RECONHECIMENTO
MÚTUO E O TRABALHO
DO NEGATIVO1
Joel WHITEBOOK
1. Introdução: o conteúdo de verdade do hobbesianismo
O hobbesianismo não estava inteiramente errado –
apesar do que a nova ortodoxia intersubjetivista gostaria de
nos fazer crer. Ainda que não haja dúvidas de que a virada
intersubjetiva foi um evento decisivo no desenvolvimento da
filosofia social e política, algo importante é perdido quando o
modo de teorização precedente é rejeitado in toto. De fato, agora
que o intersubjetivismo ameaça se tornar a tendência teórica
dominante dos nossos dias – ao qual se adere tão acriticamente
e o qual é tão confiantemente brandido quanto o hobbesianismo
que ele substituiu –, há razão para preocupação. Meu objetivo
neste ensaio é, portanto, afrouxar o controle que o paradigma
intersubjetivo tem sobre a imaginação teórica atual. Por sua vez,
isto vai nos permitir recuperar parte do conteúdo de verdade
do hobbesianismo que se perdeu pelo caminho. Aqui, concebo
o hobbesianismo de maneira ampla, como a abordagem que
1
Agradeço aos estudantes que participaram da minha disciplina
“Psicanálise e a filosofia do reconhecimento” [Psychoanalysis and
the Philosophy of Recognition] na New School for Social Research
por sua contribuição para este artigo. Suas questões desafiadoras
e sugestões atenciosas me ajudaram a formular a minha posição.
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toma indivíduos isolados, naturalmente dirigidos pela pulsão
[driven]i, associais e estrategicamente orientados como seus
componentes básicos.
Embora minha crítica mais ampla seja direcionada contra
os propositores centrais do programa intersubjetivista no campo
da Teoria Crítica, Karl-Otto Apel e Jürgen Habermas, irei focar
sobre o trabalho de Axel Honneth. Seu pensamento é mais
marcado por conflitos internos e, portanto, mais aberto com
respeito às questões com as quais estou preocupado. Além do
mais, Honneth é um dos únicos teóricos críticos que ainda
está ativamente engajado com a psicanálise. E sua tentativa de
relacioná-la com uma posição intersubjetiva – esta é uma das
fontes das tensões – torna o trabalho de Honneth relevante
para o meu projeto de redirecionar a Teoria Crítica para uma
antropologia psicanaliticamente orientada que combinaria as
descobertas empíricas das ciências humanas com a reflexão
filosófica. Depois de apresentar o contexto teórico mais amplo
nesta seção, irei me voltar para as discussões de Honneth sobre
Hegel e Mead. E então, na conclusão, retornarei aos assuntos
mais gerais2.
Na Teoria Crítica, a autoconfiança da abordagem
intersubjetivista resultou em grande parte do esquema
interpretativo, adotado por Apel e Habermas, que tem como
modelo a história da ciência no modo kuhniano e conceitua
a história da filosofia ocidental como uma série de mudanças
2
Tenho simpatia pelo impulso geral do diagnóstico de Dieter Freundlieb
sobre o estado atual da Teoria Crítica; contudo, minha abordagem
psicanalítica difere de seu retorno à metafísica. Ver: Dieter Freundlieb,
“Rethinking Critical Theory: Weaknesses and New Directions”,
Constellations 7 (2000): 80-99.
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Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017.
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de paradigmas. De acordo com a visão deles, os três maiores
paradigmas da filosofia são a ontologia, a filosofia da consciência
(Bewusstseinsphilosophie) ou do sujeito (Subjektphilosophie), e
a filosofia da linguagem.3 Entretanto, como Dieter Henrich
argumentou, a aplicação da abordagem kuhniana à história da
filosofia tende a ser demasiadamente esquemática e enganosa4.
Diferentemente da ciência natural, a filosofia não progride
de maneira que uma posição posterior represente um avanço
inequívoco em relação à anterior. Posições filosóficas anteriores
não devem, portanto, ser relegadas à “mera pré-história da
verdade”5. Em vez de serem “resolvidos” com a mudança para
um novo paradigma, problemas filosóficos perenes tipicamente
emergem transfigurados em um contexto teórico diferente. Por
exemplo, a questão sobre a unidade da substância no paradigma
ontológico é primeiramente reconfigurada como a unidade do
sujeito no paradigma da consciência e, depois, como a unidade
do falante (ou da comunidade de linguagem) na linguística. A
Ver especialmente Karl-Otto Apel, “The Transcendental Conception
of Language-Communication and the Idea of a First Philosophy:
Towards a Critical Reconstruction of the History of Philosophy in
the Light of Language Philosophy”, in Karl-Otto Apel: Selected Essays,
vol. 1, ed. E. Mendieta (New Jersey: Humanities Press, 1994), 83-111.
O movimento da filosofia da consciência para a filosofia da linguagem
é frequentemente visto como similar ao movimento do intrapsíquico
para o interpessoal, ou da psicologia de “uma-pessoa” para a de “duaspessoas” na psicanálise. Ver André Green, “The Intrapsychic and the
Intersubjective in Psychoanalysis”, The Psychoanalytic Quarterly 69
(2000): 1-40.
4
Ver Dieter Henrich, “The Origins of the Theory of the Subject”, in
Philosophical Interventions in the Unfinished Project of Enlightenment,
trad. W. Rehg, ed. A. Honneth et al. (Cambridge: MIT Press, 1992),
29-38. Ver também Peter Dews, “Communicative Paradigms and
the Questions of Subjectivity”, in Habermas: A Critical Reader, ed.
Peter Dews (New York: Blackwell, 1999), 112-13, e “Modernity, SelfConsciousness and the Scope of Philosophy: Jürgen Habermas and
Dieter Henrich in Debate”, in The Limits of Disenchantment (New
York: Verso, 1995), 169-193.
5
Henrich, “Origins”, 33.
3
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retórica peremptória das mudanças de paradigma – com sua
tentação de usar epítetos depreciativos em vez de argumentos
para rejeitar objeções legítimas – obscurece frequentemente esses
deslocamentos, dando, assim, a impressão de que problemas
anteriores foram de fato enfrentados. Isto, por sua vez, tem o
efeito de suprimir e evadir desafios sérios6.
Hegel – que pode ser visto como o primeiro filósofo
das mudanças de paradigma – estava ciente deste problema
e tentou explorar a polissemia do termo alemão Aufhebung
para se referir a ele. Como é bem sabido, o termo não somente
tem a conotação de negar, suplantar e superar, mas também de
elevar e preservar. Hegel utilizou estes significados diferentes
para introduzir a distinção entre negação abstrata e concreta:
enquanto a primeira simplesmente nulifica ou revoga um
paradigma anterior, a última assume e preserva seu conteúdo de
verdade e tenta lhe fazer justiça de uma maneira mais adequada.
Falando em linguagem hegeliana, minha tese é a seguinte:
apesar de sua advertência contra uma “rejeição não dialética
da subjetividade”7, o movimento de Habermas de uma posição
monológica para uma dialógica – algo que esteve no coração de
seu programa desde o início – remete amiúde a uma negação
abstrata. Por causa desta falsa superação, o conteúdo de verdade
do que estou chamando de hobbesianismo frequentemente se
perde, e evita-se lidar com certas dificuldades fundamentais.
Para uma crítica apaixonada deste estilo de filosofar, a qual permanece,
contudo, profundamente apreciativa da magnitude e importância das
realizações de Habermas, ver Dieter Henrich, “What is Metaphysics
– What is Modernity? Twelve Theses against Jürgen Habermas”, in
Habermas: A Critical Reader, 291-319.
7
Jürgen Habermas, The Philosophical Discourse of Modernity, trad. F.
Lawrence (Cambridge: MIT Press, 1987), 337.
6
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Entretanto, antes de descrever este conteúdo de verdade em
maior detalhe, permitam-me falar algo sobre o racionalismo
por detrás da visão intersubjetivista de Habermas.
Existem três razões político-filosóficas, interconectadas
e problemáticas, para a defesa tenaz feita pelos habermasianos
do programa “intersubjetivista forte”8. (1) Apesar de tudo que
aprendemos sobre as profundezas da irracionalidade e da
destrutividade humanas – teoricamente a partir de pensadores
como Nietzsche e Freud e historicamente a partir de eventos
do século passado –, eles pretendem defender a noção filosófica
tradicional de que um ser humano é essencialmente um animal
racional, um zoon logikon. Suspeito que eles acreditam que
o estabelecimento desta presunção racionalista pode servir
como um profilático efetivo contra novas barbaridades. (2)
Por sua vez, a pretensão de racionalidade requer a defesa de
outra tese: a saber, “o caráter social per se do self ”9. A menos
que o self seja de cima a baixo constituído socialmente, isto
é, intersubjetivamente, considera-se que o estatuto de animal
racional está em risco. Há uma tendência, portanto, a negar
sistematicamente a existência de qualquer dimensão pré- e
extrassocial do self. Novamente, tal como na concepção tradicional,
os habermasianos pensam que o zoon logikon e o zoon politikon
[animal político] caminham juntos. (3) Finalmente, os habermasianos
veem estes dois primeiros pontos – que mitigam radicalmente
o papel positivo do irracional nos assuntos humanos – como
pressupostos filosóficos e antropológicos necessários para um
8
Axel Honneth, The Struggle for Recognition, trad. J. Anderson
(Cambridge: MIT Press, 1995), 30.
9
Hans Joas, George Herbert Mead, trad. R. Meyer (Cambridge: MIT
Press, 1985), 110.
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programa político de democracia radical. Não é autoevidente,
entretanto, que esta afirmação seja correta mesmo logicamente,
e muito menos politicamente. Mas, além disto, há um problema
mais significativo. Estas pressuposições conduzem a uma visão
restrita da democracia. Como Jonathan Lear formulou, há uma
questão muito mais interessante a ser examinada: como se
pode “ao mesmo tempo levar a irracionalidade humana a sério
e participar de um ideal democrático?”10. Uma resposta para
esta questão pode nos ajudar a evitar duas posições igualmente
unilaterais que exercem um papel significativo no cenário atual,
a saber, o pós-modernismo, com seu ceticismo com relação à
democracia, e o rawlsianismo de esquerda, com sua defesa
um tanto pálida dela.
A ênfase habermasiana na racionalidade comunicativa e
na sociabilidade contrasta agudamente com o hobbesianismo
definido acima. Este é tipicamente criticado por confundir as
condições predominantes na sociedade capitalista moderna
com a condição humana per se. A guerra de todos contra todos
não representa a situação em um estado de natureza, mas
no mercado capitalista. E não quero de modo algum negar a
validade e a força dessas críticas.
Há, no entanto, uma verdade no hobbesianismo que
frequentemente sai de vista na mudança para a posição
intersubjetivista. Pois o capitalismo não criou o egoísmo, a
10
Jonathan Lear, “On Killing Freud (Again)”, in Open Minded (Cambridge:
Harvard University Press, 1988), 31. No campo da Teoria Crítica,
Hans Joas tem se movido em uma direção similar com sua noção
de “democracia criativa”, apesar de que ele sem dúvida rejeitaria o
termo “irracional” como um resíduo da teoria da ação racionalista
com suas pressuposições cartesianas. Ver Hans Joas, The Creativity
of Action (Chicago: University of Chicago Press, 1996).
