INCLUSÃO SOCIAL E ESCOLAR DE PESSOAS COM
DEFICIÊNCIA
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30 de setembro de 2024 Off Por Cognitio Juris
SOCIAL AND SCHOOL INCLUSION OF PEOPLE WITH DISABILITIES
Artigo submetido em 11 de setembro de 2024
Artigo aprovado em 17 de setembro de 2024
Artigo publicado em 30 de setembro de 2024
Cognitio Juris
Volume 14 – Número 56 – Setembro de 2024
ISSN 2236-3009
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Autor(es):
Alvaro de Azevedo Gonzaga[1]
Felipe Labruna[2]
Leandro Antonio da Silva[3]
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RESUMO: Este artigo científico, que faz parte das produções acadêmicas de Programa de
Mestrado em Direito, tem o escopo de abordar a temática dos desafios enfrentados por
pessoas com deficiência, elucidar o capacitismo e a observar os dispositivos disponíveis de
resguardo da pessoa com deficiência. É traçada consideração a respeito da infeliz histórica
desigualdade de pessoas com deficiência e sobre a urgência em se modificar tal contexto
de diferenças injustificadas que, por mais que já tenha ocorrido alguma evolução, é
necessário avançar na construção de uma sociedade inclusiva. Depois, aborda
especialmente a importância da inclusão escolar com as devidas adaptações para
atendimento das necessidades. A convergência com a obra “Inclusão não é favor nem
bondade” de Juliana Izar elucida que não apenas os professores devem estar preparados
para a inclusão, mas todos os componentes do âmbito escolar, inclusive as crianças. Para
a elaboração do presente trabalho foi utilizada pesquisa bibliográfica textual sob análise
qualitativa.
Palavras-chave: Inclusão; capacitismo; discriminação; igualdade; dignidade.
ABSTRACT: This scientific article, which is part of the academic productions of the
Master’s Program in Law, aims to address the issue of challenges faced by people with
disabilities, elucidate ableism and observe the devices available to protect people with
disabilities. Consideration is outlined regarding the unfortunate historical inequality of
people with disabilities and the urgency of changing such a context of unjustified differences
that, even though some evolution has already occurred, it is necessary to advance in the
construction of an inclusive society. Afterwards, we specifically address the importance of
school inclusion with the necessary adaptations to meet needs. The convergence with the
work “Inclusion is neither favor nor hold” by Juliana Izar elucidates that not only teachers
must be prepared for inclusion, but all components of the school environment, including
children. To prepare this work, textual bibliographic research was used under qualitative
analysis.
Keywords: Inclusion; ableism; discrimination; equality; dignity;
1. Introdução
Considerando que muito se fala sobre a inclusão e pouca informação se tem de como isto
pode ocorrer, e até mesmo em atenção ao modo em que a sociedade e a cultura enxerga a
deficiência, este artigo pretende ampliar a compreensão da capacidade/dignidade que uma
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pessoa, portadora de deficiência, possui. Importante mencionar a definição de pessoa com
deficiência de acordo com o artigo 1 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
Deficiência:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza
física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras,
podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições
com as demais pessoas.
Sabe-se que não temos uma sociedade apta para lidar com as diferenças, tão
pouco nossos espaços e estruturas são inclusivos. Porém, apesar do despreparo da
sociedade para lidar com as diferenças, houve uma considerável evolução, inclusive
legislativa. Contudo, ainda há muito que se fazer para que os indivíduos “não comuns”
encontrem seu espaço na sociedade como sujeitos de capacidade e igual valor aos
demais.
Pessoas com deficiência compõem uma parcela considerável da população
brasileira, e não tão menos em nível mundial. Ante isto, é imprescindível que lutemos pela
construção de uma sociedade para todos. Nessa perspectiva é que se fala em inclusão: a
aceitação das diferenças e na valorização do indivíduo, independente dos fatores que o
condicionou à deficiência; pela busca aos mesmos direitos e respectivos deveres,
construindo um universo que favoreça o crescimento e valorizando o potencial de todas as
pessoas.
Além do viés de inclusão no âmbito social, muito se tem a discutir sobre a inclusão escolar.
