aritmética, acredita que: “é importante, é preciso saber o processo de algoritmos e compreensão de técnicas para
adquirir conceitos”.
1.3.7 Professora Gina
Esta professora é casada, tem 33 anos e leciona há 12 anos. Nos últimos cinco anos, não lecionou apenas nas sétimas e oitavas séries do Ensino Fundamental
e, em 2002, esteve afastada para se dedicar ao cargo de coordenação da escola.
No início do processo de formação tinha 30 aulas semanais em uma escola estadual. Cursou bacharelado em Matemática, participa de nosso projeto desde 2000
e, nos últimos três anos, fez parte do projeto Construindo Sempre Matemática,
realizou um curso de 60 horas de Matemática na PUC/SP e uma oficina de quatro
horas para Matemática no Ensino Médio oferecido pela Editora Ática.
Possui computador em casa e usa-o por, aproximadamente, duas horas semanais, para acessar a internet, fazer pesquisas, elaborar atividades para suas
aulas e estudar o Cabri. Não teve formação para utilizar o computador em sala
de aula, antes de ingressar em nosso projeto; e o vê como uma ferramenta para a
sala de aula.
Conhece os PCN e os Experiências Matemática, utilizando-os como orientação. Adota um determinado livro didático por sua metodologia, ilustrações,
dinamismo e jogos, como auxiliares na elaboração de suas aulas. Como recursos
didáticos, utiliza: lousa, giz, transparências, cartazes, figuras geométricas, sólidos
(papelão), jogos, calculadora, computador e objetos do dia-a-dia. Quanto à Aritmética, percebe-a como uma ferramenta para desenvolvimento de raciocínio.
1.3.8 Professora Hilda
Esta professora é solteira, tem 27 anos e leciona há sete anos e nove meses.
Nos últimos cinco anos, não lecionou apenas na oitava série do Ensino Fundamental e durante o ano de 2000; só atuou em classes de aceleração. Atualmente,
tem 45 aulas semanais em duas escolas públicas: uma municipal e outra estadual.
Cursou licenciatura plena e fez Especialização para Professores de Matemática,
ingressou em nosso projeto no início de 2004. Nos últimos três anos, não participou de nenhum curso ou congresso.
143
O dispositivo experimental
Possui computador em casa e utiliza-o por, aproximadamente, duas horas
semanais para acessar a internet e fazer pesquisas para preparação de aulas,
para controlar seus gastos domésticos com planilhas do Excel e contatar amigos e parentes.
Na escola, utiliza o computador para preparar atividades, digitar notas e
fazer planejamento. Em sala de aula, usa-o apenas na rede municipal, na sala de
informática e em algumas atividades interdisciplinares. Afirma ter feito alguns
cursos oferecidos pelo Estado: Um X em questão e Noções básicas sobre o Cabri.
Conhece os PCN e quando tem tempo de consultá-los, até encontra algumas
coisas interessantes. No entanto, não tem tempo disponível para uma análise mais
séria. Conhece também a coleção Experiências Matemáticas, afirma que apresenta, na maioria das vezes, formas diferentes de trabalhar os conteúdos, embora não
faça milagres. Quanto ao livro didático, emprega como apoio no Ensino Fundamental os que estão disponíveis na escola e critica as editoras por enviarem só os
catálogos para a análise e não o livro escolhido pelos professores.
Fazia parte, também do grupo em formação uma ex-aluna de uma das professoras que cursava o primeiro ano do curso de Licenciatura em Matemática.
No Quadro 14, mostramos o perfil de cada professor que participa ativamente do projeto de formação. Observamos que a única que ingressou na carreira
dentro da faixa etária convencional, foi a professora G, enquanto os professores
E e F, fizeram-no mais tardiamente.
Quadro 14 – perfil dos professores participantes da formação.
Professor
Est.
Civil
Tempo de
Magistério
(anos)
Idade
Formação
Antonio
S
33
8
Licenciatura Plena
Bruno
C
37
6
Licenciatura Curta e Complementação em
Matemática e em Pedagogia
Carla
C
39
3
Licenciatura Plena
Davi
S
23
3
Edson
C
60
4
Licenciatura Curta em Matemática
Fabiana
C
47
6
Licenciatura Curta e Complementação
Gina
C
33
12
Bacharelado em Matemática
Hilda
S
27
7
Licenciatura Plena e Especialização
Licenciatura Matemática e Ciências
Especialização Psicopedagogia
144
Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
2 A formação
O objetivo da formação era a elaboração de uma organização para o ensino
de números fracionários, para uma quinta série do Ensino Fundamental. O período de formação foi de 1/8/2003 a 16/4/2004, com um total de 28 sessões: sua
descrição será dividida para facilitar a compreensão dos trabalhos realizados.
2.1 Primeira etapa: familiarização com o contexto e organização inicial
Esta primeira etapa foi realizada em cinco sessões de 1/8/2003 a 29/8/2003.
Na primeira sessão, entregamos a cada professor uma pasta e um bloco para anotações, solicitamos que a utilizassem para guardar todo o material da formação
e que a trouxessem em todos os encontros, pois poderiam buscar informações
anteriores se necessário. Fizemos isso, porque eles tinham o hábito de não trazer
as fichas ou anotações dos trabalhos já realizados para os encontros.
Apresentamos o novo momento do projeto, isto é, a mudança dos trabalhos
da PUC para a própria escola e a inserção de novos assuntos para discussão, dentro dos blocos de Aritmética, Álgebra, Geometria e Tratamento da Informação,
encerrando assim a formação específica em Geometria.
Lançamos também a proposta de elaborar uma Organização Didática para o
ensino de fracionários, para quinta série, solicitando que trouxessem ideias para
esse trabalho já no próximo encontro. Os professores sabiam de nosso interesse
pelo tema, pois em junho tinham mostrado interesse em participar do trabalho.
Na segunda sessão, foi feito um mapa conceitual com base na palavra frações, cujo objetivo foi levantar as concepções desses professores a respeito de
números fracionários. Evitamos usar o termo números fracionários, para o mapa,
por recear que fizessem outra leitura que não o das frações já familiares.
Para a elaboração da Organização Didática, em grupos, provocamos, no
terceiro encontro, a discussão a respeito de um questionário, que responderam
no início do projeto, no geral analisavam as possíveis respostas de alunos para
as questões que envolviam fracionários. Nosso objetivo era levar os professores a
explicitar as dificuldades que acreditam que os alunos tenham para abordá-las na
elaboração da organização pretendida.
Na sessão seguinte, até a hora do café, sentiram necessidade de discutir a
respeito dos papéis do aluno e do professor, da rede pública de ensino, do sistema
escolar, da política educacional, contando casos sobre os problemas que enfrentam com os próprios alunos e a escola em seu dia-a-dia, fato que se verificou,
também, em outros momentos.
Nos encontros seguintes discutiram, em grupos foram discutidas as atividades que trouxeram para decidir o melhor caminho a seguir na formação do aluno
O dispositivo experimental
de quinta série, com o intuito de melhor escolher as atividades que iriam para a
sala de aula.
2.2 Segunda etapa: produção em grupos da Organização Didática
A segunda etapa, de 5/9 a 26/09, caracterizou-se pelo trabalho em grupo,
partindo das atividades que trouxeram individualmente para elaborar e apresentar uma organização para o ensino. A cada sessão, a formadora colocava no quadro o caminho que decidiram ser o melhor para ensinar números fracionários e as
concepções levantadas no dicionário, pois esperavamos que se preocupassem com
essas decisões durante a elaboração da Organização Didática.
Continuaram as discussões em grupo, mas, no final, apresentaram um esboço
do caminho que cada grupo pretendia seguir, sendo este mostrado aos outros grupos
e orientados pela formadora para selecionarem atividades para cumprir tais roteiros.
2.3 Terceira etapa: a formação específica
Esta etapa aconteceu de 03/10 a 14/11/2003, caracterizou-se pela formação
específica a respeito de fracionários, pois se justifica pela percepção de que só um
dos grupos conseguiu estruturar uma organização, ao passo que os outros apresentaram cópias de livros e atividades isoladas.
Mostramos uma breve retrospectiva da gênese dos números fracionários e
uma síntese de tarefas que solicitam a mobilização das concepções de números
fracionários, de acordo com a Organização Matemática elaborada pela formadora, institucionalizando, assim, tais concepções.
Além disso, discutimos a respeito do que os PCN sugerem para o ensino do
tema e pequenos textos, abordando Campos Conceituais, Teoria das Situações e
Aprendizagem Significativa.
Em 24/10, os professores apresentaram as organizações que elaboraram e
percebemos que tinham feito poucas alterações na organização inicial. Por acreditar que uma visão mais ampla pudesse ajudá-los na reelaboração de sua organização, trouxemos uma série de situações, envolvendo fracionários ao longo do
Ensino Fundamental, pedindo que identificassem a concepção que poderia ser
mobilizada, em qual conteúdo tal tarefa estaria inserida e a série na qual poderia
ser tratada. A análise continuou até o dia 14/11.
2.4 Quarta etapa: retomada da organização didática em grupos
Na quarta etapa, de 21/11 a 12/12, os professores terminaram a elaboração
da organização nos grupos e entregaram à formadora no último encontro do ano,
data em que realizamos mais um mapa conceitual com a palavra-chave: frações.
145
146
Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
2.5 Quinta etapa: análise da organização didática elaborada pela
formadora
Retomamos nossos trabalhos, depois das férias, com a quinta etapa, de
5/3/2004 a 2/4/2004. As Organizações Didáticas produzidas pelos professores foram discutidas com eles. Para análise do grupo, apresentamos uma Organização
Didática, elaborada pela formadora, que se mostrou necessária pelo fato de que
os professores não apresentavam autonomia suficiente para executar suas decisões nas organizações que elaboravam.
Constatamos que necessitavam de auxílio e, nesse sentido, com base na discussão dessa organização e de algumas mudanças sugeridas pelos professores,
preparamos-nos para a aplicação da Organização Didática finalizada em uma
sala de quinta série da escola.
2.6 Sexta etapa: aplicação da organização didática em uma quinta série
A sexta etapa consistiu na aplicação da Organização Didática em uma quinta série da escola e da análise de tal aplicação. Como o tempo só permitisse a
aplicação de apenas algumas fichas da organização, a professora da sala decidiu
acompanhar nossas aulas e continuar a aplicação das fichas restantes com o auxilio dos colegas que participam do projeto. A aplicação aconteceu nos dias 5/4,
6/4, 12/4, 13/4 e 14/4.
O grupo decidiu que a professora Gina aplicaria a Organização Didática
elaborada e que todos a acompanhariam, pelo menos, uma vez para observar o
trabalho sendo realizado. No entanto, a primeira sessão de aplicação, a professora sentiu-se insegura para fazer a socialização do trabalho dos alunos na lousa,
solicitando que a formadora continuasse a aula.
Naquele momento, sentimos que os professores, na realidade, gostariam de
ver nossa atuação frente a uma quinta série. Aceitamos o desafio, depois de tentar
que um outro professor assumisse, como não conseguimos, aplicamos a Organização Didática e discutimos o acontecido com os professores, depois de cada sessão.
No Quadro 15, apresentamos uma síntese das etapas de formação.
Quadro 15 – Síntese das etapas de formação.
Etapas
Identificação
Período
Quantidade de
sessões
1ª
Familiarização com o contexto e Organização Didática inicial
01/8 à 29/8/2003
5
2ª
Elaboração da Organização Didática em grupos
05/9 à 26/9
3
(continua)
147
O dispositivo experimental
Quadro 15 – Síntese das etapas de formação. (continuação)
Etapas
Identificação
Quantidade de
sessões
Período
3ª
Formação
03/10 à 14/11
6
4ª
Retomada da Organização Didática em grupos
21/11 à 12/12
4
5ª
Análise da Organização Didática elaborada pela formadora
5/3 à 2/4/2004
5
6ª
Aplicação da Organização Didática em uma sala de quinta série
5/4 à 16/4
6
No Quadro 16, mostramos o processo de formação de forma mais detalhada
que permite uma visão mais ampla das ações formativas, excluindo os professores
que não tiveram participação constante na pesquisa.
Quadro 16 – Detalhamento dos encontros do dispositivo experimental da pesquisa.
Etapas
Encontros
1º
2º
Data
Professores
participantes
Atividades
08/08/2003
Mapa conceitual 1.
Bruno, Antonio, Carlos, X,
Edson, Fabiana, Y, Gina, Aluna, Recebimento das propostas de
atividades realizadas pelos professores
15/08/2003
Discussão do questionário.
Bruno, Aluna, Antonio, Davi, X,
Grupos para discutir melhor caminho
.Edson, Fabiana, Y, Gina,
para o ensino de fracionários.
Explicação a respeito da relação
universidade, pesquisa e escola e
professores.
Exposição, justificativas e decisão do
melhor caminho para o ensino de
fracionários.
PRIMEIRA
3º
22/08/2003
Bruno, Aluna, Antonio, X, Gina,
– Dar significado as frações. Como?
Fabiana.
– Relacionar o que já foi feito com a
realidade.
– Aplicação.
Busca do significado de frações no
dicionário.
4º
29/08/2003
Bruno, Aluna, Antonio, Carla,
Davi, X, Edson, Fabiana, Y,
Gina..
Socialização das atividades coletadas
individualmente, para fazer
Organização Didática em grupos.
(continua)
148
Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
Quadro 16 – Detalhamento dos encontros do dispositivo experimental da pesquisa. (continuação)
Etapas
SEGUNDA
Encontros
Data
Professores
participantes
Atividades
5º
05/09/2003
Bruno, Aluna, Antonio, Carla,
Davi, Edson, Fabiana, Y, Gina,
Retomada do trabalho de elaboração
em grupos.
6
12/09/2003
Bruno, Aluna, Antonio, Carla,
Davi, Edson, Fabiana, X, Gina.
Elaboração das atividades.
7
26/09/2003
Bruno, Antonio, Carla, Davi, X,
Fabiana, Gina
Elaboração das atividades e
apresentação.
8
03/10/2003
Bruno, Aluna, Antonio, Carla,
Início da formação com História dos
Davi, X, Edson, Fabiana, Gina.. Números Fracionários.
9
10/10/2003
Bruno, Aluna, Antonio, Carla,
Fabiana, Gina.
Apresentação e institucionalização das
concepções de fracionários.
10
17/10/2003
Bruno, Aluna, Antonio, Carla,
Davi, X, Fabiana, Gina..
Apresentação e institucionalização das
concepções de fracionários.
11
24/10/2003
Bruno, Aluna, Antonio, Davi,
Fabiana, Gina.
Apresentação e institucionalização das
concepções de fracionários.
12
07/11/2003
Bruno, Aluna, Antonio, Carla,
Edson, Fabiana, Gina.
.Análise de atividades segundo as
concepções e técnicas.
13
14/11/2003
Bruno, Aluna, Antonio, Carla,
Davi, X, Fabiana, .Gina.
Análise de atividades segundo as
concepções e técnicas.
14
21/11/2003
Bruno, Antonio, Carla, Davi,
Fabiana, Gina…
Discussão dos PCN a respeito de
fracionários para a quinta série.
15
28/11/2003
Aluna, Antonio, Carla, Davi,
Fabiana, Gina.
Reelaboração da sequência em grupos.
16
05/12/2003
Bruno, Aluna, Antonio, Edson,
Fabiana, Y, Gina..
Reelaboração e entrega das sequências
dos grupos.
17
12/12/2003
Bruno, Carla, Davi, Edson,
Fabiana, Y, Gina.
Mapa conceitual 2.
TERCEIRA
QUARTA
(continua)
149
O dispositivo experimental
Quadro 16 – Detalhamento dos encontros do dispositivo experimental da pesquisa. (continuação)
Etapas
Data
Professores
participantes
18
05/03/2004
Bruno, Aluna, Antonio, Davi,
Fabiana, Gina.
Análise das sequências elaboradas
por eles.
19º
12/03/2004
Bruno, Aluna, Antonio, Davi,
Fabiana, Hilda, Gina
Discussão da sequência elaborada pela
formadora.
20º
19/03/2004
Bruno, Aluna, Antonio,
Fabiana, Hilda, Gina.
Continuação da discussão da sequência
elaborada pela formadora e texto sobre
aprendizagem significativa.
21º
26/03/2004
Bruno, Antonio, Davi, Hilda,
Gina..
Continuação da discussão da sequência
elaborada pela formadora e preparação
para aplicação na 5ª série.
22º
02/04/2004
Bruno, Antonio, Davi, Fabiana,
Hilda, Gina.
Continuação da discussão da sequência
elaborada pela formadora e preparação
para aplicação na 5ª série.
23º
05/04/2004
Bruno, Aluna, Antonio,
Fabiana, Gina.
Aula 1 na 5ª série B.
24º
06/04/2004
Gina .
Aula 2 na 5ª série B
25º
12/04/2004
Aula 3 na 5ª série
26º
13/04/2004
Aula 4 na 5ª série B
27
14/04/2004
Aula 5 na 5ª série B
28
16/04/2004
Encontros
QUINTA
SEXTA
Bruno, Aluna, Antonio, Davi,
Edson, Hilda, Gina.
Atividades
Análise do trabalho realizado com os
alunos.
Na sequência, apresentaremos nossas análises.
3 Análises
Em nossa problemática, propusemo-nos a refletir sobre três problemas: as
concepções dos professores a respeito de: números fracionários, seus alunos e as
ações de formação que propiciam ampliar seu conhecimento didático. Esta parte
do trabalho tem por objetivo discutir esses diferentes aspectos.
O grupo de professores em formação, considerado nas análises, caracterizou-se em relação à participação da seguinte forma: três professores frequentes e
muito ativos: Bruno, Fabiana e Gina; três frequentes, mas, de participação tímida:
Antonio, Davi e Carla; alguns não tão frequentes, como o Prof. Edson, outros que
150
Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
tiveram participação bastante esporádica; além da Prof. Hilda que ingressou na
formação somente em 2004 e da aluna bastante participante.
3.1 Concepções dos professores sobre números fracionários
Apresentamos a seguinte questão relacionada às concepções dos professores
com números fracionários:
Que Organização Didática os professores constroem para o ensino de números fracionários para a quinta série do Ensino Fundamental durante a formação?
Pretendemos responder a questão, analisando os dois mapas conceituais, realizados com a palavra-chave: frações e o estudo das sequências sobre ensino de
fracionários elaboradas pelos professores, segundo a TAD e o grau de completitude que apresentam.
3.1.1 Mapas conceituais
Para a elaboração dos mapas conceituais, o procedimento consistiu no registro na lousa de todas as palavras mencionadas, os professores deveriam se agrupar e sem interferência dos formadores categorizarem as palavras e construir uma
frase e um esquema gráfico com essas categorias. Vejamos o que foi elaborado em
cada grupo.
O primeiro mapa foi realizado, antes de qualquer discussão sobre o assunto,
em 8/8/2003 e o segundo, no final da quarta etapa, após a formação específica,
em 12/12/2003. As palavras mobilizadas nos dois mapas para facilitar a comparação, foram categorizadas e apresentadas no Quadro 17.
Quadro 17 – Classificação das palavras mencionadas nos dois mapas conceituais.
MAPA CONCEITUAL 1
Parte/todo
Razão
Pizza
Pedaço
Parte
Bolo
Todo
Comparação
Proporção
Regra de três
Receita
Diretamente
Direto
Razão
MAPA CONCEITUAL 2
Pizza
Parte/todo
Fragmento
Contagem
Comparação
Proporção
Regra de três
Razão
Quociente
Divisão
Repartir
Medida
Altura
Régua
Divisão
Distância
Distribuição
Unid. medida
(continua)
151
O dispositivo experimental
Quadro 17 – Classificação das palavras mencionadas nos dois mapas conceituais. (continuação)
MAPA CONCEITUAL 1
Operador
Técnicas e
Nomenclatura
MAPA CONCEITUAL 2
Operador
Denominador
MMC
Numerador
Denominador
MMC
Numerador
MDC
Equivalente
Própria
MDC
Equivalente
Própria
Aparente
Fatoração
Simplificação
Imprópria
Fator comum
Inversa
Produto
Perímetro
Área
Porcentagem
Álgebra
Porcentagem
Aritmética
Função
Amostra
Reais
Área
Geometria
Números
Estatística
Racionais
Naturais
Sequência
Decimal
Grandeza
Dia-a-dia
Problemas
Contas
Contínuo
Discreto
Concreto
Dedutivo
Indutivo
Ansiedade
Aprendizado
Qualidade
Satisfação
progresso
Curso
professor
aluno
curiosidade
significado
conhecimento
grupo
reflexão
dedução
sentido
raciocínio
escola
abstrato
Reverso
Contextos
Potência
Dificuldade
Expectativa
Compartilhar
Grupos
Resistência
Aprendizagem
Ações
Interpretação
Compreensão
Estudar
Dúvidas
Discussão
Erro
Leitura
Acerto
Erro
ensinar
aprender
Entendimento
construção
orientação
angústia
Tempestade
Choro
desequilíbrio
canseira
emoção
dor de cabeça
preocupação
fé
Lição de casa
Emoção
No primeiro mapa, com exceção do termo razão, nenhuma das outras concepções de números fracionários foi explicitada, embora algumas palavras possam
ser associadas a elas. Por exemplo, as que associamos à concepção de medida, não
acreditamos que tenham o sentido de fracionários como resultado de medição.