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agressão e a ganância humanos; o potencial de tais forças
sempre existiu como parte de nossa constituição antropológica
e psicológica. O capitalismo apenas as libertou das constrições
tradicionais de modo que elas pudessem se expandir de
maneira relativamente desimpedida. Quase sem exceção, as
sociedades pré-modernas entenderam a capacidade humana
para a agressão e a ganância e a ameaça que isso colocava
paras as suas formas tradicionais de vida ética com base em
uma solidariedade comunal (intersubjetiva). Elas procuraram,
portanto, manter isso sob forte controle. Assim, lutaram para
manter a economia firmemente “enraizada”, como diz Karl
Polanyi, em um quadro institucional maior, de modo que as
preocupações econômicas sempre permanecessem estritamente
subordinadas a – e abarcadas por – valores religiosos, comunais
e políticos mais amplos11. Um aspecto essencial da emergência
da sociedade moderna foi precisamente o “desenraizamento”
da economia do quadro institucional mais amplo, isto é, a
emancipação do mercado capitalista. Isto, por sua vez, teve o
efeito de liberar a ganância e a agressão humana da maneira
que as sociedades pré-modernas haviam temido. Na verdade,
isto aconteceu em uma escala que elas dificilmente poderiam
ter imaginado.
Gostaria de defender dois pontos sobre este fenômeno, ambos
contrários à opinião corrente da esquerda-liberal. O primeiro
é que a agressividade humana – a qual, depois, subsumirei à
categoria mais abrangente da negatividade – não é simplesmente
11
Karl Polanyi, “Aristotle Discovers the Economy”, in Trade and Market
in the Early Empires, ed. Karl Polanyi et al. (Chicago: Regnery, 1957),
64-94; cf. também o meu “Pre-Market Economics: The Aristotelian
Perspective”, Dialectical Anthropology (1976): 1 et seq.
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o subproduto de uma ordem social irracional (ou de uma criação
não esclarecida das crianças), que poderia ser eliminado em
uma sociedade (ou formação familiar) mais esclarecida. É,
de fato, “um pedaço de natureza inconquistável”12 – talvez,
entretanto, não no sentido de Freud – que toda sociedade,
passada ou futura, deve “levar em consideração”13 e tentar
conciliar em seus próprios termos. Certamente existem formas
de sociedades que encorajam a sua expressão e formas que a
inibem – mas ela nunca pode ser eliminada.
Meu segundo ponto é o de que a liberação da agressividade
acompanhada da emancipação do mercado é um fenômeno
perturbadoramente ambíguo. Não preciso convencer ninguém
da destruição que as sociedades modernas infligiram ao globo. O
que necessita ser ressaltado, entretanto, é o tanto de criatividade
– em ciência, arte, tecnologia, filosofia, direito, e até mesmo na
economia – gerada quando “tudo que é sólido desmancha no
ar”. De fato, não é implausível sugerir que na modernidade a
magnitude de criatividade e de destrutividade tem sido igual. O
problema que assombra é como manter a primeira sem a última.
De ecologistas radicais a neofundamentalistas, existem aqueles
que sacrificariam o dinamismo e a criatividade para retornar
a uma forma de existência mais contida. Mas, mesmo se isto
fosse desejável – o que não acho que seja –, é provavelmente
impossível. O gênio está fora da lâmpada.
12
Sigmund Freud, Civilization and Its Discontents, in The Standard
Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, ed. e
trad. J. Strachey (London: Hogarth, 1953-1974), vol. 21, 86. Daqui em
diante os trabalhos de Freud serão citados pelo título e pelo número
do volume da Standard Edition (S.E.).
13
Ver Cornelius Castoriadis, The Imaginary Institution of Society,
trad. K. Blamey (Cambridge: MIT Press, 1987), 290.
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2. Hegel e a luta por reconhecimento
Tanto Habermas como, seguindo-o, Honneth retornaram aos
escritos do jovem Hegel na tentativa de recapturar algumas das
intuições perdidas do período de Jena. Apesar das inadequações
óbvias desses escritos prévios, eles veem algo menos enrijecido
e, portanto, potencialmente mais fértil – e também algo mais
materialista – na obra de Hegel anterior à Fenomenologia do espírito.
Habermas oferece um relato sobre as vantagens relativas dos
Jugendschriften [escritos de juventude] em seu próprio importante
ensaio programático, “Trabalho e interação: comentários sobre
a filosofia do espírito de Hegel em Jena”14. Sua tese era a de
que, quando Hegel escreveu a Fenomenologia do Espírito, seu
pensamento havia se consolidado em um idealismo monista
que via o Espírito como o único sujeito do desenvolvimento.
Os heterogêneos e diferentes reinos da história passaram a
ser entendidos como emanações deste sujeito monista. Em
contraste, um naturalismo ou um materialismo internamente
diferenciado, carregando fortes similaridades com o Marx dos
Manuscritos de 1844, caracterizava o pensamento de Hegel durante
o período de Jena. De acordo com este esquema, a história se
desdobra por meio da interação de três “meios”15 “igualmente
originais”, isto é, “meios” heterogêneos e irredutíveis, a saber,
14
Jürgen Habermas, “Labor and Interaction: Remarks on Hegel’s Jena
Philosophy of Mind”, in Theory and Practice, trad. J. Viertel (Boston:
Bacon Press, 1971), 142-169. Já neste artigo antigo, Habermas menciona
G. H. Mead como representante de uma reformulação “naturalizada”
do programa interativo de Hegel. Sobre a importância de Mead
enquanto provedor de um terceiro “modelo básico alternativo” para
Habermas, além de Marx e Kierkegaard, ver Dews, “Communicative
Paradigms”, 100.
15
Habermas, “Labor and Interaction”, 152.
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a linguagem, o trabalho e a interação. O Espírito é visto não
como o sujeito do desenvolvimento, mas como ele mesmo o
produto das operações da história atual.
Habermas retornou aos escritos de Jena para tentar
recapturar as intuições do jovem Hegel e corrigir alguns erros
da sua obra de maturidade. E com a ajuda da filosofia pósmetafísica e das ciências sociais, ele tentou reformular aquelas
ideias do período de Jena em uma forma intersubjetiva de
Teoria Crítica. Em um esquema genealógico um tanto quanto
complicado, Honneth retorna aos mesmos escritos de Jena na
tentativa de reavivar o espírito da concepção de teoria crítica do
jovem Habermas – que ele acredita ter sido perdido ao longo do
caminho. Como Honneth nos diz, ele havia ficado insatisfeito
com “a direção na qual o próprio Habermas levou adiante sua
ideia original, empregando a pragmática universal como o meio
teórico para analisar os pressupostos normativos da interação
social”16. Na opinião de Honneth, à medida que a teoria de
Habermas amadurecia, a dimensão da experiência cotidiana,
da vida psíquica, do corpo e, de modo mais importante, da
luta (individual e coletiva) – tudo isso foi depreciativamente
subsumido sob o epíteto de “filosofia da práxis” – desaparecia
progressivamente da teoria de Habermas17.
Além do mais, a luta por reconhecimento representa para
Honneth uma tentativa de preservar o conteúdo de verdade do
hobbesianismo, assim como representou para Hegel. (Vou defender
que Honneth não vai longe o suficiente). Ele argumenta que “o
16
Axel Honneth, “Author’s Introduction”, in The Fragmented World
of the Social, ed. C. W. Wright (Albany: SUNY Press, 1995), xiii.
17
Ver Axel Honneth, The Critique of Power, trad. K. Baynes (Cambridge:
MIT Press, 1991), 284.
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lugar excepcional, até mesmo único” dos escritos de Hegel em Jena
deriva do fato de que ele “apropriou o modelo de Hobbes da luta
interpessoal”18 e a usou contra o próprio Hobbes em sua crítica
imanente da posição deste. Mais precisamente, o movimento
original de Hegel na filosofia política moderna consistiu em
reter a noção de luta de Hobbes e, simultaneamente, a separar
de seus pressupostos atomísticos e antiaristotélicos para lhe dar
um novo sentido. Contra Hobbes, Hegel argumentou não haver
como derivar uma concepção adequada de associação a partir
de uma multidão de indivíduos atomizados a- ou antissociais
focados na autopreservação (concebida em sentido abrangente);
o máximo que poderia ser extraído deste ponto de partida
seria um “mero amontoado”. Ademais – e esta é a afirmação
decisiva de Hegel –, uma situação como a descrita por Hobbes
não poderia jamais existir por si mesma, mas pressupõe uma
forma de vida intersubjetiva supraindividual (Sittlichkeit). Ela
não representa um estado de natureza independente, mas uma
esfera particular da sociedade moderna que foi constituída
por, e que pressupõe, suas instituições intersubjetivas, isto é,
o sistema moderno da propriedade e do direito. O ponto é que
até mesmo o individualismo atomístico tem seus pressupostos
intersubjetivos. Dito de outra forma, até mesmo o estado de
natureza hobbesiano – como todas as formas de vida humana –
já é uma forma de segunda natureza e tem suas pressuposições
aristotélicas.
Ao mesmo tempo em que Hegel usa a ideia aristotélica
18
Honneth, The Struggle for Recognition, 10. Ver também Judith Butler,
Subjects of Desire (New York: Columbia University Press, 1987), 242
(nota 18).
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de que a “existência de obrigações intersubjetivas” é “uma
pré-condição quase natural de todo processo de socialização
humana” para derrubar as premissas hobbesianas atomísticas
da teoria política moderna, ele utiliza outra doutrina aristotélica
para ajudá-lo a apropriar a teoria hobbessiana da luta para o seu
próprio propósito: a saber, “o processo teleológico no qual uma
substância original alcança gradualmente seu desenvolvimento
completo”19. Pois Hegel aceitou a premissa de Aristóteles de
que uma forma pré-existente de relações éticas subjaz a toda
sociedade, mas somente como uma premissa geral, provendolhe com o seu próprio conteúdo distintivo. Da maneira como
existiram em sociedades pré-modernas ou na família moderna,
essas relações sittlich [éticas] são, ele argumenta, simplesmente
naturais ou em si mesmas; sua potencialidade ética plena ainda
não se desenvolveu a partir delas. Isto requer o momento da
diferença – ou seja, a destruição do nível dado de equilíbrio
ético e a experiência da alteridade – e o reestabelecimento de
uma forma de Sittlichkeit [eticidade] mais madura, diferenciada e
autoconsciente, em um nível mais alto de integração. Diferentemente
dos teóricos do direito natural e do contrato social, Hegel não
tem que explicar “a gênese dos mecanismos de formação de
comunidades em geral” – as comunidades sempre já existem. O
que ele tem que explicar é, antes, “a reorganização e a expansão
de formas embrionárias de comunidades em direção a relações
mais abrangentes de interação social”20. Para tanto, Hegel
precisa conceituar a natureza da substância social original
de tal maneira que ela não somente já possua uma natureza
19
20
Honneth, The Struggle for Recognition, 15.
Ibid., 15.
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ética, mas contenha também a potencialidade e a dinâmica
para um desenvolvimento ético ulterior. Isto significa que ela
deve conter a potencialidade tanto para a socialização como
para a individuação. É nesta altura que Hegel introduz a noção
de reconhecimento enquanto um mecanismo constitutivo da
formação de ambos, self e comunidade.
