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Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo

2017

Hans Joas tem se movido em uma direção similar com sua noção de "democracia criativa", apesar de que ele sem dúvida rejeitaria o termo "irracional" como um resíduo da teoria da ação racionalista com suas pressuposições cartesianas. Ver Hans Joas, The Creativity of Action (Chicago: University of Chicago Press, 1996).

RECONHECIMENTO MÚTUO E O TRABALHO DO NEGATIVO1 Joel WHITEBOOK 1. Introdução: o conteúdo de verdade do hobbesianismo O hobbesianismo não estava inteiramente errado – apesar do que a nova ortodoxia intersubjetivista gostaria de nos fazer crer. Ainda que não haja dúvidas de que a virada intersubjetiva foi um evento decisivo no desenvolvimento da filosofia social e política, algo importante é perdido quando o modo de teorização precedente é rejeitado in toto. De fato, agora que o intersubjetivismo ameaça se tornar a tendência teórica dominante dos nossos dias – ao qual se adere tão acriticamente e o qual é tão confiantemente brandido quanto o hobbesianismo que ele substituiu –, há razão para preocupação. Meu objetivo neste ensaio é, portanto, afrouxar o controle que o paradigma intersubjetivo tem sobre a imaginação teórica atual. Por sua vez, isto vai nos permitir recuperar parte do conteúdo de verdade do hobbesianismo que se perdeu pelo caminho. Aqui, concebo o hobbesianismo de maneira ampla, como a abordagem que 1 Agradeço aos estudantes que participaram da minha disciplina “Psicanálise e a filosofia do reconhecimento” [Psychoanalysis and the Philosophy of Recognition] na New School for Social Research por sua contribuição para este artigo. Suas questões desafiadoras e sugestões atenciosas me ajudaram a formular a minha posição. Joel Whitebook 290 | toma indivíduos isolados, naturalmente dirigidos pela pulsão [driven]i, associais e estrategicamente orientados como seus componentes básicos. Embora minha crítica mais ampla seja direcionada contra os propositores centrais do programa intersubjetivista no campo da Teoria Crítica, Karl-Otto Apel e Jürgen Habermas, irei focar sobre o trabalho de Axel Honneth. Seu pensamento é mais marcado por conflitos internos e, portanto, mais aberto com respeito às questões com as quais estou preocupado. Além do mais, Honneth é um dos únicos teóricos críticos que ainda está ativamente engajado com a psicanálise. E sua tentativa de relacioná-la com uma posição intersubjetiva – esta é uma das fontes das tensões – torna o trabalho de Honneth relevante para o meu projeto de redirecionar a Teoria Crítica para uma antropologia psicanaliticamente orientada que combinaria as descobertas empíricas das ciências humanas com a reflexão filosófica. Depois de apresentar o contexto teórico mais amplo nesta seção, irei me voltar para as discussões de Honneth sobre Hegel e Mead. E então, na conclusão, retornarei aos assuntos mais gerais2. Na Teoria Crítica, a autoconfiança da abordagem intersubjetivista resultou em grande parte do esquema interpretativo, adotado por Apel e Habermas, que tem como modelo a história da ciência no modo kuhniano e conceitua a história da filosofia ocidental como uma série de mudanças 2 Tenho simpatia pelo impulso geral do diagnóstico de Dieter Freundlieb sobre o estado atual da Teoria Crítica; contudo, minha abordagem psicanalítica difere de seu retorno à metafísica. Ver: Dieter Freundlieb, “Rethinking Critical Theory: Weaknesses and New Directions”, Constellations 7 (2000): 80-99. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 291 de paradigmas. De acordo com a visão deles, os três maiores paradigmas da filosofia são a ontologia, a filosofia da consciência (Bewusstseinsphilosophie) ou do sujeito (Subjektphilosophie), e a filosofia da linguagem.3 Entretanto, como Dieter Henrich argumentou, a aplicação da abordagem kuhniana à história da filosofia tende a ser demasiadamente esquemática e enganosa4. Diferentemente da ciência natural, a filosofia não progride de maneira que uma posição posterior represente um avanço inequívoco em relação à anterior. Posições filosóficas anteriores não devem, portanto, ser relegadas à “mera pré-história da verdade”5. Em vez de serem “resolvidos” com a mudança para um novo paradigma, problemas filosóficos perenes tipicamente emergem transfigurados em um contexto teórico diferente. Por exemplo, a questão sobre a unidade da substância no paradigma ontológico é primeiramente reconfigurada como a unidade do sujeito no paradigma da consciência e, depois, como a unidade do falante (ou da comunidade de linguagem) na linguística. A Ver especialmente Karl-Otto Apel, “The Transcendental Conception of Language-Communication and the Idea of a First Philosophy: Towards a Critical Reconstruction of the History of Philosophy in the Light of Language Philosophy”, in Karl-Otto Apel: Selected Essays, vol. 1, ed. E. Mendieta (New Jersey: Humanities Press, 1994), 83-111. O movimento da filosofia da consciência para a filosofia da linguagem é frequentemente visto como similar ao movimento do intrapsíquico para o interpessoal, ou da psicologia de “uma-pessoa” para a de “duaspessoas” na psicanálise. Ver André Green, “The Intrapsychic and the Intersubjective in Psychoanalysis”, The Psychoanalytic Quarterly 69 (2000): 1-40. 4 Ver Dieter Henrich, “The Origins of the Theory of the Subject”, in Philosophical Interventions in the Unfinished Project of Enlightenment, trad. W. Rehg, ed. A. Honneth et al. (Cambridge: MIT Press, 1992), 29-38. Ver também Peter Dews, “Communicative Paradigms and the Questions of Subjectivity”, in Habermas: A Critical Reader, ed. Peter Dews (New York: Blackwell, 1999), 112-13, e “Modernity, SelfConsciousness and the Scope of Philosophy: Jürgen Habermas and Dieter Henrich in Debate”, in The Limits of Disenchantment (New York: Verso, 1995), 169-193. 5 Henrich, “Origins”, 33. 3 Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 292 | retórica peremptória das mudanças de paradigma – com sua tentação de usar epítetos depreciativos em vez de argumentos para rejeitar objeções legítimas – obscurece frequentemente esses deslocamentos, dando, assim, a impressão de que problemas anteriores foram de fato enfrentados. Isto, por sua vez, tem o efeito de suprimir e evadir desafios sérios6. Hegel – que pode ser visto como o primeiro filósofo das mudanças de paradigma – estava ciente deste problema e tentou explorar a polissemia do termo alemão Aufhebung para se referir a ele. Como é bem sabido, o termo não somente tem a conotação de negar, suplantar e superar, mas também de elevar e preservar. Hegel utilizou estes significados diferentes para introduzir a distinção entre negação abstrata e concreta: enquanto a primeira simplesmente nulifica ou revoga um paradigma anterior, a última assume e preserva seu conteúdo de verdade e tenta lhe fazer justiça de uma maneira mais adequada. Falando em linguagem hegeliana, minha tese é a seguinte: apesar de sua advertência contra uma “rejeição não dialética da subjetividade”7, o movimento de Habermas de uma posição monológica para uma dialógica – algo que esteve no coração de seu programa desde o início – remete amiúde a uma negação abstrata. Por causa desta falsa superação, o conteúdo de verdade do que estou chamando de hobbesianismo frequentemente se perde, e evita-se lidar com certas dificuldades fundamentais. Para uma crítica apaixonada deste estilo de filosofar, a qual permanece, contudo, profundamente apreciativa da magnitude e importância das realizações de Habermas, ver Dieter Henrich, “What is Metaphysics – What is Modernity? Twelve Theses against Jürgen Habermas”, in Habermas: A Critical Reader, 291-319. 7 Jürgen Habermas, The Philosophical Discourse of Modernity, trad. F. Lawrence (Cambridge: MIT Press, 1987), 337. 6 Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 293 Entretanto, antes de descrever este conteúdo de verdade em maior detalhe, permitam-me falar algo sobre o racionalismo por detrás da visão intersubjetivista de Habermas. Existem três razões político-filosóficas, interconectadas e problemáticas, para a defesa tenaz feita pelos habermasianos do programa “intersubjetivista forte”8. (1) Apesar de tudo que aprendemos sobre as profundezas da irracionalidade e da destrutividade humanas – teoricamente a partir de pensadores como Nietzsche e Freud e historicamente a partir de eventos do século passado –, eles pretendem defender a noção filosófica tradicional de que um ser humano é essencialmente um animal racional, um zoon logikon. Suspeito que eles acreditam que o estabelecimento desta presunção racionalista pode servir como um profilático efetivo contra novas barbaridades. (2) Por sua vez, a pretensão de racionalidade requer a defesa de outra tese: a saber, “o caráter social per se do self ”9. A menos que o self seja de cima a baixo constituído socialmente, isto é, intersubjetivamente, considera-se que o estatuto de animal racional está em risco. Há uma tendência, portanto, a negar sistematicamente a existência de qualquer dimensão pré- e extrassocial do self. Novamente, tal como na concepção tradicional, os habermasianos pensam que o zoon logikon e o zoon politikon [animal político] caminham juntos. (3) Finalmente, os habermasianos veem estes dois primeiros pontos – que mitigam radicalmente o papel positivo do irracional nos assuntos humanos – como pressupostos filosóficos e antropológicos necessários para um 8 Axel Honneth, The Struggle for Recognition, trad. J. Anderson (Cambridge: MIT Press, 1995), 30. 9 Hans Joas, George Herbert Mead, trad. R. Meyer (Cambridge: MIT Press, 1985), 110. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 294 | programa político de democracia radical. Não é autoevidente, entretanto, que esta afirmação seja correta mesmo logicamente, e muito menos politicamente. Mas, além disto, há um problema mais significativo. Estas pressuposições conduzem a uma visão restrita da democracia. Como Jonathan Lear formulou, há uma questão muito mais interessante a ser examinada: como se pode “ao mesmo tempo levar a irracionalidade humana a sério e participar de um ideal democrático?”10. Uma resposta para esta questão pode nos ajudar a evitar duas posições igualmente unilaterais que exercem um papel significativo no cenário atual, a saber, o pós-modernismo, com seu ceticismo com relação à democracia, e o rawlsianismo de esquerda, com sua defesa um tanto pálida dela. A ênfase habermasiana na racionalidade comunicativa e na sociabilidade contrasta agudamente com o hobbesianismo definido acima. Este é tipicamente criticado por confundir as condições predominantes na sociedade capitalista moderna com a condição humana per se. A guerra de todos contra todos não representa a situação em um estado de natureza, mas no mercado capitalista. E não quero de modo algum negar a validade e a força dessas críticas. Há, no entanto, uma verdade no hobbesianismo que frequentemente sai de vista na mudança para a posição intersubjetivista. Pois o capitalismo não criou o egoísmo, a 10 Jonathan Lear, “On Killing Freud (Again)”, in Open Minded (Cambridge: Harvard University Press, 1988), 31. No campo da Teoria Crítica, Hans Joas tem se movido em uma direção similar com sua noção de “democracia criativa”, apesar de que ele sem dúvida rejeitaria o termo “irracional” como um resíduo da teoria da ação racionalista com suas pressuposições cartesianas. Ver Hans Joas, The Creativity of Action (Chicago: University of Chicago Press, 1996). Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 295 agressão e a ganância humanos; o potencial de tais forças sempre existiu como parte de nossa constituição antropológica e psicológica. O capitalismo apenas as libertou das constrições tradicionais de modo que elas pudessem se expandir de maneira relativamente desimpedida. Quase sem exceção, as sociedades pré-modernas entenderam a capacidade humana para a agressão e a ganância e a ameaça que isso colocava paras as suas formas tradicionais de vida ética com base em uma solidariedade comunal (intersubjetiva). Elas procuraram, portanto, manter isso sob forte controle. Assim, lutaram para manter a economia firmemente “enraizada”, como diz Karl Polanyi, em um quadro institucional maior, de modo que as preocupações econômicas sempre permanecessem estritamente subordinadas a – e abarcadas por – valores religiosos, comunais e políticos mais amplos11. Um aspecto essencial da emergência da sociedade moderna foi precisamente o “desenraizamento” da economia do quadro institucional mais amplo, isto é, a emancipação do mercado capitalista. Isto, por sua vez, teve o efeito de liberar a ganância e a agressão humana da maneira que as sociedades pré-modernas haviam temido. Na verdade, isto aconteceu em uma escala que elas dificilmente poderiam ter imaginado. Gostaria de defender dois pontos sobre este fenômeno, ambos contrários à opinião corrente da esquerda-liberal. O primeiro é que a agressividade humana – a qual, depois, subsumirei à categoria mais abrangente da negatividade – não é simplesmente 11 Karl Polanyi, “Aristotle Discovers the Economy”, in Trade and Market in the Early Empires, ed. Karl Polanyi et al. (Chicago: Regnery, 1957), 64-94; cf. também o meu “Pre-Market Economics: The Aristotelian Perspective”, Dialectical Anthropology (1976): 1 et seq. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 296 | o subproduto de uma ordem social irracional (ou de uma criação não esclarecida das crianças), que poderia ser eliminado em uma sociedade (ou formação familiar) mais esclarecida. É, de fato, “um pedaço de natureza inconquistável”12 – talvez, entretanto, não no sentido de Freud – que toda sociedade, passada ou futura, deve “levar em consideração”13 e tentar conciliar em seus próprios termos. Certamente existem formas de sociedades que encorajam a sua expressão e formas que a inibem – mas ela nunca pode ser eliminada. Meu segundo ponto é o de que a liberação da agressividade acompanhada da emancipação do mercado é um fenômeno perturbadoramente ambíguo. Não preciso convencer ninguém da destruição que as sociedades modernas infligiram ao globo. O que necessita ser ressaltado, entretanto, é o tanto de criatividade – em ciência, arte, tecnologia, filosofia, direito, e até mesmo na economia – gerada quando “tudo que é sólido desmancha no ar”. De fato, não é implausível sugerir que na modernidade a magnitude de criatividade e de destrutividade tem sido igual. O problema que assombra é como manter a primeira sem a última. De ecologistas radicais a neofundamentalistas, existem aqueles que sacrificariam o dinamismo e a criatividade para retornar a uma forma de existência mais contida. Mas, mesmo se isto fosse desejável – o que não acho que seja –, é provavelmente impossível. O gênio está fora da lâmpada. 12 Sigmund Freud, Civilization and Its Discontents, in The Standard Edition of the Complete Psychological Works of Sigmund Freud, ed. e trad. J. Strachey (London: Hogarth, 1953-1974), vol. 21, 86. Daqui em diante os trabalhos de Freud serão citados pelo título e pelo número do volume da Standard Edition (S.E.). 13 Ver Cornelius Castoriadis, The Imaginary Institution of Society, trad. K. Blamey (Cambridge: MIT Press, 1987), 290. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 297 2. Hegel e a luta por reconhecimento Tanto Habermas como, seguindo-o, Honneth retornaram aos escritos do jovem Hegel na tentativa de recapturar algumas das intuições perdidas do período de Jena. Apesar das inadequações óbvias desses escritos prévios, eles veem algo menos enrijecido e, portanto, potencialmente mais fértil – e também algo mais materialista – na obra de Hegel anterior à Fenomenologia do espírito. Habermas oferece um relato sobre as vantagens relativas dos Jugendschriften [escritos de juventude] em seu próprio importante ensaio programático, “Trabalho e interação: comentários sobre a filosofia do espírito de Hegel em Jena”14. Sua tese era a de que, quando Hegel escreveu a Fenomenologia do Espírito, seu pensamento havia se consolidado em um idealismo monista que via o Espírito como o único sujeito do desenvolvimento. Os heterogêneos e diferentes reinos da história passaram a ser entendidos como emanações deste sujeito monista. Em contraste, um naturalismo ou um materialismo internamente diferenciado, carregando fortes similaridades com o Marx dos Manuscritos de 1844, caracterizava o pensamento de Hegel durante o período de Jena. De acordo com este esquema, a história se desdobra por meio da interação de três “meios”15 “igualmente originais”, isto é, “meios” heterogêneos e irredutíveis, a saber, 14 Jürgen Habermas, “Labor and Interaction: Remarks on Hegel’s Jena Philosophy of Mind”, in Theory and Practice, trad. J. Viertel (Boston: Bacon Press, 1971), 142-169. Já neste artigo antigo, Habermas menciona G. H. Mead como representante de uma reformulação “naturalizada” do programa interativo de Hegel. Sobre a importância de Mead enquanto provedor de um terceiro “modelo básico alternativo” para Habermas, além de Marx e Kierkegaard, ver Dews, “Communicative Paradigms”, 100. 15 Habermas, “Labor and Interaction”, 152. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 298 | a linguagem, o trabalho e a interação. O Espírito é visto não como o sujeito do desenvolvimento, mas como ele mesmo o produto das operações da história atual. Habermas retornou aos escritos de Jena para tentar recapturar as intuições do jovem Hegel e corrigir alguns erros da sua obra de maturidade. E com a ajuda da filosofia pósmetafísica e das ciências sociais, ele tentou reformular aquelas ideias do período de Jena em uma forma intersubjetiva de Teoria Crítica. Em um esquema genealógico um tanto quanto complicado, Honneth retorna aos mesmos escritos de Jena na tentativa de reavivar o espírito da concepção de teoria crítica do jovem Habermas – que ele acredita ter sido perdido ao longo do caminho. Como Honneth nos diz, ele havia ficado insatisfeito com “a direção na qual o próprio Habermas levou adiante sua ideia original, empregando a pragmática universal como o meio teórico para analisar os pressupostos normativos da interação social”16. Na opinião de Honneth, à medida que a teoria de Habermas amadurecia, a dimensão da experiência cotidiana, da vida psíquica, do corpo e, de modo mais importante, da luta (individual e coletiva) – tudo isso foi depreciativamente subsumido sob o epíteto de “filosofia da práxis” – desaparecia progressivamente da teoria de Habermas17. Além do mais, a luta por reconhecimento representa para Honneth uma tentativa de preservar o conteúdo de verdade do hobbesianismo, assim como representou para Hegel. (Vou defender que Honneth não vai longe o suficiente). Ele argumenta que “o 16 Axel Honneth, “Author’s Introduction”, in The Fragmented World of the Social, ed. C. W. Wright (Albany: SUNY Press, 1995), xiii. 17 Ver Axel Honneth, The Critique of Power, trad. K. Baynes (Cambridge: MIT Press, 1991), 284. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 299 lugar excepcional, até mesmo único” dos escritos de Hegel em Jena deriva do fato de que ele “apropriou o modelo de Hobbes da luta interpessoal”18 e a usou contra o próprio Hobbes em sua crítica imanente da posição deste. Mais precisamente, o movimento original de Hegel na filosofia política moderna consistiu em reter a noção de luta de Hobbes e, simultaneamente, a separar de seus pressupostos atomísticos e antiaristotélicos para lhe dar um novo sentido. Contra Hobbes, Hegel argumentou não haver como derivar uma concepção adequada de associação a partir de uma multidão de indivíduos atomizados a- ou antissociais focados na autopreservação (concebida em sentido abrangente); o máximo que poderia ser extraído deste ponto de partida seria um “mero amontoado”. Ademais – e esta é a afirmação decisiva de Hegel –, uma situação como a descrita por Hobbes não poderia jamais existir por si mesma, mas pressupõe uma forma de vida intersubjetiva supraindividual (Sittlichkeit). Ela não representa um estado de natureza independente, mas uma esfera particular da sociedade moderna que foi constituída por, e que pressupõe, suas instituições intersubjetivas, isto é, o sistema moderno da propriedade e do direito. O ponto é que até mesmo o individualismo atomístico tem seus pressupostos intersubjetivos. Dito de outra forma, até mesmo o estado de natureza hobbesiano – como todas as formas de vida humana – já é uma forma de segunda natureza e tem suas pressuposições aristotélicas. Ao mesmo tempo em que Hegel usa a ideia aristotélica 18 Honneth, The Struggle for Recognition, 10. Ver também Judith Butler, Subjects of Desire (New York: Columbia University Press, 1987), 242 (nota 18). Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 300 | de que a “existência de obrigações intersubjetivas” é “uma pré-condição quase natural de todo processo de socialização humana” para derrubar as premissas hobbesianas atomísticas da teoria política moderna, ele utiliza outra doutrina aristotélica para ajudá-lo a apropriar a teoria hobbessiana da luta para o seu próprio propósito: a saber, “o processo teleológico no qual uma substância original alcança gradualmente seu desenvolvimento completo”19. Pois Hegel aceitou a premissa de Aristóteles de que uma forma pré-existente de relações éticas subjaz a toda sociedade, mas somente como uma premissa geral, provendolhe com o seu próprio conteúdo distintivo. Da maneira como existiram em sociedades pré-modernas ou na família moderna, essas relações sittlich [éticas] são, ele argumenta, simplesmente naturais ou em si mesmas; sua potencialidade ética plena ainda não se desenvolveu a partir delas. Isto requer o momento da diferença – ou seja, a destruição do nível dado de equilíbrio ético e a experiência da alteridade – e o reestabelecimento de uma forma de Sittlichkeit [eticidade] mais madura, diferenciada e autoconsciente, em um nível mais alto de integração. Diferentemente dos teóricos do direito natural e do contrato social, Hegel não tem que explicar “a gênese dos mecanismos de formação de comunidades em geral” – as comunidades sempre já existem. O que ele tem que explicar é, antes, “a reorganização e a expansão de formas embrionárias de comunidades em direção a relações mais abrangentes de interação social”20. Para tanto, Hegel precisa conceituar a natureza da substância social original de tal maneira que ela não somente já possua uma natureza 19 20 Honneth, The Struggle for Recognition, 15. Ibid., 15. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 301 ética, mas contenha também a potencialidade e a dinâmica para um desenvolvimento ético ulterior. Isto significa que ela deve conter a potencialidade tanto para a socialização como para a individuação. É nesta altura que Hegel introduz a noção de reconhecimento enquanto um mecanismo constitutivo da formação de ambos, self e comunidade. No modelo do reconhecimento, o sujeito não consiste em um self portador de necessidades com uma identidade pré-formada e que deve ser inserido em uma matriz social essencialmente externa e/ou antagonista a ele. Mas – e esta é a afirmação central – o self é, desde o início, intersubjetivamente constituído. Um sujeito adquire necessidades articuladas e uma identidade somente ao ter suas necessidades incipientes – iremos considerar a questão crucial do self incipiente adiante – e suas capacidades e qualidades reconhecidas por um outro. De acordo com Honneth, este processo de reconhecimento tem tanto um momento integrador como um momento individuante. Ou seja, em vez de se oporem uma à outra, socialização e individuação trabalham in tandem. Uma vez que o reconhecimento de um indivíduo pelo outro representa uma forma de reconciliação entre dois sujeitos, ele fornece a base para a coesão social – isto é, para a socialização. Mas na medida em que um sujeito também “vem a conhecer sua própria identidade distintiva” ao ser reconhecido, “ele vem a ser oposto... ao outro como algo particular”. Considerado desta maneira, o reconhecimento é um veículo da individuação. Além disso, o elemento de negatividade que desestabiliza qualquer estado dado de equilíbrio ético – isto é, o elemento dinâmico – surge, Honneth argumenta, do Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 302 | reconhecimento inadequado. “A razão por que os sujeitos têm de sair” dos “relacionamentos éticos” imediatos “nos quais se encontram é que eles acreditam que a sua identidade particular é insuficientemente reconhecida”. Em outras palavras, a injúria e o sofrimento que resultam do reconhecimento insuficiente impulsionam os indivíduos a abandonarem um dado nível de vida ética para lutar a fim de criar novas relações nas quais suas identidades sejam mais adequadamente reconhecidas – um processo que Honneth chama de uma forma de “aprendizagem moral-prática”.21 É verdade que o jovem Hegel apropria a afirmação de Hobbes de que a luta é um fato básico da vida social. Porém, da mesma maneira como fez com Aristóteles, ele também reinterpreta radicalmente a posição de Hobbes. Para Hobbes, o conflito básico da vida social envolve a “autopreservação”, isto é, as pulsões gananciosas e agressivas. Para Hegel, ao contrário, a luta pertence ao “reconhecimento intersubjetivo das dimensões da individualidade humana”, ou seja, à identidade22. Hegel analisou primeiramente como a solidariedade imediata e a forma natural do relacionamento ético, encontradas na família e baseadas na necessidade e no afeto – isto é, no amor –, passam para o reino “não ético” da sociedade civil, caracterizada pela diferenciação, pela cognição e pela autonomia formal. Ele passa, então, a identificar uma forma mais elevada, refletida e unicamente moderna de Sittlichkeit que seria capaz de superar a unilateralidade de cada uma das fases anteriores. Porque seu “modo de reconhecimento” seria “afeto que se tornou 21 22 Ibid., 16-17. Ibid., 17. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 303 racional”, ela integraria intuição e introspecção [insight]23. E porque combinaria individualidade e solidariedade, esta forma refletida de vida ética representaria uma condição de unidade diferenciada que preservaria as elaborações da sociedade civil. Honneth acredita que esta aspiração, que emergiu da síntese sem precedentes que Hegel fez no período em Jena dos motivos aristotélicos e hobbesianos, era basicamente acertada. Mas ele vê a afirmação de Hegel de que havia encontrado seu desenvolvimento pleno no Estado moderno como ideológica e espúria. O projeto de Honneth, portanto, é abandonar as mistificações hegelianas e – utilizando os recursos das ciências sociais – reinterpretar as noções de luta por reconhecimento e de vida ética moderna nos termos da problemática histórica e política contemporânea. Ele procura, ademais, ir além tanto do rawlsianismo de esquerda como do marxismo economicista e integrar políticas de identidade e comunitarismo – em uma visão política que é mais robusta do que a alternativa liberal. Como disse acima, Honneth acredita, como Habermas, que a Fenomenologia do espírito constitui em importantes aspectos uma regressão com relação ao “programa extraordinário que [Hegel] havia perseguido em versões sempre novas e sempre fragmentárias nos escritos de Jena”.24 Hegel não somente substitui seu materialismo protomarxiano por uma Geistmetaphysik e restringe severamente o escopo da luta por reconhecimento de maneira que ela passa a pertencer somente à dialética senhorescravo, mas – talvez o mais desafortunado de tudo – ele regride de sua abordagem intersubjetiva para a filosofia da 23 24 Ibid., 25. Ibid., 62. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 304 | consciência. Eu argumentaria, porém, que o aparente retorno à filosofia da consciência – se, de fato, a leitura de Honneth não constitui uma simplificação excessiva dos objetivos de Hegel na Fenomenologia – apenas conta como uma regressão se a perspectiva intersubjetiva for tomada como o padrão em relação ao qual todas as posições devem ser medidas25. Visto sob uma luz diferente, o movimento de Hegel tem mérito, podendo ser visto como uma tentativa de preservar o conteúdo de verdade materialista e psicológico da abordagem hobbesiana. Assim como o abandono do conceito de amor e da idealização dos gregos, depois do período de Jena, marca o fim de uma certa ingenuidade juvenil da parte de Hegel, o aparente retorno à filosofia da consciência poderia sugerir um novo sentido de realismo psicológico e político26. De fato, estando mal informado, alguém poderia pensar que, além de estudar Platão, Aristóteles, Ferguson e Smith, Hegel também teria lido Melanie Klein durante sua estadia em Jena. Pois na Fenomenologia a autoconsciência parece passar por todo o repertório de mecanismos maníacos de defesa – esboçado pela Sra. Klein – na tentativa de manter sua autossuficiência onipotente e negar sua dependência sobre o objeto e a independência deste último. Diferentemente dos escritos de Jena, a necessidade de reconhecimento mútuo na Fenomenologia é forçada sobre a autoconsciência quando seu programa onipotente colapsa. Por causa do vigor da força de Ver Freundlieb, “Rethinking Critical Theory”, 81. Cf. Max Horkheimer, “Egoism and Freedom Movements: On the Anthropology of the Bourgeois Era”, in Between Philosophy and Social Science, trad. G. F. Hunter, M. S. Kramer, e J. Torpey (Cambridge: MIT Press, 1993), 49-110. 25 26 Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 305 negação da realidade na autoconsciência – o “trabalho do negativo”27 – a luta por reconhecimento, tal como foi concebida em 1807, é muito mais conflituosa – isto é, muito mais um confronto, uma luta – do que nos escritos anteriores. O uso de Honneth dos escritos anteriores em oposição ao Hegel da Fenomenologia (e seu uso de Mead como fonte de referência em oposição a Freud) serve para reduzir radicalmente a natureza conflituosa, e com isso a intensidade, da luta na busca por reconhecimento. O primeiro fato para ser ressaltado é o de que, na Fenomenologia, a luta por reconhecimento surge a partir da dinâmica da Vida e do Desejo. Tomo isto como uma indicação clara por parte de Hegel de que o self e o Espírito – subjetividade e intersubjetividade – têm seus fundamentos insuperáveis nos substratos biológicos da existência humana, um ponto que não deve ser esquecido. Além disso, como um fenômeno emergente da vida, a autoconsciência manifesta tenazmente “ser-para-simesma” – “oclusão” [closure]28 – em relação aos seus arredores, e um elemento significativo dessa qualidade de ser para-si-mesmo irá aderir a ela ao longo de todas as Aufhebungen posteriores, 27 Ver André Green, The Work of the Negative, trad. A. Weller (London: Free Associations Press, 1999). 28 Castoriadis nota que, enquanto a intersubjetividade é uma possibilidade para os seres humanos, ela é, da perspectiva mais geral, uma rara anomalia que vai contra a tendência da vida em direção à oclusão: “O para si mesmo [for-itself] deve ser pensado como uma esfera fechada – isto é o que oclusão significa – cujo diâmetro é aproximadamente constante… A subjetividade humana é uma esfera pseudo-oclusa que pode dilatar-se por si mesma, que pode interagir com outras pseudoesferas do mesmo tipo, e que repõe em questão as condições ou as leis de sua oclusão... Interação genuína com outras subjetividades significa algo sem precedentes no mundo: a ultrapassagem (dépasement) da exterioridade mútua”. Cornelius Castoriadis, “The State of the Subject Today”, in World in Fragments, trad. D. A. Curtis (Stanford: Stanford University Press, 1997), 169-179. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 306 | mais humanizadas e socializadas, pelas quais ela passará. A retórica da interação sugere, no entanto, que por causa do sujeito ser, em um alto grau, constituído intersubjetivamente, o self já é um interlocutor – um “ser ‘para outros’”, como sugeriu André Green29 –, desconsiderando assim sua dimensão significativa de oclusão e de ser para si mesmo. Com efeito, esta pode ser a falácia central da posição intersubjetivista. Em contraste com a unidade externa ou passiva do objeto inanimado, a coisa viva preserva sua “independência autoidêntica”, ou seja, sua identidade, ao manter ativamente suas fronteiras – sua “figura” ou “forma” (Gestalt) – face ao fluxo do ambiente circundante30. Para Hegel, o Desejo emerge como um resultado da “intenção” (Meinung) da autoconsciência em alcançar e manter sua unidade autárquica, sua autossuficiência onipotente em relação ao “objeto independente” – o qual, enquanto algo independente, pode aparecer apenas como negativo. Em termos kleinianos, podemos dizer que o objeto é “mau” simplesmente em virtude de sua independência. A autoconsciência somente pode afirmar a si mesma, assim, consumindo o objeto: “A autoconsciência é, então, certa de si mesma somente superando este outro que se lhe apresenta como uma vida independente; autoconsciência é Desejo. Certa da qualidade deste outro ser nada, ela afirma explicitamente que para ela a qualidade de ser nada é a verdade do outro; ela destrói o objeto independente e com isto dá a si a certeza de si mesma enquanto certeza verdadeira, uma certeza Green, Work of the Negative, 15. Ver G. W. F. Hegel, The Phenomenology of Spirit, trad. A. V. Miller (Oxford: Oxford University Press, 1977), §§168–170 (daqui para frente abreviado como PhS). Ver também Hans Jonas, “Is God a Mathematician? The Meaning of Metabolism”, in The Phenomenon of Life (New York: Delta Books, 1966), 79 et seq. 29 30 Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 307 que se tornou explícita para a própria autoconsciência de uma maneira objetiva”31. Em termos psicanalíticos, isto pode ser comparado com a fase oral-canibalística do desenvolvimento. Um breve olhar sobre a recepção francesa de Hegel é iluminador neste contexto. Como Gadamer reconheceu, há uma tendência na tradição francesa de interpretação de Hegel – isto é, Kojève, Hyppolite e Lacan – em minimizar a dimensão biológica tal como Hegel originalmente a introduz e em humanizar ou socializar o Desejo em um estágio inapropriadamente prematuro de seu desenvolvimento. (Assim como os franceses, Habermas também tende a desbiologizar Hegel, mas por razões contrárias). Como Gadamer ressalta, o termo alemão Begierde tem fortes conotações “carnais” ou apetitivas que estão ausentes no termo francês désire. Se Hegel quisesse as conotações do termo francês, sugere Gadamer, ele teria usado a palavra alemã Verlangen, que tem mais da conotação de “anseio” [yearning]32. A escolha de désire constituiu uma decisão interpretativa deliberada, que se apoia em suposições antropológicas substantivas. Como Hyppolite, que traduziu a Fenomenologia para o francês, afirma explicitamente, “Nós traduzimos Begierde, a palavra que Hegel usa, por ‘desejo’ (désire) em vez de traduzir por ‘apetite’ (appétit)” porque apesar “de se fundir inicialmente com apetite sensível, ela carrega um significado muito mais abrangente”,33 a saber, 31 PhS §174. Julia Kristeva se refere ao caráter “paranoico” do desejo da autoconsciência; ver Revolution in Poetic Language, trad. M. Waller (New York: Columbia University Press, 1984). 