152
Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
Por outro lado, tanto a palavra pizza como a maioria das palavras associadas à concepção de razão mantêm-se nos dois mapas, enquanto a palavra operador que não fazia parte do vocabulário do primeiro mapa, foi mencionada
no segundo.
Entendemos que a associação da concepção parte-todo, mobilizada de maneira predominante pelos professores a situações que envolvem pizza da mesma
forma, que as palavras que se associam à concepção de razão que se referem
às técnicas utilizadas no Ensino Fundamental, são de difícil mudança para esse
grupo de professores, visto que são constantes de suas práticas para o ensino
de fracionários.
No primeiro mapa, foi dada grande ênfase às palavras ligadas ao conteúdo,
que classificamos como técnicas e nomenclatura que diminuíram no segundo.
Já as palavras que classificamos como possíveis contextos para mobilização dos
números fracionários, são citadas praticamente na mesma quantidade, embora
se alterem em qualidade no segundo, provavelmente, motivadas pela formação.
No segundo mapa, a palavra aluno foi lembrada, assim percebemos que as
palavras classificadas em aprendizagem e ações: no primeiro mapa, referiam-se
aos alunos, no segundo, à própria aprendizagem dos professores. Isto porque, no
início da formação, descreviam os não saberes do aluno e em seu decorrer perceberam suas próprias dificuldades, como veremos mais à frente.
3.1.1.1. 1º mapa conceitual
Grupo 1
Este grupo foi formado pelas professoras Fabiana e Gina e por uma professora que por problemas de saúde, teve pequena participação nos trabalhos e será
identificada em alguns diálogos por X.
Criaram as seguintes categorias:
– Sentimentos.
– Escola.
– Termos técnicos.
– Cotidiano.
– Linguagem comum.
Elaboraram a seguinte frase:
A “missão” de compartilhar conhecimentos sobre frações envolve uma gama
enorme de sentimentos e apesar do cotidiano estar ligado integralmente a esse
conceito, a escola mesmo usando uma linguagem comum não atinge seus objetivos portanto os termos técnicos ficam apenas entre os docentes.
153
O dispositivo experimental
E o mapa conceitual da figura 29.
Figura 29 – Mapa conceitual 1, grupo 1.
Embora o mapa nos lembre um diagrama de Venn, não pode ser interpretado
dessa forma. Para esse grupo acreditamos que a escola, envolta por sentimentos
está inserida no cotidiano de alunos e professores, compartilhando, tanto linguagem comum como termos técnicos. A categoria “sentimento” surgiu por ideia de
uma das professoras e provocou o seguinte diálogo:
X: poderíamos colocar algo de sentimento
…
Gina: repartir é termo técnico ou sentimento?
Fabiana: no dia-a-dia, vamos precisar repartir. O conhecimento também, a
gente reparte conhecimento.
Este grupo, além do conteúdo e do professor, lembrou da escola e embora a
palavra “aluno” não tenha sido citada, o aluno foi lembrado em vários momentos
da elaboração do mapa por seus não saberes:
Fabiana e X: o aluno não entende fator comum nem proporção.
X: denominador e numerador ele sabe, só confunde quem é quem.
Gina: meus alunos sabem regra de três, mdc, mmc.
Fabiana: ele não sabe o que é fração equivalente.
X: eles não sabem dividir, mas sabem o que é.
Gina: o termo função ele conhece, mas o conceito não.
Quanto à frase, as cores para algumas palavras foram escolhidas pelo grupo,
já a palavra missão que não constava nem das palavras citadas, nem das categorias elaboradas, foi colocada durante a construção. Entendemos que a “missão de
compartilhar conhecimentos”, tanto pode se referir às relações entre professores
e formadores como às relações entre professores e seus alunos.
154
Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
Embora apresentem uma visão poética do ato de ensinar, acreditam que ensinar frações consiste em transmitir termos técnicos, mesmo que, sem sucesso,
como confirma a professora Gina: “Tudo está envolvido pelo sentimento. Os termos técnicos que gostaríamos de compartilhar com eles a gente vê que só fica
entre os docentes”.
Percebemos que o ensino de números fracionários para esse grupo está centrado na transmissão de termos técnicos, da mesma forma, ensinar, para eles é
transmissão de conhecimentos.
Grupo 2
Este grupo era composto pelos professores Antonio, Bruno, Edson e por uma
professora que só participou esporadicamente que denominamos de Y e categorizou as palavras da seguinte forma:
– frações
– natureza humana
– ferrramenta
– cotidiano
– conceitos matemáticos
– orientador
Apresentou a seguinte frase:
Para interpretar os conceitos matemáticos que fazem parte do nosso cotidiano utilizamos ferramentas, não esquecendo que todos temos nossos conceitos
próprios, isto é a natureza humana, para isso devemos buscar auxílio de nossos orientadores.
O mapa conceitual elaborado com base nessas categoriais foi o seguinte:
Figura 30 – Mapa conceitual 1, grupo 2.
No mapa elaborado, nem durante sua produção, este grupo não se referiu
aos alunos. No entanto fez comentários a respeito de suas próprias dificuldades,
como podemos ver no seguinte diálogo:
155
O dispositivo experimental
Edson: O problema é que o professor está preso a muitos conceitos e preconceitos e para mudar é muito difícil.
Bruno: É para isto que estamos aqui.
Edson: Na htpc1 da minha escola, a gente discute textos e vamos trazendo
para a escola tudo o que a gente tem lá de fora.
Bruno: Eu já passei por oito escolas e nunca fiz nada nas htpc.
…
Bruno: Não é próprio da natureza humana ser orientado. É ter dificuldade, a
resistência à orientação está por trás de tudo.
Edson: Na minha htpc, não dá todo este tempo para fazer o trabalho. Só três
minutos e acabou.
Antonio: Mas é que aqui é diferente.
Notamos que o termo frações não teve lugar na frase elaborada, embora
apareça no mapa. Para esses professores, provavelmente, o emprego de ferramentas que permitem interpretar os conceitos matemáticos, levando em conta que
cada pessoa tem seus próprios conceitos, e estes são identificados como algo da
natureza humana. Explicitam a necessidade de orientadores para auxiliá-los na
interpretação de seus próprios conceitos em relação aos conceitos matemáticos.
Na realidade, eles ultrapassam as frações referindo-se ao ensino e à aprendizagem
da Matemática, de forma geral.
Grupo 3
Formado pelo professor Davi, por uma professora que abandonou a formação por problemas pessoais que chamaremos de Y e pela aluna que frequentava
nossos encontros. Esse grupo criou as seguintes categorias:
– frações
– utilitário
– cotidiano
– essencial
– básico
A frase elaborada foi a seguinte:
Para obter conhecimento começamos com o básico, encontrando seu essencial para utilizá-lo, onde aplicaremos em nossas competências postas no cotidiano.
O grupo não se refere a frações em sua frase nem coloca todas as categorias
selecionadas, o sentido da palavra “utilitário”, provavelmente, ficou implícito a
“utilizá-lo” na frase. De certa maneira, acredita que o conhecimento interfere na
vida cotidiana dos indivíduos, desde que estes aprendam o essencial para empregar no cotidiano e torná-los competentes.
1
Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo.
156
Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
O mapa conceitual elaborado pelo grupo está na Figura 31.
Figura 31 – Mapa conceitual 1, grupo 3.
A preocupação está centrada no conteúdo, pois não se refere a sentimentos
ou à figura do professor.
O grupo considera o ensino como se fosse um ciclo em torno do conteúdo
que, parte do básico para o essencial, o útil é atingir o cotidiano, como podemos
perceber no comentário do professor Davi: “Muitas vezes, em sala de aula, nós
podemos usar panfletos de mercado para trabalhar números decimais”.
A dificuldade para realizar o mapa foi externada pelo mesmo professor
quando fala: “Nós tivemos dificuldades. Tem duas pessoas novas (no grupo), e
isso é uma tempestade cerebral”.
Notamos que, enquanto um grupo explicita a necessidade de orientação para
sua prática de ensinar, o outro envolve toda a tarefa de ensinar frações em sentimentos, e o terceiro foge de qualquer aprofundamento, focando o ensino baseado
no cotidiano.
3.1.1.2. 2º mapa conceitual
O segundo mapa aconteceu, logo após a formação específica sobre números
fracionários e os professores passavam por um momento de angústia, que eles
mesmos explicitavam como sendo um momento de desequilíbrio.
Nas palavras citadas, vimos que muitas se referem exatamente às emoções e
sentimentos. Embora mudanças sejam percebidas na qualidade das palavras que
se relacionam à palavra-chave “frações”. Os mapas e as frases elaboradas não
tratam do tema nem dos conceitos a ele relacionados.
O Grupo 1 formado pelas professoras Fabiana, Gina e Carla elaborou a “frase”:
H + S + R = C, habilidade + sentimento + relacionamento = conhecimento. Com
variações do tipo: “se do conhecimento você tirar o relacionamento e tirar a
habilidade só sobra o sentimento de frustração”.
O dispositivo experimental
O Grupo 2 formado pelo professor Bruno e por dois professores da escola
que durante o semestre compareceram esporadicamente, criou uma frase que foi
alterada durante a apresentação e tomou a seguinte forma:
“Para falarmos de números precisamos de organização e sequência utilizando ferramentas adequadas, onde o aluno passa a irradiar suas emoções concretas e abstratas”.
De certa forma, o grupo mostra que o conhecimento advém de interações e
emoções e apresenta a necessidade de uma certa organização do conteúdo a ser
ensinado, que optou por números em vez de frações.
O Grupo 3 formado pelos professores Edson e Davi e, por uma professora da
escola que comparecia de vez em quando elaborou a seguinte frase:
“A comunidade, em geral, tem o sentimento e a expectativa de que através do
raciocínio o aluno possa compreender os conteúdos estudados”.
Para esse grupo, notamos que o “conhecimento” é a compreensão dos conteúdos que o aluno adquire por seu raciocínio. A palavra sentimento não tem a
conotação de “emoção”, mas, sim, de “entendimento” pois percebemos na frase
que a “comunidade entende e espera que o aluno aprenda”, e o conteúdo é o centro do processo de ensino e aprendizagem.
No final das apresentações, os professores externaram suas opiniões a respeito das atividades desenvolvidas no semestre, referindo-se sobretudo ao trabalho em grupo e ao desequilíbrio que sentiram, temas que voltaremos a discutir
mais à frente.
Neste segundo mapa, realizado após a formação específica, observamos que
nas frases elaboradas nem a palavra fração, nem qualquer concepção de fracionários foram citadas, embora duas delas priorizem o conteúdo e uma o conhecimento; provavelmente, porque no momento da elaboração seus sentimentos
de angústia eram explícitos de modo claro. O grupo mostrou-se confuso com a
constatação de não saber um assunto que acreditava conhecer profundamente.
Entre os dois mapas, a mudança mais sensível notada foi em relação às palavras citadas. Sobretudo, as que se referem às emoções, pois, no início das atividades os professores esperavam receber ajuda para fazer com que seus alunos aprendessem a tratar com fracionários. Mas, durante a formação, perceberam que, eles
próprios, precisavam construir novos significados para esse conteúdo, este fato fez
com que as emoções fluíssem durante quase toda a formação. A palavra tempestade
desta categoria refere-se à “tempestade cerebral”, citada em alguns encontros.
3.1.2 Estudo da organização didática elaborada na formação
Nesta parte de nosso trabalho, foram analisadas as sequências elaboradas
pelos professores, durante a formação, para o ensino de números fracionários
157
158
Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
para a quinta série que serão consideradas, como Organizações Didáticas (OD)
construídas em uma instituição escolar. Para Bosch e Gascón, as OD e OM escolares tornam-se transparentes para os sujeitos da instituição que as assumem e as
transmitem por meio de suas práticas institucionalizadas, que:
podem ser descritas e evidenciadas empiricamente sustentadas por uma
metodologia que considere as práticas e os discursos existentes na instituição considerada, bem como as «opiniões» explícitas desses sujeitos.
(BOSCH e GASCÓN, 2002, p. 9, tradução nossa)
De acordo com Chevallard (1999), convém aprofundar o estudo das Praxeologias, mediante um estudo empírico com análise dos dados recolhidos de observação.
Assim, uma Organização Didática de uma instituição escolar articula-se, segundo o
autor, em tipos de tarefas (geralmente, cooperativas), em técnicas, em tecnologias,
em teorias mobilizadas para o estudo concreto de um determinado tema, em uma
instituição concreta. Em outras palavras, estudar uma OD é o como estudar a OM
desse tema, identificando as ações que podem ser vistas como didáticas.
Para Chevallard (1999), qualquer que seja o caminho do estudo escolhido
constata-se que, certos tipos de situações, estão sempre presentes, de maneira variável, tanto no plano qualitativo como no quantitativo. A esses tipos de situações,
o autor denomina de Momentos de Estudo ou Momentos Didáticos.
A maneira que uma determinada Organização Didática coloca em prática
uma certa Organização Matemática pode ser analisada, primeiramente,
se interrogando a maneira que realiza os diferentes momentos do estudo.
(Chevallard, 2002, p. 12, tradução nossa)
Os momentos didáticos são caracterizados mais por uma realidade funcional do estudo, do que por uma realidade cronológica que permite descrever uma
construção elaborada por ensaios, retoques, paradas e avanços, segundo Chevallard (1999).
Assim, empregando a definição que o autor dá para cada um desses momentos, faremos a análise das OD elaboradas pelos professores durante a formação,
identificando a OM que mobilizaram por meio dos tipos de tarefas e técnicas que
apresentam nessas OD.
3.1.2.1. 1º momento
É aquele do primeiro encontro (ou reencontro) com a Organização Matemática que está em jogo. Consiste em encontrar a OM por meio de, pelo menos,
159
O dispositivo experimental
um dos tipos de tarefas constitutivas dessa Organização que não determina completamente a relação com o objeto, pois se constrói e modifica-se no processo
de estudo.
3.1.2.2. 2º momento
É o da exploração do tipo de tarefas e da elaboração de uma técnica relativa
a esse tipo de tarefa, pois o que está no centro da atividade matemática é mais a
elaboração de técnicas do que a resolução de problemas isolados. O estudo de um
problema particular, de um tipo estudado, aparece, assim, não como um fim em si
mesmo, mas, como um meio para a construção de uma técnica de resolução que, a
seguir, será o meio para resolver de maneira quase rotineira os problemas desse tipo.
Identificaremos os tipos de tarefas que os professores apresentaram, na primeira OD elaborada individualmente e na construída no final da formação específica, em grupo, para analisar os dois primeiros momentos do estudo, visto
que se torna mais fácil perceber as técnicas diretamente relacionadas às tarefas apresentadas.
No primeiro encontro, depois do primeiro mapa conceitual, a maioria dos
professores apresentou, como prevíamos, um plano de aula, entendendo-o por
uma sequência de ensino que tinha mais o sentido de “relembrar” o conteúdo que
os alunos deveriam saber do que ensinar números fracionários. Dessas, apenas
duas se apresentavam com alguma estrutura sequencial, a maioria apresentou
apenas uma atividade que provavelmente, ocuparia uma aula. Nos trabalhos,
identificamos os seguintes tipos de tarefas:
1º tipo – Associar fracionários a figuras dadas
As tarefas deste tipo apresentam figuras planas divididas inteiramente em
partes congruentes, sendo uma delas precedida de exemplos. A técnica consiste na
dupla contagem das partes.
2º tipo – Dividir um inteiro em partes iguais
Nestas foram apresentadas figuras de superfícies para serem divididas em
partes “iguais”. Uma delas solicita a construção com régua e compasso de um
triângulo equilátero e a seguinte construção para dividi-lo:
Tarefa: Dividir os lados de um triângulo equilátero, com auxílio de barbante, em cinco partes iguais e por meio de retas paralelas dividir o triângulo em 25 triângulos menores, mostrando que esses segmentos estão
160
Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
paralelos. A seguir, identificar figuras geométricas no interior do triângulo
maior: dois losangos azuis, um trapézio vermelho, dois hexágonos amarelos e seis triângulos verdes. Finalizando, preencher uma tabela que associa
a cada figura a parte do todo. (Prof. Fabiana, OD individual)
Logo a seguir, a professora recomenda:
Comentar com os alunos que, para obter uma fração de um todo contínuo, significa dividi-lo em partes com medidas iguais, enquanto, para
obter uma fração de um todo discreto, é preciso dividi-lo em partes iguais
que tenham a mesma quantidade de objetos, pessoas, elementos.
Nessa tarefa, a ação do aluno está centrada na construção do triângulo e
suas divisões baseadas no Desenho Geométrico e emprego de ferramentas de desenho. A recomendação da professora sugere a técnica da dupla contagem das
partes para a identificação de um fracionário, tanto em grandezas contínuas
como em discretas.
3º tipo – Comparar partes de grandezas contínuas associadas a números fracionários
As tarefas solicitam dobradura e recorte de círculos e retângulos de papel,
além de pedaços de barbante. Uma outra sugere o emprego de material manipulativo com retângulos de cartolina coloridos, segundo a divisão em partes de
cada retângulo. O objetivo desse tipo de tarefas é a comparação dos fracionários
obtidos, para que os alunos percebam fracionários equivalentes.
A professora Fabiana orienta o professor para a tarefa referente ao circulo:
Peça aos alunos para sobreporem as peças e escreverem todas as relações
possíveis entre as diferentes peças que foram cortadas. Espera-se que os
alunos descubram todas as relações possíveis e associem escritas simbólicas a cada uma das descobertas que fizeram.
A tarefa referente aos pedaços de barbante é apresentada pelos seguintes procedimentos:
Distribuir cinco pedaços de barbantes que possuam o mesmo comprimento.
Pedir aos alunos que dobrem um dos pedaços do barbante ao meio e
cortem. Repita o procedimento com os outros pedaços, dividindo-os e
cortando-os em três, quatro e cinco partes iguais.
161
O dispositivo experimental
Colar no caderno cada pedaço e escrever a fração correspondente a cada
parte.
Traçar um segmento de reta no caderno, utilizando a régua não graduada e representar as frações 1/2, 1/3, 1/4, 1/5, 1/8 e 2/3 nesse segmento.
(Prof. Fabiana, OD individual)
Nos procedimentos sugeridos pela professora, percebemos concretamente a
discretização do contínuo provocada pelo corte do pedaço do barbante e, ainda,
a perda do referencial do inteiro, porque depois do corte dos barbantes do aluno
passa a ter dois, três ou mais pedaços de barbante. A atividade com o segmento de
reta aparece, como uma tentativa de evitar que esses fatos aconteçam.
4º tipo – Determinar medidas de objetos
Apresenta duas tarefas solicitando medidas de comprimento e de área das
faces das caixas.
A prof. Gina, com o objetivo de: conscientização quanto ao problema do
lixo que afeta o planeta Terra e utilizar sucatas para demonstrar que as frações
correspondem a partes iguais, independentes do objeto, solicita a leitura do texto:
Reciclar é preciso2 para se valer de seis caixas de papel (sucatas), com diferentes
dimensões, em algumas tarefas.
Embora solicite a medição do comprimento e da medida da área das faces
das caixas, estas são feitas pela contagem, visto que o aluno utilizaria a
régua para determinar as medidas e a divisão dessas medidas para determinar a fração que corresponde às partes congruentes das faces das
embalagens.
5º tipo – Determinar a quantidade que corresponde a partes do inteiro
Mobilizando a concepção de operador, uma das tarefas deste tipo solicita o
cálculo de partes dos ingredientes de uma receita de bolo.
Uma outra solicita o cálculo de parte da distância entre duas cidades. Nesta
última, o professor sugere que a medida seja encontrada por um esquema de medida (segmento) com a mobilização da concepção parte-todo.