No modelo do reconhecimento, o sujeito não consiste
em um self portador de necessidades com uma identidade
pré-formada e que deve ser inserido em uma matriz social
essencialmente externa e/ou antagonista a ele. Mas – e esta é a
afirmação central – o self é, desde o início, intersubjetivamente
constituído. Um sujeito adquire necessidades articuladas e uma
identidade somente ao ter suas necessidades incipientes – iremos
considerar a questão crucial do self incipiente adiante – e suas
capacidades e qualidades reconhecidas por um outro. De acordo
com Honneth, este processo de reconhecimento tem tanto um
momento integrador como um momento individuante. Ou seja,
em vez de se oporem uma à outra, socialização e individuação
trabalham in tandem. Uma vez que o reconhecimento de um
indivíduo pelo outro representa uma forma de reconciliação
entre dois sujeitos, ele fornece a base para a coesão social –
isto é, para a socialização. Mas na medida em que um sujeito
também “vem a conhecer sua própria identidade distintiva”
ao ser reconhecido, “ele vem a ser oposto... ao outro como algo
particular”. Considerado desta maneira, o reconhecimento é um
veículo da individuação. Além disso, o elemento de negatividade
que desestabiliza qualquer estado dado de equilíbrio ético –
isto é, o elemento dinâmico – surge, Honneth argumenta, do
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reconhecimento inadequado. “A razão por que os sujeitos têm
de sair” dos “relacionamentos éticos” imediatos “nos quais se
encontram é que eles acreditam que a sua identidade particular
é insuficientemente reconhecida”. Em outras palavras, a injúria
e o sofrimento que resultam do reconhecimento insuficiente
impulsionam os indivíduos a abandonarem um dado nível de
vida ética para lutar a fim de criar novas relações nas quais suas
identidades sejam mais adequadamente reconhecidas – um
processo que Honneth chama de uma forma de “aprendizagem
moral-prática”.21
É verdade que o jovem Hegel apropria a afirmação de
Hobbes de que a luta é um fato básico da vida social. Porém,
da mesma maneira como fez com Aristóteles, ele também
reinterpreta radicalmente a posição de Hobbes. Para Hobbes,
o conflito básico da vida social envolve a “autopreservação”,
isto é, as pulsões gananciosas e agressivas. Para Hegel, ao
contrário, a luta pertence ao “reconhecimento intersubjetivo das
dimensões da individualidade humana”, ou seja, à identidade22.
Hegel analisou primeiramente como a solidariedade
imediata e a forma natural do relacionamento ético, encontradas
na família e baseadas na necessidade e no afeto – isto é, no
amor –, passam para o reino “não ético” da sociedade civil,
caracterizada pela diferenciação, pela cognição e pela autonomia
formal. Ele passa, então, a identificar uma forma mais elevada,
refletida e unicamente moderna de Sittlichkeit que seria capaz
de superar a unilateralidade de cada uma das fases anteriores.
Porque seu “modo de reconhecimento” seria “afeto que se tornou
21
22
Ibid., 16-17.
Ibid., 17.
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racional”, ela integraria intuição e introspecção [insight]23. E
porque combinaria individualidade e solidariedade, esta forma
refletida de vida ética representaria uma condição de unidade
diferenciada que preservaria as elaborações da sociedade civil.
Honneth acredita que esta aspiração, que emergiu da síntese
sem precedentes que Hegel fez no período em Jena dos motivos
aristotélicos e hobbesianos, era basicamente acertada. Mas
ele vê a afirmação de Hegel de que havia encontrado seu
desenvolvimento pleno no Estado moderno como ideológica
e espúria. O projeto de Honneth, portanto, é abandonar as
mistificações hegelianas e – utilizando os recursos das ciências
sociais – reinterpretar as noções de luta por reconhecimento
e de vida ética moderna nos termos da problemática histórica
e política contemporânea. Ele procura, ademais, ir além tanto
do rawlsianismo de esquerda como do marxismo economicista
e integrar políticas de identidade e comunitarismo – em uma
visão política que é mais robusta do que a alternativa liberal.
Como disse acima, Honneth acredita, como Habermas, que
a Fenomenologia do espírito constitui em importantes aspectos
uma regressão com relação ao “programa extraordinário que
[Hegel] havia perseguido em versões sempre novas e sempre
fragmentárias nos escritos de Jena”.24 Hegel não somente substitui
seu materialismo protomarxiano por uma Geistmetaphysik e
restringe severamente o escopo da luta por reconhecimento de
maneira que ela passa a pertencer somente à dialética senhorescravo, mas – talvez o mais desafortunado de tudo – ele
regride de sua abordagem intersubjetiva para a filosofia da
23
24
Ibid., 25.
Ibid., 62.
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consciência. Eu argumentaria, porém, que o aparente retorno à
filosofia da consciência – se, de fato, a leitura de Honneth não
constitui uma simplificação excessiva dos objetivos de Hegel
na Fenomenologia – apenas conta como uma regressão se a
perspectiva intersubjetiva for tomada como o padrão em relação
ao qual todas as posições devem ser medidas25. Visto sob uma
luz diferente, o movimento de Hegel tem mérito, podendo ser
visto como uma tentativa de preservar o conteúdo de verdade
materialista e psicológico da abordagem hobbesiana. Assim
como o abandono do conceito de amor e da idealização dos
gregos, depois do período de Jena, marca o fim de uma certa
ingenuidade juvenil da parte de Hegel, o aparente retorno à
filosofia da consciência poderia sugerir um novo sentido de
realismo psicológico e político26.
De fato, estando mal informado, alguém poderia pensar
que, além de estudar Platão, Aristóteles, Ferguson e Smith,
Hegel também teria lido Melanie Klein durante sua estadia
em Jena. Pois na Fenomenologia a autoconsciência parece
passar por todo o repertório de mecanismos maníacos de
defesa – esboçado pela Sra. Klein – na tentativa de manter
sua autossuficiência onipotente e negar sua dependência sobre
o objeto e a independência deste último. Diferentemente dos
escritos de Jena, a necessidade de reconhecimento mútuo na
Fenomenologia é forçada sobre a autoconsciência quando seu
programa onipotente colapsa. Por causa do vigor da força de
Ver Freundlieb, “Rethinking Critical Theory”, 81.
Cf. Max Horkheimer, “Egoism and Freedom Movements: On the
Anthropology of the Bourgeois Era”, in Between Philosophy and Social
Science, trad. G. F. Hunter, M. S. Kramer, e J. Torpey (Cambridge: MIT
Press, 1993), 49-110.
25
26
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negação da realidade na autoconsciência – o “trabalho do
negativo”27 – a luta por reconhecimento, tal como foi concebida
em 1807, é muito mais conflituosa – isto é, muito mais um
confronto, uma luta – do que nos escritos anteriores. O uso
de Honneth dos escritos anteriores em oposição ao Hegel da
Fenomenologia (e seu uso de Mead como fonte de referência em
oposição a Freud) serve para reduzir radicalmente a natureza
conflituosa, e com isso a intensidade, da luta na busca por
reconhecimento.
O primeiro fato para ser ressaltado é o de que, na
Fenomenologia, a luta por reconhecimento surge a partir da
dinâmica da Vida e do Desejo. Tomo isto como uma indicação
clara por parte de Hegel de que o self e o Espírito – subjetividade
e intersubjetividade – têm seus fundamentos insuperáveis nos
substratos biológicos da existência humana, um ponto que não
deve ser esquecido. Além disso, como um fenômeno emergente
da vida, a autoconsciência manifesta tenazmente “ser-para-simesma” – “oclusão” [closure]28 – em relação aos seus arredores, e
um elemento significativo dessa qualidade de ser para-si-mesmo
irá aderir a ela ao longo de todas as Aufhebungen posteriores,
27
Ver André Green, The Work of the Negative, trad. A. Weller (London:
Free Associations Press, 1999).
28
Castoriadis nota que, enquanto a intersubjetividade é uma possibilidade
para os seres humanos, ela é, da perspectiva mais geral, uma rara
anomalia que vai contra a tendência da vida em direção à oclusão: “O
para si mesmo [for-itself] deve ser pensado como uma esfera fechada
– isto é o que oclusão significa – cujo diâmetro é aproximadamente
constante… A subjetividade humana é uma esfera pseudo-oclusa
que pode dilatar-se por si mesma, que pode interagir com outras
pseudoesferas do mesmo tipo, e que repõe em questão as condições ou
as leis de sua oclusão... Interação genuína com outras subjetividades
significa algo sem precedentes no mundo: a ultrapassagem (dépasement)
da exterioridade mútua”. Cornelius Castoriadis, “The State of the
Subject Today”, in World in Fragments, trad. D. A. Curtis (Stanford:
Stanford University Press, 1997), 169-179.
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Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017.
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mais humanizadas e socializadas, pelas quais ela passará. A
retórica da interação sugere, no entanto, que por causa do sujeito
ser, em um alto grau, constituído intersubjetivamente, o self já
é um interlocutor – um “ser ‘para outros’”, como sugeriu André
Green29 –, desconsiderando assim sua dimensão significativa
de oclusão e de ser para si mesmo. Com efeito, esta pode ser a
falácia central da posição intersubjetivista. Em contraste com
a unidade externa ou passiva do objeto inanimado, a coisa
viva preserva sua “independência autoidêntica”, ou seja, sua
identidade, ao manter ativamente suas fronteiras – sua “figura”
ou “forma” (Gestalt) – face ao fluxo do ambiente circundante30.
Para Hegel, o Desejo emerge como um resultado da “intenção”
(Meinung) da autoconsciência em alcançar e manter sua unidade
autárquica, sua autossuficiência onipotente em relação ao
“objeto independente” – o qual, enquanto algo independente,
pode aparecer apenas como negativo. Em termos kleinianos,
podemos dizer que o objeto é “mau” simplesmente em virtude
de sua independência. A autoconsciência somente pode afirmar
a si mesma, assim, consumindo o objeto: “A autoconsciência é,
então, certa de si mesma somente superando este outro que se
lhe apresenta como uma vida independente; autoconsciência
é Desejo. Certa da qualidade deste outro ser nada, ela afirma
explicitamente que para ela a qualidade de ser nada é a verdade
do outro; ela destrói o objeto independente e com isto dá a si a
certeza de si mesma enquanto certeza verdadeira, uma certeza
Green, Work of the Negative, 15.
Ver G. W. F. Hegel, The Phenomenology of Spirit, trad. A. V. Miller
(Oxford: Oxford University Press, 1977), §§168–170 (daqui para frente
abreviado como PhS). Ver também Hans Jonas, “Is God a Mathematician?
The Meaning of Metabolism”, in The Phenomenon of Life (New York:
Delta Books, 1966), 79 et seq.
29
30
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que se tornou explícita para a própria autoconsciência de uma
maneira objetiva”31. Em termos psicanalíticos, isto pode ser
comparado com a fase oral-canibalística do desenvolvimento.
Um breve olhar sobre a recepção francesa de Hegel é
iluminador neste contexto. Como Gadamer reconheceu, há uma
tendência na tradição francesa de interpretação de Hegel – isto é,
Kojève, Hyppolite e Lacan – em minimizar a dimensão biológica
tal como Hegel originalmente a introduz e em humanizar ou
socializar o Desejo em um estágio inapropriadamente prematuro
de seu desenvolvimento. (Assim como os franceses, Habermas
também tende a desbiologizar Hegel, mas por razões contrárias).