32 Hans-Georg Gadamer, “Hegel’s Dialectic of Self-Consciousness”, in Hegel’s Dialectic, trad. P. C. Smith (New Haven: Yale University Press, 1976), 62 (nota 7). 33 Jean Hyppolite, Genesis and Structure of Hegel’s “Phenomenology of Spirit”, trad. S. Cherniak e J. Heckman (Evanston, Ill.: Northwestern University Press, 1974), 160. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 308 | “o desejo pelo desejo do outro”. Esta afirmação, entretanto, não é acurada. Em lugar de dizer “carrega...”, Hyppolite deveria ter tido “ela vem a adquirir um significado muito mais abrangente”, pois o desejo especificamente humano pelo desejo do outro emerge somente a partir do impasse do desejo apetitivo. (Ao passo que o Desejo como tal é introduzido no §168, o desejo de ser reconhecido pelo outro emerge apenas no §178)34. Há algo de confuso sobre a interpretação da escola francesa que necessita ser resolvido. A aura radical que circunda o hegelianismo francês, que foi na verdade lançada por um émigré russo que vivia em Paris – assim como o “Freud francês” que, via Lacan, é significativamente derivado dela35 – resulta do seguinte fato. Em contraste com a leitura habermasiana de Hegel, que ressalta o reconhecimento mútuo, os franceses tendem a celebrar a centralidade do desejo e da negatividade em lugar da reconciliação e do consenso – uma tendência reforçada pela influência do surrealismo. No entanto, ao mesmo tempo em que enfatizam a negatividade, eles “desmaterializam” ou “intersubjetivizam” o desejo; com Lacan, ele se torna o desejo do reconhecimento do outro36. Dada a inclinação da filosofia francesa para o erótico, pode-se esperar que a negatividade do Desejo 34 Apesar de sua forte orientação para os franceses, Judith Butler reconhece que o desejo apetitivo, ou o que ela chama de “consuntivo”, é anterior ao desejo do desejo do Outro; ver Butler, Subjects of Desire, 33. 35 Ver Jean Hyppolite, “Hegel’s Phenomenology and Psychoanalysis”, in New Studies in Hegel’s Philosophy, ed. W. E. Steinkraus (New York: Holt, Rinehart and Winston, 1971), 57–70, e Green, “Hegel and Freud: Elements for an Improbable Comparison”, in The Work of the Negative, 26–49. 36 Lacan leva a tradição de interpretação por meio da tradução um passo à frente quando equipara o désire ao conceito de Freud de vontade (Wunsch), assimilando assim a psicanálise a um hegelianismo já desmaterializado. Ver Jacques Lacan, Écrits, trad. A. Sheridan (New York: W. W. Norton Co, 1977). Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 309 derive, ao menos em primeira instância, de esforços corporais. Em vez disto, ele surge de um fato puramente psicossocial, a saber, a impossibilidade de alcançar o reconhecimento mútuo devido à inevitabilidade do desconhecimento (méconnaissanceii)37. Então, em seu anseio por evitar o biologismo, tantos os habermasianos como os hegelianos (e lacanianos) franceses seguem na mesma direção, a saber, o sociologismo38. Mas – e aqui está a mudança – enquanto Habermas se volta ao social (e ao linguístico) para suavizar o trabalho do negativo, os franceses tomam a mesma abordagem para fortalecê-lo. Retornando ao texto da Fenomenologia, Hegel argumenta que a gratificação do Desejo apetitivo é, por sua própria natureza, transitória e insatisfatória, incapaz de assegurar a plenitude e a autossuficiência que a autoconsciência almeja. Pois não muito depois do objeto ter sido consumido, o Desejo – fome, privação, insatisfação – inevitavelmente retorna. A autoconsciência, na forma do desejo apetitivo, está enraizada na circularidade infinita do ciclo da vida e, portanto, destinada a reproduzir repetidamente a si mesma, juntamente ao seu objeto. A repetição constante desta experiência – compare-se com a noção de Freud da repetida “não aparição do seio” – constitui uma “educação para a realidade”39. Por meio disto, a autoconsciência vem a aprender que “a essência do Desejo” está fora da, e “é algo outro 37 Sobre a relação entre a ênfase na paranoia, no des-reconhecimento e o olhar no pensamento francês do século XX, ver Martin Jay, Downcast Eyes (Berkeley: University of California Press, 1993), passim. 38 Jean Laplanche aponta a necessidade de evitar ambos esses extremos. Ver Laplanche, New Foundations of Psychoanalysis, trad. D. Macey (Oxford: Blackwell, 1989). Tanto Green como Kristeva tentaram corrigir esta tendência no pensamento lacaniano reintroduzindo os afetos e o corpo depois da virada linguística de Lacan. 39 Sigmund Freud, The Future of An Illusion, S.E., vol. 21, 21, 49. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 310 | que”, a autoconsciência. Em outras palavras, ela apreende “a independência do objeto”. Este impasse, no entanto, não faz a autoconsciência parar de perseguir o seu puro ser para si mesma. Em vez disto, emerge uma nova condição que deve ser preenchida caso a autoconsciência queira avançar em seu programa. A autoconsciência requer um objeto que possa tanto ser negado como permanecer – “que possa cancelar a si mesmo de tal maneira que não deixe de existir”40 –, e somente uma outra autoconsciência pode atingir esta condição. Enquanto autoconsciência, B, assim como A, tem a habilidade de negar a si mesma. Mas porque ela “efetiva a negação no interior de si mesma”41, isto é, voluntariamente, B não é anulado enquanto resultado da afirmação, isto é, do reconhecimento de A. Ele permanece autossubsistente e pode continuar a afirmar A mesmo quando nega a si mesmo. “A autoconsciência”, portanto, pode atingir a “sua satisfação somente em outra autoconsciência”42. Mais especificamente, “a autoconsciência existe em si mesma e para si mesma quando, e pelo fato de que, assim existe para outra; isto é, somente como algo que é reconhecido”43. Gostaria de chamar a atenção para três pontos nesta altura do desenvolvimento. Em primeiro lugar, a autoconsciência não se volta para outra autoconsciência por causa de uma intersubjetividade ou sociabilidade inatas, mas porque é compelida a isto pela lógica interna de seu programa narcísico. Em segundo lugar, Hegel vê o reconhecimento de A por B como Gadamer, “Hegel’s Dialectic of Self-consciousness”, 61. PhS, §175. 42 Ibid. (ênfase no original). 43 PhS, §178. 40 41 Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 311 uma autonegação por parte de B. Reconhecimento – ao menos neste ponto – parece ser um jogo de soma zero: reconhecer o outro é exaurir-se a si mesmo. Em terceiro lugar, no §177 Hegel nos oferece um esboço do itinerário ulterior da autoconsciência: “O que a autoconsciência ainda tem pela frente é a experiência do que é o Espírito”, a saber, “‘Eu’ que é ‘Nós’ e ‘Nós’ que é ‘Eu’”. Ele nos diz, além disso, que quando chega ao nível do Espírito, a autoconsciência deixará “para trás o show vivaz do aqui-e-agora sensível e o vazio escuro como a noite do além supersensível”. Isto é, ao alcançar a perspectiva do Espírito, a autoconsciência irá mover-se para além daquilo que, para Hegel, são as duas alternativas aporéticas no interior da filosofia da consciência, a saber, a falsa concretude do empirismo e a efemeridade vaga do kantismo. Mas isto é informação privilegiada “para nós”, isto é, para Hegel e o leitor da Fenomenologia. Trata-se de algo que a autoconsciência terá de descobrir por meio de sua própria experiência. Por causa desta situação, a afirmação de Honneth de que a Fenomenologia representa um retorno à filosofia da consciência simplesmente não é acurada. A estrutura do livro indica que “na ordem do ser” – ou, “para nós” –, o Espírito (ou intersubjetividade) tem prioridade sobre a consciência (ou subjetividade), mas “na ordem do conhecimento”, a consciência e a subjetividade ainda retêm uma prioridade importante. Do mesmo modo que a criança tem de passar por um Bildungsprozess que irá descentralizar sua onipotência infantil e localizá-la no mundo social, assim também, por meio de sua Odisseia, a autoconsciência deve aprender que ela tem seus pressupostos no Espírito e apenas pode se satisfazer por meio dele. Em outras Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 312 | palavras, apesar do Espírito ser um pressuposto da consciência, ela tem de aprender este fato. E isto requer uma luta. A dificuldade é, claro, que B deseja ser reconhecido por A tanto quanto A deseja ser reconhecido por B. Cada um gostaria de usar o outro como um objeto para os seus desejos – enquanto um objeto narcísico –, mas não pode fazê-lo porque o outro “tem uma existência independente da sua”. Monológica ou estratégica, a “ação unilateral seria inútil porque o que deve acontecer somente pode ser suscitado por ambos”. Daí a necessidade do reconhecimento mútuo: “Eles reconhecem a si mesmos enquanto reconhecem mutuamente um ao outro”, explica Hegel44. Podemos ver mais uma vez, entretanto, que o reconhecimento mútuo não surge a partir de uma experiência anterior de mutualidade, mas é forçada sobre os sujeitos pela dinâmica interna de suas experiências monológicas. Assim como no contrato social de Hobbes e na horda primitiva de Freud, o discernimento de um impasse estrutural compele os sujeitos a renunciar mutuamente à sua onipotência e a entrarem em um relacionamento uns com os outros. Seria um erro pensar, contudo, que esta compreensão é alcançada mediante um diálogo civilizado ou por meios meramente cognitivos. Pelo contrário, discernir a necessidade do reconhecimento mútuo é a culminação de um processo de aprendizagem que começa da maneira mais afetivamente carregada imaginável, a saber, com uma luta de vida ou morte – não uma luta hobbesiana por autopreservação, mas, assim como nos escritos de Jena, uma luta por identidade. Para Hegel, 44 PhS, §182. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 313 o fato do sujeito estar disposto a arriscar sua vida mostra que a autoconsciência transcendeu seu apego à mera zoe [vida biológica], no sentido aristotélico, e está preocupada primariamente com a identidade. De fato, a liberdade transcendente da autoconsciência consiste no fato de que ela pode se abstrair de, ou negar, “seu modo objetivo”45. Ao enfatizar o trabalho do negativo e o esforço da psique por onipotência, entretanto, não tenho a intenção de generalizar – ou de celebrar niilisticamente – o papel do poder e do conflito nos assuntos humanos, como Michel Foucault tendeu a fazer em uma fase de sua carreira. Pretendo, contudo, reforçar outro ponto. Os esforços onipotentes da psique não são apenas uma grande fonte de destrutividade humana, mas – em sua tendência a rejeitar o mundo dado e em seu desejo de criar um contracosmos próprio – são também uma fonte de criatividade. Embora não seja fácil, devemos resistir à forma de divisão teórica que vê a onipotência como inteiramente boa ou inteiramente ruim. É necessário, ao contrário, reter a ideia de que a destrutividade e a criatividade humanas têm uma fonte comum nestes esforços onipotentes. Psicanaliticamente, não há como contornar o fato de que o “mais baixo” e o “mais alto” na vida humana têm suas raízes no mesmo solo. Deixada sem socialização e sem mediação, a onipotência pode conduzir a uma destrutividade e barbaridade atemorizante; superada e sublimada, ela pode resultar nas criações mais elevadas do Espírito humano. 45 PhS, §187. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 314 | 3. A inadequação do “eu” na psicologia social de Mead Por razões sistemáticas, o tema da individuação, da criatividade e da espontaneidade apresenta um problema extraordinário para a filosofia da intersubjetividade. Essas mesmas razões, além do mais, continuamente ameaçam a abordagem linguística com o perigo do relativismo, do conservadorismo e do convencionalismo. Como veremos, este não é o caso para a filosofia do sujeito. Embora a conexão entre os dois possa ser contingente, a filosofia do sujeito tem sido geralmente associada ao projeto crítico do Esclarecimento. Pois como Mark Sacks observou, a filosofia do sujeito prevê uma “dicotomia aguda entre o self e tudo que não for ele”46; ela imagina um self que pode postar-se fora do mundo – fora de qualquer mundo tradicional dado – e avaliá-lo. E esta capacidade, por sua vez, tem sido vista geralmente como um ponto de ancoragem necessário para a crítica. Este potencial crítico aparece ao menos em duas áreas. Em primeiro lugar, com relação à psicologia social, a Subjektphilosophie [filosofia do sujeito] não vê o processo de socialização – em sociedades pós-tradicionais, ao menos – como alcançando todos os estratos do self; a sociedade não é, como Sacks coloca, “inteiramente empoderada para estruturar o indivíduo”47. Portanto, ela pode contar com uma dimensão préou extrassocial da psique que pode reagir contra as pressões inevitáveis para se conformar aos costumes da “tribo”. De fato, a contrapressão exercida sobre o grupo por aqueles que 46 Mark Sacks, “The Conception of the Subject in Analytic Philosophy”, 3 (manuscrito não publicado). 47 Ibid., 6. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 315 desviam da norma estatística frequentemente funciona como uma fonte de dinamismo, inovação e criatividade, sem a qual as sociedades seriam estagnadas. Em segundo lugar, com respeito à deliberação normativa, porque o sujeito é considerado capaz de se despir de todas as determinações empíricas acidentais, ele pode adjudicar sobre “o que conta como pensamento racional, o que conta como uma boa razão ou como um fim que vale a pena ser perseguido”48. (A epoché hurseliana ou o véu da ignorância rawlsiano são exemplos desse despimento teórico). Em outras palavras, um self transcendental, de uma forma ou de outra, tem sido visto como uma precondição necessária para estabelecer as normas universalmente vinculadoras que são necessárias para a avaliação de qualquer estado de coisas normativo realmente existente. Quaisquer que sejam as outras vantagens que ele possa oferecer, entretanto, o modelo dialógico não oferece “um indivíduo assim nu, em seu âmago, de tal maneira que pudesse retirar-se de toda estrutura sociocultural enquanto um pensador livre”49. Este fato não apresenta um problema para os representantes conservadores da tradição intersubjetivista. Ao contrário, eles tendem a ver a ideia de um self completamente descontextualizado não apenas como equivocada – como um erro central do Esclarecimento – mas também como odiosa e potencialmente terrorista. Da mesma maneira, eles não têm nenhum problema com a acusação de relativismo. Pois esta é exatamente a sua pretensão: não existe nenhuma perspectiva que transcenda a tradição, e, além do mais, a racionalidade e o 48 49 Ibid., 3. Ibid., 5. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 316 | Esclarecimento são eles mesmos tradições. A pretensão deles “pode ser apreendida ao se dizer, simplesmente, que existem apenas sociedades tradicionais”50. No entanto, para pensadores que querem perseguir um programa intersubjetivista forte e simultaneamente manter-se fiéis às intenções críticas do Esclarecimento, como os teóricos críticos contemporâneos fazem, essas considerações apresentam um enorme problema – isto é, a não ser que você seja Richard Rorty. Como diz Sacks: “Se o self, ou ao menos o self substancial, é um construto intersubjetivo de cima a baixo, o indivíduo não pode transcender sua configuração sócio-histórica. Não sobra nenhum traço do self do Esclarecimento que possa se retirar da comunidade na qual ele está inserido, levando as suas capacidades críticas consigo, para fazer um julgamento independente sobre aquela comunidade. As normas do julgamento crítico teriam sido elas mesmas deixadas para trás”51. Com relação ao problema da validade normativa, Habermas e Apel tentaram oferecer uma solução que é audaciosa e única. Em oposição às variedades de hermeneutas, comunitaristas, wittgeinsteinianos tardios, neopragmatistas e assim por diante, eles tentam manter uma posição que é tanto intersubjetiva como universalista ao realocar a fonte da normatividade: da estrutura da consciência para as precondições pragmáticas da própria comunicação intersubjetiva. No entanto, ao adotar o programa intersubjetivista forte, eles herdaram os problemas concernentes à espontaneidade e à criatividade que vêm junto com ele. 50 51 Ibid., 18. Ibid., 17-18. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 317 As dificuldades tornam-se particularmente claras com Honneth, em grande parte, porque – e isto é mérito seu – ele se recusa a deixar as pretensões da psicanálise para trás ao perseguir seu programa comunicativo. Como vimos, Honneth acredita que as intuições que animaram o “programa extraordinário”52 de Hegel dos anos em Jena eram basicamente acertadas e seu plano é reinterpretá-las de um modo que possa ser defendido no contexto filosófico pós-metafísico da atualidade. Para ele, isto significaria reconstruir o desenvolvimento do self e da comunidade ética como um “processo” intersubjetivo “intramundano que ocorre sob condições contingentes da socialização humana”, isto é, “à luz da psicologia social empírica”53. E a teoria da socialização de Mead parece se encaixar perfeitamente. Decerto, Honneth vê Mead – que havia, de fato, estudado filosofia e psicologia em Berlim54 – como tentando “desenvolver uma solução não especulativa para os problemas do idealismo alemão”55. Mead levanta o que é para Honneth “o problema psicológico essencial” a respeito da formação do self: a saber, como a autoconsciência pode se desenvolver? “Como”, em outras palavras, “o indivíduo pode sair de si mesmo (experiencialmente) de tal maneira que se torne um objeto para si mesmo?”56 E a resposta de Mead, como é bem sabido, é a de que o indivíduo realiza isto ao tomar a atitude do outro – um processo que ocorre primariamente na linguagem. O self é constituído, de acordo com este modelo, mediante a internalização da atitude do outro generalizado, o Honneth, The Struggle for Recognition, 62. Ibid., 67 e 68. 54 Ver Joas, G. H. Mead, 18 et seq. 55 Honneth, The Struggle for Recognition, 71. 56 Ibid., 138. 52 53 Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 318 | qual assume o caráter de uma agência (Instanz) intrapsíquica, no sentido de Freud. Mead chama isto de “me”57. E quando Mead nos diz que a internalização das expectativas do outro generalizado – ou seja, das demandas da comunidade – “constrói” o self da criança e cria a “unidade” do sujeito ao dar a ele controle sobre “sua[s] resposta[s] particular[es]”58, realmente parece que a sociedade é dominante, e o self auxiliar. Tugendhat acredita que as implicações conformistas do “me” são tão fortes que este “se aproxima” do conceito de das Man de Heidegger59. O anseio teórico de Mead em afirmar a prioridade do fator social na formação do self, entretanto, ameaça colocá-lo em problemas em termos políticos. Pois, embora ele queira reforçar a centralidade da cooperação na prática social, Mead não é um comunitarista conservador que pode aceitar as possíveis consequências tradicionalistas e convencionalistas da posição intersubjetivista. Pelo contrário, ele foi um progressista ativo e buscou promover experimentações e inovações políticas e 57 A noção de “me” de Mead, que não vai essencialmente além do conceito de Piaget de descentramento, apresenta uma concepção cartográfica, extremamente limitada do self que carece de profundidade. O que fundamentalmente falta tanto em Mead como em Piaget é um exame adequado da relação do self com sua dimensão interior. A concepção cartográfica do self informou o pensamento de Habermas quase que do início de suas investigações dialógicas. Consequentemente, não surpreende que sua consideração da individuação por meio da socialização é similarmente empobrecida. Ver Jürgen Habermas, “Individuation through Socialization: On George Herbert Mead’s Theory of Subjectivity”, in Postmetaphysical Thinking, trad. W. M. Hohengarten (Cambridge: MIT Press, 1992), 149–204; Axel Honneth, “Decentered Autonomy: The Subject After the Fall”, in The Fragmented World of the Social, 261–271; para uma crítica ver Charles Taylor, “The Dialogical Self”, Rethinking Knowledge, ed. R. F. Goodman e W. R. Fisher (Albany: SUNY Press, 1995), 57–66. 58 G. H. Mead, Mind, Self, and Society from the Standpoint of a Social Behaviorist, ed. C. W. Morris (Chicago: University of Chicago Press, 1934), 160. Considere-se também: “Se usarmos uma expressão Freudiana, o ‘me’ é em um certo sentido um censor”. Ibid., 210. 59 Ernst Tugendhat, Self-Consciousness and Self-Determination, trad. P. Stern (Cambridge: MIT Press, 1986), 251. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 319 sociais60. Para contrabalançar as tendências convencionalistas de sua teoria da socialização e da ênfase no “me”, Mead oferece a teoria do “eu”. Se o “me” compreende a institucionalização intrapsíquica das demandas da sociedade e é, assim, uma grande fonte de homogeneidade social, então o “eu” é um aspecto do self que responde continuamente às demandas do “me” de sua maneira idiossincrática própria. Como tal, é uma fonte de individuação. A questão principal, como veremos, diz respeito à fonte dessas reações idiossincráticas. A relação entre o “eu” e o “me” pode, além disso, ser mais ou menos harmoniosa ou conflituosa em um dado indivíduo e/ ou em uma dada sociedade. Em um extremo está o indivíduo convencional, cujas “ideias são exatamente as mesmas daquelas de seus vizinhos”, e que é “dificilmente mais do que um ‘me’”. No outro extremo encontramos “uma personalidade definida”, que “responde à atitude organizada de modo a fazer uma diferença significativa”. Neste caso, o “eu” é “a fase mais importante da experiência”61. Similarmente, sociedades tradicionais colocam grande ênfase nas forças integradoras do “nós” e a “individualidade é constituída pela realização mais ou menos perfeita de um tipo social dado”. Sociedades modernas pós-convencionais, em contraste, tendem a considerar a individualidade como “algo mais distintivo e singular”62; além disto, elas frequentemente atribuem um alto valor à não conformidade63. Quando o conflito entre o “eu” e o “me” ultrapassa um 60 Ver Joas, G. H. Mead, cap. 2. Mead, Mind, Self, and Society, 200. 