E por falar em escola, vale lembrar de um dos direitos fundamentais contido em nossa
Constituição Federativa de1988, no artigo 205 que diz que a Educação é um direito de
todos e dever do Estado e da família, a qual será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para
o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Neste sentido, há um comprometimento educacional de cada um cada um dos países
signatários da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, de
acordo com o seu artigo 24:
Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à educação. Para
efetivar esse direito sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades, os
Estados Partes assegurarão sistema educacional inclusivo em todos os níveis, bem como
o aprendizado ao longo de toda a vida, com os seguintes objetivos: a) O pleno
desenvolvimento do potencial humano e do senso de dignidade e autoestima, além do
fortalecimento do respeito pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais e pela
diversidade humana;
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Posto isto, frisa-se dois pontos importantes: direitos de todos e deveres colaborativos,
inclusive, da sociedade.
Considerando a igualdade das pessoas e que deficiências não tornam as pessoas
inferiores ao demais, a fim de esclarecer a sociedade que inclusão não é um favor, e sim
um dever, afirma a Convenção de Guatemala:
Reafirmando que as pessoas portadoras de deficiência têm os mesmos direitos humanos e
liberdades fundamentais que outras pessoas e que estes direitos, inclusive o direito de não
ser submetidas a discriminação com base na deficiência, emanam da dignidade e da
igualdade que são inerentes a todo ser humano.
Este trabalho é um estudo preliminar sobre Inclusão de pessoas com deficiência, o qual faz
de pesquisa desenvolvida em programa de mestrado em Direito. O objetivo principal deste
estudo foi analisar o processo de inclusão de pessoas com deficiência no âmbito escolar.
A pesquisa desenvolvida foi de natureza exploratória-descritiva que envolve: levantamento
bibliográfico de ilustres obras que abordaram o mencionado tema, condensando os pontos
relevantes e desenvolvendo uma linhagem de pensamentos e comportamentos evolutivos
propiciatórios ao bem comum de todas as pessoas, se assim aplicarmos as didáticas
pretendidas.
Para a produção deste trabalho, foi realizada uma revisão bibliográfica, utilizando-se
como principal referencial teórico as contribuições de Juliana Izar Soares da Fonseca
Segalla (2021).
Do Princípio da Dignidade
O princípio da dignidade humana reconhece o valor de cada pessoa e estabelece que
todas devem ser tratadas com respeito, igualdade e liberdade. Este princípio orienta a
proteção dos direitos humanos e busca por uma sociedade justa e inclusiva,
independentemente de características pessoais.
Todos os indivíduos têm dignidade igualitária e esse reconhecimento se dá pela
valorização da diversidade. Por mais obvio que isso seja, as pessoas com deficiência
vivenciam situações que colocam em questão o respeito que a sociedade tem referente à
sua dignidade.
A esse respeito, vejamos o que escreveu Juliana Izar Soares da Fonseca Segalla (2021, p.
35) sobre o tema:
Portanto, não se pode esquecer que o “respeitar à dignidade da pessoa humana” se
desdobra na proteção à integridade física e moral, à individualidade à espiritualidade e a
tudo que se refira ao “ser” do indivíduo humano. Ou seja, não discriminar e não ter
preconceitos também são expressões do respeito a essa dignidade.
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Considerando o reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana, faz jus
mencionar a preciosa lição de Kant quando diz que as coisas têm preço enquanto as
pessoas têm dignidade (2005, p. 77-78).
A dignidade da pessoa humana faz parte do fundamento de nosso Estado Democrático de
Direito pela Constituição Federal, e por ser um elemento sustentador, consoante com a
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e com a Lei
Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, expressam e reafirmam a necessidade
de respeito e proteção à dignidade de quem tem deficiência.
Neste sentido, é relevante mencionar que, mesmo diante dos mais variados desafios que
as pessoas com deficiência enfrentam, cada um com suas peculiaridades, um dos
princípios fundamentais/gerais atrelado ao princípio da dignidade, é o da igualdade.
A igualdade deve ser compreendida enquanto inserida numa sistemática constitucional,
que busca o ideal de uma sociedade livre, justa e solidária. Portanto, consagrado está o
princípio da igualdade, o qual também é reconhecido como direito humano, quando a
Constituição afirma no caput do art. 5º que “todos são iguais perante a lei”. A lei maior não
está sozinha, pois temos também a Convenção Internacional sobre os Direitos das
Pessoas com deficiência e a Lei Brasileira de inclusão, consoantes a um dos objetivos
fundamentais da República que é de garantir o respeito e o reconhecimento da dignidade e
do valor inerente a pessoas com deficiências.