2
O texto a que se refere faz parte da Coleção Meio Ambiente da Editora Novas Ideias, a
que não tivemos acesso.
162
Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
6º tipo – Determinar uma razão
A tarefa solicita a razão entre as medidas das áreas das partes e da face da caixa
em que essas partes estão contidas, empregando os resultados de tarefas anteriores.
Nas tarefas com as caixas, a prof. Gina sugere a necessidade de discutir com
o aluno: o que cada parte representa na face que a contém e no final recomenda que encaminhem as sucatas para reciclagem. O diferencial na proposta desta
professora é relacionar as tarefas que apresenta, além de associar a uma mesma
situação as concepções de fração, como parte-todo, medida e razão.
7º tipo – Determinar frações por pares de números inteiros de 2 a 9
Em uma situação, estritamente numérica e mecânica, sem parâmetros inclusive para definir o que seria numerador e denominador, um professor sugere
um jogo com cartas de baralho, na qual o aluno, utilizando somente as cartas
que apresentam números, sorteia quatro dessas, para relacionar seus números
formando frações. Ganha a jogada quem formar frações maiores e o jogo, o que
possuir maior quantidade de cartas no final da partida.
Provavelmente, o professor tenha pretendido durante a aplicação do jogo,
encaminhar o aluno a perceber a melhor maneira de obter “frações maiores”
com os números sorteados. Entretanto, o aluno não conseguirá perceber que o
fracionário é um número, porque a tarefa leva-o a registrar fracionários com base
em dois naturais quaisquer que se coloca um acima e outro abaixo de um traço.
O professor Antonio justifica assim esta tarefa:
Saber conceituar numerador e denominador, divisão de frações, números
decimais, simplificação de fração, frações próprias e impróprias, fazendo
uso da metacognição, podendo, assim, o professor estabelecer o conhecimento cognitivo em seus alunos, alcançando suas expectativas, sabendo
lidar com as questões de aprendizagem.
Notamos incoerência entre a tarefa e a justificativa que o professor apresenta, pois, enquanto esta apresenta um discurso de preocupação com a aprendizagem do aluno, a tarefa em si provoca obstáculos didáticos difíceis de superar
depois, como já citado anteriormente.
8º Tipo – Pesquisar o significado da palavra fração
A técnica apresentada pela professora X é a de busca em dicionários, livros
didáticos e paradidáticos, para tratar do assunto: compreensão do significado da
O dispositivo experimental
palavra fração e o que representa em nosso cotidiano. Sugere que, na aplicação,
se coloque no quadro uma lista de todos os significados sobre frações e que cada
aluno fale sobre uma das palavras encontradas, concluindo faz uma observação:
observe se cada aluno fala satisfatoriamente sobre cada palavra.
Percebemos que apenas duas professoras apresentaram tarefas que se relacionam e mobilizam outras concepções, além de parte-todo; os outros mostraram
xérox de diversos livros didáticos em atividades isoladas sem conseguir alguma
estrutura organizacional. E, ainda, a técnica para resolver as tarefas apresentadas,
de maneira predominante, é a dupla contagem das partes, embora uma das tarefas
solicite a medição, sendo feita também pela contagem, visto que o aluno utilizaria
a régua para determinar partes congruentes das embalagens que seria a mesma
técnica utilizada nas tarefas que envolvem grandezas discretas.
Em vista dessas constatações, decidimos que o trabalho em grupo seria o ideal para a troca das coletas individuais e elaboração de uma sequência por grupo.
Dessa forma, após a apresentação dos trabalhos individuais, sugerimos em
continuidade à formação que elaborassem, em grupos, uma sequência para o ensino de fracionários para uma quinta série. Foi sugerido que elaborassem um plano
determinando os passos que deveriam seguir, para que os alunos aprendessem
números fracionários, pois isto permitiria melhor escolher as atividades que iriam
à sala de aula. Após alguns encontros e muitas reflexões concluíram que o melhor
caminho era o seguinte:
• Dar significado,
• Relacionar o que foi feito nessa parte com situações da realidade e
• Apresentar problemas de aplicação.
Essa decisão, como consenso de todos os grupos, colocou a questão de como
dar significado aos fracionários, como prioritária, embora não tivessem clareza
sobre o assunto e não conseguissem explicar, o que fazer, para que os alunos dessem sentido aos fracionários.
Sugerimos aos grupos que buscassem respostas na história da Matemática,
imediatamente um dos professores manifestou-se a respeito do livro de História
da Matemática do Boyer, afirmando: “Eu li o Boyer. Eu preciso ler mais umas dez
vezes. […] Eu tive dificuldade para entender” (Prof. Bruno, obs. 22/8/03, p. 3).
Em continuidade à discussão, outro professor, sugeriu que um bom caminho
seria utilizar o dicionário. O entendimento de que a consulta do dicionário é suficiente para garantir a compreensão dos diversos significados para fracionários,
perseguiu-os até a quinta etapa da formação.
No encontro seguinte, trouxeram os dicionários da própria escola e vários
livros de História da Matemática que serviram de plano de fundo para amplas
discussões e a conclusão de que as concepções, retiradas do dicionário, garantiriam que os alunos construíssem significados aos números fracionários:
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Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
1) pedaço de um todo
2) partes iguais de um todo
3) unidade de medida
4) distribuição
5) divisão
6) razão
7) proporção
8) porcentagem
9) cota
10) quota.
Algumas falas da discussão que ocorreu na consulta ao dicionário são reveladoras das dificuldades dos professores em justificar as concepções de fracionários
que encontraram no dicionário no dia 22/8/03:
A fração do pão é uma das partes mais importantes da missa. (Prof. Gina, p. 4).
A hora que o padre tira o primeiro pedaço do pão, ele tira uma fração. Depois o segundo pedaço, o padre também tira uma fração. (Prof. Gina, p. 5).
Eu acho que temos uma fração no primeiro pedaço. Depois, temos outra
fração para tirarmos o segundo pedaço. (Aluna, p. 6)
Cada vez que eu vou tirar um pedaço, eu tenho que dividir em partes
iguais. (Prof. Gina, p. 6).
Um pedaço de pão para ter uma relação com a fração que a representa
é necessário saber o quanto pesa o pedaço de pão e o peso do pão todo.
(Prof. Gina, p. 14).
Durante a formação específica, os professores comportaram-se mais como
receptores de informações do que como aprendizes, lançando poucas questões ou
dúvidas, provavelmente, pelo entendimento de que, naquele momento, estavam
“assistindo” à aula. A grande novidade para eles foi a concepção de operador que
não apareceu explicitamente durante todo o trabalho.
No dia da apresentação, alguns professores pronunciaram-se sobre a novidade: “Vou chegar em casa e pegar alguns livros para verificar esse novo
conceito”. (Prof. Fabiana, 17/10, p. 16). A professora Gina logo identifica um
problema e afirma que ele pede para encontrar o operador e conclui: “gostei
do operador”. Os professores afirmam que nunca haviam pensado no papel
transformador dos números fracionários e que, por isso, ele não apareceu nas
discussões anteriores.
Na segunda fase do projeto, que tinha como objetivo a produção em grupos de uma Organização Didática que considerasse os passos que determinaram
para essa elaboração: dar significado, relacionar o que foi feito nessa parte com
situações da realidade e apresentar problemas de aplicação, bem como as dez
concepções que selecionaram no dicionário, percebemos que o grande desafio
dos grupos era decidir quais atividades selecionar para dar significado aos fracionários. Para solucionar essa dificuldade, apoiaram-se em livros didáticos e nos
Experiências Matemáticas.
O dispositivo experimental
Ainda, no final desta fase, os grupos não tinham uma sequência preparada,
mas um esboço da elaboração pretendida, um plano de ação. Na apresentação
desses planos, pedimos que identificassem com os números correspondentes as
concepções que seriam mobilizadas em cada etapa, de acordo com a numeração
apresentada na página anterior deste trabalho:
Grupo 1
Formado pelos professores Antonio e Bruno e por uma professora que vinha
eventualmente, apresentou o seguinte planejamento:
1. Pesquisa.
2. Dobradura. Operações simples, propriedades simples de figuras geométricas. (1 e 2 para dar significado)
3. Colorir figuras geométricas já divididas, comparar novas figuras.
4. Fornecer frações numéricas para representar na forma geométrica.
5. Apresentar figura para ladrilhamento (nova divisão para sobreposição).
6. Criar situações para representar.
7. Problematização: relacionar conceito de fração com situações de divisão.
8. Tangran – generalizar. (obs. 12/9/03, p. 6-7)
Grupo 2
Formado pelos professores Davi e Edson e pela aluna concluíram o seguinte:
1. O que sabe sobre fração (D).
2. Pesquisar no dicionário o significado e origem (C).
3. Criar frases com a palavra e
4. Representar tudo sobre fração (exercícios) (B – ensino) (1, 2 e 5).
5. Demonstrar o que aprendeu e tirar seu próprio conceito (A).
6. Ficha de acompanhamento.
(Aplicar através de passo a passo).
No final, medir o nível de conhecimento em:
a) Representação e formação de conceito.
b) Representação (tudo sobre fração).
c) Pesquisar o significado.
d) Conhecimento prévio. (obs. 12/9/03, p. 7)
Grupo 3
Formado pelas professoras Carla, Fabiana e Gina que, no momento da
apresentação, estavam em um impasse: utilizar área para razão e receita de bolo
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Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
para proporção, pois estavam preocupadas em relacionar fração com divisão e
com decimal.
Como já tinham um plano mais estruturado, apenas o complementaram:
1. Pesquisa (livros didáticos, dicionários, Internet) individual, em pequenos grupos e no grupo todo (a sala). (A principio, pensaram nessa
pesquisa em casa, mas isso pode não dar certo. Preferiram usar a
biblioteca da escola e a Internet em casa.)
2. Dobraduras: retângulos, circunferências (1 e 2). (o objetivo é mostrar
que meio é meio, seja no retângulo, na circunferência, em qualquer figura.
Usando circunferência, farão recortes para mostrar equivalência.).
3. Recortes da circunferência para trabalho com equivalência (1, 2 e 4).
4. Barbante – medida (1, 2 e 3). (Meio é meio tanto na circunferência
como no barbante).
5. Ladrilhamento do triângulo equilátero (1, 2 e 4) com triângulos e
outras figuras geométricas.
6. Unidades discretas para conceito de fração (4)
7. Área para trabalho com razão (6).
8. Receita de bolo e outras para proporção (7)
9. Como relacionar fração, divisão e decimais (8). (obs. 12/9/03, p. 7)
As propostas apresentadas têm em comum levar os alunos a pesquisar sobre
números fracionários, provavelmente, isto se justifique pelo primeiro objetivo do
trabalho que realizavam ser “conduzir o aluno a construir significados para os
números fracionários”.
No entanto, ainda nesse momento da formação os professores estavam tentando reproduzir na formação que pretendiam, o que haviam vivenciado em um
de nossos encontros: a busca de significados para fracionários no dicionário.
Como a questão do significado surgiu durante as discussões e de imediato procuraram respostas no dicionário que, de alguma forma, levou-os a ter contato com
aspectos desconhecidos da palavra “fração”, pretendiam reproduzir a experiência
com os alunos.
Enquanto os Grupos 1 e 3 preocuparam-se em considerar as concepções consideradas antes para fazer parte da sequência, o Grupo 2 apresenta uma proposta
que coloca o aluno, buscando sozinho sua aprendizagem e o professor no papel
de simples avaliador, usando uma ficha de acompanhamento. Da criação de frases com a palavra fração, passam imediatamente para ensinar “representar tudo”
sobre fração e, logo para “demonstrar o que aprendeu”.
Este Grupo durante a elaboração da OD mostrou-se inseguro em buscar
qualquer caminho que não fosse o livro didático para o ensino de fracionários e, por isso, optou por uma proposta de ensino que tinha como ponto forte, a ficha de acompanhamento que permitiria identificar os alunos que não
O dispositivo experimental
aprenderam para serem “trabalhados” de imediato. Para eles, isto seria uma
avaliação constante.
A proposta do Grupo 1 justifica-se pela concepção parte-todo e sua relação
com a concepção de quociente e com a mudança de registro tanto do figural para
o numérico como no sentido contrário. No entanto, toda a proposta é para o
tratamento de superfícies.
Já o Grupo 3, embora privilegie o trabalho com superfícies, apresenta a proposta do trabalho com grandezas discretas. Por outro lado, mostra o interesse em
relacionar a concepção parte-todo com a de razão por meio de equivalência e medidas de áreas e a concepção parte-todo com a de quociente, relacionando fração,
divisão e decimais. Demonstra a intenção de trabalhar com a mudança de registro
figural para o numérico, bem como da escrita fracionária à decimal.
Durante essa fase dos trabalhos, um fato importante foi constatado. A colaboração que havia entre esses professores, como aprendizes de Geometria, agora,
estava ausente. Enquanto a coleta, de situações para o ensino de fracionário, realizada individualmente não apresentasse qualquer problema, o uso desse material
para uma produção em grupo trouxe uma exigência para esses professores que
não estavam habituados a enfrentar.
Acreditamos que, para esses professores, uma formação continuada traduz-se em voltar a ser aluno, ele participa para aprender alguma coisa, só que este
aprender resume-se em obter exemplos do saber-fazer, em obter um modelo de
como trabalhar algum assunto que seja discutido com eles, como alunos, para só,
então, transformar-se em alguma mudança de prática. Mudança essa que não se
garante, porque as formações continuadas, geralmente, não preveem a elaboração, pelo próprio professor de algum material para ser aplicado em sala. Quando
se preocupam com alguma mudança, esperam que os professores apliquem o material recebido para uma discussão posterior baseada em seus depoimentos.
Em vista da dificuldade em transpor suas decisões, para a Organização Didática que elaboravam e, do predomínio de tarefas isoladas que, em sua maioria,
associa só a concepção parte-todo. Iniciamos a formação específica acreditando
que, às vezes, é necessário o formador tentar superar as dificuldades no lugar do
aluno. Essa formação constou de uma retrospectiva histórica focando os tipos de
tarefas que estão na razão de ser dos números fracionários, pois estão na sua gênese, além do desenvolvimento das teorias algébricas que justificam toda a construção do campo dos números racionais. Esperávamos que eles se apropriassem
dessas informações e esboçassem nas escolhas das tarefas alguma relação com o
desenvolvimento dos conhecimentos de medida, comparação e distribuição, apresentado no esquema da página 97 deste trabalho.
Em seguida, uma discussão mais teórica a respeito das concepções de números
fracionários, explicitando tipos de tarefas que associam cada uma das concepções,
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168
Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
e as possíveis técnicas que as resolvem, baseando-nos na OM construída como referência. O material utilizado nesta parte da formação encontra-se no Apêndice A,
deste trabalho.
Elaboramos a formação específica sobre as concepções de fracionários iniciando por uma discussão rápida sobre a relação entre construção de significados
e concepções, sobre a quantificação de grandezas discretas e contínuas e ainda a
respeito de representações.
Tratamos as concepções de fracionários parte-todo, medida, quociente, razão
e operador, destacando as características de cada uma, diferentes representações e
possíveis dificuldades associadas às resoluções de algumas tarefas. Não tratamos
todos os tipos de tarefas apresentados em nossa OM de referência, mas selecionamos aqueles mais importantes para enfatizar as características de cada concepção.
Para se familiarizar com as novas ideias ao final dessa apresentação entregamos uma lista com 26 tarefas, envolvendo fracionários, em situações que poderiam ser utilizadas em todo o Ensino Fundamental, para que determinassem a
série mais propícia para ser aplicada à concepção que estava associada, bem como
as soluções possíveis.
Essas discussões foram até o dia 14/11 e intercaladas com leituras e discussões do PCN, da Teoria dos Campos Conceituais de Vergnaud, Teoria das Situações Didáticas de Brousseau e Aprendizagem Significativa em material elaborado
pela formadora.
Ao ter como referência essas teorias, tínhamos como objetivo da formação
específica levar os professores a compreender que o conjunto de situações escolhido para trabalhar em sala de aula permitiria aos alunos construir seu próprio
significado para números fracionários. Por sua vez, uma boa escolha dessas situações reflete-se na criação de um ambiente propício à aprendizagem, que poderia
ser obtido pela constatação de que muitas situações, embora associadas a mesma
concepção, pedem a mobilização de técnicas diferentes dependendo dos tipos de
tarefas selecionados.
A orientação pretendida com a formação específica era, para que os professores mobilizassem diversas concepções de fracionários que, de certa forma, o
dicionário explicitou sem contudo dar exemplos de situações que poderiam estar
presentes em um ambiente de formação. Com relação à aprendizagem dos alunos,
enfatizamos a Teoria das Situações de Guy Brousseau que preveem as fases de
ação, formulação, validação e institucionalização, como sendo:
Em uma situação de ação é dado para o aluno um problema em cuja solução aparece o conhecimento que se deseja ensinar, por sua vez, o aluno
age e julga o resultado de sua ação, abandonando ou melhorando seu modelo, além de expressar suas escolhas e decisões pelas ações. Na situação
O dispositivo experimental
de formulação o aluno troca informações com uma ou mais pessoas, é
o momento em que o aluno ou grupo de alunos explicita, por escrito ou
oralmente, as ferramentas que utilizou e a solução encontrada. Na etapa
de validação o aluno deve mostrar porque o modelo que criou é válido.
As situações de institucionalização são aquelas em que o professor fixa
convencionalmente e explicitamente o saber, tornando-o oficial (SILVA,
MANRIQUE, ALMOULOUD, 2004, p. 9).
No final da formação, os grupos retornaram ao trabalho de elaboração da
Organização Didática, buscando o material que tinham da etapa anterior. Quando, mais tarde, os questionamos sobre a não utilização do material da formação
na elaboração da OD, disseram-nos que não queriam copiar nosso trabalho, embora tenham utilizado livros.
A presença do livro didático e seu não questionamento é tão forte na prática
desses professores que nos levou a inferir que, a não utilização do material da formação na elaboração das OD, possa ser justificada por falta de hábito de leitura e
mesmo compreensão desses professores de textos que fogem do padrão dos textos
didáticos apresentados nos livros.
As Organizações Didáticas finais foram entregues à formadora, no dia
12/12/2003, para que fossem analisadas e devolvidas para novas discussões no
primeiro encontro do ano seguinte. Como parte desse momento de reencontro
com a OD em construção e exploração de técnicas, apresentamos, a seguir, os
tipos de tarefas da Organização Didática elaborada por cada grupo.
3.1.3 OD1
Esta organização foi elaborada pelas professoras Carla, Gina e Fabiana com
as atividades apresentadas com objetivos, conhecimentos envolvidos (conteúdos), recursos necessários e respostas esperadas que continham os seguintes tipos
de tarefa:
1º tipo – Pesquisar o significado da palavra fração
Tarefa:
a) Pesquisar em dicionários, livros didáticos e paradidáticos, Internet o significado da palavra fração.
b) Registrar pesquisa
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Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
c) Formar grupos com quatro alunos para troca de informações e conclusão
sobre o significado da palavra fração.
d) Cada grupo deve expor suas definições sobre a palavra “FRAÇÃO”. (OD1,
12/12/03)
Acrescentam, “Espera-se que o aluno defina o significado da palavra fração,
por meio de pesquisas e trocas de informações e conhecimentos, socializando-os”.
2º tipo – Comparar partes de grandezas contínuas associadas a números fracionários
Uma das tarefas solicita dobradura de papel sulfite e a relação de números
fracionários a cada uma das partes. Uma outra atividade solicita o desenho de
círculos para serem dobrados e recortados em 2, 4, 8, e 16 partes para posterior
comparação, tendo como objetivo conduzir os alunos a perceber como os círculos
são diferentes “as peças correspondentes à mesma fração não são do tamanho
que a do seu colega”. Esperam também que os alunos associem escritas simbólicas
,
.
do tipo:
Além de explicitar que o objetivo é apresentar a noção de números fracionários, como a parte de um todo dividido em partes iguais, na tarefa com os círculos,
alertam os alunos para alguns detalhes como:
Chamamos de centro da circunferência o ponto onde o compasso fez o
“furo” e nomeamos esse ponto com letra maiúscula, pois todo ponto é
nomeado com letra maiúscula de preferência do nosso alfabeto. E circunferência é o traço deixado pelo compasso e chamamos de círculo o
objeto formado.
Não deixam claro o que significa “partes com medidas iguais” que poderia ser
interpretado, como sendo as medidas dos lados das partes e sugerir congruência.