Como Gadamer ressalta, o termo alemão Begierde tem fortes
conotações “carnais” ou apetitivas que estão ausentes no termo
francês désire. Se Hegel quisesse as conotações do termo francês,
sugere Gadamer, ele teria usado a palavra alemã Verlangen, que
tem mais da conotação de “anseio” [yearning]32. A escolha de
désire constituiu uma decisão interpretativa deliberada, que
se apoia em suposições antropológicas substantivas. Como
Hyppolite, que traduziu a Fenomenologia para o francês, afirma
explicitamente, “Nós traduzimos Begierde, a palavra que Hegel
usa, por ‘desejo’ (désire) em vez de traduzir por ‘apetite’ (appétit)”
porque apesar “de se fundir inicialmente com apetite sensível,
ela carrega um significado muito mais abrangente”,33 a saber,
31
PhS §174. Julia Kristeva se refere ao caráter “paranoico” do desejo
da autoconsciência; ver Revolution in Poetic Language, trad. M. Waller
(New York: Columbia University Press, 1984).
32
Hans-Georg Gadamer, “Hegel’s Dialectic of Self-Consciousness”,
in Hegel’s Dialectic, trad. P. C. Smith (New Haven: Yale University
Press, 1976), 62 (nota 7).
33
Jean Hyppolite, Genesis and Structure of Hegel’s “Phenomenology of
Spirit”, trad. S. Cherniak e J. Heckman (Evanston, Ill.: Northwestern
University Press, 1974), 160.
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“o desejo pelo desejo do outro”. Esta afirmação, entretanto, não
é acurada. Em lugar de dizer “carrega...”, Hyppolite deveria ter
tido “ela vem a adquirir um significado muito mais abrangente”,
pois o desejo especificamente humano pelo desejo do outro
emerge somente a partir do impasse do desejo apetitivo. (Ao
passo que o Desejo como tal é introduzido no §168, o desejo
de ser reconhecido pelo outro emerge apenas no §178)34.
Há algo de confuso sobre a interpretação da escola
francesa que necessita ser resolvido. A aura radical que circunda
o hegelianismo francês, que foi na verdade lançada por um
émigré russo que vivia em Paris – assim como o “Freud francês”
que, via Lacan, é significativamente derivado dela35 – resulta
do seguinte fato. Em contraste com a leitura habermasiana
de Hegel, que ressalta o reconhecimento mútuo, os franceses
tendem a celebrar a centralidade do desejo e da negatividade em
lugar da reconciliação e do consenso – uma tendência reforçada
pela influência do surrealismo. No entanto, ao mesmo tempo
em que enfatizam a negatividade, eles “desmaterializam” ou
“intersubjetivizam” o desejo; com Lacan, ele se torna o desejo do
reconhecimento do outro36. Dada a inclinação da filosofia francesa
para o erótico, pode-se esperar que a negatividade do Desejo
34
Apesar de sua forte orientação para os franceses, Judith Butler
reconhece que o desejo apetitivo, ou o que ela chama de “consuntivo”, é
anterior ao desejo do desejo do Outro; ver Butler, Subjects of Desire, 33.
35
Ver Jean Hyppolite, “Hegel’s Phenomenology and Psychoanalysis”,
in New Studies in Hegel’s Philosophy, ed. W. E. Steinkraus (New York:
Holt, Rinehart and Winston, 1971), 57–70, e Green, “Hegel and Freud:
Elements for an Improbable Comparison”, in The Work of the Negative,
26–49.
36
Lacan leva a tradição de interpretação por meio da tradução um
passo à frente quando equipara o désire ao conceito de Freud de
vontade (Wunsch), assimilando assim a psicanálise a um hegelianismo
já desmaterializado. Ver Jacques Lacan, Écrits, trad. A. Sheridan (New
York: W. W. Norton Co, 1977).
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derive, ao menos em primeira instância, de esforços corporais. Em
vez disto, ele surge de um fato puramente psicossocial, a saber, a
impossibilidade de alcançar o reconhecimento mútuo devido à
inevitabilidade do desconhecimento (méconnaissanceii)37. Então,
em seu anseio por evitar o biologismo, tantos os habermasianos
como os hegelianos (e lacanianos) franceses seguem na mesma
direção, a saber, o sociologismo38. Mas – e aqui está a mudança
– enquanto Habermas se volta ao social (e ao linguístico) para
suavizar o trabalho do negativo, os franceses tomam a mesma
abordagem para fortalecê-lo.
Retornando ao texto da Fenomenologia, Hegel argumenta
que a gratificação do Desejo apetitivo é, por sua própria natureza,
transitória e insatisfatória, incapaz de assegurar a plenitude e a
autossuficiência que a autoconsciência almeja. Pois não muito
depois do objeto ter sido consumido, o Desejo – fome, privação,
insatisfação – inevitavelmente retorna. A autoconsciência,
na forma do desejo apetitivo, está enraizada na circularidade
infinita do ciclo da vida e, portanto, destinada a reproduzir
repetidamente a si mesma, juntamente ao seu objeto. A repetição
constante desta experiência – compare-se com a noção de Freud
da repetida “não aparição do seio” – constitui uma “educação
para a realidade”39. Por meio disto, a autoconsciência vem a
aprender que “a essência do Desejo” está fora da, e “é algo outro
37
Sobre a relação entre a ênfase na paranoia, no des-reconhecimento e
o olhar no pensamento francês do século XX, ver Martin Jay, Downcast
Eyes (Berkeley: University of California Press, 1993), passim.
38
Jean Laplanche aponta a necessidade de evitar ambos esses extremos.
Ver Laplanche, New Foundations of Psychoanalysis, trad. D. Macey
(Oxford: Blackwell, 1989). Tanto Green como Kristeva tentaram corrigir
esta tendência no pensamento lacaniano reintroduzindo os afetos e
o corpo depois da virada linguística de Lacan.
39
Sigmund Freud, The Future of An Illusion, S.E., vol. 21, 21, 49.
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que”, a autoconsciência. Em outras palavras, ela apreende “a
independência do objeto”. Este impasse, no entanto, não faz
a autoconsciência parar de perseguir o seu puro ser para si
mesma. Em vez disto, emerge uma nova condição que deve
ser preenchida caso a autoconsciência queira avançar em seu
programa. A autoconsciência requer um objeto que possa tanto
ser negado como permanecer – “que possa cancelar a si mesmo
de tal maneira que não deixe de existir”40 –, e somente uma
outra autoconsciência pode atingir esta condição. Enquanto
autoconsciência, B, assim como A, tem a habilidade de negar
a si mesma. Mas porque ela “efetiva a negação no interior de si
mesma”41, isto é, voluntariamente, B não é anulado enquanto
resultado da afirmação, isto é, do reconhecimento de A. Ele
permanece autossubsistente e pode continuar a afirmar A mesmo
quando nega a si mesmo. “A autoconsciência”, portanto, pode
atingir a “sua satisfação somente em outra autoconsciência”42.
Mais especificamente, “a autoconsciência existe em si mesma
e para si mesma quando, e pelo fato de que, assim existe para
outra; isto é, somente como algo que é reconhecido”43.
Gostaria de chamar a atenção para três pontos nesta
altura do desenvolvimento. Em primeiro lugar, a autoconsciência
não se volta para outra autoconsciência por causa de uma
intersubjetividade ou sociabilidade inatas, mas porque é
compelida a isto pela lógica interna de seu programa narcísico.
Em segundo lugar, Hegel vê o reconhecimento de A por B como
Gadamer, “Hegel’s Dialectic of Self-consciousness”, 61.
PhS, §175.
42
Ibid. (ênfase no original).
43
PhS, §178.
40
41
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uma autonegação por parte de B. Reconhecimento – ao menos
neste ponto – parece ser um jogo de soma zero: reconhecer o
outro é exaurir-se a si mesmo. Em terceiro lugar, no §177 Hegel
nos oferece um esboço do itinerário ulterior da autoconsciência:
“O que a autoconsciência ainda tem pela frente é a experiência
do que é o Espírito”, a saber, “‘Eu’ que é ‘Nós’ e ‘Nós’ que é ‘Eu’”.
Ele nos diz, além disso, que quando chega ao nível do Espírito, a
autoconsciência deixará “para trás o show vivaz do aqui-e-agora
sensível e o vazio escuro como a noite do além supersensível”.
Isto é, ao alcançar a perspectiva do Espírito, a autoconsciência
irá mover-se para além daquilo que, para Hegel, são as duas
alternativas aporéticas no interior da filosofia da consciência,
a saber, a falsa concretude do empirismo e a efemeridade vaga
do kantismo. Mas isto é informação privilegiada “para nós”,
isto é, para Hegel e o leitor da Fenomenologia. Trata-se de algo
que a autoconsciência terá de descobrir por meio de sua própria
experiência. Por causa desta situação, a afirmação de Honneth
de que a Fenomenologia representa um retorno à filosofia da
consciência simplesmente não é acurada. A estrutura do livro
indica que “na ordem do ser” – ou, “para nós” –, o Espírito
(ou intersubjetividade) tem prioridade sobre a consciência (ou
subjetividade), mas “na ordem do conhecimento”, a consciência
e a subjetividade ainda retêm uma prioridade importante. Do
mesmo modo que a criança tem de passar por um Bildungsprozess
que irá descentralizar sua onipotência infantil e localizá-la
no mundo social, assim também, por meio de sua Odisseia, a
autoconsciência deve aprender que ela tem seus pressupostos
no Espírito e apenas pode se satisfazer por meio dele. Em outras
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palavras, apesar do Espírito ser um pressuposto da consciência,
ela tem de aprender este fato. E isto requer uma luta.
A dificuldade é, claro, que B deseja ser reconhecido
por A tanto quanto A deseja ser reconhecido por B. Cada um
gostaria de usar o outro como um objeto para os seus desejos –
enquanto um objeto narcísico –, mas não pode fazê-lo porque
o outro “tem uma existência independente da sua”. Monológica
ou estratégica, a “ação unilateral seria inútil porque o que
deve acontecer somente pode ser suscitado por ambos”. Daí a
necessidade do reconhecimento mútuo: “Eles reconhecem a
si mesmos enquanto reconhecem mutuamente um ao outro”,
explica Hegel44. Podemos ver mais uma vez, entretanto, que o
reconhecimento mútuo não surge a partir de uma experiência
anterior de mutualidade, mas é forçada sobre os sujeitos pela
dinâmica interna de suas experiências monológicas. Assim
como no contrato social de Hobbes e na horda primitiva de
Freud, o discernimento de um impasse estrutural compele os
sujeitos a renunciar mutuamente à sua onipotência e a entrarem
em um relacionamento uns com os outros.
Seria um erro pensar, contudo, que esta compreensão
é alcançada mediante um diálogo civilizado ou por meios
meramente cognitivos. Pelo contrário, discernir a necessidade
do reconhecimento mútuo é a culminação de um processo
de aprendizagem que começa da maneira mais afetivamente
carregada imaginável, a saber, com uma luta de vida ou morte
– não uma luta hobbesiana por autopreservação, mas, assim
como nos escritos de Jena, uma luta por identidade. Para Hegel,
44
PhS, §182.
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o fato do sujeito estar disposto a arriscar sua vida mostra que a
autoconsciência transcendeu seu apego à mera zoe [vida biológica],
no sentido aristotélico, e está preocupada primariamente com a
identidade. De fato, a liberdade transcendente da autoconsciência
consiste no fato de que ela pode se abstrair de, ou negar, “seu
modo objetivo”45.