62 Ibid., 221. 63 Ibid., 209. 61 Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 320 | certo limiar e as demandas do “me” são experienciadas como dolorosamente constritivas ou vistas como injustas, o indivíduo tem três opções: (1) aceitar o status quo, o que pode conduzir à infelicidade ordinária quotidiana ou à psicopatologia; (2) tentar se transformar autoplasticamente mediante várias formas de askesis ou terapia; e (3) contra-atacar por meio da tentativa de tornar o mundo externo mais acolhedor às demandas do “eu” do indivíduo. É a terceira alternativa que nos interessa. Quando é bem sucedida, não somente a solução aloplástica é geralmente a mais gratificante para o indivíduo, mas é também aquela que pode dar a maior contribuição para a transformação da sociedade64. Para Mead, “líderes” – um conceito que pode incluir artistas, políticos, pensadores e profetas religiosos – são aqueles indivíduos “que tornam a sociedade mais ampla uma sociedade perceptivelmente diferente”65 por meio do impacto de seu “eu” na esfera pública. Uma lacuna consideravelmente grande entre o “eu” e o “me” – entre o mundo privado do kosmos idios [mundo privado] e o mundo compartilhado do kosmos koinos [mundo comum] – não garante por si mesma, entretanto, a emergência de um líder; ela pode de modo igualmente fácil resultar em uma psicopatologia severa, isto é, idiotia em sentido estrito. Líderes potenciais também devem possuir um talento considerável que os permita articular as demandas privadas de seus contra-kosmoi na arena 64 É, de fato, uma abstração conceitual separar soluções autoplásticas e aloplásticas completamente umas das outras. Pois é mais comum que elas trabalhem in tandem, como um mecanismo de reforço mútuo operando entre elas. Por exemplo, a transformação do self pode levar a uma nova capacidade de intervir construtivamente no mundo, que por sua vez pode contribuir para a remodelação ulterior do self. 65 Mead, Mind, Self, and Society, 216. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 321 pública de tal maneira que ressoem com os anseios incipientes e frustrados de uma parcela significativa da comunidade. Além disto, eles precisam ainda de uma dose saudável de phronesis [sabedoria prática]. Pois eles devem ter as habilidades sociais e políticas para promover suas visões uma vez que tenham sido articuladas em obras públicas. Esta consideração dá alguma credibilidade à afirmação pós-moderna de que o “poder” (isto é, “marketing”), e não o valor transcendente, determina quais obras vêm a ser inscritas no cânone. Embora Mead obviamente se apoie na tradição do expressivismo estético66, ele não é um devoto do culto romântico do gênio. Enquanto pragmatista e democrata, ele está preocupado principalmente com a criatividade cotidiana do cidadão comum. O modelo do gênio, ou do líder, é iluminador para ele porque, como um exemplo óbvio de criatividade, revela a estrutura do potencial inovador do “eu” de todo cidadão face à comunidade. Os líderes “estão simplesmente levando” esse potencial “ao enésimo grau”67. Neste sentido, as ideias de Ver Joas, The Creativity of Action, 21. Mead, Mind, Self and Society, 216; ver também ibid. (nota 23). A qualidade implacável do intersubjetivismo de Habermas o força deixar escapar uma distinção importante no que concerne às capacidades de oposição do indivíduo excepcional. Justificadamente, Habermas concorda com a observação de Mead de que profetas independentes, rebeldes políticos e iconoclastas de todos os tipos não mantêm sua oposição à ordem existente em uma atitude de isolamento radical. Eles precisam, ao contrário, apelar a uma comunidade ideal mais ampla para obter a validação consensual necessária para manter sua posição. Considere-se um dissidente heroico como Nelson Mandela, que deve ter sustentado a coragem quase inimaginável requerida para sua oposição à sociedade realmente existente por meio da identificação com uma tal comunidade contrafactual. Habermas então continua, no entanto, e aduz este fato para sustentar a afirmação de que “o self a partir do qual essas realizações independentes são esperadas é constituído socialmente de cabo a rabo”. Mas a observação de Mead sobre a necessidade de apelar a uma comunidade ideal diz respeito somente à manutenção da oposição de alguém contra a ordem social dada. Não concerne à fonte – por exemplo, o “eu”, o Id ou o inconsciente 66 67 Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 322 | Mead suscitam comparação com as importantes reflexões de Winnicott sobre a capacidade de viver criativamente, a qual é vista pelo analista britânico como um aspecto essencial do bem-estar psíquico. Para Winnicott, o viver criativo – que é o oposto da “complacência”, isto é, da submissão ao “nós” – resulta da habilidade de investir a experiência cotidiana com fantasia e, deste modo, infundi-la com vitalidade e sentido68. Há, entretanto, uma grande diferença entre os dois pensadores, e esta diferença aponta para a dificuldade fundamental com o conceito de “eu” de Mead. Ao passo que Winnicott oferece uma teoria desenvolvida – que inclui conceitos como fenômenos transicionais, criatividade primária, self verdadeiro, jogo e assim por diante – para prover uma explicação sobre a criatividade, Mead não o faz. Charles Taylor exagera apenas um pouco quando diz que o “‘eu’ de Mead não tem nenhum conteúdo próprio”. Depois de Mead ter enfatizado a constituição intersubjetiva do self, ele “reconhece que essa não pode ser a história completa” e, como Taylor diz, “que algo em mim deve ser capaz de resistir ou se conformar” às demandas do outro generalizado.69 Mead introduz o “eu” supostamente para dar conta dessa capacidade. Mas porque este não é o local onde reside o peso teórico ou polêmico de seu pensamento – e porque isto teria abalado seu comprometimento primário com a constituição intersubjetiva do self –, o conceito permanece como pouco mais do que um marcador vazio. – de onde aquela oposição individual se origina. E este argumento de modo algum exclui a existência de fontes pré-sociais do self. Ver Habermas, “Individuation Through Socialization”, 183. 68 Ver D. W. Winnicott, “Creativity and Its Origins”, in Playing and Reality (New York: Tavistock, 1971), 65–85. 69 Taylor, “The Dialogical Self”, 64. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 323 A natureza indeterminada do “eu” oferece a diferentes intérpretes de Mead uma ampla margem para concebê-lo de modo a servir às suas próprias intenções teóricas e políticas70. Isso permite a Honneth, por exemplo – que originalmente reconhecera o seu caráter mal definido –, conduzir a teoria de Mead em direção à psicanálise. Assim, em Luta por reconhecimento, Honneth escreve que o “eu”, que remete à “experiência inesperada de uma irrupção de impulsos internos”, tem “algo de obscuro e ambíguo”. E, ele continua, “nunca é imediatamente claro se [aqueles impulsos] resultam de pulsões pré-sociais, da imaginação criativa ou da sensibilidade moral do próprio self ”71. Em um artigo mais recente, no entanto, ele negligencia a ambiguidade e afirma que o “eu” de Mead é “pouco diferente do ‘inconsciente’ na psicanálise”. Ele “é a agência da personalidade humana responsável por toda reação impulsiva e criativa e como tal nunca é capaz de alcançar o horizonte da consciência”72. 70 Ademais, várias considerações diferentes do “eu” podem ser encontradas nos escritos de Mead. Em “The Definition of the Psychical”, por exemplo, ele entende o “eu” como um produto da decomposição que emerge quando nossa abordagem habitual e irrefletida de uma tarefa é frustrada. Neste momento, a nossa experiência integrada se dissolve em impulsos conflitantes, e é tarefa do “eu” reconstituir aqueles elementos em um novo self, o que, ao mesmo tempo, envolve a reconstituição de nossa perspectiva sobre o objeto, e, nesta medida, cria um novo objeto – em George Herbert Mead, Selected Writings, ed. A. J. Reck (New York: Liberal Arts Library, 1964), 53 et seq. Em Mind, Self and Society, por outro lado, Mead entende o “eu” como a parte do self que constantemente segue a trilha da experiência do “me” e reage a ela. Como tal, ele é sempre depois do fato – nachträglich, après coup – e não pode jamais ser apreendido na experiência (ver 173 et seq.) Devemos notar que em nenhuma das considerações o “eu” é entendido como algo que existe antes da experiência, de forma que ele pudesse, portanto, dar sua contribuição distintiva para ela. Tampouco é concebido como tendo qualquer pressão conativa – Drang, no sentido de Freud – que pudesse impulsionar a experiência. 71 Honneth, The Struggle for Recognition, 81. 72 Honneth, “Decentered Autonomy”, in Fragmented World of the Social, 267. Ainda mais recentemente, ele equipara o “eu” com o Id freudiano: ver Axel Honneth, “Object Relations Theory and Postmodern Identity: On the Supposed Obsolescence of Psychoanalysis”, 8–9 (manuscrito Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 324 | Se esta afirmação fosse verdadeira, ela resolveria vários problemas centrais que confrontam a teoria do próprio Honneth. Em primeiro lugar, a assimilação do “eu” ao inconsciente permitiria que a posição de Mead, que Honneth quer apropriar, se apoiasse sobre as explicações psicanalíticas da motivação e da criatividade. E, em segundo lugar, a equiparação do “eu” ao “inconsciente” permite a Honneth insinuar sutilmente a seguinte implicação: se Mead construiu uma teoria bemsucedida da constituição intersubjetiva do self, e se seu conceito de “eu” é equivalente ao de inconsciente, então não há nenhuma incompatibilidade fundamental entre o inconsciente psicanalítico e uma “abordagem teórica intersubjetiva”733. Uma afirmação desta magnitude, entretanto, deve ser demonstrada em vez de simplesmente sugerida. Honneth explicitamente situa seu movimento em uma direção mais psicanalítica no contexto de uma longa série de teóricos que, de uma maneira ou de outra, prognosticaram o “fim do indivíduo” – isto é, Adorno, Marcuse, Foucault e Luhmann. De acordo com eles, a dinâmica da modernidade conduz à inexorável absorção do “eu” pelo coletivo impessoal, sem sobra. Suas predições de fato aproximariam o “me” do das Man de Heidegger, como sugeriu Tugendhat. Contra esta tradição, Honneth nos diz que estava tentando formular uma teoria que mostrasse por que a “luta por reconhecimento não poderia ser silenciada”74. E em sua tentativa de construir tal teoria, ele se voltou “para uma tradição particular da teoria não publicado)iii. 73 Honneth, “Object Relations Theory and Postmodern Identity”, 7. 74 Honneth, “Author’s Introduction”, in Fragmented World of the Social, xxiv. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 325 psicanalítica”, isto é, aquela representada por Castoriadis. Honneth acredita que a ideia central da teoria social psicanalítica de Castoriadis – a saber, “a hipótese de um inconsciente persistente, que repetidamente nos confronta com as fantasias de uma reconciliação inalcançável” – explica como “a demanda do indivíduo por reconhecimento é ancorada em todo sujeito como um motivo persistente que é continuamente capaz de ser ativado”75. Se a equiparação do “eu” de Mead com o id ou o inconsciente freudiano pode ou não ser textualmente confirmada – não acredito que possa – é algo de importância secundária. A questão substantiva fundamental diz respeito às dificuldades que uma leitura psicanalítica do “eu” cria para o programa intersubjetivista forte. Mas não precisamos ir tão longe, até Castoriadis, que provavelmente toma a posição mais intransigente sobre a questão da onipotência no interior da teoria psicanalítica – ou mesmo até Freud, aliás –, para encontrar as dificuldades. Mesmo na posição de Winnicott, que Honneth utiliza extensivamente e vê como encaixando perfeitamente com a “abordagem teórica intersubjetiva” de Mead, o problema 75 Ibid., xxiv-xxv. Ver também Axel Honneth, “Rescuing the Revolution with an Ontology: On Cornelius Castoriadis’ Theory of Society”, in The Fragmented World of the Social, 168-183. Habermas, em contraste, opõe-se à tese do fim do indivíduo argumentando que a socialização é simultaneamente um processo de individuação, o qual é intensificado pela divisão do trabalho moderna. Honneth também afirma a tese da socialização-como-individuação. Mas ao utilizar um argumento de Castoriadis, ele simultaneamente adota a estratégia da esquerda freudiana, que vê uma oposição ineliminável entre “Desejo” e “Lei”. Esta é, claro, a própria estratégia que Habermas viu como um remanescente da filosofia da práxis e do paradigma da produção e a qual buscou tornar desnecessária com a tese da socialização-como-individuação; ver Habermas, “Excursus on Cornelius Castoriadis: The Imaginary Institution”, in The Philosophical Discourse of Modernity, 327–335. Ver também Whitebook, Perversion and Utopia (Cambridge: MIT Press, 1995), cap. 4. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 326 | da onipotência – ou seja, a tendência a totalizar a própria posição e negar reconhecimento ao outro – ainda é central. É instrutivo notar que os psicanalistas intersubjetivistas ou relacionais frequentemente usam duas das mais importantes contribuições de Winnicott para reivindicá-lo para suas posições. A primeira é sua famosa fórmula de que sem mãe, não há criança. Isto significa que a criança apenas pode ser entendida no contexto de sua interação com a pessoa que cuida dela, e que o uso feito por Freud do modelo do ego autárquico para elucidar as primeiras fases do desenvolvimento é severamente deficiente76. A segunda é sua teoria surpreendentemente original dos fenômenos de transição, que se referem ao espaço entre – quer dizer, “intra” – sujeitos. A reivindicação, entretanto, de que Winnicott é um intersubjetivista forte, que abandonou a teoria freudiana – com suas tendências hobbesianas –, ignora um ponto decisivo. A mãe “boa o suficiente” e o objeto transicional permitem à criança superar seu estado original de onipotência. De fato, embora a tarefa final da mãe seja “desiludir a criança” em doses toleráveis, ela somente pode ter sucesso se tiver primeiro “iludido” suficientemente a criança, ou seja, confirmado a sua experiência de onipotência77. Além disso, 76 Ver D. W. Winnicott, “The Theory of the Parent-Infant Relationship”, in The Maturational Process and the Facilitating Environment (New York: International Universities Press, 1965), 39 (nota 1). 77 D. W. Winnicott, “Transitional Objects and Transitional Experience”, in Playing and Reality, 11. Em uma afirmação que suscita comparação com a noção de “cerne monádico da psique” de Castoriadis, Winnicott escreve: “Estou propondo e reforçando a importância da ideia do isolamento permanente do indivíduo, e afirmando que no seu cerne não há comunicação com o mundo não me [not-me]... Esta preservação do isolamento é parte da busca pela identidade e pelo estabelecimento de uma técnica pessoal para comunicação que não conduza à violação do self central”. D. W. Winnicott, “Communicating and Not Communicating Leading to a Study of Certain Opposites”, in The Maturational Process, 189–190. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 327 a noção de objeto transicional em seu todo não faria sentido sem a pressuposição de um estado original de onipotência, pois a onipotência é precisamente o problema que tal noção foi projetada para enfrentar. É um mérito de Honneth não facilitar as coisas para si mesmo. Em contraste com muitos teóricos intersubjetivistas e analistas relacionais, ele deixa claro que não tem intenção de evitar o conceito de onipotência. Ao contrário, ele vê a ideia de um estado original indiferenciado de desenvolvimento “como a contribuição especificamente psicanalítica para o entendimento moderno do sujeito”. Ele acredita, portanto, que “muito esforço deve ser direcionado para refutar” a afirmação de pesquisadores contemporâneos da infância – notadamente, Daniel Stern – de que teriam conseguido invalidar “a suposição de um estado primordial de simbiose”78. (Novamente, psicanalistas intersubjetivistas e relacionais geralmente veem a pesquisa de Stern como um pilar de sua posição). Como, então, Honneth tenta reconciliar a existência de uma fase simbiótica, e o senso de onipotência que a acompanha, com sua adesão a um programa intersubjetivista? Ele o faz por meio da equiparação da “simbiose” com “uma fase de intersubjetividade indiferenciada”79. Para ser justo, esta equivalência não pode simplesmente ser descartada como um subterfúgio terminológico. A própria natureza da “situação psíquica primária”80 – que deve ter suas dimensões diferenciadas e indiferenciadas – forçou seus teóricos mais importantes a introduzir formulações paradoxais. Honneth, “Object Relations Theory and Postmodern Identity”, 10. Honneth, The Struggle for Recognition, 98. 80 Freud, “Instincts and Their Vicissitudes”, S.E., vol. 14, 134. 78 79 Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 328 | Margaret Mahler, por exemplo, refere-se a uma “unidade dual”, e Hans Loewald a um “campo psíquico indiferenciado”81 ao caracterizar a primeira fase do desenvolvimento. No entanto, deve-se insistir em algumas distinções, pois o uso que Honneth faz do termo “intersubjetividade” abarca clandestinamente conteúdo demais. Para começar, “interação” deve ser distinguida de “intersubjetividade”82. A fusão das duas implica que sujeitos já existem quando o bebê e a mãe interagem nessa fase inicial, quando a gênese do sujeito é exatamente o que deve ser explicado83. Honneth na verdade reconhece isto quando nota que o propósito do objeto transicional é reduzir a dor da separação que é parte e parcela da “emergência da intersubjetividade”84. Ainda mais importante é que o uso do termo “intersubjetividade” também implica que a fase inicial já é um estado de “sociabilidade”. Aglutinar esses dois conceitos privaria as ideias de simbiose e 81 Margaret Mahler et al., The Psychological Birth of the Human Infant (New York: Basic Books, 1975), 55; e Hans W. Loewald, Papers on Psychoanalysis (New Haven: Yale University Press, 1980). 82 Judith Guss Teicholz insiste na distinção crucial entre os termos “interativo”, “interpessoal” e “intersubjetivo” e entre “regulação mútua” e “reconhecimento mútuo”. Muito da confusão nas controvérsias – e nas falcatruas polêmicas – psicanalíticas atuais resultam da falha em distinguir sistematicamente esses termos. Seria tarefa difícil encontrar um analista de qualquer linha que defenda que o desenvolvimento inicial – ou a situação clínica – não é interativo. Mas não se segue disto que ele também já seja interpessoal ou intersubjetivo. Da mesma maneira, poucos analistas negariam que a interação mãe-criança e analista-analisado envolve regulação mútua. Mas, novamente, regulação mútua não é o mesmo que reconhecimento mútuo, e, na transferência narcísica, a primeira pode ser até mesmo usada para impedir o último. Ver Judith Guss Teicholz, Kohut, Loewald and the Postmoderns (Hillsdale, N.J.: Analytic Press, 1999), 181, 172–172, 182–189. 83 Honneth poderia ter usado o conceito de Thomas Ogden de “posição autista-contígua”, que foi projetado para designar um estágio inicial de desenvolvimento que é interativo mas ainda não intersubjetivo. Ver Thomas Ogden, “The Dialectically Constituted/Decentered Subject of Psychoanalysis II: The Contributions of Klein and Winnicott”, The International Journal of Psycho-Analysis 73 (1992): 616. 84 Honneth, “Object Relations Theory and Postmodern Identity”, 12. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 329 de onipotência de sua força para rejeitar a realidade, ou seja, de sua negatividade. Isso constituiria de fato a situação, descrita por Green, na qual a constituição intersubjetiva do self é concebida como implicando a consequência de ser essencialmente “paranós”, ou seja, social per se. Mais uma vez, assim como com o conceito de intersubjetividade, a emergência da sociabilidade – “a ascensão do ego individual para a cultura”85 – deve ser explicada. Além do mais, o uso que Honneth faz da teoria da internalização de Mead também mitiga o trabalho do negativo de uma maneira contra a qual Green adverte. Para Honneth, “a psique individual” é entendida “como uma estrutura de comunicação transposta para dentro”86. O self é formado mediante a internalização de “relações[s] de comunicação”87 com figuras significativas do ambiente da criança. Por sua vez, elas tornam-se institucionalizadas, por assim dizer, como diferentes agências (Instanzen) da psique, e a vida intrapsíquica é composta da comunicação entre elas. Sob esta perspectiva, o objetivo do desenvolvimento não é a “força eficiente do ego”, mas o “enriquecimento do ego por meio de um afrouxamento comunicativo da vida interior”88. Até o momento, não tenho objeções contra a conceitualização do self feita por Honneth. As coisas tornam-se problemáticas, entretanto, quando ele se refere a este ideal comunicativamente concebido do bem-estar psíquico como a “capacidade intrapsíquica para o diálogo (Dialogfähigkeit)”89. Não obstante o uso que dele Green, The Work of the Negative, 27. Ibid., 6. 87 Ibid., 8 88 Ibid., 6. Cf. Castoriadis, Imaginary Institution of Society, 104. 89 Honneth, “Object Relations and Postmodern Identity”, 12. 85 86 Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 330 | faz Freud, o termo “comunicação” talvez já fosse impreciso demais para descrever a interação (ou intercurso) entre as agências. Mas a assimilação da “comunicação” ao “diálogo” – com suas conotações de moderação, não violência e simetria – é inteiramente enganosa. Em lugar da ideia de diálogo, Green utiliza a noção de “polêmica” para descrever a interação entre as partes da psique. (Ele a explica com a terminologia do modelo topográfico, mas isto não afeta o argumento básico). A psicanálise, argumenta Green, postula uma “atividade psíquica diferente da consciência”, que atua “in tandem com ela”. E “diferentemente da idealidade neutra da simetria”, que informa uma concepção dialógica, a psicanálise pressupõe uma “polêmica entre dois estados, sendo um consciente e o outro não, e os vê lutando por poder”90. A ubiquidade das polêmicas e das lutas por poder intrapsíquicas – que formam o material da experiência clínica cotidiana e são a pedra de toque da concepção analítica – simplesmente não é um aspecto sistemático da psicologia social de Mead. E quando Honneth tenta integrar a psicologia de Mead e a psicanálise, os compromissos dialógicos do pragmatista prevalecem sobre aquelas realidades polêmicas. 