Nas palavras de Maria Aparecida Gugel (2006, p. 46):
O ‘direito à igualdade’ consigna uma aspiração mais ampla, um valor assegurado pelo
Estado, para uma sociedade caracterizada no Preâmbulo da Constituição como fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem
interna e internacional, com a solução pacífica de controvérsias. Esse direito de ser igual
necessita alcançar as desigualdades de fato e, para que isso ocorra efetivamente, exige
que se concretizem os devidos acertos.
Vale notar e ressaltar os princípios norteadores que traz o artigo 3 da Convenção
Internacional dos Direitos da Pessoas com Deficiência: o respeito pela dignidade inerente,
a autonomia individual, inclusive a liberdade de fazer as próprias escolhas, e a
independência das pessoas; a não discriminação; a plena e efetiva participação e inclusão
na sociedade; o respeito pela diferença e pela aceitação das pessoas com deficiência
como parte da diversidade humana e da humanidade; a igualdade de oportunidades; a
acessibilidade; a igualdade entre o homem e a mulher; o respeito pelo desenvolvimento
das capacidades das crianças com deficiência e pelo direito das crianças com deficiência
de preservar sua identidade.
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Diante dessa circularidade de princípios interligados, é interessante mencionar os
dizeres de Sidney Madruga (2013, p. 111) que diz que “um componente da dignidade
humana que se encontra relacionado com a deficiência é a autonomia, que pode ser
entendida como um espaço próprio, irrestrito, de eleição livre e pessoal do ser humano”.
Contudo, é inviável pensar em autonomia diante das limitações estruturais diante de quem
tem deficiência, as quais são fatores impeditivos à inclusão de tais pessoas. Portanto, para
que a autonomia seja efetiva é imprescindível a acessibilidade.
É imperioso entender que a dignidade das pessoas com deficiência só será
preponderada quando de fato dispormos de uma sociedade inclusiva a qual todos caibam.
Neste sentido, diz Juliana Izar (2021, p. 40)
Dizemos uma vez mais que a dignidade advém do simples fato de fazermos parte da
espécie humana e, por isso, todas as pessoas têm igual dignidade. Ou seja: as pessoas
com deficiência têm direito de não serem vistas como “menos”, pois têm igual valor e igual
dignidade!
É relevante mencionar que a discriminação contra pessoa com deficiência tipifica
como crime, previsto pela Lei nº 13.146/2015:
Art.88 Praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua
deficiência: Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa. (grifamos)
Para que passemos para o outro tópico, a este ponto faz se oportuno refletir o porquê de
não ofertarmos suporte e ajuda quando estamos diante de uma pessoa com deficiência,
mesmo sendo movidos em nosso íntimo por um senso de boa vontade. Talvez seja
desafiador escolher entre oferecer ajuda ou ficar inerte por conta da miscelânea de
pensamentos se seremos bem ou mal interpretados. Possa ser que tais comportamentos
ou omissões se dão por conta de não termos convivido, na mais tenra idade, como
indivíduos com deficiência. A escola, portanto, tem um papel fundamental para
transformação social necessária e construção de uma sociedade para TODOS (Juliana Izar
2021).
Do Capacitismo
O indivíduo que possuí alguma deficiência, para ser incluso em determinadas posições
onde há um grupo de pessoas não portadoras de deficiência, certamente enfrentará
grandes desafios até atingir o seu objetivo. Esses desafios poderiam ser evitados, ou ao
menos amenizados, partindo da premissa que deficiência não é sinônimo de incapacidade,
mas sim apenas mais uma característica do ser humano (Juliana Izar 2021 p. 23),
conscientes de que, independentemente da classificação dada pela sociedade, cada
indivíduo possui suas singularidades.
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É importante trazer o conhecimento e o reconhecimento de atitudes capacitistas,
oriundas do preconceito e/ou violência, na tentativa de hierarquizar as pessoas em função
da conformidade de seus corpos, considerando os corpos com deficiência como incapazes,
subestimando-os de suas aptidões em virtude de deficiência.