3º tipo – Identificar partes de um inteiro
Esta tarefa fazia parte da OD individual da prof. Gina que se referia à divisão de um triângulo equilátero em 25 triângulos congruentes. Nesta nova versão,
elas orientam o aluno a construir com régua e compasso, o triângulo equilátero e dividi-lo em triângulos, losangos, hexágonos e trapézios que serão recortados para serem comparados e permitir o preenchimento de um quadro com
frações equivalentes.
171
O dispositivo experimental
Em outra tarefa desse tipo, agora envolvendo os alunos da classe, isto é,
tratando de grandeza discreta, solicitam que metade, um terço, um quarto e um
quinto dos alunos permaneçam em pé. No final, sugerem variações da tarefa, supondo que a classe tenha 40, 48 e 51 alunos.
Para essa tarefa, provavelmente, utilizariam a técnica de dividir a quantidade
de alunos pelo denominador da fração unitária e mostrar a questão do campo
numérico, na qual o problema está sendo trabalhado com a impossibilidade de
resolução de uma das situações. Esse assunto foi alvo de discussões durante a formação, pois um dos professores afirmou que resolveu um problema com os alunos que resultava em “4,5 torneiras”, fato que se lembrou no final da formação
com a frase: “quanta besteira, estou lembrando das 4,5 torneiras!”
Em outra tarefa desse tipo, solicitam a confecção de uma bandeirinha de São
João para determinar a parte de papel que foi descartada, esperando que os alunos “confeccionem bandeirinhas de formas diversificadas, originando diferentes
respostas”. Nesta afirmação, podemos inferir uma possibilidade de que esperam
a construção de diferentes técnicas para resolver a tarefa proposta, embora não
explicitem, quais seriam essas possibilidades.
Um dos objetivos dessa tarefa é o “desenvolvimento (pelo aluno) de raciocínio proporcional, abordando a relação das frações com o conceito de razão”, que
não seria possível com os dados apresentados nas tarefas.
4º tipo – Comparar números fracionários
Na tarefa, é pedido que o aluno pinte 1/7 de uma folha de papel sulfite e
1/5 de outra folha idêntica, sem dobrar ou recortar, para decidirem qual fração
é maior. A técnica para pintar a parte da folha solicitada associa a medição das
dimensões da folha para dividi-la em partes congruentes. Embora tenham explicitado como objetivo tratar medidas de comprimento e de área, não pedem
esta última.
5º tipo – Resolver problemas relacionados à razão
Uma das tarefas é igual à OD anteriormente apresentada e trata da receita de
massa de torta. As outras são:
a) Se numa sala de aula tem 40 alunos e metade desses alunos não gostam de
Matemática, quantos alunos gostam de Matemática? E se a classe tivesse 48
alunos? E se fossem 60 alunos?
b) Célia comeu 1/4 de um pacote com 20 biscoitos. Quantos biscoitos desse
pacote ela ainda tem para comer? E se o pacote tivesse 24 biscoitos? E se o
pacote tivesse 12 biscoitos?
172
Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
c) Por causa da greve de ônibus, 2/3 dos alunos faltaram na escola. Se compareceram 60 alunos, quantas pessoas estudam nessa escola?
Nesta tarefa, esperam que os alunos utilizem estratégias diferentes na resolução dos problemas, o que indica a possibilidade da construção de técnicas diferentes para uma mesma tarefa; no entanto, não explicitam quais seriam possíveis
e pedem que os alunos construam tabelas para resolver cada um dos problemas.
Provavelmente, em detrimento a utilização da regra de três, visto que a prof. Gina,
integrante do grupo, tem comprovadamente preferência pela utilização dessa técnica, como podemos ver nas afirmações:
Eu tinha um monte de exercícios de regra de três na graduação, que resolvia tudo e me achava inteligente. (Prof. Fabiana, 17/10/03, p. 24).
Eu uso (regra de três) porque quando eu fiz o primário eu tinha aritmética e quando fui para o ginásio e veio a álgebra, eu achei muito mais fácil
para resolver. (Prof. Fabiana, 7/11/03, p. 3)
Fabiana não vive sem régua, nem regra de três. (Prof. Gina, 14/11/03, p. 25)
De acordo com os critérios de completitude, apresentados anteriormente,
entendemos que esta OD apresentou uma certa integração de tipos de tarefas,
buscando relacionar as concepções parte-todo, medida e razão, embora não mobilize Organizações Locais para as diversas concepções tratadas na formação. A
OD, de certa forma, permite o desenvolvimento de critérios de escolha de técnicas
na medida que os alunos podem identificar um fracionário por dobradura, por
uma construção geométrica ou por ações de medição. No entanto, não apresenta
tarefas reversíveis, embora mostre situações que envolvem grandezas discretas
que não possuem solução.
3.1.4 OD2
Esta foi elaborada pelos professores Y, Bruno e Antonio.
1º tipo – Dividir figuras em partes iguais
As tarefas apresentam círculos, retângulos, quadrados, triângulos, estrela,
hexágono (convexo e não convexo), para serem recortados e divididos em
duas, três, quatro, …partes iguais, sem associar o fracionário correspondente, outras o associam os fracionários, mas, com o objetivo de trabalhar
a equivalência de fracionários.
173
O dispositivo experimental
2º tipo – Associar fracionários a figuras dadas
A primeira tarefa apresenta 15 figuras que representam grandezas contínuas
e discretas; as primeiras divididas em partes congruentes e as outras em agrupamentos convenientemente apresentados; solicita a identificação das frações meio,
um terço, um quarto, …, a quinta parte, etc. nas figuras.
Em outra tarefa deste tipo, apresentam quatro retângulos divididos em quatro partes congruentes e a representação simbólica dos fracionários: 1/2, 2/4, 3/4 e
4/4 para serem pintadas. Em outra, colocam dois retângulos iguais aos anteriores
para que o aluno pinte 5/4 e outros dois para que identifique 6/4.
Em uma outra tarefa desse tipo, apresentam figuras divididas em partes não
congruentes (na forma de bandeirinhas), solicitando que “assinale as bandeirinhas, cuja área colorida corresponde à metade da área total”.
Uma dessas tarefas associa a medição para recortar tiras de papel que permite trabalhar a equivalência de fracionários.
Percebemos que, embora muitas discussões tenham ocorrido a respeito da
não coerência da concepção parte-todo para frações maiores que a unidade, ela
aparece nesta organização. Durante a elaboração da organização, o prof. Bruno
faz a seguinte sugestão: “podíamos começar com uma atividade sem que seja exatamente de fração, mas que leve à fração” (Prof. Bruno, 5/9/03, p. 5).
No entanto, além de não perceber que sua sugestão conduziria à razão de
ser dos números fracionários, não consegue transformar sua ideia em tarefas reais
para serem aplicadas. Nesse processo de elaboração da organização desse grupo,
a dificuldade pode ser sentida no seguinte diálogo do dia 26/9/03:
Vamos montar (a sequência). Davi, você tem mais figura aí? Podemos
xerocar? (Prof. Bruno, p. 2)
Eu vou xerocar. Este aqui podemos usar para dobradura e eles identificam
meio nas figuras de tamanhos diferentes. (Prof. X, p. 2).
Davi eu fui tirar xérox e me perdi. (Prof. Bruno, p. 2)
Davi: Tinha muita coisa?
Na semana seguinte, discutindo sobre o emprego de dobradura ou tangran, o
professor Antonio comenta: “Eu achei neste livro como construir o tangran, mas
está em Geometria” (12/9/03, p. 3), o que nos leva a perceber o quanto esse professor está submetido à organização curricular apresentada nos livros didáticos e
a falta de autonomia para relacioná-los.
Em termos de completitude, esta organização é muito rígida, não cumprindo
praticamente nenhuma das condições para ser eficiente em sala de aula. Constatamos que só utilizaram a técnica da dupla contagem das partes justificadas pela
concepção parte-todo. Além disso, ela não foi apresentada com uma sequência
174
Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
clara entre as escritas dos professores, muitos xérox de páginas inteiras de livros
e do Experiências Matemáticas.
3.1.5 OD3
Esta Organização Didática foi elaborada pelos professores Davi, Edson e
pela aluna e apresenta um único tipo de tarefas: associar fracionários a figuras,
retiradas de livros didáticos, que representam tanto grandezas discretas como
contínuas, desta última aparecem além de figuras planas, algumas no espaço, mas
todas apresentam divisões em partes congruentes.
Este grupo, no dia 5/9/03, na dúvida sobre introduzir ou não letras para definir as frações, decide que tal introdução pode ser feita com letras por intermédio
da definição formal, utilizando o conjunto dos naturais. Após a decisão tomada,
o Prof. Edson faz a seguinte afirmação: “Essa discussão é que é importante, para
montar a atividade é simples” de imediato o prof. Davi responde: “não é nada
fácil escrever sobre o que fazer na sala de aula” (5/9/03, p. 15).
Este diálogo mostra a dificuldade do grupo em transformar em ações suas
decisões, pois, embora tenha decidido iniciar pela definição, foi buscar no livro,
o que lhe era familiar, apresentando um único tipo de tarefa baseada em figuras
totalmente divididas em partes congruentes.
Constata-se que as OM mobilizadas nas OD apresentadas são pontuais, muito rígidas, mostrando pouca coordenação entre os tipos de tarefas, o que dificulta
a reconstrução de OD que mobilize OM locais relativamente mais completas. As
OD2 e OD3 codeterminam OM, cujas tarefas são resolvidas pela técnica da dupla contagem das partes e justificadas basicamente pela concepção parte-todo. Só
na OD1 percebemos uma OM que permite mobilizar diferentes técnicas e algum
critério de escolha, o que não acontece com as outras.
Nenhuma delas apresenta tarefas reversíveis e apenas uma situação sem solução. Mas, notamos a interpretação do resultado da aplicação das técnicas mobilizadas e a incidência do elemento tecnológico sobre a prática, como veremos
na análise do próximo momento de estudo.
Do ponto de vista cognitivo, as Organizações Matemáticas mobilizadas nessas Organizações Didáticas não permitiriam minimamente que o aluno construísse significados para a concepção parte-todo em comparação com nossa Organização Matemática de referência; pois, como vimos é preciso um trabalho
com figuras de tipos variados para a percepção da limitação da técnica de dupla
contagem das partes e, consequentemente, o desenvolvimento de outras técnicas
para a construção desses significados.
Podemos concluir que, diante da sucessão de situações e discussões que foram exploradas durante a formação, era de se esperar que mobilizassem OM mais
O dispositivo experimental
ricas em tipos de tarefas que associassem sobretudo as concepções de fracionários
que foram tratadas. Acreditamos que a dificuldade apresentou-se em razão do
peso que foi para esses professores perceber o próprio não saber relacionado a um
assunto que tinham certeza dominar, como podemos constatar por comentários
ocorridos durante a formação:
As frações estão fazendo meu cérebro se dividir. Se nem nós sabemos todos os significados de fração, como nós queremos que nosso aluno saiba?
… Quando eu era criança, para mim, fração era divisão. (Prof. Fabiana,
22/8/03, p. 5)
Eu tenho muita dificuldade em fração. E li que a fração é em partes iguais.
Então a fração não é partes iguais? (Aluna, 22/8/03, p. 5)
Quando eu falo de razão (20/200) eu posso dar significado de parte/todo.
(Prof. Gina, 22/8/03, p. 6).
Quando eu estou falando de razão trigonométrica, eu estou falando de
razão, eu não estou falando da divisão (Prof. Bruno, 22/8/03, p. 7)
(Ficamos angustiados) porque percebemos nossa dificuldade (Prof. Fabiana, 5/9/03, p. 1)
Quanto mais nós estudamos, mais nós percebemos que precisamos aprender (Prof. Gina, 5/9/03, p. 1)
Percebo quanta coisa eu fiz de errado. (Prof. Bruno, 5/9/03, p. 1).
Talvez a afirmação de Nacarato ajude a entender tal quadro:
O livro didático no Brasil sempre esteve no monopólio das editoras.
Os autores de livros didáticos de Matemática mantinham suas mesmas
ideias durante décadas; os livros raramente sofriam alterações. Esses
autores ignoravam completamente as propostas curriculares estaduais,
mantendo o mesmo padrão de livro didático. Com isso cristalizou-se
uma certa prática de aulas de Matemática. O professor reproduziria
uma série de conteúdos sem, o menor questionamento das razões pelas
quais os ensinava. (NACARATO, 2004b, p. 4)
No dia 14/11/03 percebemos que os professores apresentavam dificuldades
em técnicas que acreditávamos dominadas, por serem estritamente algorítmicas,
como a que apresentaremos a seguir. Durante a discussão de uma série de tarefas
para identificar a mais adequada e as concepções que estavam associadas, uma
que foi seguida da seguinte
delas pedia que se determinasse x e y em
discussão, registrada nas páginas 6 a 8 das observações desse dia:
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176
Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
Prof. Carla: cadê a realidade, ai?” Não tem.
Prof. Gina: Localização de racionais.
Prof. Bruno: Comparação.
Prof. Gina: Era isto que eu queria dizer.
Prof. Fabiana: Ordem.
Prof. Antonio: Eu estou pensando distância. O que está mais próximo ou
mais longe de zero.
A formadora interfere dizendo que estamos tratando de fracionários enquanto número, no conjunto dos racionais, e que qualquer esquema seria válido para
a solução do problema.
. Daí, fiz
, y é o ponto médio. Daí, fiz
Prof. Bruno:
e o x é o ponto médio.
Prof. Gina: Eu fiz de outra maneira. Pensei denominador 3, estaria entre
. Pensei denominador
que é o x. A formadora interfere colocando no quadro um esquema de medida, para que percebessem que um
fracionário maior que : com denominador 3 não resolveria a questão
porque tanto 3/3 quanto 5/5 são maiores que 4/5.
, então, x pode
Prof. Fabiana: Eu pensei em número decimal:
ser 0,70. Questionada a respeito do fracionário complementa:
Prof. Fabiana: Eu fiz uma equivalência. Usei mesmo denominador e ,
está entre e e fiz também
”.
?
Prof. Bruno: E está certo escrever
Como ninguém respondeu, a formadora foi ao quadro e escreveu:
ordenando os fracionários e, incluindo o que provocou a discussão seguida de sua transformação em um equivalente que justificasse a
que está entre
.
ordenação feita:
3.1.5.1 3º momento
É o da constituição do ambiente tecnológico-teórico que, geralmente, está em
estreita relação com os outros momentos, pois, desde o primeiro encontro com
um tipo de tarefa se tem relações com um ambiente tecnológico-teórico anteriormente elaborado ou a ser criado.
Observamos que o discurso tecnológico-teórico que utilizam atém-se à técnica da dupla contagem das partes, justificado pela concepção parte-todo, visto que
não se arriscaram, por exemplo, a buscar figuras associadas a essa concepção, em
O dispositivo experimental
que a dupla contagem fosse insuficiente para associar o número fracionário, não
possibilitando que novas técnicas fossem construídas.
O fato justifica-se, provavelmente, pela não disponibilidade de tais concepções por parte dos professores, como foi o caso, por exemplo, da concepção de
razão que com a noção de proporção e a operação de divisão e relações, entre
elas, gerou a dúvida de ser a razão sempre divisão ou não, que se iniciou no dia
19/8/03.
Solicitamos, então, que pensassem sobre o assunto para o encontro seguinte,
quando a professora Gina disse que pesquisou e concluiu que razão é o quociente
de dois números. O que desencadeou várias discussões:
Razão é o mesmo que proporção, só que expressa de forma diferente.
(Prof. Antonio, p. 2).
No dicionário está uma relação entre grandezas de mesma espécie. (Prof.
Bruno, p. 2)
É o quociente entre dois números. (Prof. Gina, p. 2).
Proporção é uma comparação, por isso é que são necessárias duas razões.
(Prof. Fabiana, p. 2).
Razão não é divisão. Eu lembrei da razão de uma PA. (Prof. Bruno, p. 2)
A razão pode ser encarada como comparação. (Prof. Antonio, p. 2)
Quando leio que a razão é o quociente de dois números, transporto para
a divisão, mas sei que não são sinônimos, porque não é toda divisão que
é igual a uma razão. (Prof. Gina, p. 2)
Razão é uma comparação e a divisão é uma repartição. (Prof. Fabiana, p. 2)
A divisão de cinquenta reais entre duas pessoas e a comparação entre
meninos e meninas de uma sala. (Prof. Gina, p. 2).
A relação entre duas grandezas nem sempre é divisão. (Prof. Bruno, p. 2)
Tem que clarear bem estas coisas (razão, proporção, divisão). Prof. Edson,
p. 2)
Percebemos que mesmo tendo trabalhado, durante a formação específica,
com uma retrospectiva histórica com o intuito de mostrar os tipos de tarefas que
caracterizam a razão de ser dos números fracionários, os professores apresentam
em seus discursos frases como “fração é divisão” ou “razão é quociente” que são
típicas da história mais recente dos fracionários, como pudemos constatar em
nosso estudo epistemológico. A gênese e o desenvolvimento anterior não fazem
parte do discurso dos professores.
A aluna, que fazia parte do grupo, trouxe no encontro seguinte uma síntese
a respeito do significado da palavra razão e a apresentou aos professores, mesmo
assim as dúvidas continuaram. Não chegando a um açordo, a angústia tomou
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178
Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
conta do grupo e, muito acentuada foi a constatação de suas próprias dificuldades. Notamos que os professores não escolheriam números fracionários como
tema de um projeto de formação continuada, por não questionarem o modo como
ensinam nem o domínio de validade de seus conhecimentos, pois acreditavam que
tinham pleno domínio do assunto e a constatação de uma visão limitada sobre
ele, fez vir à tona suas emoções e com elas alguma resistência em reelaborar seus
significados para números fracionários.
Algumas situações foram discutidas pela formadora para esclarecer as dúvidas entre razão e proporção que, por sua vez, geraram novas questões sobre
representação fracionária e adição em casos desses tipos, o tratamento de grandezas discretas e contínuas e ainda de situações em que se pode afirmar ou não que
razão é sempre divisão.
3.1.5.2 4º momento
É o de tornar a técnica mais eficaz e confiável. É o momento em que se
coloca à prova a técnica, supondo um ou mais conjuntos de tarefas adequadas
qualitativa e quantitativamente.
Durante a formação, mostramos aos professores a limitação do domínio da
técnica da dupla contagem das partes, escolhendo representações apropriadas
para que novas técnicas pudessem ser construídas, de acordo com nossa OM de
referência. Sentíamos que este era o ponto central de nossa formação, porque
acreditávamos que poderiam reestruturar suas concepções e interiorizá-las, pois
não percebem, por exemplo, que uma simples mudança de figuras que utilizam
para mobilizar uma técnica, pode representar uma modificação importante da
atividade matemática. Outro ponto de discussões, como já vimos, foram as referentes à concepção de razão, em que alguns professores apresentavam chavões
do tipo “razão é divisão”, sem o mínimo de percepção das situações a que elas
se referiam.
Algumas situações da formação foram angustiantes aos professores e provocaram um desequilíbrio em suas verdades que promoveu um retrocesso e
percebemos que nas OD elaboradas em grupo, os tipos de tarefas foram menos abrangentes em termos de representações e técnicas do que as apresentadas individualmente.
Provavelmente, provocada pela escassa incidência do bloco tecnológico-teórico nas organizações matemáticas que mobilizaram nas OD apresentadas, perceptíveis nas dificuldades de justificar as escolhas feitas, pois dificilmente se exige
interpretar o resultado da aplicação de alguma técnica para verificar se foi utilizada de modo correto. É provável que essa exigência, por parte da formação, seja
um dos motivos que os levou a constatar seu não saber.
O dispositivo experimental
No encontro de 3/10/03, durante a apresentação da concepção de quociente para fracionários, a Prof. Fabiana justifica assim a distribuição de nove
bolinhas para cinco crianças: “Dá uma bolinha para cada criança e depois divide cada bolinha em cinco partes”. (3/10/03, p. 4). A partir daí discutimos a
diferença de tratamento de grandezas discretas e contínuas com outro exemplo:
cinco flores para três pessoas, o prof. Edson justifica: “matematicamente pode
e no dia-a-dia tem situações como essa, mas não em linguagem matemática”
(3/10/03, p. 5).
A reversão de técnicas correspondentes, também foi uma novidade, tanto
nas tarefas que associam a concepção de operador (outra novidade) como nas de
reconstituição do inteiro, quando estas últimas foram discutidas, a Prof. Fabiana
fez o seguinte comentário:
Quando ele (o aluno) está fazendo esses exercícios, ele já conseguiu assimilar quase tudo. (3/10/03, p. 16).