4. Conclusão Para concluir, gostaria de retornar à discussão sobre as mudanças de paradigma com a qual começamos. Como venho argumentando, a forte corrente anti-hobbesiana cria uma pressão teórica constante para os habermasianos socializarem o self de cima a baixo, de modo que, de uma maneira ou 90 Green, The Work of the Negative, 17. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 331 de outra, é negada a existência plena de uma intuição préreflexiva ou pré-social do self. O problema lógico é paralelo, quer consideremos o self teórico ou o psicológico. (É por causa disto que os enigmas conceituais do idealismo alemão reaparecem na pesquisa sobre a infância). Habermas afirma, então, que a habilidade do paradigma intersubjetivista de eliminar as aporias da autoconsciência que afligiam a filosofia do sujeito é uma das principais vantagens em favor de sua adoção. Mas este é um dos casos onde a mudança para um novo paradigma resulta simplesmente no deslocamento do problema. De fato, o deslocamento parece tão óbvio que é difícil entender como Habermas o nega. Uma maneira de formular as aporias da autoconsciência – que remontam até a tentativa de Fichte de dar conteúdo para a unidade transcendental da apercepção de Kant91 – é a seguinte. O self é geralmente entendido como aquela entidade única que é constituída pela formação de uma representação de si mesma. Isto significaria que nenhum self pode existir antes de tomar a si mesmo como um objeto e formar uma tal representação. A própria locução, “antes de se tomar como um objeto”, entretanto, aponta para o problema: pressupõe-se um X previamente existente – uma espécie de pré-self – que pode exercer a ação de tomar algo como objeto. Mas isto é descartado ex hypothesi – isto é, a não ser que se questione a 91 Ver Dieter Henrich, “Fichte’s Original Insight”, trad. D. R. Lachterman, in Contemporary German Philosophy, vol. 1, ed. D. Christensen et al. (University Park, Pa.: Pennsylvania State University Press, 1982), 15–55; Robert Pippin, “Fichte’s Contribution”, The Philosophical Forum 19 (Winter-Spring, 1987–1989): 75–96 e Frederick Neuhouser, Fichte’s Theory of Subjectivity (Cambridge: Cambridge University Press, 1990), cap. 3 e 4. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 332 | definição do self como algo necessariamente representacional e se argumente a favor da existência de uma intuição préreflexiva ou pré-representacional do self. Ao sugerir uma forma não representacional de conhecimento, entretanto, este movimento parece reintroduzir a noção de uma intuição intelectual que regrediria para um estágio anterior à filosofia crítica de Kant. Habermas, que é profundamente desconfiado de qualquer insinuação de intuição intelectual, afirma que, uma vez que o modelo comunicativo explica a gênese do self mediante a interação em vez da autorreflexão, o “problema torna-se sem sentido com a mudança de paradigma”92. Mas o paradigma interativo pressupõe uma intuição inicial do self tanto quanto o paradigma da consciência. Por exemplo, na concepção de Mead, se assumir a atitude do outro gera o self, então já deve existir um X, de alguma forma, para realizar a ação de assumir. Esse X não deve ser capaz apenas de assumir a perspectiva do outro, mas também de selecionar aqueles aspectos que contam como parte de si mesmo quando adota tal posição. Como diz Dews, “interação não pode gerar” uma autorrelação; assim como a autorreflexão, ela “pressupõe o autoconhecimento [self-acquaintance] primário no cerne da autoconsciência”93. A resposta de Habermas a esta linha de crítica é um estranho ato de afirmação e negação simultâneas, reminiscente de uma famosa história contada por Freud. Quando um homem 92 Jürgen Habermas, “Metaphysics after Kant”, in Postmetaphysical Thinking, 25. 93 Peter Dews, “Modernity, Self-Consciousness and the Scope of Philosophy”, 178; também Sacks, “The Conception of the Subject”, 8, and Henrich, “What Is Metaphysics – What Is Modernity?”, teses 9 e 10. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 333 é acusado de ter devolvido quebrada uma chaleira que havia tomado emprestada, ele oferece a seguinte defesa infalível. Em primeiro lugar, ele a havia retornado intacta, em segundo lugar, a chaleira já tinha um buraco quando ele a tomou emprestado, e, finalmente, ele nunca a havia tomado emprestada para começo de conversa94. Similarmente, Habermas parece dizer que não há nenhuma intuição pré-linguística do self e que isto é trivial. Considere-se, por exemplo, esta passagem particularmente tortuosa: “A subjetividade pré-linguística não precisa preceder as relações com o self que são postas mediante a estrutura da intersubjetividade linguística… porque tudo que merece o nome de subjetividade, mesmo se for um ser-familiar-consigomesmo, não importa o quão preliminar, está em dívida com a força obstinadamente individualizante possuída pelo meio linguístico dos processos formativos”95. Não é claro se Habermas está fazendo uma afirmação factual reivindicando que todo “ser familiar consigo mesmo” é de natureza linguística ou fazendo uma afirmação normativa-transcendental acerca do que deveria ser dignificado com o nome de – isto é, contar como – subjetividade. Este último exercício seria próximo daquele empreendido por Donald Davidson em seu artigo “Rational Animals”, onde ele diz que não está interessado em tratar de quais seres são racionais e quais não – ou o caso limítrofe da criança pré-linguística – mas somente de qual é o critério da racionalidade. (Para Davidson é a posse de atitudes proposicionais)96. Mas a questão transcendental a Freud, The Interpretation of Dreams, S.E. vol. 4, 119–120. Habermas, “Metaphysics after Kant”, 25. 96 Donald Davidson, “Rational Animals”, Dialectica 36 (1982): 319–327. 94 95 Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 334 | respeito do critério estrito para a subjetividade é, por si só, de interesse limitado – especialmente para o teórico social pósmetafísico, naturalizado e psicanaliticamente orientado. Pois, o que quer que os filósofos transcendentais nos digam, sabemos que empiricamente há muito que antecede e acompanha a subjetividade em sentido estrito e que é de enorme importância para a vida humana. Que Habermas está primeiramente interessado na questão transcendental é algo claro na seguinte passagem: “Isto de modo algum exclui raízes pré-linguísticas do desenvolvimento cognitivo na primeira infância: mesmo com uma consciência primitiva de regras, já deve se desenvolver uma rudimentar relação com o self. Tais suposições ontogênicas não prejudicam, entretanto, a descrição da função das habilidades metacognitivas no estágio de desenvolvimento do domínio da língua materna, onde as realizações da inteligência já são organizadas linguisticamente”97. Aqui, Habermas claramente reconhece a existência de uma “relação rudimentar com o self ”. Na continuação ele afirma, entretanto, que esta suposição não “prejudica” – de fato um termo muito vago – nossas “habilidades metacognitivas”, uma vez que adquirimos a linguagem e estamos dentro de sua circunscrição. (E quanto às nossas habilidades cognitivas de primeiro-nível?) Mas esta afirmação ignora dois fatos cruciais. Primeiramente, pesquisadores de variadas orientações teóricas mostraram que o self pré-linguístico deve passar por um enorme desenvolvimento simplesmente para estabelecer “a criança como um interlocutor”98, Habermas, “Metaphysics after Kant”, 27 (nota 18). Bénédicte de Boysson-Bardies, How a Child Comes to Language, trad. M. De-Bevoise (Cambridge: MIT Press, 1999), 73. Ver também Jerome Brunner, Child’s Talk (New York: W.W. Norton, 1985), cap. 2, e 97 98 Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017. Reconhecimento mútuo e o trabalho do negativo | 335 que pode entrar na linguagem em primeiro lugar. Além disto, muito deste desenvolvimento é distintivamente não cognitivo e afetivo em sua natureza – é semiótico em vez de simbólico, no sentido dos termos de Kristeva99. Em segundo lugar, a afirmação de Habermas pressupõe que esta experiência pré-linguística não permanece codificada na mente e não exerce uma força enorme sobre as estruturas linguísticas depois da linguagem ser adquirida. Mas isso vai contra a experiência psicanalítica assim como contra pesquisas mais recentes na ciência cognitiva, que preveem múltiplos códigos operando simultaneamente na mente e interagindo uns com os outros100. A compulsão de Habermas em linguistificar – ou seja, socializar – a mente o leva a uma forma de monismo linguístico. Ele parece defender que a linguagem constitui um cosmos autossuficiente, de modo que, uma vez em seu círculo, não temos qualquer acesso às forças pré- e extralinguísticas que agem sobre ela e a distorcem. Mas, a não ser que eu esteja errado, esta era a tese de Gadamer que Habermas trabalhou tão duramente para rejeitar trinta anos atrás. Tradução: Fernando Bee Revisão da tradução: Mariana Teixeira Hans Loewald, “Primary Process, Secondary Process, and Language”, in Papers on Psychoanalysis, 178–206. Ou, como diz Henrich: “Isto iria requerer que falássemos de uma autorrelação implícita, que já aparece ou funciona no nível mais elementar da aquisição da linguagem. Pois está claro que a capacidade de usar a primeira pessoa singular gramatical (o pronome “eu”) é adquirida somente em um estágio tardio do processo de aquisição da linguagem”. Dieter Henrich, “What Is Metaphysics—What Is Modernity?”, 311. 99 Kristeva, Revolution in Poetic Language, Parte I. Ver também BoyssonBardies, How a Child Comes to Language, passim. 100 Ver especialmente Wilma Bucci, Psychoanalysis and Cognitive Science (New York: Gilford Press, 1997). Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 289-336, 1º Sem 2017. Joel Whitebook 336 | Notas dos editores As palavras entre colchetes são indicações dos tradutores, ao passo que os termos entre parênteses correspondem a indicações do autor no texto original. i Neste caso, Whitebook utiliza o termo francês méconnaissance como tradução correspondente ao termo inglês mis-cognition. No entanto, também é comum ver esse termo francês como tradução corresponde ao termo misrecognition. ii O artigo de Axel Honneth citado por Whitebook já foi publicado: “Postmodern Identity and Object-Relations Theory: On the Seeming Obsolescence of Psychoanalysis”, in Philosophical Explorations, vol. 2, 1999 - Issue 3), 225–242. iii “Mutual Recognition and the Work of the Negative” de Joel Whitebook foi publicado em Pluralism and the Pragmatic Turn: The Transformation of Critical Theory (Essays in Honor of Thomas McCarthy), ed. William Rehg e James Bohman, 257-291. Cambridge, Mass.: The MIT Press, 2001 (https://mitpress.mit.edu/books/ pluralism-and-pragmatic-turn) e traduzido com permissão de Joel Whitebook. Dissonância: Teoria Crítica e Psicanálise, Campinas, n. 01, p. 286-336, 1º Sem 2017.