Ora, é certo que, eventualmente ou cotidianamente, a pessoa com deficiência
precisará de ajuda. Por óbvio que todos precisamos de ajuda em alguma situação. O “ser
humano” é interdependente, uma vez que precisamos do motorista do transporte público
que noz conduz à um destino, do médico que nos instruirá aos medicamentos prescritos
através de seu conhecimento técnico, do operador de energia elétrica que realiza as
devidas manutenções/instalações, entre tantos outros infindos exemplos.
Inquestionável que as pessoas com deficiência estão diante de uma vivência
rodeada de preconceitos e discriminações. Se assim não fosse, o legislador não
criminalizaria uma conduta que não fosse parte da realidade social do país, assunto o qual
aprofundaremos em outro tópico. Contudo, interessante mencionar a definição da
Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006) sobre
discriminação, no artigo 2:
Discriminação por motivo de deficiência significa qualquer diferenciação, exclusão ou
restrição baseada em deficiência, com o propósito ou efeito de impedir ou impossibilitar o
reconhecimento, o desfrute ou o exercício, em igualdade de oportunidades com as demais
pessoas, de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais nos âmbitos político,
econômico, social, cultural, civil ou qualquer outro. Abrange todas as formas de
discriminação, inclusive a recusa de adaptação razoável.
Nesse viés atrela-se o conceito trazido na Lei Brasileira de Inclusão, em seu artigo
4º, § 1º:
Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de discriminação, restrição
ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir
ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de
pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de
tecnologia assistivas.
No combate a discriminação e ao preconceito é habitual os temas “racismo”,
“machismo”, “homofobia”, entre outros. No entanto, não se tem notoriedade, aos olhos da
sociedade, a luta contra a discriminação e o preconceito enfrentados pelas pessoas com
deficiência.
Juliana Izar, que tem deficiência auditiva, enfrentou e enfrenta muitos desafios em
sua carreira como professora de Direito Constitucional, a qual testemunha algumas de
suas experiencias em sua obra Inclusão não é favor nem bondade. Em suas palavras
(2021. P. 2):
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Posso dizer, sem medo de errar, que NÓS que temos deficiência não gostamos de ser
vistos através de um olhar de dó, de pena, como se fôssemos fadados a sermos infelizes
por conta de nossas características corpóreas, sensoriais ou intelectuais… ocupo o meu
lugar de fala enquanto pessoas com deficiência auditiva. Todavia, meu desejo é que nos
desenvolvamos social e humanamente a ponto de percebermos que a deficiência não vem
antes da pessoa e não a define: a deficiência é apenas mais uma das muitas
características da diversidade humana.
Cada ser humano é único, composto por sua subjetividade. Estamos vivendo em
um tempo bem atípico, onde é a internet vem pregando um padrão, de modo a massificar
as pessoas em busca pelo “perfeito”. Todas as pessoas são diferentes (quer tenham
deficiência ou não). Possa ser que quem tem deficiência tenha sua diferença mais
claramente perceptível, o que resulta em discriminação e preconceito. Portanto, diante
deste cenário dos tempos atuais, faz se necessário repetir e reforçar o óbvio: que a
humanidade é naturalmente/essencialmente diversa e que a aceitação do outro faz parte
de nossa natureza social.
Como destacado, a deficiência é vista como uma característica (dentre tantas
outras) da diversidade humana, e assim deve ser considerada. Valemo-nos das palavras
de José Pastore (2000):
Os não portadores de deficiência ignoram que, com o passar da idade, os seres humanos,
eles inclusive, terão as suas funções reduzidas afinal. A degenerescência dos órgãos e a
velhice formam o destino de todos nós. Ademais, ninguém está livre de, a qualquer
momento, passar a ter uma limitação de ordem física, sensorial ou mental. No fundo, todos
os seres vivos terão de conviver com algum tipo de deficiência ao longo de suas vidas.
Considerando que com o passar do tempo nossas capacidades humanas vão
diminuindo, sofrendo o aparelho biológico com a degradação, maiores serão as
possibilidades de surgirem deficiências e com isso a necessidade de adaptação.