O prof. Bruno comenta logo em seguida:
Tem hora que da nó, tem hora que desfaz, tem hora que dói. (3/10/03, p. 4).
Notamos na prática desses professores que utilizam técnicas isoladas justificadas por um único discurso tecnológico-teórico (apoiadas em livros didáticos)
que não permite duas técnicas diferentes para um mesmo tipo de tarefas e, consequentemente, o aluno não poderá decidir qual das duas (ou mais) técnicas é mais
pertinente para uma determinada tarefa, pelo contrário, uma delas transformar-se-á na “maneira” de resolver a tarefa.
Não acreditamos que tenhamos conseguido grandes avanços no que se refere
ao discurso tecnológico-teórico, e, até o final da elaboração das Organizações
Didáticas em grupo, os professores ainda não tinham agregado a seus conhecimentos que o trabalho com a contagem garantiria o acerto em algumas situações,
e a falsa sensação de compreensão, embora algumas mudanças tenham sido percebidas, como veremos na parte que trataremos da formação.
3.1.5.3 5º momento
É o da institucionalização, que tem por objetivo definir o que é exatamente
a Organização Matemática elaborada, distinguindo por um lado, os elementos
que concorreram para sua construção, mas, que não foram por ela integrados e,
por outro lado, os elementos que entraram de maneira definitiva na Organização
Matemática pretendida. Neste momento de oficialização, a OM entra na cultura
da instituição que abrigou sua gênese.
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180
Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
Quando retomamos os trabalhos no ano seguinte, discutimos as Organizações Didáticas que os professores entregaram no último encontro que foram
justificadas em alguns comentários:
Tentamos fazer uma reforma no trabalho e não conseguimos. (Prof. Antonio, 5/3/04, p. 11).
Nosso trabalho começava e voltava. (prof. Davi, 5/3/04, p.1).
Mas todos (do grupo) faltaram muito. (Aluna, 5/3/04, p. 1).
Eu me senti incapaz! Mas eu não acho que eu sou incapaz. No final eu
colei aquelas figuras e não fiquei satisfeito. (Prof. Bruno, 5/3/04, p. 1).
Faltou experiência. (Prof. Davi, 5/3/04, p. 1).
Imediatamente, começaram a falar de alunos e dos problemas da escola.
A formadora encaminhou a discussão para as OD que elaboraram e ao desenvolvimento de autonomia pontuando, sobretudo, as discussões ocorridas sobre
“significado”. A seguir, apresentou a OD por ela elaborada, aproveitando ao máximo as situações desenvolvidas pelos professores em suas produções. Foi como
se tivessem tido um insight: “Ah! Agora estamos entendendo!”. Era um alívio,
como se enfim encontrassem o que estavam procurando desde o início.
Esta organização consiste de nove fichas de atividades para alunos de quinta série, que se encontram no Apêndice B e foram elaboradas no contexto desta
formação. A primeira apresenta oito tarefas associadas a concepção de quociente,
tratando de grandezas discretas e contínuas que solicitam a mobilização da técnica da divisão, exata ou não, de números naturais.
Uma delas solicita a distribuição de ovelhas que obriga a ocorrência de resto
se a distribuição for igualitária. A última tarefa solicita a medição do comprimento, da largura e da área de pedaços de folhas coloridas, medindo 20 cm x 8 cm,
18 cm x 8 cm, 18 cm x 6 cm e 13 cm x 8 cm; utilizando uma superfície quadrada
de lado 4 cm, como unidade de medida com o objetivo de mostrar a necessidade
de subdivisão da unidade para que se concretize a medição.
A Ficha 2 apresenta nove tarefas que associam a concepção de medida ou
parte-todo. A primeira solicita a medição do comprimento e da largura da carteira por cada um dos elementos do grupo de alunos, cada um deles utilizou uma de
três réguas apresentadas, uma de polegadas e duas sem subdivisões, medindo 12 e
16 cm cada uma. As réguas são empregadas também em outra tarefa que solicita
a medição de segmentos. Algumas tarefas que pedem a localização de números
fracionários em esquemas de medição e comparação de fracionários também fazem parte dessa ficha. Trata também de situações que pedem a mobilização da
concepção parte-todo em situações de identificação de fracionários em figuras, da
divisão de figuras planas e uma situação-problema.
O dispositivo experimental
A Ficha 3 trata de nove tarefas que solicitam a mobilização da concepção
parte-todo e a identificação dos números fracionários correspondentes às peças
de um quebra-cabeças baseado em divisões não congruentes de um triângulo
equilátero. As outras tarefas solicitam a identificação de fracionários em figuras
que representam grandezas discretas ou contínuas, além da divisão de figuras
para identificar um fracionário dado. Uma delas retoma a concepção de medida
associada a distância entre dois pontos em um esquema de medida.
A Ficha 4 apresenta dez situações que solicitam a mobilização da concepção
parte-todo, medida, quociente, operador e razão tratando de grandezas discretas
e contínuas. Uma das tarefas associadas à concepção parte-todo solicita a dobradura de superfícies retangulares e circulares em partes “iguais”. Quatro dessas
tarefas solicitam a comparação de números fracionários.
A Ficha 5 com 13 situações e a Ficha 6 com 11 situações associadas às mesmas concepções da ficha anterior, das quais algumas já apresentam um tratamento estritamente numérico, solicitando frações equivalentes e alguma comparação.
As Fichas 7, 8 e 9 tratam de tarefas para o ensino das quatro operações fundamentais com números fracionários, objetivando a compreensão e determinação
das regras operatórias pelos próprios alunos. Estas tarefas apresentam essencialmente esquemas de medidas e superfícies planas, como suporte para a percepção
das operações pretendidas.
Iniciamos um processo de discussão dessa Organização Didática enfatizando
as escolhas e o planejamento em fichas de trabalho com alguma previsão para
o tempo de aplicação. As discussões das fichas que iriam para a sala de aula,
deixaram os professores aliviados e livres para várias sugestões, inclusive, a de
que preparássemos fichas para trabalhar com equivalência, ordem e operações
de fracionários. Queriam saber como encaminhar esse ensino; como não havia
tempo para outros procedimentos, essas fichas foram acrescentadas à OD. Enfim,
conseguiram identificar as concepções de fracionários associadas às tarefas e discutir as possíveis técnicas que as resolveriam, embora alguns ainda apresentassem
certas incompreensões.
Discutiram a nova OD até o dia 2/4/04, até a Ficha 5, fazendo várias sugestões, que foram respeitadas e integradas à OD que foi aplicada em uma sala de
aula de quinta série da escola e pode ser vista no apêndice B, deste trabalho. No
dia 12/3/04, o Prof. Bruno faz o seguinte comentário: (Este trabalho) “não tem
nada a ver (com o que fizemos). Diferente daquilo que eu pensava. O nosso trabalho não foi criativo”.
Escolheram o professor que assumiria a sala de quinta série, enquanto os
outros assumissem o papel de observador, com a professora da classe e os observadores do projeto.
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Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
Embora as crianças estivessem muito animadas com um trabalho “diferente”, a professora Gina, escolhida para aplicação, sentiu-se insegura para discutir
com os alunos e pediu que a formadora prosseguisse com o trabalho com as crianças. De certa forma, ao mesmo tempo que eles queriam ver a formadora, atuando
com uma quinta série, talvez tivessem dúvidas sobre sua atuação.
Em razão do planejamento da professora da sala, aplicamos a sequência
durante duas semanas em cinco aulas dobradas, terminando no dia 14/4/04. Durante essas aulas, a professora da classe teve acesso a todo o material utilizado
e, no final, solicitou o material restante para dar continuidade ao trabalho com
a ajuda dos professores da escola vinculados ao projeto. Segundo a Prof. Gina, a
professora da sala ficou encantada e até mudou de postura.
Enfim, vimos uma OM empírica que, segundo Chevallard (1999) está viva
em uma instituição concreta, em um momento histórico concreto, com algumas
características e restrições específicas, que se institucionaliza, de alguma forma,
em uma instituição escolar, embora não tenha sido possível avaliar sua aplicação
na íntegra, pois isto seria outra pesquisa.
3.1.5.4 6º momento
É o da avaliação que se articula no momento da institucionalização. Na
prática, é o momento em que se faz um balanço para se examinar, o que valeu e
o que se aprendeu.
Não pudemos avaliar o efeito da aplicação dessas fichas na aprendizagem das
crianças, mas, durante a aplicação como se fez necessário algumas reuniões rápidas
para discutir as ações em sala de aula e definir estratégias. Em uma delas, em 6/4/04,
a professora Gina justifica que sentiu pânico na hora do trabalho com os alunos
e, por isso, pediu para a formadora continuar. Aproveitaram, também, o momento
para discorrer sobre o que observaram do aluno durante a aula, percebendo, que é
necessário ensinar as crianças a trabalhar em grupo e ter autonomia para resolver as
tarefas apresentadas; além do quanto é difícil gerenciar os momentos de impasse e o
trabalho coletivo, visto que os alunos não estavam habituados a trabalhar em grupo.
No final da reunião, constatamos que os professores precisavam “ver”
para “aprender”:
A gente está aprendendo muito. (Prof. Fabiana, 6/4/04, p. 10)
Tirar coisas dos alunos. (Aluna, 6/4/03, p. 10)
Puxar de dentro. Eu tiro muitas coisas para mim. (Prof. Fabiana, 6/4/03, p. 10)
Já tínhamos percebido essa necessidade durante a discussão para a aplicação
da OD em sala, quando o professor Bruno afirmou: “Depois que você (formadora)
O dispositivo experimental
fala, fica tão fácil! Se eu não consigo resolver um exercício do aluno, como vou
explicar para ele?”
O encontro do dia 16/4 foi dedicado à avaliação da aplicação da OD
e da própria formação e as falas dos professores dizem, por si só, o resultado
desse encontro:
Eu acho que o fato de eles usarem o material colaborou para compreender. Se a gente desenha na lousa não é a mesma coisa que trabalhar com o
material. O aluno que entendeu que dobrando a figura, ele via a solução,
ele começou a ensinar os outros. (Prof. Antonio, 16/4/04, p. 1)
Eu participei os cinco dias e nos primeiros dias fiquei desesperada. Na segunda semana, foi mais tranquilo o trabalho. E, também, adoraram usar a
régua de polegadas. Eu achei maravilhoso ver o aluno aprendendo. (Prof.
Gina, 16/4/04, p. 2)
Como vamos mudar a consciência dos professores, que este tipo de trabalho é muito mais importante. (Prof. Bruno, 16/4/04, p. 2)
Eu achei que eu ia aprender alguma coisa sobre fração, mas que não mexeria com os alunos. E eu vi que mexe com a aprendizagem dos alunos,
sim. Eu vi que eu só sabia colocar um número sobre o outro. Acho que
eu aprendi muito e que ainda tenho muito que aprender. (Prof. Bruno,
16/4/04, p. 3)
Ficou muito forte foi a minha reflexão sobre o exercício que vou escolher
para começar um determinado assunto. Qual meu objetivo? O que quero
do aluno? Será a melhor forma de começar um assunto novo? (Prof. Gina,
16/4/04, p. 3)
Eu achei interessante pensar sobre a prática. Temos que mudar o que
sabemos. Refazer. E é muito difícil. Tenho até vergonha da sequência que
montei. (Prof. Davi, 16/4/04, p. 4)
O nosso medo é não saber uma pergunta do aluno. Meu medo é ensinar
errado, acreditando que está certo. (Prof. Bruno, 16/4/04, p. 4)
Este é meu medo também. […] Eu estou na fase de conflito. Estou enxergando meus erros. (Prof. Hilda, 16/4/04, p. 4)
Esta análise constata, o que Chevallard (1999) afirma sobre as atitudes normalmente encontradas em um professor quando prepara sua obra a respeito de
uma determinada matéria:
Decide-se a “observar” um ou vários livros didáticos (de maneira mais
ou menos sistemática), a “analisar” (superficialmente) seu conteúdo, a
“avaliar” (de maneira às vezes pouco combinada) este conteúdo, por fim
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Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
a “desenvolver” (as vezes rapidamente) sobre esta base, seu próprio “produto”, suas aulas. (CHEVALLARD, 1999, p. 256)
Por outro lado, Bosch e Gascón acreditam que algumas tarefas do professor
são rotineiras e bem definidas, não colocando, em princípio, grandes problemas.
Entre elas citam:
escolher um livro, preparar um curso, organizar o programa, realizar as
aulas, escolher os exercícios que os alunos deverão realizar, propor um
exame parcial, corrigir os deveres, participar de reuniões, etc. (BOSCH e
GASCÓN, 2001, p. 1)
Constatamos que, com nosso grupo de professores, não foi bem assim, para
eles essas tarefas podem ser rotineiras para uma ação sem reflexão, embasada na
reprodução de livros didáticos e não em situações de aprendizagem que, de certa
forma, já haviam tido contato, na primeira fase do projeto, foi explicitado que
tanto as sequências como sua aplicação estavam embasadas na Teoria das Situações de Guy Brousseau.
Contudo, mesmo concordando em elaborar uma sequência para o ensino de
fracionários para quinta série, nesta formação, os professores apresentaram em
suas produções planos de aula, com orientações para aplicação, no sentido de
rever o conteúdo. Acreditávamos que pudessem transferir a experiência anterior
para elaboração de uma sequência ao ensino de um conteúdo que, aparentemente,
dominavam com a colaboração da formadora, pois as queixas eram sempre em
relação ao não saber do aluno sobre o assunto.
Algumas das dificuldades para essa realização ficaram claras, no decorrer
da formação, entre elas as de fazer relações de forma geral, elaborar e seguir um
plano de trabalho, pois recuavam e modificavam decisões já tomadas, a cada impedimento que encontravam, sem perceber que o estavam fazendo.
Um dos motivos prováveis para tais dificuldades pode ser o fato de não terem sido formados para tomar decisões desse tipo em sua prática, pois, de acordo,
com Bosch e Gascón (2001) as tarefas didáticas de cada professor, bem como as
técnicas didáticas e as noções e princípios que utiliza para interpretar e justificar
sua prática docente, não são criadas pelo próprio professor. Entretanto, fazem
parte de um conjunto de tarefas, técnicas, noções e princípios disponíveis na instituição escolar que aparecem em momentos históricos diferentes e apoiam-se em
diversas estruturas com funções que permanecem desconhecidas aos professores
e mudam ao longo do tempo.
Para esses autores, as tarefas didáticas de um professor são descritas pelas noções que têm sentido na instituição escolar em um determinado momento
O dispositivo experimental
histórico e, da mesma forma, as técnicas que usam para realizar tais tarefas, assim
como os discursos didático-matemáticos para justificar e interpretar estas técnicas
não são criações “pessoais”, mas, adaptações de técnicas e discursos tecnológicos
disponíveis nessa instituição.
Cabe aqui um parênteses a respeito da escolha do tema de estudo, pois alguns
autores que defendem a pesquisa ação como metodologia de formação referem
como decisão dos professores a escolha do tema a ser tratado, porém constatamos
que se fosse dada a oportunidade, naquele momento, aos professores, eles fariam
escolhas mais próximas de novas exigências que lhes estão sendo feitas, como
afirmou a prof. Fabiana:
Eu pensei que você ia trabalhar com fração para ensinar a gente a montar
projeto. A escola pede para a gente montar um projeto em dois dias, e a
gente não sabe como fazer. Mas, eu achei legal você pedir a atividade da
aula, pois a gente foi pesquisar. (Prof. Fabiana, 8/8/03, p. 5)
Os outros professores concordaram com o comentário da colega, de imediato, explicitando a necessidade de alguma “receita” para aprender o que acreditam
não saber.
Julgamos, sim, que os professores devem ser ouvidos e externar suas necessidades nas formações que participam; no entanto, sabemos que nem sempre têm
domínio de conteúdos básicos necessários para garantir a aprendizagem de seus
alunos e que, de alguma forma, devem ser conduzidos a refletir sobre eles.
A esse respeito, percebemos que os comentários sobre o não saber dos alunos, constantes no início das atividades, foram por terra e deram lugar a uma
angústia que permeou toda a formação, mostrando-se presente com muita força
no segundo mapa conceitual e, ainda, no último dia da formação: “Foi dolorido,
eu perceber que eu não sabia fração” (Prof. Gina, 16/4, p. 10), bem como em seus
relatórios finais: “[..] e os conteúdos que imaginava dominar um pouco, logo
percebi que não dominava absolutamente nada”. (Prof. Bruno, relatório final).
Estas constatações dos professores podem ser justificadas por Balachef
(1995), quando afirma que observou em muitas situações a coabitação, em um
mesmo ser humano, de conhecimentos que parecem contraditórios aos olhos de
um observador que tem a capacidade de relacionar situações que são vistas como
distintas pelo próprio sujeito.
[…] que resolvendo um problema específico, em um momento preciso, e
interagindo com um meio dado, quando a ação dos sujeitos é racional, ela
é necessariamente coerente. Mas nada impede que globalmente, as concepções do sujeito sobre um conceito matemático dado sejam mutuamente
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Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
incoerentes. o conhecimento de um sujeito sobre um objeto matemático
diz respeito a suas diferentes concepções, mobilizadas em diferentes momentos, na resolução de diferentes problemas e, não apenas pode, mas é,
em geral, globalmente incoerente. (BELLEMAIN e LIMA, 2002, p. 21)
Por outro lado, como as concepções têm uma natureza essencialmente cognitiva e, ao mesmo tempo, em que são indispensáveis para estruturar o sentido
que damos às coisas, segundo Ponte (1992) atuam também como uma espécie de
filtro que pode bloquear novas realidades ou problemas, limitando possibilidades
de atuação e compreensão.
Para o autor, as concepções formam-se em um processo simultaneamente individual (resultante da elaboração sobre a própria experiência) e social (resultante do
confronto das próprias elaborações com as dos outros) que fazem com que nossas
concepções sobre a matemática sejam influenciadas, tanto pelas experiências que
estamos habituados a reconhecer como pelas representações sociais dominantes.
Assim, temos, de um lado, os bloqueios provocados pela tentativa de mudança de concepções a respeito de números fracionários:
Estou chegando a uma conclusão: que quando você briga com você mesmo,
sobre mudança, como romper aquilo que já se sabe é duro, só quem ganha
com isso é você mesmo, e isto também não é do dia para a noite, demora
um pouco. (Prof. Davi, rel. final)
Esse momento (de desequilíbrio) é muito importante, é nele que paramos
para reconstruir ou continuar com nosso erro. É por esse motivo que
muitos professores recuam, pois preferem ficar com o que já foi construído. Agora, posso perceber porque eu tinha tanto medo de errar. (Prof.
Fabiana, rel. final)
Por sua vez, destacamos a exigência do domínio da Matemática a ser ensinada em autores, como Schulman (1987), quando afirma que um professor precisa
saber uma matemática relacionada ao saber prático-pedagógico, em que as questões epistemológicas da matemática e de seu ensino-aprendizagem sejam tratadas
no contexto da ação, devendo compreender:
a fundo a matéria específica que ensina, […] tendo especial responsabilidade ao conhecimento dos conteúdos da aula, ao qual opera como a fonte
principal da compreensão da matéria por parte do aluno. […] Frente a diversidade do alunado, o docente deve ter uma compreensão flexível com
várias faces, adequada para explicar alternativas deferentes dos mesmos
conceitos ou princípios. (Ibid, p. 176)
O dispositivo experimental
Embora não tenhamos o quadro ideal citado por Shulmann, pudemos perceber a ação de filtro de suas concepções, como observado por Ponte, quando os
professores constataram a limitação do domínio de validade dos conhecimentos
que tinham a respeito de fracionários e tomaram consciência de um certo desequilíbrio em sua própria relação com o saber que foi explicitado em vários momentos.
O que ficou forte para mim foi o desequilíbrio. Na escola particular eu
procuro me manter equilibrado e desequilibrar o grupo […] percebi que
algumas pessoas que, aparentemente, são fortes, não têm tantos argumentos assim. (Prof. Bruno)
Aconteceram muitos desequilíbrios, mas apesar de tudo aprendemos as
etapas de uma análise a priori. (Prof. Gina, rel. final)
Dessa forma, cremos na assertiva de nossa escolha do tema, porque pôde nos
revelar que esses professores não esperavam perceber seus não saberes e sentir
“desequilíbrio” porque acreditavam ter pleno domínio do campo dos racionais.
Desse modo, quando notaram que o domínio de suas concepções a respeito de
fracionários era muito restrito, apresentaram um bloqueio para novas realizações
que encaminharam, a nosso ver, a produções de Organizações Didáticas mobilizando Organizações Matemáticas mais rígidas no trabalho em grupo, do que as
que realizaram individualmente no início da formação.