Ao enfatizar o trabalho do negativo e o esforço da
psique por onipotência, entretanto, não tenho a intenção de
generalizar – ou de celebrar niilisticamente – o papel do poder
e do conflito nos assuntos humanos, como Michel Foucault
tendeu a fazer em uma fase de sua carreira. Pretendo, contudo,
reforçar outro ponto. Os esforços onipotentes da psique não
são apenas uma grande fonte de destrutividade humana, mas
– em sua tendência a rejeitar o mundo dado e em seu desejo
de criar um contracosmos próprio – são também uma fonte de
criatividade. Embora não seja fácil, devemos resistir à forma
de divisão teórica que vê a onipotência como inteiramente boa
ou inteiramente ruim. É necessário, ao contrário, reter a ideia
de que a destrutividade e a criatividade humanas têm uma
fonte comum nestes esforços onipotentes. Psicanaliticamente,
não há como contornar o fato de que o “mais baixo” e o “mais
alto” na vida humana têm suas raízes no mesmo solo. Deixada
sem socialização e sem mediação, a onipotência pode conduzir
a uma destrutividade e barbaridade atemorizante; superada
e sublimada, ela pode resultar nas criações mais elevadas do
Espírito humano.
45
PhS, §187.
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3. A inadequação do “eu” na psicologia social de Mead
Por razões sistemáticas, o tema da individuação, da
criatividade e da espontaneidade apresenta um problema
extraordinário para a filosofia da intersubjetividade. Essas mesmas
razões, além do mais, continuamente ameaçam a abordagem
linguística com o perigo do relativismo, do conservadorismo
e do convencionalismo. Como veremos, este não é o caso para
a filosofia do sujeito. Embora a conexão entre os dois possa ser
contingente, a filosofia do sujeito tem sido geralmente associada
ao projeto crítico do Esclarecimento. Pois como Mark Sacks
observou, a filosofia do sujeito prevê uma “dicotomia aguda
entre o self e tudo que não for ele”46; ela imagina um self que pode
postar-se fora do mundo – fora de qualquer mundo tradicional
dado – e avaliá-lo. E esta capacidade, por sua vez, tem sido
vista geralmente como um ponto de ancoragem necessário
para a crítica.
Este potencial crítico aparece ao menos em duas
áreas. Em primeiro lugar, com relação à psicologia social, a
Subjektphilosophie [filosofia do sujeito] não vê o processo de
socialização – em sociedades pós-tradicionais, ao menos – como
alcançando todos os estratos do self; a sociedade não é, como
Sacks coloca, “inteiramente empoderada para estruturar o
indivíduo”47. Portanto, ela pode contar com uma dimensão préou extrassocial da psique que pode reagir contra as pressões
inevitáveis para se conformar aos costumes da “tribo”. De
fato, a contrapressão exercida sobre o grupo por aqueles que
46
Mark Sacks, “The Conception of the Subject in Analytic Philosophy”,
3 (manuscrito não publicado).
47
Ibid., 6.
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Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo
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desviam da norma estatística frequentemente funciona como
uma fonte de dinamismo, inovação e criatividade, sem a qual as
sociedades seriam estagnadas. Em segundo lugar, com respeito
à deliberação normativa, porque o sujeito é considerado capaz
de se despir de todas as determinações empíricas acidentais, ele
pode adjudicar sobre “o que conta como pensamento racional,
o que conta como uma boa razão ou como um fim que vale
a pena ser perseguido”48. (A epoché hurseliana ou o véu da
ignorância rawlsiano são exemplos desse despimento teórico).
Em outras palavras, um self transcendental, de uma forma ou
de outra, tem sido visto como uma precondição necessária
para estabelecer as normas universalmente vinculadoras que
são necessárias para a avaliação de qualquer estado de coisas
normativo realmente existente.
Quaisquer que sejam as outras vantagens que ele
possa oferecer, entretanto, o modelo dialógico não oferece
“um indivíduo assim nu, em seu âmago, de tal maneira que
pudesse retirar-se de toda estrutura sociocultural enquanto um
pensador livre”49. Este fato não apresenta um problema para os
representantes conservadores da tradição intersubjetivista. Ao
contrário, eles tendem a ver a ideia de um self completamente
descontextualizado não apenas como equivocada – como um
erro central do Esclarecimento – mas também como odiosa e
potencialmente terrorista. Da mesma maneira, eles não têm
nenhum problema com a acusação de relativismo. Pois esta é
exatamente a sua pretensão: não existe nenhuma perspectiva
que transcenda a tradição, e, além do mais, a racionalidade e o
48
49
Ibid., 3.
Ibid., 5.
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Esclarecimento são eles mesmos tradições. A pretensão deles
“pode ser apreendida ao se dizer, simplesmente, que existem
apenas sociedades tradicionais”50. No entanto, para pensadores
que querem perseguir um programa intersubjetivista forte
e simultaneamente manter-se fiéis às intenções críticas do
Esclarecimento, como os teóricos críticos contemporâneos
fazem, essas considerações apresentam um enorme problema
– isto é, a não ser que você seja Richard Rorty. Como diz
Sacks: “Se o self, ou ao menos o self substancial, é um construto
intersubjetivo de cima a baixo, o indivíduo não pode transcender
sua configuração sócio-histórica. Não sobra nenhum traço do
self do Esclarecimento que possa se retirar da comunidade na
qual ele está inserido, levando as suas capacidades críticas
consigo, para fazer um julgamento independente sobre aquela
comunidade. As normas do julgamento crítico teriam sido elas
mesmas deixadas para trás”51.
Com relação ao problema da validade normativa, Habermas
e Apel tentaram oferecer uma solução que é audaciosa e única.
Em oposição às variedades de hermeneutas, comunitaristas,
wittgeinsteinianos tardios, neopragmatistas e assim por diante,
eles tentam manter uma posição que é tanto intersubjetiva
como universalista ao realocar a fonte da normatividade: da
estrutura da consciência para as precondições pragmáticas da
própria comunicação intersubjetiva. No entanto, ao adotar o
programa intersubjetivista forte, eles herdaram os problemas
concernentes à espontaneidade e à criatividade que vêm junto
com ele.
50
51
Ibid., 18.
Ibid., 17-18.
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As dificuldades tornam-se particularmente claras com
Honneth, em grande parte, porque – e isto é mérito seu – ele se
recusa a deixar as pretensões da psicanálise para trás ao perseguir
seu programa comunicativo. Como vimos, Honneth acredita que
as intuições que animaram o “programa extraordinário”52 de
Hegel dos anos em Jena eram basicamente acertadas e seu plano é
reinterpretá-las de um modo que possa ser defendido no contexto
filosófico pós-metafísico da atualidade. Para ele, isto significaria
reconstruir o desenvolvimento do self e da comunidade ética
como um “processo” intersubjetivo “intramundano que ocorre
sob condições contingentes da socialização humana”, isto é, “à
luz da psicologia social empírica”53. E a teoria da socialização
de Mead parece se encaixar perfeitamente. Decerto, Honneth
vê Mead – que havia, de fato, estudado filosofia e psicologia
em Berlim54 – como tentando “desenvolver uma solução não
especulativa para os problemas do idealismo alemão”55. Mead
levanta o que é para Honneth “o problema psicológico essencial”
a respeito da formação do self: a saber, como a autoconsciência
pode se desenvolver? “Como”, em outras palavras, “o indivíduo
pode sair de si mesmo (experiencialmente) de tal maneira que
se torne um objeto para si mesmo?”56 E a resposta de Mead,
como é bem sabido, é a de que o indivíduo realiza isto ao tomar
a atitude do outro – um processo que ocorre primariamente
na linguagem. O self é constituído, de acordo com este modelo,
mediante a internalização da atitude do outro generalizado, o
Honneth, The Struggle for Recognition, 62.
Ibid., 67 e 68.
54
Ver Joas, G. H. Mead, 18 et seq.
55
Honneth, The Struggle for Recognition, 71.
56
Ibid., 138.
52
53
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qual assume o caráter de uma agência (Instanz) intrapsíquica, no
sentido de Freud. Mead chama isto de “me”57. E quando Mead nos
diz que a internalização das expectativas do outro generalizado
– ou seja, das demandas da comunidade – “constrói” o self
da criança e cria a “unidade” do sujeito ao dar a ele controle
sobre “sua[s] resposta[s] particular[es]”58, realmente parece que
a sociedade é dominante, e o self auxiliar. Tugendhat acredita
que as implicações conformistas do “me” são tão fortes que
este “se aproxima” do conceito de das Man de Heidegger59.
O anseio teórico de Mead em afirmar a prioridade do
fator social na formação do self, entretanto, ameaça colocá-lo em
problemas em termos políticos. Pois, embora ele queira reforçar
a centralidade da cooperação na prática social, Mead não é
um comunitarista conservador que pode aceitar as possíveis
consequências tradicionalistas e convencionalistas da posição
intersubjetivista. Pelo contrário, ele foi um progressista ativo
e buscou promover experimentações e inovações políticas e
57
A noção de “me” de Mead, que não vai essencialmente além do
conceito de Piaget de descentramento, apresenta uma concepção
cartográfica, extremamente limitada do self que carece de profundidade.
O que fundamentalmente falta tanto em Mead como em Piaget é um
exame adequado da relação do self com sua dimensão interior. A
concepção cartográfica do self informou o pensamento de Habermas
quase que do início de suas investigações dialógicas. Consequentemente,
não surpreende que sua consideração da individuação por meio da
socialização é similarmente empobrecida. Ver Jürgen Habermas,
“Individuation through Socialization: On George Herbert Mead’s
Theory of Subjectivity”, in Postmetaphysical Thinking, trad. W. M.
Hohengarten (Cambridge: MIT Press, 1992), 149–204; Axel Honneth,
“Decentered Autonomy: The Subject After the Fall”, in The Fragmented
World of the Social, 261–271; para uma crítica ver Charles Taylor,
“The Dialogical Self”, Rethinking Knowledge, ed. R. F. Goodman e
W. R. Fisher (Albany: SUNY Press, 1995), 57–66.
58
G. H. Mead, Mind, Self, and Society from the Standpoint of a
Social Behaviorist, ed. C. W. Morris (Chicago: University of Chicago
Press, 1934), 160. Considere-se também: “Se usarmos uma expressão
Freudiana, o ‘me’ é em um certo sentido um censor”. Ibid., 210.
59
Ernst Tugendhat, Self-Consciousness and Self-Determination, trad.
P. Stern (Cambridge: MIT Press, 1986), 251.
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Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017.
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sociais60. Para contrabalançar as tendências convencionalistas
de sua teoria da socialização e da ênfase no “me”, Mead oferece
a teoria do “eu”. Se o “me” compreende a institucionalização
intrapsíquica das demandas da sociedade e é, assim, uma grande
fonte de homogeneidade social, então o “eu” é um aspecto do
self que responde continuamente às demandas do “me” de
sua maneira idiossincrática própria. Como tal, é uma fonte de
individuação. A questão principal, como veremos, diz respeito
à fonte dessas reações idiossincráticas.
A relação entre o “eu” e o “me” pode, além disso, ser mais
ou menos harmoniosa ou conflituosa em um dado indivíduo e/
ou em uma dada sociedade. Em um extremo está o indivíduo
convencional, cujas “ideias são exatamente as mesmas daquelas
de seus vizinhos”, e que é “dificilmente mais do que um ‘me’”. No
outro extremo encontramos “uma personalidade definida”, que
“responde à atitude organizada de modo a fazer uma diferença
significativa”. Neste caso, o “eu” é “a fase mais importante da
experiência”61. Similarmente, sociedades tradicionais colocam
grande ênfase nas forças integradoras do “nós” e a “individualidade
é constituída pela realização mais ou menos perfeita de um
tipo social dado”. Sociedades modernas pós-convencionais, em
contraste, tendem a considerar a individualidade como “algo
mais distintivo e singular”62; além disto, elas frequentemente
atribuem um alto valor à não conformidade63.