Quem nunca ouviu falar de algum senhor idoso que já não conseguia mais tomar banho e,
com a ajuda de um cuidador ou familiar, teve suas necessidades atendidas, inclusive com
o suporte de uma cadeira para banho? A grande questão é que neste exemplo é muito
comum um olhar piedoso e assistencialista, porém o ensino que se quer passar é que,
diante das deficiências, o que se espera é a adaptação para o atendimento das
necessidades. Ainda sobre o exemplo citado, certamente se fosse colocado as
possiblidades de permanecer na dependência de assistência ou a presença de
mecanismos de adaptação de modo que a pessoa deficiente conseguisse, de forma
independente, atender suas necessidades, certamente a segunda opção seria adequada
para quem busca desenvolver seu potencial.
Educação Inclusiva
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Importante frisar que não estamos tratando pela busca por aceitação, mas sim pelo
direito de ocupação em lugares em que pessoas com deficiência também podem ser
efetivas e, de igual, modo usufruírem de acessos simples e garantidos constitucionalmente,
como por exemplo a Educação.
Quando se declara, no artigo 205 da Constituição Federal (Brasil, 1988), que “a
educação é direito de todos”, compreende-se que, independentemente dos fatores físicos,
anatômicos e psíquicos, a educação está fundada na inclusão e aceitação dos indivíduos
bem como a compreensão de suas diferenças.
Infelizmente, muitos cidadãos brasileiros com suas mais diversas características,
entre elas deficiências, não tem acesso ao estudo e ficam a margem da sociedade. A esse
respeito, afirma Margareth Diniz (2012, p. 9):
No que tange às pessoas com deficiência, a Educação Inclusiva não é uma moda
passageira. Ela é o resultado de muitas discussões, muitos estudos e muitas práticas que
tiveram a participação e o apoio de organizações de pessoas com deficiência e
educadores(as), no Brasil e no mundo. É também fruto de um contexto histórico em que se
resgata a educação como lugar do exercício da cidadania e da garantia de direitos. Isso
acontece quando se preconiza, por meio da Declaração universal dos direitos humanos
(1948), uma sociedade mais justa em que são resgatados valores fundamentais, como a
igualdade de direitos e o combate a qualquer forma de discriminação. Percebeu-se que as
escolas estavam ferindo esses direitos, tendo em vista os altos índices de exclusão escolar
das populações mais pobres, das pessoas com deficiência, dentre outros, que estavam
sendo, cada vez mais, marginalizadas do processo educacional.
A declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) reconhece a educação como um
direito humano, e mais, foi o primeiro instrumento jurídico a reconhecer tal direito. Todo tem
direito a educação segundo seu artigo 26.
Neste sentido, ao olharmos a “fase da exclusão”, um dos períodos que marcaram a
história das pessoas com deficiência no Brasil, momentos em que quaisquer pessoas que
não estivessem no padrão de comportamento e desenvolvimento instituído pela sociedade
eram totalmente excluídas, veremos rotulações às pessoas surdas, por exemplo, como
pessoas “ineducáveis e incapazes”. Portanto, não participavam da vida em sociedade.
Olhando para trás, veremos que antigamente as pessoas que possuíssem
determinadas deficiências eram consideradas como malditas, possuidoras de “marca do
demônio” (Mittler, 2003). Houve épocas que em Roma era autorizado legalmente o
abandono dos recém-nascidos com deficiência; em Esparta e Atenas era autorizado
legalmente o assassinato de pessoas que apresentassem deficiência. Queiroz Assis e
Lafayatte Pozzoli (2005, p.63) anotam que “as leis antigas demonstram que a ação dos
governos em relação às pessoas portadoras de deficiência articulava-se na linha da
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política de extermínio” (id., ibid.). No mesmo passo, a Lei das XII Tábuas determinava a
morte dos filhos defeituosos” e no Código de Manu também havia regras de exclusão dos
que tinham deficiência como, por exemplo, em relação a sucessão (Idem, p.67).
Certamente incontáveis pessoas nasceram e morreram sem o direito ao estudo e até
mesmo a inclusão à sociedade, simplesmente pelo fato de possuírem alguma deficiência.
Embora em tese já não aconteça mais tais práticas afrontosas à integridade física e a vida
das pessoas com deficiência, ainda hoje a pessoa com deficiência é atingida por
discriminação e preconceito, sendo estes uns dos motivos pertinentes e necessários pela
incessante luta pelos direitos, respeito e dignidade.