Com uma certa superação desses momentos de angústia, percebemos algumas mudanças em suas próprias relações com o saber:
Eu trabalhava muito em função da regra e agora eu estou trabalhando
diferente e eu até aprendi algumas coisas aqui de manhã e à tarde eu já
apliquei, então estou mudando porque eu percebi que trabalhava errado.
(Prof. Antonio)
Isto não é suficiente para garantir que esse professor tenha efetivamente mudado suas concepções a respeito de fracionários na abrangência necessária. Para
Shulman (1987), o comportamento docente está estreitamente ligado a compreensão e a transformação da compreensão, visto que as técnicas de instrução flexíveis e interativas que empregam se tornam de modo simples inaplicáveis, quando
não entende bem a matéria que deve ensinar.
Em particular, de acordo com Thompson (1997) a consistência observada
entre as concepções de Matemática professadas por professores e o modo pelo
qual eles tipicamente apresentam o conteúdo, sugere de modo acentuado que as
visões, crenças e preferências dos professores sobre a Matemática influem sobre
sua prática docente.
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Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
Nesse momento, cabe perguntar, então, o porquê do “desequilíbrio” provocado pela necessidade de mudança de suas próprias relações com o saber. Se esses
professores, como alunos, foram receptores de informações e sua prática, como
profissionais, não permite que reflitam sobre possíveis incoerências no tratamento com os conteúdos, como podemos complementar sua formação?
A mudança de concepções a respeito de conhecimentos matemáticos a
nosso ver, passa por dois pontos: a formação de adultos e o desenvolvimento
de autonomia.
Para discutir a primeira, reportamo-nos à Andragogia que, segundo Cavalcanti (1999), é a arte e ciência de orientar adultos a aprender que difere da Pedagogia, porque esta estuda a educação e ensino de crianças. Para o autor, os adultos
“se sentem motivados a aprender quando entendem as vantagens e benefícios de
um aprendizado, bem como as consequências negativas de seu desconhecimento”
(Ibid, 1999, p. 3).
Esta afirmação levou-nos a pensar em um provável motivo para algumas
dificuldades de aprendizagem de professores: perceber as vantagens – o sistema
normalmente não valoriza os bons trabalhos, os alunos não se motivam para
aprender, a remuneração não se altera, … Consequências negativas? Não há. Pois
normalmente não se sabe o que acontece em sala de aula e os alunos não aprendem, porque não querem.
Para Cavalcanti (1999), as motivações mais fortes dos adultos são internas,
relacionadas com a satisfação pelo trabalho realizado, melhora da qualidade de
vida e elevação da autoestima. Quanto à qualidade de vida, não há o que falar,
mas, a respeito de autoestima, compreendemos que a participação em nossos encontros tenha contribuído para melhorá-la, como podemos observar nos depoimentos de alguns professores:
Eu me sinto lá em cima, todos querem assistir minha aula, mas estou
criando inimizades na escola (com outros professores). antes eu não abria
a boca nas reuniões, agora eu pergunto: por quê? (Prof. Y)
Essa história do desequilíbrio me deixa cheio de argumentos, antes o meu
discurso estava vazio, eu falava, falava, falava, … (Prof. Bruno)
Fica, então, a pergunta de como conduzir uma formação continuada de professores que, como adultos, precisam ver alguma vantagem em aprender novos
enfoques para os conteúdos que ensinam ou, pelo menos, perceber alguma consequência negativa desse não saber.
Quanto à autonomia, embora os professores que participam de nosso projeto, há alguns anos, sintam-se diferenciados dos demais e crescendo, entendemos
que ainda não têm autonomia suficiente para reflexões teóricas que permitam
O dispositivo experimental
um conhecimento pedagógico3 da matemática mais eficiente, isto é que provoque
aprendizagem por meio de uma prática docente de produção, retradução, seleção,
adaptação e, também, carência de saberes.
Como impedimento para o desenvolvimento da autonomia, Linard (2000)
destaca, entre outros tipos de ausência, a de tipo cognitivo, que é a capacidade de
se distanciar da própria ação para se conscientizar dos mecanismos de seu próprio
pensamento, o que permitiria melhorá-los e dirigi-los de maneira autônoma.
Conforme a autora citada, a autonomia consiste em além de saber dar conta
sozinho de situações complexas, saber, também, colaborar, orientar-se nos deveres
e necessidades múltiplas, distinguir o essencial do acessório, não naufragar na
profusão das informações, fazer as boas escolhas, segundo boas estratégias, além
de gerir corretamente seu tempo e sua agenda. Acrescenta que um modelo, mais
coerente e inspirador para organizar uma formação, seria:
o de considerar que os aprendizes, crianças ou adultos, sejam agentes intencionais que desempenham um papel ativo essencial nos acontecimentos e atividades de que participam, pois o processo de aprendizagem é, em
parte, intencional e se auto-organiza a partir de seu próprio funcionamento e de seus próprios resultados. (LINARD, 2000, p. 6)
Acrescenta, ainda, que um professor transforma-se com base em suas atitudes com o conhecimento e a aprendizagem, que se transformam com novas aberturas e restrições que o levam, aos poucos, a se dedicar menos tempo à exposição
de conhecimentos e mais à criação de condições que possibilitem aos alunos desenvolver seus próprios meios de construir conhecimentos que, segundo a autora,
leva tempo, muito tempo.
Compreendemos, então, porque alguns professores, mesmo estando em nosso projeto por alguns anos, ainda não desenvolveram uma certa autonomia em
suas relações com o conteúdo, tendo em vista que tratamos de um assunto muito
presente nas aulas de Matemática do Ensino Fundamental. Provavelmente, esta
dificuldade deve-se à formação matemática que possuem que, de acordo com
Becker (2001, p. 31) conserva o professor prisioneiro de epistemologias do senso
comum, tornando-o incapaz de tomar consciência das amarras que aprisionam o
seu fazer e o seu pensar.
Consideramos nossa primeira questão respondida por Organizações Didáticas que mobilizam Organizações Matemáticas muito rígidas, com relação à OM
de referência, para atender a série de exigências que a conceituação de números
3
Segundo Shulmann (1987, p. 174) é um amálgama entre matéria e pedagogia que constitui uma esfera exclusiva dos professores, sua própria forma de compreensão profissional.
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Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
fracionários faz para a quinta série. Quanto às concepções associadas aos tipos
de tarefas vimos que mobilizam com predominância da concepção parte-todo em
contextos que envolvem superfícies em tarefas que são resolvidas pela técnica da
dupla contagem das partes, seguida pela concepção de razão que, para eles, independente da situação, sempre poderia ser associada à divisão. De modo tímido,
apresentam algum tipo de tarefa que solicite a relação entre duas ou mais concepções para fracionários.
As dificuldades apresentadas pelos professores, talvez se justifiquem por uma
formação inicial pouco consistente em matemática elementar que é agravada por
uma formação profissional que de modo aparente não desenvolve a autonomia
necessária para que se aperfeiçoem. Pelo contrário, as aberturas proporcionadas
para novas compreensões tendem a levar esses professores ao senso comum de
sua prática, por não conseguir se distanciar o suficiente para refletir sobre seu
próprio conhecimento e o que está a sua volta.
Por outro lado, a nosso ver, a ausência de autonomia faz com que a percepção pelos professores de incoerências que expõem seus próprios não saberes do
conteúdo, os conduzem a se sentirem bloqueados ao ponto de não conseguirem
se apropriar da formação recebida, transformando-as em possíveis ações para a
formação de seus alunos.
Enquanto a formação inicial não der conta de instrumentar o professor para
exercer sua profissão criticamente, julgamos que tenhamos de abordar conteúdos matemáticos nas formações continuadas, mesmo aqueles que os professores
acreditam dominar. Essas formações teriam como um de seus objetivos ampliar
o domínio de conhecimentos e o desenvolvimento de um nível de autonomia que
permitam ao professor identificar, o que não sabe e quando pode aprender sozinho ou quando precisa de ajuda.
Só assim, as formações continuadas poderiam assumir seu caráter efetivo de
atualização desse professor a respeito de resultados de pesquisa que o auxiliem a
se aprimorar cada vez mais como profissional.
3.2 Concepções dos professores sobre seus alunos
Em nossa problemática, propusemo-nos a responder a seguinte questão:
É possível encaminhar professores de matemática a reflexões que possibilitem mudanças nas concepções que têm de seus alunos, proporcionando-lhes um
novo lugar na instituição escolar?
Na realização do primeiro mapa conceitual e na formação anterior, percebemos que os professores sempre afirmavam que os alunos não sabiam tratar com
os números fracionários, resolvemos que, enquanto coletavam individualmente
O dispositivo experimental
as situações para elaborar a sequência de ensino, discutimos com eles um questionário que haviam respondido antes a respeito de possíveis respostas de alunos
para algumas questões que envolviam fracionários. A ideia era levá-los a refletir a
respeito de prováveis dificuldades dos alunos para que pudessem ser consideradas
durante a elaboração da Organização Didática.
Constatamos que a grande preocupação desses professores era com as dificuldades que os alunos têm no cálculo com fracionários e suas técnicas, apontando, sobretudo as dificuldades com: adição com denominadores diferentes, encontrar denominadores comuns, achar mmc, divisão, equivalência, comparação,
transformações e até a tabuada, sendo a divisão a mais lembrada. Os professores
ainda citaram a perda de referência do inteiro e a dificuldade no tratamento com
grandezas discretas, como pudemos observar nas seguintes frases:
O que é fração, o aluno não imagina que é pegar o todo e dividir em partes. (Prof. Y, 15/8/03, p. 9)
O aluno não relaciona que metade é em qualquer coisa. (Prof. Fabiana,
15/8/03, p. 9)
O aluno não consegue enxergar a fração como divisão e se você der uma
figura e pedir 1/3, o aluno consegue, mas não consegue pintar, por exemplo 4/3, colocar outro inteiro. (Prof. Y, 15/8/03, p. 8)
Na multiplicação e divisão ele quer tirar o mmc. (Prof. Gina, 15/8/03, p. 9)
Ele sabe dividir pelo de baixo e multiplicar pelo de cima. (Prof. Gina,
15/8/03, p. 9)
O aluno não consegue transferir o tamanho da barra de chocolate para a
reta. Ele não consegue localizar. (Prof. Bruno, 15/8/03, p. 5)
Nos primeiros encontros, frases desse tipo foram constantes ,embora a prof.
Fabiana, já no segundo, tenha percebido que: “a gente ajuda o aluno a ficar mais
confuso, ensina que tem que dividir a figura inteira” (p. 2).
Em outros momentos, solicitamos que previssem possíveis ações de seus alunos perante algumas situações como, por exemplo, a distribuição de dez bolinhas
para três crianças que foi seguida do seguinte diálogo:
Eu acho que ele daria como resposta três bolinhas, pois não saberia o que
fazer com a bolinha restante. (Prof. Gina, 15/8/03, p. 3)
Os alunos estão acostumados com um objeto e agora ele está em conjunto. Eu acho que o aluno não ia responder. (Prof. Edson, 15/8/03, p. 4)
Eu acho que o aluno ia desprezar uma bolinha. (Prof. Y, 15/8/03, p. 4)
Pegaria três bolinhas mais 1/3 da outra. (Prof. Edson, 15/8/03, p. 4)
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Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
Questionados sobre a possibilidade de resolução da questão, todos afirmaram, que é possível, mas nenhum justifica de imediato que se trata de um problema
de divisão com resto, porque deve ser tratada no campo dos naturais, fato este que
passou despercebido pelos professores sendo, então, explicitado pela formadora.
Pudemos perceber, assim, que os professores, sem se dar conta, explicitavam
os mesmos não saberes que creditavam a seus alunos. O professor que cita a
transferência da “barra de chocolate” para um esquema de medida, utiliza esse
procedimento para solucionar algumas situações de medida mostrando sua preferência pela concepção parte-todo associada a superfícies. No dia 17/10/03, esse
mesmo professor perguntou sobre como explicar para o aluno que na divisão
de duas frações, multiplica-se a primeira pelo inverso da segunda, provocando o
seguinte diálogo:
Eu aplicaria a regra direto. (Prof. Gina, p. 13)
Como a gente explica a divisão? Quantas vezes cabe um certo número
dentro do outro? (Prof. Fabiana, p. 13)
Podemos usar frações equivalentes? (Prof. Gina, p. 13)
Depois de vários explicações da formadora, a prof. Gina afirma: “Podem
achar um denominador comum! Quando os alunos fazem isso, eu digo que
não pode.”
Ao perceber a incoerência entre o discurso que os professores fazem sobre o
domínio do conteúdo pelos alunos e seu próprio domínio, tentamos encaminhá-los a percebê-la e procurar explicações para as causas desse olhar do professor
para seu aluno.
Um desses momentos ocorreu, em outubro, no início da formação específica,
quando o Prof. Edson comenta que os alunos acumulam defasagens. Perguntados
sobre como o professor inicia suas aulas na quinta série, a Prof. Fabiana imediatamente respondeu que era da primeira página do livro e que ia até onde desse.
Questionada então sobre a sexta série, a resposta foi a mesma. E assim, para a
sétima e oitava.
Nesse momento, perceberam como acontecia parte das defasagens dos alunos, justificaram que a culpa é do sistema, pois o “projeto pedagógico da escola
tem que ter todos os professores, direção e pais envolvidos, não pode ser só um
professor” (Prof. Edson, 3/10/03, p. 17). E, também, do sistema de empréstimo
de livro didático para o aluno, que não permite que os alunos da sexta série, por
exemplo, terminem o livro da quinta, pois este já estaria em outras mãos, o que
certamente não exime o professor de colaborar com essa defasagem.
Observamos que na falta de um olhar objetivo para os problemas que enfrenta, que permitam analisar suas próprias ações, o professor disfarça sua angústia e
O dispositivo experimental
apresenta até uma atitude de defesa, atribuindo a falta de aprendizagem do aluno
à sua própria falta de interesse ou ao professor do ano anterior por não ensinar
adequadamente, ou permitir a aprovação do aluno sem condições, argumentando, inclusive, que os alunos têm trauma sobre fração e que, para eles, o assunto é
um bicho de sete cabeças.
Isto não quer dizer que não houve momentos em que olhassem objetivamente suas ações:
Acho que o aluno vai pegar a régua que tem graduação. E vai sentir a
mesma dificuldade que estou sentindo. (Prof. Hilda, 12/3/04, p. 25)
Como um círculo vicioso, essas justificativas que, ultimamente, vêm mudando o foco para a progressão continuada, impedem o professor de perceber
que ele também faz parte desse círculo e é provável que será responsabilizado,
por um outro professor, do não saber de seu atual aluno, mais que isso, não o
leva a perceber que os não saberes de seus alunos são também seus e, como uma
bola de neve bloqueia-o a desenvolver, pelo menos, a autonomia para refletir
sobre suas ações.
No entanto, constatamos que tal atitude é detectada também em Portugal, na
afirmação de Ponte (1994):
Para os professores, as causas do insucesso dos seus alunos são frequentemente a sua “má preparação” em anos anteriores. Por um raciocínio
recorrente chega-se rapidamente ao 1º ciclo, daí às insuficiências da educação pré-escolar… Apontam igualmente o facto de muitas famílias terem
um nível sócio-econômico e cultural muito baixo – ou terem um nível
aceitável mas não incentivarem suficientemente os alunos. Os professores
indicam que os alunos não se esforçam, não prestam atenção nas aulas
nem estudam em casa. […] Responsabilizam assim, os alunos, as famílias,
os professores dos anos anteriores, os currículos e as características próprias da disciplina. (Ibid, p. 1)
Os PCN (1998) esperam que esses professores desenvolvam a autonomia
do aluno em relação a construção de seu conhecimento, levando o aluno a saber:
o que quer saber, como buscar informações, como desenvolver um dado conhecimento, como manter uma postura crítica, comparando diferentes visões e reservando para si o direito de conclusão. Esta autonomia depende sobretudo do
desenvolvimento da autonomia moral e emocional, que envolve autorrespeito,
respeito mútuo, segurança e sensibilidade. Acrescentam que a aprendizagem da
autonomia inclui a noção de responsabilidade pelos próprios atos, pois, ao optar
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Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
por determinadas atitudes diante de situações concretas, a pessoa se faz responsável pela escolha assumida.
Cremos ser difícil que um professor possa cumpri-lo, pelo fato de viver momentos de conflitos provocados pela percepção de não saber algo que acreditava ter domínio e que não se apresentou durante a formação de Geometria,
pois afirmou não dominar o conteúdo. Esta constatação exigiu ações formativas que conduzissem os professores a transferir o foco dos alunos, para suas
próprias ações, provocando algumas situações delicadas, com reações difíceis de
serem refutadas no sentido de evitar constrangimentos maiores. Por exemplo,
quando afirmaram que:
O aluno só vê a regra do mmc, mas não vê a equivalência. (Prof. Gina,
15/8/03, p. 2)
A fatoração, a decomposição, para ele é só mmc. Ele sabe dividir pelo
debaixo e multiplicar pelo de cima. (Prof. Bruno, 15/8/03, p. 2)
Os professores quando foram questionados sobre a causa dessa predileção
dos alunos por regras, o prof. Bruno expressou a seguinte reação: “quando eu
estava no ensino fundamental, eu sempre aprendi só a regra. Eu só aprendi a maldita regra e sempre passei de ano” sem perceber que se refere a “passar de ano” e
não a aprender. Outros professores prosseguem com outros comentários:
Será que essa criança questionadora (de hoje) aprende mais que os antigos? Os alunos que aprendem mais, são os que têm interesse próprio.
(Prof. Edson, 15/8/03, p. 2)
Eu parei a aula e deixei como exercício 4/3. Durante a semana, apenas
um aluno discutiu comigo para tentar entender o significado de 4/3. (Prof.
Bruno, 15/8/03, p. 2)
Como deixar claro para o aluno o significado de numerador e denominador? (Prof. Edson, 15/8/03, p. 2)
Um dos pontos que julgamos estar por trás dessas falas dos professores,
pode ser a própria compreensão que têm sobre o que é aprendizagem. Esta suposição se faz por detectarmos que reproduzem alguns chavões inconsistentes em
seus discursos e por várias citações a respeito de desequilíbrio, como a da Prof.
Fabiana quando afirma: “agora eu entendi, o que é desequilíbrio”. Constatamos,
então, que muito do discurso desses professores baseia-se na memorização e não
na compreensão.
Para Lalanda e Abrantes (1996) embora a memorização seja importante
para a aprendizagem intelectual, é preciso compreender antes de memorizar, pois,
O dispositivo experimental
se não forem compreendidas e apreendidas as relações que existem entre elas por
meio de uma constante reflexão sobre o sentido do que é estudado, a memorização será inútil, porque não pode se transformar em corpo de conhecimentos.
Não temos dúvidas de que o enfoque da formação inicial desses professores
foi o da aprendizagem por memorização pelo seguinte:
Mesmo quando eu estudei, eu decorava tudo. Eu fiz uma prova de análise
e não sei o que eu analisei, mas eu passei. (Prof. Gina, 7/11/03, p. 5)
Quando a professora pedia para calcular juros compostos sem a fórmula,
eu usava a fórmula, via quais eram as passagens e apagava. (Prof. Fabiana, 7/11/03, p. 5)
Outro momento que nos mostrou a incoerência de seu discurso, foi quando
mesmo afirmando, na análise do questionário, que os alunos não “sabem significados” e perguntem como fazer para ensiná-lo, tomaram a iniciativa de que o
primeiro objetivo da sequência de ensino que iriam elaborar, seria: dar significado
às frações. Perguntados sobre como percebemos que o aluno construiu algum
significado a respeito de fracionários, responderam:
Se ele responder, o que você pediu na avaliação. (Prof. Edson, 15/8/03, p. 5)
Se eu pedir para o aluno resolver 1/5 + 2/5 e ele souber dar o resultado e explicar porque não dá 3/10, usando qualquer recurso. (Prof. Gina,
15/8/03, p. 5)
A partir do momento que você der uma figura uni, bi, tridimensional e você
der a fração e o aluno souber identificar. (Prof. Fabiana, 15/8/03, p. 5)
Ele tem que saber abstrair. Ele tem que saber que é uma divisão. (Prof. Y,
15/8/03, p. 5)
Eu acho que tem que ensinar o significado. (Prof. Gina, 15/8/03, p. 6)
Podemos inferir que, embora se preocupem em “dar” significado ao conceito de números fracionários para os alunos, eles não tinham percepção do que
realmente tal tarefa significava. Para eles foi difícil observar que faz parte de suas
tarefas realizar um processo de seleção de situações, notações, etc. que se traduzirão em um significado restrito para o assunto que pretendem ensinar e que são os
responsáveis pela organização das experiências de aprendizagem de seus alunos.