Quando o conflito entre o “eu” e o “me” ultrapassa um
60
Ver Joas, G. H. Mead, cap. 2.
Mead, Mind, Self, and Society, 200.
62
Ibid., 221.
63
Ibid., 209.
61
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certo limiar e as demandas do “me” são experienciadas como
dolorosamente constritivas ou vistas como injustas, o indivíduo
tem três opções: (1) aceitar o status quo, o que pode conduzir à
infelicidade ordinária quotidiana ou à psicopatologia; (2) tentar
se transformar autoplasticamente mediante várias formas de
askesis ou terapia; e (3) contra-atacar por meio da tentativa
de tornar o mundo externo mais acolhedor às demandas do
“eu” do indivíduo. É a terceira alternativa que nos interessa.
Quando é bem sucedida, não somente a solução aloplástica é
geralmente a mais gratificante para o indivíduo, mas é também
aquela que pode dar a maior contribuição para a transformação
da sociedade64. Para Mead, “líderes” – um conceito que pode
incluir artistas, políticos, pensadores e profetas religiosos – são
aqueles indivíduos “que tornam a sociedade mais ampla uma
sociedade perceptivelmente diferente”65 por meio do impacto
de seu “eu” na esfera pública.
Uma lacuna consideravelmente grande entre o “eu” e o
“me” – entre o mundo privado do kosmos idios [mundo privado] e
o mundo compartilhado do kosmos koinos [mundo comum] – não
garante por si mesma, entretanto, a emergência de um líder; ela
pode de modo igualmente fácil resultar em uma psicopatologia
severa, isto é, idiotia em sentido estrito. Líderes potenciais
também devem possuir um talento considerável que os permita
articular as demandas privadas de seus contra-kosmoi na arena
64
É, de fato, uma abstração conceitual separar soluções autoplásticas
e aloplásticas completamente umas das outras. Pois é mais comum
que elas trabalhem in tandem, como um mecanismo de reforço mútuo
operando entre elas. Por exemplo, a transformação do self pode levar
a uma nova capacidade de intervir construtivamente no mundo,
que por sua vez pode contribuir para a remodelação ulterior do self.
65
Mead, Mind, Self, and Society, 216.
Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise,
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pública de tal maneira que ressoem com os anseios incipientes
e frustrados de uma parcela significativa da comunidade. Além
disto, eles precisam ainda de uma dose saudável de phronesis
[sabedoria prática]. Pois eles devem ter as habilidades sociais e
políticas para promover suas visões uma vez que tenham sido
articuladas em obras públicas. Esta consideração dá alguma
credibilidade à afirmação pós-moderna de que o “poder” (isto
é, “marketing”), e não o valor transcendente, determina quais
obras vêm a ser inscritas no cânone.
Embora Mead obviamente se apoie na tradição do
expressivismo estético66, ele não é um devoto do culto romântico
do gênio. Enquanto pragmatista e democrata, ele está preocupado
principalmente com a criatividade cotidiana do cidadão
comum. O modelo do gênio, ou do líder, é iluminador para
ele porque, como um exemplo óbvio de criatividade, revela
a estrutura do potencial inovador do “eu” de todo cidadão
face à comunidade. Os líderes “estão simplesmente levando”
esse potencial “ao enésimo grau”67. Neste sentido, as ideias de
Ver Joas, The Creativity of Action, 21.
Mead, Mind, Self and Society, 216; ver também ibid. (nota 23). A
qualidade implacável do intersubjetivismo de Habermas o força deixar
escapar uma distinção importante no que concerne às capacidades
de oposição do indivíduo excepcional. Justificadamente, Habermas
concorda com a observação de Mead de que profetas independentes,
rebeldes políticos e iconoclastas de todos os tipos não mantêm sua
oposição à ordem existente em uma atitude de isolamento radical.
Eles precisam, ao contrário, apelar a uma comunidade ideal mais
ampla para obter a validação consensual necessária para manter sua
posição. Considere-se um dissidente heroico como Nelson Mandela,
que deve ter sustentado a coragem quase inimaginável requerida para
sua oposição à sociedade realmente existente por meio da identificação
com uma tal comunidade contrafactual. Habermas então continua,
no entanto, e aduz este fato para sustentar a afirmação de que “o
self a partir do qual essas realizações independentes são esperadas é
constituído socialmente de cabo a rabo”. Mas a observação de Mead
sobre a necessidade de apelar a uma comunidade ideal diz respeito
somente à manutenção da oposição de alguém contra a ordem social
dada. Não concerne à fonte – por exemplo, o “eu”, o Id ou o inconsciente
66
67
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Mead suscitam comparação com as importantes reflexões de
Winnicott sobre a capacidade de viver criativamente, a qual
é vista pelo analista britânico como um aspecto essencial do
bem-estar psíquico. Para Winnicott, o viver criativo – que é
o oposto da “complacência”, isto é, da submissão ao “nós” –
resulta da habilidade de investir a experiência cotidiana com
fantasia e, deste modo, infundi-la com vitalidade e sentido68.
Há, entretanto, uma grande diferença entre os dois pensadores,
e esta diferença aponta para a dificuldade fundamental com o
conceito de “eu” de Mead. Ao passo que Winnicott oferece uma
teoria desenvolvida – que inclui conceitos como fenômenos
transicionais, criatividade primária, self verdadeiro, jogo e assim
por diante – para prover uma explicação sobre a criatividade,
Mead não o faz. Charles Taylor exagera apenas um pouco quando
diz que o “‘eu’ de Mead não tem nenhum conteúdo próprio”.
Depois de Mead ter enfatizado a constituição intersubjetiva do
self, ele “reconhece que essa não pode ser a história completa”
e, como Taylor diz, “que algo em mim deve ser capaz de resistir
ou se conformar” às demandas do outro generalizado.69 Mead
introduz o “eu” supostamente para dar conta dessa capacidade.
Mas porque este não é o local onde reside o peso teórico ou
polêmico de seu pensamento – e porque isto teria abalado seu
comprometimento primário com a constituição intersubjetiva
do self –, o conceito permanece como pouco mais do que um
marcador vazio.
– de onde aquela oposição individual se origina. E este argumento
de modo algum exclui a existência de fontes pré-sociais do self. Ver
Habermas, “Individuation Through Socialization”, 183.
68
Ver D. W. Winnicott, “Creativity and Its Origins”, in Playing and
Reality (New York: Tavistock, 1971), 65–85.
69
Taylor, “The Dialogical Self”, 64.
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A natureza indeterminada do “eu” oferece a diferentes
intérpretes de Mead uma ampla margem para concebê-lo de
modo a servir às suas próprias intenções teóricas e políticas70.
Isso permite a Honneth, por exemplo – que originalmente
reconhecera o seu caráter mal definido –, conduzir a teoria de
Mead em direção à psicanálise. Assim, em Luta por reconhecimento,
Honneth escreve que o “eu”, que remete à “experiência inesperada
de uma irrupção de impulsos internos”, tem “algo de obscuro
e ambíguo”. E, ele continua, “nunca é imediatamente claro se
[aqueles impulsos] resultam de pulsões pré-sociais, da imaginação
criativa ou da sensibilidade moral do próprio self ”71. Em um
artigo mais recente, no entanto, ele negligencia a ambiguidade e
afirma que o “eu” de Mead é “pouco diferente do ‘inconsciente’
na psicanálise”. Ele “é a agência da personalidade humana
responsável por toda reação impulsiva e criativa e como tal
nunca é capaz de alcançar o horizonte da consciência”72.
70
Ademais, várias considerações diferentes do “eu” podem ser encontradas
nos escritos de Mead. Em “The Definition of the Psychical”, por
exemplo, ele entende o “eu” como um produto da decomposição
que emerge quando nossa abordagem habitual e irrefletida de uma
tarefa é frustrada. Neste momento, a nossa experiência integrada
se dissolve em impulsos conflitantes, e é tarefa do “eu” reconstituir
aqueles elementos em um novo self, o que, ao mesmo tempo, envolve
a reconstituição de nossa perspectiva sobre o objeto, e, nesta medida,
cria um novo objeto – em George Herbert Mead, Selected Writings, ed.
A. J. Reck (New York: Liberal Arts Library, 1964), 53 et seq. Em Mind,
Self and Society, por outro lado, Mead entende o “eu” como a parte
do self que constantemente segue a trilha da experiência do “me”
e reage a ela. Como tal, ele é sempre depois do fato – nachträglich,
après coup – e não pode jamais ser apreendido na experiência (ver
173 et seq.) Devemos notar que em nenhuma das considerações o
“eu” é entendido como algo que existe antes da experiência, de forma
que ele pudesse, portanto, dar sua contribuição distintiva para ela.
Tampouco é concebido como tendo qualquer pressão conativa –
Drang, no sentido de Freud – que pudesse impulsionar a experiência.
71
Honneth, The Struggle for Recognition, 81.
72
Honneth, “Decentered Autonomy”, in Fragmented World of the Social,
267. Ainda mais recentemente, ele equipara o “eu” com o Id freudiano:
ver Axel Honneth, “Object Relations Theory and Postmodern Identity:
On the Supposed Obsolescence of Psychoanalysis”, 8–9 (manuscrito
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Se esta afirmação fosse verdadeira, ela resolveria vários
problemas centrais que confrontam a teoria do próprio Honneth.
Em primeiro lugar, a assimilação do “eu” ao inconsciente
permitiria que a posição de Mead, que Honneth quer apropriar,
se apoiasse sobre as explicações psicanalíticas da motivação
e da criatividade. E, em segundo lugar, a equiparação do “eu”
ao “inconsciente” permite a Honneth insinuar sutilmente
a seguinte implicação: se Mead construiu uma teoria bemsucedida da constituição intersubjetiva do self, e se seu conceito
de “eu” é equivalente ao de inconsciente, então não há nenhuma
incompatibilidade fundamental entre o inconsciente psicanalítico
e uma “abordagem teórica intersubjetiva”733. Uma afirmação
desta magnitude, entretanto, deve ser demonstrada em vez de
simplesmente sugerida.
Honneth explicitamente situa seu movimento em uma
direção mais psicanalítica no contexto de uma longa série de
teóricos que, de uma maneira ou de outra, prognosticaram
o “fim do indivíduo” – isto é, Adorno, Marcuse, Foucault e
Luhmann. De acordo com eles, a dinâmica da modernidade
conduz à inexorável absorção do “eu” pelo coletivo impessoal,
sem sobra. Suas predições de fato aproximariam o “me” do
das Man de Heidegger, como sugeriu Tugendhat. Contra esta
tradição, Honneth nos diz que estava tentando formular uma
teoria que mostrasse por que a “luta por reconhecimento não
poderia ser silenciada”74. E em sua tentativa de construir tal
teoria, ele se voltou “para uma tradição particular da teoria
não publicado)iii.
73
Honneth, “Object Relations Theory and Postmodern Identity”, 7.
74
Honneth, “Author’s Introduction”, in Fragmented World of the
Social, xxiv.