Por certo que o escopo deste tópico é a educação inclusiva, porém fora pertinente
mencionar, ainda que suscintamente, a luta histórica que minorias e grupos vulneráveis
enfrentaram e enfrentam até os dias de hoje em busca de uma sociedade solidaria e
inclusiva.
Nosso objetivo é refletir sobre o papel da escola enquanto propiciador de transformador
social. Neste viés, vejamos o que nos diz o art., 205 da Constituição Federal (Brasil, 1988):
“A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.”
Neste sentido, Juliana Izar (2021, p. 44) registra que a escola tem um papel fundamental
no que diz ao respeito ao desenvolvimento enquanto ser humano (percebendo e
reconhecendo sua humanidade através do outro, inclusive) e sua preparação para o
exercício da cidadania (que pressupõe a consciência de direitos e deveres).
Somente uma escola inclusiva pode propiciar adequadamente o convívio naturalizado com
pessoas com deficiência. Pensemos em quantos amigos com deficiência tivemos e, se
quer tivemos, quantas das vezes agimos de forma errônea com eles por não sabermos
como agir. Isto se dá pela faltar de oportunidades que de convívio enquanto éramos
crianças. Faz se oportuno mencionar o pensamento de Luiz Alberto David Araujo (2007, p.
46-47):
Nós (pessoas não portadoras de deficiência) também temos o direito de poder conviver
com gente diferente, com problemas diferentes, para aprendermos a ser mais tolerantes;
saber como nos comportar diante das diferenças saber que elas são superáveis a partir de
uma vivência afetiva e conjunta. Com um ensino segregado, tal direito nos foi (a nós,
maioria) retirado e fomos impedidos de conviver com colegas de classe cegos, surdos,
com deficiência mental leve, etc. E a falta desse convívio hoje se revela quando
encontramos alguém em cadeira de rodas, por exemplo, e não sabemos muito bem como
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nos comportar, o que podemos fazer para ajudar, se é que eles precisam de ajuda. É a
falta dessa educação inclusiva que nos faz achar sempre que a pessoa portadora de
deficiência precisa de ajuda […].
Torna-se urgente uma educação mais humanitária. As crianças são curiosas diante dos
diferentes, porém elas aprendem o preconceito com os adultos que elas convivem. Faz-se
necessário o convívio naturalizado com pessoas com deficiência desde a mais tenra idade
em um ambiente acolhedor, aprendendo a conviver com as diferenças, num contexto de
naturalidade, convivendo (Juliana Izar, p.46).
Possa ser que neste ponto do artigo o caro leitor indague a questão de um
atendimento especializado em atenção a deficiências que necessitem de uma atenção
técnica e/ou específica. Voltemos o olhar para a diretriz constitucional, no artigo 208, III e V
(Brasil, 1988), que está disposto que o dever do Estado com a educação será efetivado
mediante a garantia de atendimento educacional especializado a quem tem deficiência,
preferencialmente na rede regular de ensino e acesso aos níveis mais elevados do ensino,
de pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.
Vale salientar que a Constituição trata do atendimento educacional especializado,
não devendo ser entendido como “separação do ambiente escolar comum”, o que mais
uma segregação, ao contrário, é como se fosse um adicional curricular. As instituições de
ensino têm o dever de ensinar e praticar a solidariedade.
A Inclusão de pessoas com deficiência no âmbito escolar não significa,
simplesmente, inclui-los à sala de aula junto a pessoa não deficientes. É preciso dar a
assistência necessária para que todos os alunos desenvolvam o seu potencial. Até mesmo
porque prevê o art. 206 da Constituição Federal (Brasil, 1988), inciso I a “igualdade de
condições para o acesso e permanência na escola”.
A convenção sobre os Direitos da Criança (1989), a Declaração Mundial sobre
Educação para Todos (1990), a Equalização de Oportunidades para Pessoas com
Deficiência (1993) e a Declaração de Salamanca sobre Princípios, Políticas e Práticas na
área das Necessidades Educativas Especiais (1994), asseguram medidas e conscientizam
sobre a importância do direito das pessoas com deficiência à educação.