O grupo de professores, embora se preocupe em dar significado aos conceitos, não percebe que:
são as situações que dão sentido aos conceitos matemáticos, mas o sentido não está nas situações nem nas representações simbólicas. É uma
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Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
relação do sujeito com as situações e os significados. Mais precisamente,
são os esquemas evocados no sujeito por uma situação ou um significante
o que constitui o sentido desta situação ou este significante para o indivíduo, de acordo com Vergnaud. (1990, p. 158 apud Godino e Batanero,
1994, p. 339-340)
Falta-lhes, também, alguma noção sobre aprendizagem significativa, de
acordo com Brito (2001) refere-se à organização e integração do material a
ser aprendido na estrutura cognitiva, que é um conjunto organizado de fatos,
conceitos e generalizações que o indivíduo já aprendeu, pois não se deseja que
a criança simplesmente saiba coisas, mas sobretudo, que pense competentemente sobre as mesmas e se capacite para elaborar o conhecimento que se espera
ser alcançado.
Por outro lado, entendemos que atividades exigindo domínio de conteúdo
e certa autonomia para pessoas que têm como referência a aprendizagem por
memorização, não são de fácil concretização, além de serem dificultadas pelos
problemas que enfrentam e pela posição que a maioria dos professores da rede
pública do Estado de São Paulo se encontra na instituição escolar. Ademais, tanto
pais como alunos, realmente, contribuem para consolidar as incertezas profissionais desses professores, como pudemos constatar em alguns depoimentos:
Se der uma situação problema que os alunos não saibam responder,
eles irão dizer que não ensinei e haverá uma guerra na sala. (Prof. Gina,
29/8/03, p. 13)
Na escola do meu filho, uma mãe foi assistir à aula e disse que o filho dela
é um anjo e que a professora é muito devagar. (Aluna, 24/10/03, p. 1.)
Muitos pais não comparecem nas reuniões e com outros não dá para conversar, pois eles defendem seus filhos. (Prof. Davi, 24/10/03, p. 9)
Os alunos falam que não precisam estudar para ganhar mais que a gente.
(Prof. Fabiana, 24/10/03, p. 21)
Os pais hoje preferem não cobrar obediência. Fazer obedecer tem que ter
autoridade, e as pessoas veem isso como autoritarismo. Nem sempre o pai
entende isso. (Prof. Davi, 14/11, p. 32)
Não bastando pais e filhos, o sistema contribui com uma grande carga de
tensão para o trabalho do professor com o nível de violência permitido, provavelmente, pela permissão de grandes defasagens na faixa etária nas salas de aula,
além de alunos da Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor (FEBEM) em
liberdade vigiada, como se a escola tivesse a estrutura apropriada para recuperar
esses menores.
O dispositivo experimental
Certamente, tais condições colaboram com a dificuldade do professor em
distanciar-se o suficiente para analisar suas práticas e melhor observar seus alunos. Entendemos que estes também sejam, em parte, os motivos que podem justificar as afirmações que tecem a respeito dos alunos, pois, segundo Estrela (1994):
O professor “olha” para a sua classe, mas não a vê. Não dispõe de instrumentos nem de metodologia de observação que lhe permita detectar
fenômenos de ordem pedagógica. Conhece alguns problemas, mas de forma subjetiva, pois não sabe dar-lhes uma expressão objetiva. (ESTRELA,
1994, p. 13)
O que pode ser percebido nos seguintes depoimentos:
Tem um aluno que não faz nada e foi o melhor aluno da turma no ENEM
(80%) e os que são considerados bons tiveram só 50%. (Prof. Bruno,
21/11/03, p. 13)
Eu estou tentando, quando os alunos não entendem, eu leio de novo, mas
aí não anda, não desenvolvem.
Você consegue trabalhar com dois ou três alunos, os outros trinta e cinco
são problema. (Prof. Gina, 21/11/03, p. 13)
O professor não está preparado para detectar o que os alunos já sabem.
E como fazer, com essa carga de trabalho que temos? (21/11/03, p. 21)
A gente subestima o aluno. (Prof. Bruno, 28/11/03, p. 7)
Encontramo-nos em um quadro de formação, no qual os professores misturam sentimentos de angústia pela percepção de seus próprios não saberes, pelas
condições de trabalho que o sistema escolar lhes impõe e pelos próprios alunos que,
por si só, caracterizam-se em obstáculos a essa formação. Só alteramos esse quadro quando aplicamos parte da Organização Didática final em uma sala de quinta
série. Embora o grupo tenha decidido que a professora Gina seria a formadora das
crianças, já na primeira aula ela solicitou que a formadora assumisse, porque estava
nervosa, o que foi feito em quase todas as atividades com as crianças.
Constatamos que esses dias de aplicação foram bastante produtivos para a
formação dos professores, porque perceberam finalmente, o objetivo do trabalho
e a importância da observação dos alunos em ação, quando se pretende que construam seus próprios conhecimentos, fato verificado nos seguintes depoimentos:
Não achei tanto barulho porque tenho quintas séries e fiquei surpresa
porque a gente quando vê os exercícios pensa que eles não vão resolver e
a gente percebe que eles podem resolver. (Prof. Hilda, 16/4/03, p. 7)
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Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
É maravilhoso ver o aluno aprendendo.(Prof. Gina, 16/4/03, p. 12)
Vendo a formadora em sala de aula e vendo como ela entra dentro da cabeça do aluno e tira de lá de dentro o conhecimento que está adormecido,
aprendi que não pode dar a resposta diretamente para o aluno e sim fazer
ele pensar, discutir o problema com outros, buscar seu próprio caminho e
sua solução, sempre o professor deve mostrar que tem várias maneiras de
resolver um exercício. (Aluna, rel. final)
A aplicação na sala de aula concretizou todo o nosso aprendizado. Tivemos a oportunidade de observar, o que cada aluno conseguiu desenvolver
e progredir. Um ponto interessante foram as demonstrações coletivas de
humor, definidas pela ruptura de um contrato estabelecido com a professora da sala. (Prof. Gina, rel. final)
Em um dos dias da aplicação da série de exercícios uma das crianças com
dificuldade de fala (dicção) e que, aparentemente, havia um preconceito
sobre ela, toma destaque no grupo, pois lhe foi dada a oportunidade de
mostrar seu valor e seus colegas perceberam. (Prof. Bruno, rel. final)
Descobrimos que não é a quantidade de exercícios que faz com que o aluno entenda o significado e sim as várias etapas (passos) para a resolução.
(Prof. Edson, rel. final)
Observamos que o ponto marcante do trabalho em sala de aula foi exatamente a percepção do aluno. Para Estrela (1994, p. 26) o professor, para poder
intervir no real de modo fundamentado, terá de saber observar e problematizar,
isto é, interrogar a realidade e construir hipóteses explicativas que lhe permitirão
intervir e avaliar.
Quando os professores ou alunos professores têm oportunidades de uma
prática que é seguida de análises adequadas, há muita probabilidade de eles mudarem ou modificarem seus padrões de comportamentos de ensino.
Nesse sentido, para Davis e Oliveira (1990) a interpretação que o professor
faz do comportamento dos alunos, é fundamental para que a interação professor-aluno possa levar à construção de conhecimentos, estando atento ao fato de que
existem muitas significações possíveis ao comportamento de seus alunos e buscando verificar, quais delas melhor traduzem as interações originais. O trabalho
intelectual feito sobre materiais ou conteúdos significativos é sempre mais produtivo, porque se houver compreensão a respeito da importância de determinada
tarefa, ela passará a adquirir significação e a atividade intelectual se agilizar-se-á.
Nesse sentido, se entendermos a observação do aluno em ação, a preocupação com a aprendizagem dele como conhecimentos profissionais, saberemos
que estes exigem. Segundo Tardif (2000), sempre uma parcela de improvisação
e de adaptação a situações novas e únicas, às quais o profissional necessita de
O dispositivo experimental
reflexão e discernimento, não só para compreender o problema, como também
para organizar e esclarecer os objetivos almejados e os meios a serem utilizados
para atingi-los.
Mas, não resta a menor dúvida de que tais conhecimentos profissionais não
podem ser construídos se o professor não tiver confiança e desenvolver suas concepções em relação à Matemática. Para isso, segundo Serrazina (1998, apud Saraiva e Ponte, 2003), é necessário que o professor consolide, além do conhecimento sobre os conteúdos matemáticos, também, sua didática. O autor sugere como
meios para esse desenvolvimento a confrontação de formas diferentes de abordar
os conteúdos e a observação e discussão de aulas de outros colegas.
Dessa forma, consideramos nossa segunda questão respondida com base na
constatação de que os professores podem mudar o discurso a respeito da aprendizagem de seus alunos, pretendendo dar-lhes efetivamente o lugar de construtores de seus próprios saberes, embora não acreditemos que estejam prontos
para promover com autonomia ações que, efetivamente, envolvam o aluno em
sua aprendizagem.
No entanto, para essa confirmação foi preciso que a formação os levasse a
uma situação real de ensino, em uma sala de aula real, observando alunos reais
que possibilitou aguçar o olhar desses professores para a observação do aluno em
ação e sua consequente aprendizagem.
3.3 Possíveis mudanças provocadas pelas ações formativas
Em nossa problemática, propusemos-nos a responder uma terceira questão:
É possível em uma formação continuada promover ações que permitam aos
professores alguma mudança em sua prática de ensino de números fracionários
para uma quinta série?
Empenhados há alguns anos, na formação continuada de professores, nosso
grupo de pesquisa dedicou-se, durante dois anos à Geometria, trabalhando com
dois grupos de professores da rede pública estadual com o propósito de proporcionar alguma aprendizagem sobre o assunto.
Nesta, que estamos denominando de segunda fase, mudamos nosso enfoque
para pesquisar o Pensamento Matemático, visto que os próprios professores nos
apontavam, explicita ou implicitamente, a necessidade de outros temas de estudo.
Para esta fase, apenas um dos grupos de professores manteve-se, mostrando-nos
um problema a ser encarado por todos: as condições necessárias para o comprometimento do professor com sua própria formação.
Observamos que a ausência desse compromisso foi a causa da desistência
do outro grupo, embora tivéssemos alterado nossos horários para atendê-los
e o diretor da escola apoiasse o trabalho que se realizaria, alguns professores
199
200
Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
categoricamente negaram-se a participar de qualquer formação e os outros que,
aparentemente, estavam interessados, queriam participar no tempo de seus HTPC,
isto é, uma, uma e meia ou duas horas, o que não pôde ser atendido, pois inviabilizaria qualquer tipo de formação.
Além disso, a falta de compromisso pessoal faz com que os professores agreguem-se ou desistam de participar do projeto pelos mais variados motivos, além de
faltar sempre que achar necessário, o que motiva o truncamento do andamento dos
trabalhos. Em nossa pesquisa, um desses casos foi o do Prof. Edson que colocou a perder todo o trabalho do seu grupo por conta de suas faltas, embora estas tenham sido
provocadas por motivos de doença. Professor mais velho e com grande ascendência
sobre o grupo, faltava e no encontro seguinte fazia com que o trabalho retornasse ao
ponto em que havia deixado, não respeitando o que o grupo havia elaborado durante sua ausência. Talvez estas sejam consequências do que Cavalcanti (1999) afirma
sobre os adultos necessitarem perceber as vantagens e benefícios de um aprendizado.
Quando iniciamos as atividades com números fracionários, um conteúdo
que o professor acredita piamente que domina, sabíamos que precisaríamos de
ações diferentes das utilizadas durante a formação de Geometria, na qual os professores colocavam-se, efetivamente, como aprendizes e declaravam desconhecer
os conteúdos sobre o tema de estudo.
Dessa forma, decidimos adotar como ações formativas que chamaremos globais, com o objetivo de encaminhar os professores à construção de novos conhecimentos de forma coletiva e a considerar a construção de conhecimentos pelos
próprios alunos, as seguintes etapas:
a) Produção individual de uma sequência didática para o ensino de fracionários
para uma quinta série.
b) Produção em grupo de sequência didática com base nas individuais com
mesmo objetivo.
c) Construção de Organização Didática pela formadora com base nas produções dos professores e sua análise coletiva.
d) Aplicação da OD construída durante a formação em uma sala de quinta série.
Estas ações mostram a busca de um caminho de formação continuada que
efetivamente conduza os professores a refletir sobre suas ações, já adotado em
nosso Projeto de Pesquisa. De acordo com Almouloud e Manrique (2001) a capacitação dos professores pode ser vista sob três aspectos: comteúdo, formação
didática e uma análise crítica da prática de ensino, observando, orientando e analisando suas ações. Esse caminho é, em parte, compartilhado por Ponte (1992)
quando considera como elementos fundamentais em um processo de formação:
a) o quadro teórico geral, necessariamente com referência à Didática da
disciplina;
O dispositivo experimental
b) a dinâmica do processo, envolvendo trabalho de grupo e uma saudável
relação entre todos os participantes, incluindo aqueles que têm responsabilidades na formação;
c) as atividades, proporcionando uma interação com as práticas do professor e solicitando as oportunidades adequadas de reflexão. No entanto, a formação não deve ser vista como podendo só por si conduzir à
mudança das concepções e das praticas, sendo o seu alcance dependente do contexto geral em que se desenvolve. (PONTE, 1992, p. 34)
Contudo, o desenvolvimento desse quadro de ações não tem por objetivo
somente eliminar dificuldades, pelo contrário, às vezes, é necessário provocá-las
para que se atinja os objetivos propostos. Nesse sentido, algumas que foram detectadas, na primeira fase do projeto pelo outro grupo de professores, também
se apresentam para estes como, por exemplo, as citadas por Manrique, Silva e
Almouloud (2002):
Os professores participantes do projeto embora tenham mudado de postura perante algumas situações, parecem ter mais facilidade em lidar com
o concreto. O que poderá se tornar um entrave para atingir e conduzir
seus alunos a um pensamento mais genérico e mais formal.
O fato de estarmos tratando com adultos não significa que tenham raciocínios abstratos, pelo contrário, vimos que a formação que receberam
não se preocupou provavelmente em lhes proporcionar situações que os
fizesse desenvolver compreensão de enunciados, vocabulário próprio, tratamento de informações, … o que muitas vezes os impossibilitam de solucionar um problema com sucesso. (Ibid, p. 15-16)
O novo enfoque da formação, no entanto, fez com que outras dificuldades
surgissem, fazendo com que várias ações que chamaremos pontuais, tivessem que
ser revistas. Uma delas diz respeito ao trabalho em grupo, embora estivessem
acostumados a esse tipo de relacionamento para estudar Geometria, não sabiam
como agir para obter uma produção coletiva.
Assim, enquanto uns acreditavam que poderiam cumprir rápido a tarefa individualmente e que estavam perdendo tempo com o trabalho em grupo: “Se eu
estivesse fazendo sozinha já estava pronta a ideia” (Prof. Fabiana, 12/9/03, p. 8).
Outros habituados a liderar suas salas de aula tentavam colocar seus colegas na
posição de alunos obrigando-os a aceitar sempre suas decisões.
Nesse grupo de professores, pudemos constatar que existe uma diferença
entre se agrupar para estudar Geometria e para produzir uma sequência de aulas para o ensino de algum conteúdo, embora tenha superado as dificuldades,
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Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
transformando-se em um grupo de trabalho cooperativo, como podemos notar
nas declarações dos professores que mais sentiram essa dificuldade:
Para mim, foi ótimo trabalhar em grupo. Passei por uma reforma íntima e
ainda preciso aprender muito. (Prof. Fabiana, 12/12/03, p. 4)
Sou muito mandona e trabalhando com a Fabiana, tive que me policiar.
(Prof. Gina, 12/12/03, p. 4)
Eu acho que eu e a Fabiana conseguimos superar a dificuldade de trabalhar em grupo. (Prof. Gina, 5/3/04, p. 1)
Por outro lado, o PCN sugere para o professor que o sucesso do projeto
educativo depende de um convívio em grupo que seja produtivo e cooperativo
permitindo situações em que:
se possa aprender a dialogar, a ouvir o outro e ajudá-lo, a pedir ajuda,
aproveitar críticas, explicar um ponto de vista, coordenar ações para obter sucesso em uma tarefa conjunta etc. É essencial aprender procedimentos dessa natureza e valorizá-los como forma de convívio escolar e social.
(PCN, 1998, p. 91)
Complementa, afirmando que: “trabalhar em grupo de maneira cooperativa
é sempre uma tarefa difícil, mesmo para adultos convencidos de sua necessidade”.
(PCN, 1998, p. 91) e acrescentamos o desabafo do Prof. Bruno, em seu relatório
final: “não basta ouvir e ler belos discursos, passar tanta teoria aos professores
sendo que a grande maioria não tem a oportunidade de viver isso de perto”. O
que caracteriza o enfoque que, segundo Imbernón (2002), considera:
o professor como um mero executor do currículo e como uma pessoa
dependente que adota a inovação criada por outros. […] Talvez por isso
os professores tenham visto a inovação como uma determinação exterior,
artificial e separada dos contextos pessoais e institucionais em que trabalham. (Ibid, p. 20)
Em contrapartida, a constatação de não saberes ligados a um conteúdo que
acreditavam saber gerou algumas situações de conflito em que a formadora teve
DE buscar estratégias para intermediá-los, como ações formativas pontuais.
Uma delas ocorreu depois de um encontro em que não conseguiram chegar
ao consenso de como trabalhar com situações associadas à concepção de razão.
Percebemos a angústia do momento em falas como: “Quanto mais estudo mais eu
não sei” da Prof. Fabiana e “Quanto mais estudo, mais penso em quanta bobagem
O dispositivo experimental
eu já fiz” do Prof. Bruno. A formadora anotou algumas palavras-chave no quadro: insegurança, maturidade, dificuldade, estudar, bobagens, falta de conhecimento e evolução, convencimento do colega, medo da mudança.
No final, destacou uma por uma das palavras, colocando-as dentro de um
quadro de normalidade, para quem busca aprender, procurando melhorar a autoestima e tranquilizando-os para prosseguir seus trabalhos.
Para Davis e Oliveira (1990), as emoções estão presentes quando se busca
conhecer, quando se estabelecem relações com objetos físicos, concepções ou outros indivíduos. Afeto e cognição constituem aspectos inseparáveis, presentes em
qualquer atividade, embora em proporções variáveis.
Segundo as autoras, a afetividade e a inteligência estruturam-se nas ações
e pelas ações dos indivíduos, podendo o afeto ser entendido como a energia necessária, para que a estrutura cognitiva passe a operar. O afeto influencia a velocidade com que se constrói o conhecimento, pois, quando as pessoas sentem-se
seguras, aprendem com mais facilidade. Por outro lado, o afeto é um regulador
da ação, porque influencia na escolha de objetivos específicos e na valorização de
determinados elementos, eventos ou situações pelo indivíduo.
Por outro lado, de acordo com Linard (2000), a autonomia não é uma simples
qualidade, mas um modo superior de conduta integrada que, para a maior parte
dos indivíduos, não faz parte de seu repertório e, por isso, deve ser aprendida. Para
a autora, o conhecer e o aprender se fazem por uma interação intencional e significativa entre sujeitos e objetos, com base em um processo interativo e intencional
de estruturação recíproca entre sujeitos e um meio que se desenvolve lentamente no
tempo e se auto-organiza partindo de seu próprio funcionamento e de seus próprios
resultados. Para ela, a autonomia compreende pelo menos dois níveis distintos:
• O nível elementar, de reflexos e automatismos de autorrregulação funcional,
comum a todos os sistemas físicos, vivos ou não, que lhe permite controlar
e manter por seus próprios meios, sua identidade e sua própria atividade no
curso de suas interações com o exterior.
• O nível superior, da conduta intencional, abre o campo restrito do primeiro
nível à liberdade de decisão da ação voluntária, da inteligência e do pensamento reflexivo, mas também às tensões e conflitos de emoções e sentimentos, que fornecem ao sistema uma maior amplitude de análise, de escolhas e
de iniciativa na determinação de possíveis, objetivos e estratégias de sua ação
em função de seus próprios valores.(LINARD, 2003, p.1).