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psicanalítica”, isto é, aquela representada por Castoriadis. Honneth
acredita que a ideia central da teoria social psicanalítica de
Castoriadis – a saber, “a hipótese de um inconsciente persistente,
que repetidamente nos confronta com as fantasias de uma
reconciliação inalcançável” – explica como “a demanda do
indivíduo por reconhecimento é ancorada em todo sujeito
como um motivo persistente que é continuamente capaz de
ser ativado”75.
Se a equiparação do “eu” de Mead com o id ou o inconsciente
freudiano pode ou não ser textualmente confirmada – não
acredito que possa – é algo de importância secundária. A
questão substantiva fundamental diz respeito às dificuldades
que uma leitura psicanalítica do “eu” cria para o programa
intersubjetivista forte. Mas não precisamos ir tão longe,
até Castoriadis, que provavelmente toma a posição mais
intransigente sobre a questão da onipotência no interior da
teoria psicanalítica – ou mesmo até Freud, aliás –, para encontrar
as dificuldades. Mesmo na posição de Winnicott, que Honneth
utiliza extensivamente e vê como encaixando perfeitamente
com a “abordagem teórica intersubjetiva” de Mead, o problema
75
Ibid., xxiv-xxv. Ver também Axel Honneth, “Rescuing the Revolution
with an Ontology: On Cornelius Castoriadis’ Theory of Society”, in
The Fragmented World of the Social, 168-183. Habermas, em contraste,
opõe-se à tese do fim do indivíduo argumentando que a socialização é
simultaneamente um processo de individuação, o qual é intensificado
pela divisão do trabalho moderna. Honneth também afirma a tese
da socialização-como-individuação. Mas ao utilizar um argumento
de Castoriadis, ele simultaneamente adota a estratégia da esquerda
freudiana, que vê uma oposição ineliminável entre “Desejo” e “Lei”. Esta
é, claro, a própria estratégia que Habermas viu como um remanescente
da filosofia da práxis e do paradigma da produção e a qual buscou
tornar desnecessária com a tese da socialização-como-individuação;
ver Habermas, “Excursus on Cornelius Castoriadis: The Imaginary
Institution”, in The Philosophical Discourse of Modernity, 327–335.
Ver também Whitebook, Perversion and Utopia (Cambridge: MIT
Press, 1995), cap. 4.
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Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017.
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da onipotência – ou seja, a tendência a totalizar a própria
posição e negar reconhecimento ao outro – ainda é central.
É instrutivo notar que os psicanalistas intersubjetivistas ou
relacionais frequentemente usam duas das mais importantes
contribuições de Winnicott para reivindicá-lo para suas posições.
A primeira é sua famosa fórmula de que sem mãe, não há
criança. Isto significa que a criança apenas pode ser entendida
no contexto de sua interação com a pessoa que cuida dela, e
que o uso feito por Freud do modelo do ego autárquico para
elucidar as primeiras fases do desenvolvimento é severamente
deficiente76. A segunda é sua teoria surpreendentemente original
dos fenômenos de transição, que se referem ao espaço entre –
quer dizer, “intra” – sujeitos. A reivindicação, entretanto, de
que Winnicott é um intersubjetivista forte, que abandonou
a teoria freudiana – com suas tendências hobbesianas –,
ignora um ponto decisivo. A mãe “boa o suficiente” e o objeto
transicional permitem à criança superar seu estado original de
onipotência. De fato, embora a tarefa final da mãe seja “desiludir
a criança” em doses toleráveis, ela somente pode ter sucesso
se tiver primeiro “iludido” suficientemente a criança, ou seja,
confirmado a sua experiência de onipotência77. Além disso,
76
Ver D. W. Winnicott, “The Theory of the Parent-Infant Relationship”,
in The Maturational Process and the Facilitating Environment (New
York: International Universities Press, 1965), 39 (nota 1).
77
D. W. Winnicott, “Transitional Objects and Transitional Experience”,
in Playing and Reality, 11. Em uma afirmação que suscita comparação
com a noção de “cerne monádico da psique” de Castoriadis, Winnicott
escreve: “Estou propondo e reforçando a importância da ideia do
isolamento permanente do indivíduo, e afirmando que no seu
cerne não há comunicação com o mundo não me [not-me]... Esta
preservação do isolamento é parte da busca pela identidade e pelo
estabelecimento de uma técnica pessoal para comunicação que não
conduza à violação do self central”. D. W. Winnicott, “Communicating
and Not Communicating Leading to a Study of Certain Opposites”,
in The Maturational Process, 189–190.
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a noção de objeto transicional em seu todo não faria sentido
sem a pressuposição de um estado original de onipotência,
pois a onipotência é precisamente o problema que tal noção
foi projetada para enfrentar.
É um mérito de Honneth não facilitar as coisas para si
mesmo. Em contraste com muitos teóricos intersubjetivistas e
analistas relacionais, ele deixa claro que não tem intenção de
evitar o conceito de onipotência. Ao contrário, ele vê a ideia de
um estado original indiferenciado de desenvolvimento “como a
contribuição especificamente psicanalítica para o entendimento
moderno do sujeito”. Ele acredita, portanto, que “muito esforço
deve ser direcionado para refutar” a afirmação de pesquisadores
contemporâneos da infância – notadamente, Daniel Stern
– de que teriam conseguido invalidar “a suposição de um
estado primordial de simbiose”78. (Novamente, psicanalistas
intersubjetivistas e relacionais geralmente veem a pesquisa de
Stern como um pilar de sua posição). Como, então, Honneth
tenta reconciliar a existência de uma fase simbiótica, e o senso de
onipotência que a acompanha, com sua adesão a um programa
intersubjetivista? Ele o faz por meio da equiparação da “simbiose”
com “uma fase de intersubjetividade indiferenciada”79.
Para ser justo, esta equivalência não pode simplesmente
ser descartada como um subterfúgio terminológico. A própria
natureza da “situação psíquica primária”80 – que deve ter suas
dimensões diferenciadas e indiferenciadas – forçou seus
teóricos mais importantes a introduzir formulações paradoxais.
Honneth, “Object Relations Theory and Postmodern Identity”, 10.
Honneth, The Struggle for Recognition, 98.
80
Freud, “Instincts and Their Vicissitudes”, S.E., vol. 14, 134.
78
79
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Margaret Mahler, por exemplo, refere-se a uma “unidade dual”,
e Hans Loewald a um “campo psíquico indiferenciado”81 ao
caracterizar a primeira fase do desenvolvimento. No entanto,
deve-se insistir em algumas distinções, pois o uso que Honneth
faz do termo “intersubjetividade” abarca clandestinamente
conteúdo demais. Para começar, “interação” deve ser distinguida
de “intersubjetividade”82. A fusão das duas implica que sujeitos
já existem quando o bebê e a mãe interagem nessa fase inicial,
quando a gênese do sujeito é exatamente o que deve ser explicado83.
Honneth na verdade reconhece isto quando nota que o propósito
do objeto transicional é reduzir a dor da separação que é parte
e parcela da “emergência da intersubjetividade”84.
Ainda mais importante é que o uso do termo “intersubjetividade”
também implica que a fase inicial já é um estado de “sociabilidade”.
Aglutinar esses dois conceitos privaria as ideias de simbiose e
81
Margaret Mahler et al., The Psychological Birth of the Human Infant
(New York: Basic Books, 1975), 55; e Hans W. Loewald, Papers on
Psychoanalysis (New Haven: Yale University Press, 1980).
82
Judith Guss Teicholz insiste na distinção crucial entre os termos
“interativo”, “interpessoal” e “intersubjetivo” e entre “regulação mútua”
e “reconhecimento mútuo”. Muito da confusão nas controvérsias – e
nas falcatruas polêmicas – psicanalíticas atuais resultam da falha em
distinguir sistematicamente esses termos. Seria tarefa difícil encontrar
um analista de qualquer linha que defenda que o desenvolvimento
inicial – ou a situação clínica – não é interativo. Mas não se segue
disto que ele também já seja interpessoal ou intersubjetivo. Da mesma
maneira, poucos analistas negariam que a interação mãe-criança
e analista-analisado envolve regulação mútua. Mas, novamente,
regulação mútua não é o mesmo que reconhecimento mútuo, e, na
transferência narcísica, a primeira pode ser até mesmo usada para
impedir o último. Ver Judith Guss Teicholz, Kohut, Loewald and the
Postmoderns (Hillsdale, N.J.: Analytic Press, 1999), 181, 172–172, 182–189.
83
Honneth poderia ter usado o conceito de Thomas Ogden de “posição
autista-contígua”, que foi projetado para designar um estágio inicial
de desenvolvimento que é interativo mas ainda não intersubjetivo. Ver
Thomas Ogden, “The Dialectically Constituted/Decentered Subject
of Psychoanalysis II: The Contributions of Klein and Winnicott”, The
International Journal of Psycho-Analysis 73 (1992): 616.
84
Honneth, “Object Relations Theory and Postmodern Identity”, 12.
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de onipotência de sua força para rejeitar a realidade, ou seja, de
sua negatividade. Isso constituiria de fato a situação, descrita por
Green, na qual a constituição intersubjetiva do self é concebida
como implicando a consequência de ser essencialmente “paranós”, ou seja, social per se. Mais uma vez, assim como com o
conceito de intersubjetividade, a emergência da sociabilidade
– “a ascensão do ego individual para a cultura”85 – deve ser
explicada. Além do mais, o uso que Honneth faz da teoria da
internalização de Mead também mitiga o trabalho do negativo
de uma maneira contra a qual Green adverte. Para Honneth,
“a psique individual” é entendida “como uma estrutura de
comunicação transposta para dentro”86. O self é formado
mediante a internalização de “relações[s] de comunicação”87
com figuras significativas do ambiente da criança. Por sua
vez, elas tornam-se institucionalizadas, por assim dizer, como
diferentes agências (Instanzen) da psique, e a vida intrapsíquica
é composta da comunicação entre elas. Sob esta perspectiva,
o objetivo do desenvolvimento não é a “força eficiente do ego”,
mas o “enriquecimento do ego por meio de um afrouxamento
comunicativo da vida interior”88.
Até o momento, não tenho objeções contra a conceitualização
do self feita por Honneth. As coisas tornam-se problemáticas,
entretanto, quando ele se refere a este ideal comunicativamente
concebido do bem-estar psíquico como a “capacidade intrapsíquica
para o diálogo (Dialogfähigkeit)”89. Não obstante o uso que dele
Green, The Work of the Negative, 27.
Ibid., 6.
87
Ibid., 8
88
Ibid., 6. Cf. Castoriadis, Imaginary Institution of Society, 104.
89
Honneth, “Object Relations and Postmodern Identity”, 12.
85
86
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faz Freud, o termo “comunicação” talvez já fosse impreciso
demais para descrever a interação (ou intercurso) entre as
agências. Mas a assimilação da “comunicação” ao “diálogo” –
com suas conotações de moderação, não violência e simetria – é
inteiramente enganosa. Em lugar da ideia de diálogo, Green
utiliza a noção de “polêmica” para descrever a interação entre as
partes da psique. (Ele a explica com a terminologia do modelo
topográfico, mas isto não afeta o argumento básico). A psicanálise,
argumenta Green, postula uma “atividade psíquica diferente da
consciência”, que atua “in tandem com ela”. E “diferentemente
da idealidade neutra da simetria”, que informa uma concepção
dialógica, a psicanálise pressupõe uma “polêmica entre dois
estados, sendo um consciente e o outro não, e os vê lutando
por poder”90. A ubiquidade das polêmicas e das lutas por poder
intrapsíquicas – que formam o material da experiência clínica
cotidiana e são a pedra de toque da concepção analítica –
simplesmente não é um aspecto sistemático da psicologia social
de Mead. E quando Honneth tenta integrar a psicologia de Mead
e a psicanálise, os compromissos dialógicos do pragmatista
prevalecem sobre aquelas realidades polêmicas.