Notavelmente, o parágrafo 2 da Declaração de Salamanca, afirma e expressa o
fundamento deste trabalho que diz:
Toda criança tem direito fundamental à educação, e deve ser dada a oportunidade de
atingir e manter o nível adequado de aprendizagem; toda criança possui características,
interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem que são únicas; sistemas
educacionais deveriam ser designados e programas educacionais deveriam ser
implementados no sentido de se levar em conta a vasta diversidade de tais características
e necessidades; aqueles com necessidades educacionais especiais devem ter acesso à
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escola regular, que deveria acomodá-los dentro de uma Pedagogia centrada na criança,
capaz de satisfazer a tais necessidades; escolas regulares que possuam tal orientação
inclusiva constituem os meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias criandose comunidades acolhedoras, construindo uma sociedade inclusiva e alcançando
educação para todos; além disso, tais escolas provêem uma educação efetiva à maioria
das crianças e aprimoram a eficiência e, em última instância, o custo da eficácia de todo o
sistema educacional.
Portanto, A educação inclusiva reconhece que toda criança tem características,
interesses, habilidades e necessidades de aprendizagem únicas, devendo todos ser
acomodados no sistema de educação geral. A educação inclusiva, considerando as
diversidades, vai de encontro a atitudes discriminatórias. Reitera-se que a escola inclusiva
é direito de TODOS os alunos (e não só de quem tem deficiência), propiciando o pleno
desenvolvimento humano.
Conclusão
Mesmo nos dias de hoje, já inseridos em um modelo social ligado à uma nova fase de
políticas denominada de Inclusão, visando qualificar a sociedade para que possa incluir a
todos, a integração/adaptação de pessoas com deficiência para integrar a sociedade é o
grande desafio. Por mais que no artigo 1º da Declaração de Direitos Humanos da ONU
1948 declare que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos,
dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de
fraternidade, o que precisa ser trabalhado é a razão e consciência para que de fato se aja
com fraternidade. Que fique evidente que que a busca não é por privilégios, mas ao
reconhecimento de igual dignidade e oportunidades.
A sociedade precisa entender que a educação escolar vai muito além do empoderamento
dos alunos para o mercado de trabalho. Por mais que a Lei maior abarque, de uma forma
muito abrangente, a questão de ser um objeto da educação escolar o pleno
desenvolvimento da pessoa, não se deve esquecer de que no mesmo dispositivo também
compreende como objetivos da educação o preparo para o exercício da cidadania, e então,
por fim, a qualificação para o trabalho. A escola ensina a ser solidário, tolerante, conviver
com as diversidades.
Considerando que cada indivíduo possui suas limitações e que, muito provável,
desenvolvamos algumas outras mais ao curso da vida (deficiências adquiridas), deve-se
preparar a sociedade para lidar com as deficiências, até porque é comum ter deficiência.
Faz necessário entender de forma correta o que é ser um individuo com deficiência. Por
certo não é sinônimo de “coitado”. Muito menos o conceito de “normalidade” como
antônimo de deficiência.
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O que se percebe é que por mais que o Brasil tenha uma das legislações mais avançadas
sobre o tema, não temos visto a divulgação e conscientização da sociedade para que
entendam que as barreiras e a luta deste grupo nem sempre são estruturais. Na verdade, o
grande desafio está em como a sociedade lida com as limitações de cada indivíduo.
Portanto, o que se sugere é que sejam criados programas educacionais para inclusão de
pessoas deficientes e de resistência ao capacitismo, assim como um dia foi trago as
escolas públicas e particulares, por exemplo, o Programa Educacional de Resistência às
Drogas e à Violência (PROERD). Acresce que o programa sugerido alcance, não apenas
as crianças na escola, mas que os pais também sejam convidados a conscientização do
tema proposto.
Chega-se à conclusão de que inclusão não é favor nem bondade, e sim um dever de todos
para o exercício da cidadania responsavelmente solidária. É um direito não apenas da
pessoa deficiência, mas também das pessoas não deficientes o convívio com a
diversidade, desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das
interdependências. A mudança de como vemos e tratamos as diferenças é possível e
necessária, podendo e devendo começar nas escolas.
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[1] Livre docente em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Pós-doutor
em Direito pela Universidade Clássica de Lisboa e pós-doutor em Direito pela Universidade
de Coimbra. Doutor, mestre e graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. E-mail:
[email protected]
[2] Doutorando, mestre e graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. E-mail:
[email protected]
[3] Mestrando em Direito Pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail:
[email protected]
CategoriaARTIGOS CIENTÍFICOS
Tags56º Número
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