No entanto, percebemos que as reações dos professores são uma tentativa
de esconder suas dificuldades em lidar sozinhos com situações complexas e com
suas próprias emoções, por não possuírem instrumentos adequados para construir alguma autonomia para suas ações, embora no relatório final alguns falem
do assunto, mostrando a presença de alguma mudança nesse sentido:
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Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
Eu verifiquei que adquiri mais autonomia, principalmente quando procuro atividades em livros, sinto que posso, melhorá-los, adequá-los e até
mesmo criar com grande segurança. (Prof. Davi)
(A formadora) fez a sequência que era para ser feita por nós, os professores, quando eu peguei me surpreendi, pois eu tinha todo o material para
fazer, mas eu não tive autonomia e coragem para rever o que me foi dado
para pesquisar. (Aluna, rel. final)
A análise da sequência elaborada pela formadora foi compondo um pensamento, fomos capazes até de sugerir variáveis “pedagógicas”. (Prof.
Gina, rel. final)
Estas afirmações nos levam a concluir que as situações delicadas e de angústias são necessárias em uma formação que pretenda ensinar alguma autonomia,
pois, de acordo com Day (1999 apud Saraiva e Ponte, 2003) é preciso apoiar as
ansiedades que acompanham as dificuldades inerentes à mudança e dar tempo
para os professores refletirem, porque um dos obstáculos a mudança é a insegurança pessoal.
Desse modo, quando este trabalha com uma determinada orientação curricular, já há algum tempo, domina-a, sente-se confiante para resolver qualquer
problema que lhe possa surgir. É natural que o professor tenha relutância e receio
em abandonar sua base de segurança, mostrando que a mudança não é apenas um
processo cognitivo, mas envolve, também, emoções.
Vimos já algumas mudanças nas relações do professor com o conteúdo e
com seus alunos, mas também a resistência desse grupo perceber que, na realidade, os não saberes imputados a seus alunos eram também seus e, provavelmente,
provocados por suas dificuldades em observar seu aluno em ação. Foi nesse ponto que alguns professores testemunharam mudanças em sua prática, a partir da
terceira etapa da formação, relacionadas com os conteúdos discutidos, não só os
números fracionários:
O aluno na sala pediu para eu fazer uns exercícios sobre regra de três, aí
eu mostrei que não precisava de regra para resolver exercícios desse tipo,
resolvi tudo por tabela. (Prof. Davi, 24/10/03, p. 16)
Para trabalhar equação do segundo grau, comecei com fatoração, os
alunos acharam difícil, mas fizeram. Quando dei a fórmula de Bhaskara, os alunos disseram que preferem o outro método. (Prof. Antonio,
24/10/03, p. 16)
Os alunos sabem fazer a regra de três, mas não conseguem fazer exercícios. Peguei a tabela que discutimos aqui na semana passada e fui buscar
de onde vem a regra. Peguei também um exercício com lacunas na tabela,
O dispositivo experimental
um aluno disse que é melhor ensinar o caminho das pedras. É interessante
pegar os exercícios e deixar os alunos pensarem, depois voltar para discutir, repetindo os exercícios e mostrar que tem um caminho mais rápido.
(Prof. Bruno, 24/10/03, p. 16)
Eu já estou pegando seu (formadora) reflexo também. Porque eu pergunto para o aluno porque ele fez assim, eu questiono o aluno, não falo que
ele está errado. E eu acho tão bom. Eles conseguem até explicar o que
fizeram. (Prof. Carla, 28/11/03, p. 8)
As nossas aulas depois dessas discussões são outras. (Prof. Edson,
5/12/03, p. 12)
Eu vi que não é só a gente chegar na sala de aula e mostrar para o aluno como faz, mas devemos induzir o aluno a pensar como resolver um
determinado problema. Para mim, isto ficou muito forte e mudou minha
concepção de ensino. (Aluna, 16/4/04, p. 1)
Este tipo de trabalho é que faz com que os professores percebam a necessidade da progressão continuada, porque ela mostra que não há necessidade da reprovação. (Prof. Bruno, 16/4/04, p. 8)
Conforme Saraiva e Ponte (2003), em uma sociedade em mudança e, consequentemente, em uma escola em mudança, o professor verá a si mesmo de modo
permanente como um aprendiz, um agente ativo no seu local de trabalho e um
interveniente disposto a colaborar com os colegas, seja quanto à pratica letiva,
seja em relação a problemas educacionais mais amplos.
A mudança não é algo que possa ser forçada, pois é o professor que se desenvolve (ativo) e não é desenvolvido (passivo). A mudança para ser efetiva deve ser
interiorizada e, em níveis cada vez mais profundos, envolvendo a modificação ou
transformação de valores, atitudes, emoções e percepções que orientam a prática
que só ocorrem quando o professor sente-se dentro das situações com sentido de
posse dos processos de tomada de decisão, de acordo com Day (1999, p. 97-98,
apud SARAIVA e PONTE, 2003, p. 4).
Há ainda um obstáculo para alguma inovação na instituição escolar que é o
da opinião dos colegas, pois, mesmo que um professor tenha conquistado alguma mudança pessoal, a pressão dos colegas pode condicionar sua prática, o que
realça a importância que as instituições desempenham na mudança das práticas
e também, as maneiras de ser e de estar do professor, pois, mesmo pressionado
pelos colegas, ele pode fazer de forma diferente, segundo Saraiva e Ponte (2003).
A mudança, então, deve ser o cerne das formações continuadas, levando em
conta que o formador deve, de acordo com Lalanda e Abrantes (1996), orientar
na concepção e implementação de situações experimentais significativas, capazes de fornecerem material para reflexão e criar nos formandos disposição para
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Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
refletirem criticamente sobre a forma como ensinam, em uma perspectiva de desenvolvimento profissional permanente. Para as autoras, o pensamento reflexivo
requer uma prova ou testemunho que lhe sirva de garantia, pois a ideia nasce da
inferência e deve ser confrontada com o que é observado e real para poder ser
aceita ou rejeitada. Além disso, a mudança é um processo que leva tempo e passa
por alteração de crenças, conhecimentos e formas de trabalho do professor que
só acontecerão se ele confrontar o novo com o velho e poder refletir sobre os
respectivos méritos.
A verdadeira capacitação de um professor só ocorre caso ele tenha a
oportunidade de participar de um projeto como esse, que lhe dá chance
de refletir sobre seu trabalho, chorando, sorrindo, tendo insônia, ficando
nervoso e na maioria das vezes, satisfeito com o resultado final. (Prof.
Bruno, rel. final)
Para Perrenoud, do ponto de vista cognitivo:
a investigação é uma sequência de desequilíbrios e equilíbrios, de desorganizações e reestruturações, de momentos de generalização, de diferenciação, de coordenação dos conhecimentos e dos esquemas de pensamento
adquiridos. (PERRENOUD, 1993, p. 120, apud PONTE, 1998, p. 14)
Como estratégia formativa que toma como referência mais os processos cognitivos no processo investigativo, do que os rituais das comunidades acadêmicas,
de acordo com Ponte (1998) a investigação tem quatro princípios fundamentais:
• a investigação não é a recusa da teoria, mas a busca de uma permanente
articulação entre teoria e prática;
• no trabalho investigativo, é decisivo dar especial atenção às fases mais
conceituais e não os métodos e técnicas;
• a própria experiência de investigação deve ser transformada em objeto de
análise e de reflexão;
• a investigação não deve ser encarada, ela própria, como a solução universal para a formação dos docentes, mas como uma peça de um dispositivo
de formação multifacetado e dinâmico. (Ibid, p. 14)
O ponto central da formação de professores, em síntese, é levá-los a pensar
criticamente sobre o que os rodeia para torná-los mais reflexivos que, segundo
Lalanda e Abrantes (1996, p. 45) “é algo que acontece naturalmente e de pouco
vale tentar ensinar a outro como fazê-lo exatamente”. De fato, exatamente é impossível, mas, pelo menos, podemos tentar fazê-lo:
O dispositivo experimental
Em resumo, o trabalho com frações de alguma maneira denunciou nossas
fraquezas, não só o desconhecimento sobre o assunto, algumas manias, desconfianças, atitudes, necessidades, posicionamentos, objetivos e a mais dolorosa das denúncias é ter que admiti-las e superá-las. (Prof. Bruno, rel. final)
Mais que levá-los a pensar é necessário vê-los como produtor de saberes,
que, segundo Nacarato (2004, p. 4), “os projetos de formação melhor sucedidos
mostram a mudança de foco: das pesquisas sobre professores passa-se a pesquisa
com os professores”. Acrescentando que:
Fala-se na necessidade do professor desenvolver-se continuamente […].
Fala-se da importância do professor estar sempre se atualizando; no entanto, os baixos salários não lhes permitem nem mesmo adquirir livros e
bons periódicos na área de atuação para que se mantenha atualizado. Fala-se na importância do trabalho coletivo na escola, mas o pouco espaço
que é dado ao professor – quando dado – geralmente é preenchido com
os problemas burocráticos da escola. Qual o significado em se falar em
professor reflexivo e/ou investigador, com classes numerosas, carga desumana de trabalho e o stress da profissão? (Nacarato, 2004a, p. 6)
Alguns desses princípios são considerados nas exigências que o governo do
Estado de São Paulo faz às instituições de ensino superior que contrata para o Programa de Formação Continuada “Teia do Saber”. Assim, um de seus objetivos é:
a investigação e a busca de soluções para problemas práticos dentro e fora
do espaço da sala de aula: a experimentação e os trabalhos de campo na
aprendizagem dos conhecimentos científicos e tecnológicos” e também
que “as ações formativas terão como fundamentos os princípios da ação-reflexão ação, do aprender fazendo e da resolução de problemas. (SÃO
PAULO, SEE, p. 3)
Contudo, este discurso não atinge o professor nem o impede, em uma formação como a que propusemos com tantas emoções aflorando, de tecer próprias
opiniões a respeito de suas formações iniciais ou continuadas anteriores:
Como estou na faculdade ainda não tenho experiência em sala de aula, eu
apliquei as atividades na faculdade e notei que eles têm dificuldades nas
leituras das frações. A maior dificuldade dói quando chegamos na equivalência de frações, eles não compreendem. (Aluna, 5/9/03, p. 15)
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Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
Depositaram na gente, e agora nós depositamos no aluno. Como nós vamos não ser um depositador? (Prof. Edson, 15/8/03, p. 4)
Na faculdade, o professor também usa a lousa e o fiz. (Prof. X, 15/8/03, p. 4)
Eu acho que eu nunca aprendi na faculdade. (Prof. Y, 15/8/03, p. 4)
O que eu aprendi na graduação, eu não aplico na sala de aula. (Prof. Gina,
29/8/03, p. 1)
Eu já fiz muitas capacitações e nunca ninguém discutiu isto profundamente. (Prof. Bruno, 24/10/03, p. 7)
Eu aprendi muitas coisas que eu não sabia e que eu não acreditava que
fosse possível fazer aprender e que o problema está no corpo docente. E
que eu não sabia nada de fração e que tem muita coisa para aprender.
(Prof. Bruno 16/4/04, p. 8)
Eu estou me sentindo numa oficina pedagógica. (Prof. Bruno)
É isto que deveria ser nossa HTPC. (Prof. X)
Os comentários dos professores remetem-nos a dois pontos cruciais: a formação inicial e o caminho que deve tomar a formação continuada.
Para as duas entendemos que cabe o ponto de vista de Day (1999 apud
Saraiva e Ponte, 2003) quando afirma que os adultos aprendem, quando lhes
são fornecidas oportunidades para refletir com base em sua experiência vivida e
aprendem fazendo, tirando partido das situações que combinam ação e reflexão.
Conforme Saraiva e Ponte (2003), a reflexão mais do que uma simples tomada de consciência da própria experiência e do próprio conhecimento (reflexão
sobre os conteúdos), envolve a crítica sobre como estamos percebendo, pensando,
julgando e agindo (reflexão sobre os processos), bem como sobre as razões do
porquê termos feito o que fizemos (reflexão sobre as premissas).
Assim, recorremos à reflexão, quando queremos uma orientação para a negociação de um passo em uma série de ações ou quando nos debatemos com uma
dificuldade na compreensão de uma nova experiência. Os autores concluem que
a reflexão é um processo pelo qual os professores estruturam e reestruturam seu
conhecimento prático e pessoal, que envolve olhar para trás, bem como olhar
para a frente, tornando-se mais crítica quanto mais próximo da resolução do problema em aberto, sendo essencial para o desenvolvimento das competências do
professor e como um processo, no qual ele ganha confiança nas suas capacidades
para fazer e ensinar Matemática.
De acordo com Cardoso e outros (1996) formar professores reflexivos garantiria, então, a formação de profissionais capazes de promover sua autonomia,
pois seriam autônomos em sua atividade, dado que são críticos em relação aos
papéis que desempenham. E, ainda, que a atitude reflexiva do professor permitiria
desenvolvê-la também nos alunos, por meio de propostas de trabalho que seriam
O dispositivo experimental
feitas em sala de aula, do modo como são apresentadas e de sua avaliação e reflexão sobre as ações desenvolvidas.
Mas, formar professores reflexivos em uma investigação colaborativa envolve muitos aspectos críticos que, de acordo com Boavida e Ponte (2002), têm algumas características que tornam este tipo de trabalho particularmente vulnerável:
1. A colaboração é marcada pela imprevisibilidade, pois é um processo dinâmico, criativo e mutável.
2. É preciso saber gerir a diferença pois os participantes têm de “desaprender”
o modo como se relacionavam de forma a estabelecer uma nova relação de
trabalho marcada pelo diálogo e a confiança.
3. É preciso saber gerir os custos e benefícios pois a complementaridade de
formações, experiências e perspectivas é um recurso para o trabalho colaborativo e deve ser considerada no desenvolvimento do trabalho conjunto de
modo a que sejam ultrapassadas diferenças de estatuto no interior do grupo
e os seus benefícios governem o processo de colaboração.
4. É preciso estar atento em relação à autossatisfação confortável e complacente e ao conformismo, pois é por isso que a colaboração não é um valor em si
mesma, mas um meio que é possível e desejável utilizar para ajudar a resolver
problemas concretos e reais.
A partir do exposto, a formadora posicionou-se como um assessor de formação para professores de Matemática, dentro da instituição escolar, como nos
sugerem os autores citados, no sentido de provocar alguma reflexão sobre sua
prática. Por outro lado, o papel de assessor deveria estar presente na formação
inicial na prática de ensino.
Os resultados das atuais formações, tanto inicial como continuada mostram
que não estão cumprindo minimamente seu papel de formar profissionais aptos
a enfrentarem as mudanças que o mundo globalizado exige. Entendemos que a
participação de professores e futuros professores em projetos de pesquisa seja um
caminho para diminuir a distância entre a prática profissional dos professores e
a pesquisa em Educação Matemática, bem como entre a escola e a universidade,
enfim, entre teoria e prática, conforme nos sugerem Saraiva e Ponte (2003).
Dessa forma, seriam possíveis atividades com assuntos que os professores acreditam dominar e construir uma nova cultura. A valorização da escola, como a própria
palavra diz, passa pela redefinição de valores da instituição escolar, mas para que
certos valores façam parte da escola devem ser criadas novas culturas, por exemplo,
a maioria dos projetos que a escola desenvolve (lixo, água, …), dura apenas um ano,
o que não é suficiente para fazer parte da cultura da instituição escolar. O mesmo se
aplicaria as mudanças das práticas pedagógicas e didáticas dos professores.
Assim, resta buscar o caminho de uma formação continuada que propicie
um razoável domínio do conteúdo a ser ensinado, uma adequada compreensão
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Investigando saberes de professores do ensino fundamental com enfoque em números fracionários
do lugar do aluno no processo de ensino e aprendizagem e professores capazes
de refletir com autonomia sobre como prover a aprendizagem. Essa formação
deslumbra-se nas falas do professor Bruno:
Essa discussão deve ser feita junto do professor na escola, como é que
podem exigir do professor se esse conhecimento está surgindo agora, depois de muita discussão (se referindo ao tempo que estão demorando em
construir as atividades). (12/9/03, p. 18)
Outros (professores) que acreditam nas capacitações acabam se desentusiasmando pelo pouco tempo que tem para se dedicar e o apoio pedagógico que acaba não existindo (relatório final).
As afirmações nos sugerem um novo personagem nas formações, tanto inicial quanto continuada, a do assessor de formação, que também foi lembrada no
primeiro mapa conceitual, em que um dos grupos cita a necessidade de orientadores. Este papel é citado por Becker (2001) que os professores precisam encontrar
parceiros na escola para introduzir mudanças na sala de aula e, também, por
Imbernón (2002) quando defende um assessor de formação:
que intervenha a partir das demandas dos professores ou das instituições educacionais com o objetivo de auxiliar no processo de resolver os
problemas ou situações problemáticas profissionais que lhes são próprias
e subordinando eventuais contribuições formativas à problemática num
processo de compromisso de reflexão na ação. (Ibid, p. 89)
Para o autor, o papel de guia e mediador entre iguais ajuda a encontrar soluções gerais para todos, dando pistas para transpor obstáculos pessoais e institucionais e para gerar um conhecimento compartilhado, mediante uma reflexão
critica, como intelectual comprometido com a prática, devendo envolver-se em
um trabalho de inovação das práticas educativas, nas quais ele também pode experimentar e aprender com os demais.
Acreditamos na possibilidade de um trabalho com formadores experientes que
atuem nas escolas, diretamente com os professores de Matemática, no sentido de
promover, acima de tudo, a aprendizagem dos alunos. Esses formadores que já existem em algumas escolas da rede particular, no papel de assessor de disciplina, podem
possibilitar mudanças conscientes, feitas por etapas, que colocariam em um primeiro
momento, todos os professores da escola, em busca de solução para a aprendizagem
dos alunos da quinta série, para depois, ano a ano, preocuparem-se com as demais.
No entanto, um dos impedimentos para essa proposta é a rotatividade de professores nas escolas do Estado de São Paulo. Enquanto não tivermos professores
O dispositivo experimental
designados para uma determinada escola, não conseguiremos mudanças significativas, pois os poucos professores que as promovem, levam-nas consigo quando
mudam de escola.
Na realidade, sabemos que o sistema educativo precisa ser valorizado, em
relação à sua qualidade, para voltar a ter seu papel fundamental de formador de
opinião e transformações sociais e, assim, ser respeitado pela população, em geral,
que daria ao professor seu devido valor, como profissional necessário à qualquer
sociedade que pretenda algum desenvolvimento, evitando as atuais sensações de
derrota por alguns professores:
Não acredito que exista alguma solução para o ensino público. (Prof.
Bruno, 22/8/03, p. 8)
Na escola particular também, no ensino como um todo. (Prof. Fabiana,
22/8/03, p. 8)
Um aluno diz: “só tem dois professores que querem fazer a gente pensar, você e o de Biologia”.Um outro diz que fica oito anos aprendendo
Inglês e não sabe nada. E eu pergunto, mas é só Inglês? (Prof. Bruno,
21/11/03, p. 25)
Mas, não resta a menor dúvida que a qualidade do sistema escolar, passa
primeiro, por professores bem formados e conscientes de seu papel social em detrimento do quadro que atualmente se detecta:
frequentemente, o professor está desatualizado em relação à discussão
sobre a educação, a profissão e seu papel social, escreve e lê pouco, tem
uma enorme dependência do livro didático – quando leciona no ensino
fundamental – e uma visão bastante utilitária do aperfeiçoamento profissional. E que desenvolve seu trabalho solitariamente e sem ajuda dos
que teriam a função de apóia-lo profissionalmente. (BRASIL, MEC,
1999, p. 15)
Professores bem formados, que pensem criticamente, certamente, saberão reivindicar direitos com muito mais propriedade, se fazendo ouvir, tanto por órgãos
institucionais, quanto por seus alunos e famílias, além de colaborar na promoção
da qualidade da instituição educativa que, segundo Imbernón (2002) depende da
qualidade dos alunos por meio de suas contribuições à sociedade, da qualidade do
que se aprendeu e da forma de aprendê-lo.
Assim, acreditamos respondida nossa terceira questão de pesquisa, visto que
pudemos constatar alguns sinais de mudanças no discurso dos professores, agregando às concepções de números fracionários, uma observação mais sensível da
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ação de seus alunos que foram conquistadas por ações formativas, tanto globais,
quanto pontuais, bem determinadas e susceptíveis de “uma parcela de improvisação e de adaptação a situações novas e únicas, necessárias ao conhecimento profissional e que exigem, não só compreender o problema, como também organizar
e esclarecer os objetivos almejados e os meios a serem utilizados para atingi-los”,
de acordo com Tardif (2000, p. 7).