4. Conclusão
Para concluir, gostaria de retornar à discussão sobre
as mudanças de paradigma com a qual começamos. Como
venho argumentando, a forte corrente anti-hobbesiana cria uma
pressão teórica constante para os habermasianos socializarem
o self de cima a baixo, de modo que, de uma maneira ou
90
Green, The Work of the Negative, 17.
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de outra, é negada a existência plena de uma intuição préreflexiva ou pré-social do self. O problema lógico é paralelo, quer
consideremos o self teórico ou o psicológico. (É por causa disto
que os enigmas conceituais do idealismo alemão reaparecem
na pesquisa sobre a infância). Habermas afirma, então, que
a habilidade do paradigma intersubjetivista de eliminar as
aporias da autoconsciência que afligiam a filosofia do sujeito
é uma das principais vantagens em favor de sua adoção. Mas
este é um dos casos onde a mudança para um novo paradigma
resulta simplesmente no deslocamento do problema. De fato,
o deslocamento parece tão óbvio que é difícil entender como
Habermas o nega.
Uma maneira de formular as aporias da autoconsciência
– que remontam até a tentativa de Fichte de dar conteúdo
para a unidade transcendental da apercepção de Kant91 – é a
seguinte. O self é geralmente entendido como aquela entidade
única que é constituída pela formação de uma representação
de si mesma. Isto significaria que nenhum self pode existir
antes de tomar a si mesmo como um objeto e formar uma tal
representação. A própria locução, “antes de se tomar como
um objeto”, entretanto, aponta para o problema: pressupõe-se
um X previamente existente – uma espécie de pré-self – que
pode exercer a ação de tomar algo como objeto. Mas isto é
descartado ex hypothesi – isto é, a não ser que se questione a
91
Ver Dieter Henrich, “Fichte’s Original Insight”, trad. D. R. Lachterman,
in Contemporary German Philosophy, vol. 1, ed. D. Christensen et al.
(University Park, Pa.: Pennsylvania State University Press, 1982),
15–55; Robert Pippin, “Fichte’s Contribution”, The Philosophical Forum
19 (Winter-Spring, 1987–1989): 75–96 e Frederick Neuhouser, Fichte’s
Theory of Subjectivity (Cambridge: Cambridge University Press, 1990),
cap. 3 e 4.
Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise,
Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017.
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definição do self como algo necessariamente representacional
e se argumente a favor da existência de uma intuição préreflexiva ou pré-representacional do self. Ao sugerir uma
forma não representacional de conhecimento, entretanto,
este movimento parece reintroduzir a noção de uma intuição
intelectual que regrediria para um estágio anterior à filosofia
crítica de Kant. Habermas, que é profundamente desconfiado
de qualquer insinuação de intuição intelectual, afirma que,
uma vez que o modelo comunicativo explica a gênese do self
mediante a interação em vez da autorreflexão, o “problema
torna-se sem sentido com a mudança de paradigma”92. Mas o
paradigma interativo pressupõe uma intuição inicial do self
tanto quanto o paradigma da consciência. Por exemplo, na
concepção de Mead, se assumir a atitude do outro gera o self,
então já deve existir um X, de alguma forma, para realizar a
ação de assumir. Esse X não deve ser capaz apenas de assumir
a perspectiva do outro, mas também de selecionar aqueles
aspectos que contam como parte de si mesmo quando adota
tal posição. Como diz Dews, “interação não pode gerar” uma
autorrelação; assim como a autorreflexão, ela “pressupõe o
autoconhecimento [self-acquaintance] primário no cerne da
autoconsciência”93.
A resposta de Habermas a esta linha de crítica é um
estranho ato de afirmação e negação simultâneas, reminiscente
de uma famosa história contada por Freud. Quando um homem
92
Jürgen Habermas, “Metaphysics after Kant”, in Postmetaphysical
Thinking, 25.
93
Peter Dews, “Modernity, Self-Consciousness and the Scope of
Philosophy”, 178; também Sacks, “The Conception of the Subject”,
8, and Henrich, “What Is Metaphysics – What Is Modernity?”, teses
9 e 10.
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Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017.
Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo
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é acusado de ter devolvido quebrada uma chaleira que havia
tomado emprestada, ele oferece a seguinte defesa infalível. Em
primeiro lugar, ele a havia retornado intacta, em segundo lugar,
a chaleira já tinha um buraco quando ele a tomou emprestado, e,
finalmente, ele nunca a havia tomado emprestada para começo
de conversa94. Similarmente, Habermas parece dizer que não
há nenhuma intuição pré-linguística do self e que isto é trivial.
Considere-se, por exemplo, esta passagem particularmente
tortuosa: “A subjetividade pré-linguística não precisa preceder
as relações com o self que são postas mediante a estrutura
da intersubjetividade linguística… porque tudo que merece o
nome de subjetividade, mesmo se for um ser-familiar-consigomesmo, não importa o quão preliminar, está em dívida com
a força obstinadamente individualizante possuída pelo meio
linguístico dos processos formativos”95. Não é claro se Habermas
está fazendo uma afirmação factual reivindicando que todo
“ser familiar consigo mesmo” é de natureza linguística ou
fazendo uma afirmação normativa-transcendental acerca do
que deveria ser dignificado com o nome de – isto é, contar
como – subjetividade. Este último exercício seria próximo
daquele empreendido por Donald Davidson em seu artigo
“Rational Animals”, onde ele diz que não está interessado
em tratar de quais seres são racionais e quais não – ou o
caso limítrofe da criança pré-linguística – mas somente de
qual é o critério da racionalidade. (Para Davidson é a posse
de atitudes proposicionais)96. Mas a questão transcendental a
Freud, The Interpretation of Dreams, S.E. vol. 4, 119–120.
Habermas, “Metaphysics after Kant”, 25.
96
Donald Davidson, “Rational Animals”, Dialectica 36 (1982): 319–327.
94
95
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respeito do critério estrito para a subjetividade é, por si só, de
interesse limitado – especialmente para o teórico social pósmetafísico, naturalizado e psicanaliticamente orientado. Pois, o
que quer que os filósofos transcendentais nos digam, sabemos
que empiricamente há muito que antecede e acompanha a
subjetividade em sentido estrito e que é de enorme importância
para a vida humana.
Que Habermas está primeiramente interessado na questão
transcendental é algo claro na seguinte passagem: “Isto de modo
algum exclui raízes pré-linguísticas do desenvolvimento cognitivo
na primeira infância: mesmo com uma consciência primitiva de
regras, já deve se desenvolver uma rudimentar relação com o
self. Tais suposições ontogênicas não prejudicam, entretanto, a
descrição da função das habilidades metacognitivas no estágio
de desenvolvimento do domínio da língua materna, onde as
realizações da inteligência já são organizadas linguisticamente”97.
Aqui, Habermas claramente reconhece a existência de uma
“relação rudimentar com o self ”. Na continuação ele afirma,
entretanto, que esta suposição não “prejudica” – de fato um termo
muito vago – nossas “habilidades metacognitivas”, uma vez que
adquirimos a linguagem e estamos dentro de sua circunscrição.
(E quanto às nossas habilidades cognitivas de primeiro-nível?)
Mas esta afirmação ignora dois fatos cruciais. Primeiramente,
pesquisadores de variadas orientações teóricas mostraram que o
self pré-linguístico deve passar por um enorme desenvolvimento
simplesmente para estabelecer “a criança como um interlocutor”98,
Habermas, “Metaphysics after Kant”, 27 (nota 18).
Bénédicte de Boysson-Bardies, How a Child Comes to Language,
trad. M. De-Bevoise (Cambridge: MIT Press, 1999), 73. Ver também
Jerome Brunner, Child’s Talk (New York: W.W. Norton, 1985), cap. 2, e
97
98
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que pode entrar na linguagem em primeiro lugar. Além disto,
muito deste desenvolvimento é distintivamente não cognitivo e
afetivo em sua natureza – é semiótico em vez de simbólico, no
sentido dos termos de Kristeva99. Em segundo lugar, a afirmação
de Habermas pressupõe que esta experiência pré-linguística
não permanece codificada na mente e não exerce uma força
enorme sobre as estruturas linguísticas depois da linguagem
ser adquirida. Mas isso vai contra a experiência psicanalítica
assim como contra pesquisas mais recentes na ciência cognitiva,
que preveem múltiplos códigos operando simultaneamente na
mente e interagindo uns com os outros100.
A compulsão de Habermas em linguistificar – ou seja,
socializar – a mente o leva a uma forma de monismo linguístico.
Ele parece defender que a linguagem constitui um cosmos
autossuficiente, de modo que, uma vez em seu círculo, não
temos qualquer acesso às forças pré- e extralinguísticas que
agem sobre ela e a distorcem. Mas, a não ser que eu esteja
errado, esta era a tese de Gadamer que Habermas trabalhou
tão duramente para rejeitar trinta anos atrás.
Tradução: Fernando Bee
Revisão da tradução: Mariana Teixeira
Hans Loewald, “Primary Process, Secondary Process, and Language”,
in Papers on Psychoanalysis, 178–206. Ou, como diz Henrich: “Isto iria
requerer que falássemos de uma autorrelação implícita, que já aparece
ou funciona no nível mais elementar da aquisição da linguagem.
Pois está claro que a capacidade de usar a primeira pessoa singular
gramatical (o pronome “eu”) é adquirida somente em um estágio tardio
do processo de aquisição da linguagem”. Dieter Henrich, “What Is
Metaphysics—What Is Modernity?”, 311.
99
Kristeva, Revolution in Poetic Language, Parte I. Ver também BoyssonBardies, How a Child Comes to Language, passim.
100
Ver especialmente Wilma Bucci, Psychoanalysis and Cognitive
Science (New York: Gilford Press, 1997).
Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise,
Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017.
Joel Whitebook
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Notas dos editores
As palavras entre colchetes são indicações dos tradutores, ao passo
que os termos entre parênteses correspondem a indicações do autor
no texto original.
i
Neste caso, Whitebook utiliza o termo francês méconnaissance como
tradução correspondente ao termo inglês mis-cognition. No entanto,
também é comum ver esse termo francês como tradução corresponde
ao termo misrecognition.
ii
O artigo de Axel Honneth citado por Whitebook já foi publicado:
“Postmodern Identity and Object-Relations Theory: On the Seeming
Obsolescence of Psychoanalysis”, in Philosophical Explorations, vol. 2,
1999 - Issue 3), 225–242.
iii
“Mutual Recognition and the Work of the Negative” de Joel
Whitebook foi publicado em Pluralism and the Pragmatic Turn:
The Transformation of Critical Theory (Essays in Honor of Thomas
McCarthy), ed. William Rehg e James Bohman, 257-291. Cambridge,
Mass.: The MIT Press, 2001 (https://mitpress.mit.edu/books/
pluralism-and-pragmatic-turn) e traduzido com permissão de Joel
Whitebook.
Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise,
Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017.