TEMAS ATUAIS
DE FILOSOFIA DO
DIREITO
Diálogos atemporais entre
clássicos e modernos
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Organizadores
GLAUCO BARREIRA MAGALHÃES FILHO
DANIEL DAMASCENO
TEMAS ATUAIS
DE FILOSOFIA DO
DIREITO
Diálogos atemporais entre
clássicos e modernos
Londrina/PR
2024
I
Dados Internacionais de Catalogação na
Publicação (CIP)
Temas atuais de Filosofia do Direito:
diálogos atemporais entre clássicos e
modernos (Volume 1). / Glauco Barreira
Magalhães Filho, Daniel Damasceno
(orgs) . – Londrina, PR: Thoth, 2024.
277 p.
Inclui bibliografias.
© Direitos de Publicação Editora Thoth.
Londrina/PR.
www.editorathoth.com.br
[email protected]
ISBN: 978-65-5959-817-5
1. Filosofia jurídica. 2. Platão. 3. Aristóteles.
I. Filho, Glauco Barreira Magalhães; II.
Damasceno, Daniel (orgs).
CDD 340.1
Índices para catálogo sistemático
Diagramação e Capa: Editora Thoth
Revisão: Daniel Damasceno
Editor chefe: Bruno Fuga
Conselho Editorial (Gestão 2024)
Prof. Dr. Anderson de Azevedo • Me. Aniele
Pissinati • Prof. Dr. Antônio Pereira Gaio Júnior •
Prof. Dr. Arthur Bezerra de Souza Junior • Prof. Dr.
Bruno Augusto Sampaio Fuga • Prof. Me. Daniel
Colnago Rodrigues • Prof. Dr. Flávio Tartuce • Me.
Gabriela Amorim Paviani • Prof. Dr. Guilherme
Wünsch • Dr. Gustavo Osna • Prof. Me. Júlio Alves
Caixêta Júnior • Prof. Esp. Marcelo Pichioli da
Silveira • Esp. Rafaela Ghacham Desiderato • Prof.
Dr. Ricardo Genelhú • Profª. Dr. Rita de Cássia
R. Tarifa Espolador • Prof. Dr. Thiago Caversan
Antunes
1. Filosofia do Direito: 340.1
Proibida a reprodução parcial ou total desta obra
sem autorização. A violação dos Direitos Autorais é
crime estabelecido na Lei n. 9.610/98.
Todos os direitos desta edição são reservados
pela Editora Thoth. A Editora Thoth não se
responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra por
seus autores.
ORGANIZADORES
GLAUCO BARREIRA MAGALHÃES FILHO
Mestre em Direito (UFC). Doutor em Sociologia (UFC). Livre-Docente
em Filosofia do Direito (UVA). Professor de Direito (FD/UFC).
Pesquisador-líder do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion
(PPGD/UFC). Autor de diversos livros jurídicos e teológicos.
DANIEL DAMASCENO
Mestre (2023) e Bacharel (2018) em Direito (UFC). Pesquisador do Grupo
de Estudos em Filosofia do Direito - Díkaion (PPGD/UFC). Autor do
livro “Ética das virtudes & decisão judicial: a tradição clássica do juiz
prudente” (Lumen Juris, 2023). Coorganizador das coletâneas “Ética,
Direito & Bem Comum” (Thoth, 2023) e “Direito Natural, Justiça &
Bem Comum” (Mucuripe, 2023). Editor do portal “Direito & Cultura”
(Medium). Assessor de Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
AUTORES
ANA PATRÍCIA MELO ARRUDA
Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista
em Direito e Processo Penal pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR).
Especialista em Filosofia e Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais (PUC/MG). Bacharela em Direito pelo Centro
Universitário Sete de Setembro (UNI7). E-mail: patriciaarruda_81@
hotmail.com.
DANIEL DAMASCENO
Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Pesquisador do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion
(CNPq). Assessor de Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). E-mail:
[email protected].
EDGAR FERREIRA DE OLIVEIRA CALIXTO ALMEIDA
Pós-graduando em Direito Constitucional pela FAVENI. Graduado em
Direito pelo Centro Universitário CESMAC. Aluno do Grupo de Estudos
em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq). Professor de Ciência Política e
Teoria Geral do Estado do Centro Universitário Mario Pontes Jucá (UMJ).
E-mail:
[email protected].
ÊNIO STEFANI RODRIGUES CARDOSO CIDRÃO
Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Bacharel
em Direito pelo Centro Universitário Christus (Unichristus). Aluno do
Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion. E-mail: cidraoenio@
gmail.com.
FRANCISCA CECÍLIA DE CARVALHO MOURA FÉ
Doutoranda em Direito Púbico pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos
(Unisinos). Mestra em Direito pela Universidade Federal do Piauí (UFPI).
Aluna do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq).
Professora. Advogada. Bolsista CAPES/PROEX. E-mail: ceciliamourafe@
gmail.com.
GLAUCO BARREIRA MAGALHÃES FILHO
Doutor em Sociologia (UFC). Mestre em Direito (UFC). Livre-Docente
em Filosofia do Direito (UVA). Professor da Faculdade de Direito da
Universidade Federal do Ceará (FD/UFC). Pesquisador-líder do Grupo de
Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq). E-mail: glaucobarreira@
yahoo.com.br.
JOSÉ LUCAS LIMA DA COSTA
Graduado em Direito pelo Centro Universitário Fametro (Unifametro).
Pós-graduando em Direito Público pela Faculdade Legale. Aluno do Grupo
de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq). Membro do Grupo
de Trabalho (GT) Neoconstitucionalismo, Ativismo e Liberdade – IEDC.
E-mail:
[email protected].
LÍLIA DE SOUSA NOGUEIRA ANDRADE
Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestra
em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista em
Penal e Processo Penal pela Faculdade Damásio (FDDJ). Especialista em
Educação pela Faculdade Integrada Instituto Souza (Fasouza). Graduada em
Direito pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Professora da Faculdade
Princesa do Oeste (FPO). Advogada. E-mail:
[email protected].
MURILO JOSÉ ALVES MOTA
Graduando em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Aluno
do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq). Bolsista
de Iniciação Científica UFC/Funcap. E-mail:
[email protected].
NARDEJANE MARTINS CARDOSO
Mestre em Direito Constitucional pelo Programa de Pós-Graduação da
Universidade de Fortaleza (PPGD/UNIFOR). Docente do Curso de
Direito do Centro Universitário Fanor Wyden (UniFanor). Aluna do Grupo
de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq). Advogada. E-mail:
[email protected].
RAFAEL CAVALCANTE CRUZ
Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Mestre em Economia pela UFC e em Direito pela Universidade de
Fortaleza (Unifor). MBA em Gestão pela Saint Paul. Especialista em
Direito Constitucional pela UniSul. Especialista em Direito Constitucional
Aplicado pela Faculdade Legale. Graduado em Direito pela Unifor com
extensão na Universidad de Oviedo - Espanha. Tabelião. E-mail: rafael.
[email protected].
RAFAEL CRONJE MATEUS
Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Bacharel
em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Aluno do Grupo de
Pesquisa em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq). Advogado e assessor
legislativo. E-mail:
[email protected].
RAONI MARQUES OLIVEIRA
Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais (PUC/MG). Analista processual do Ministério Público
Federal (MPF/CE). E-mail:
[email protected].
RODRIGO COUTO GONDIM ROCHA
Doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de
Lisboa (FDUL). Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade de
Fortaleza (Unifor). Pesquisador do Grupo de Estudos em Filosofia do
Direito – Díkaion (CNPq). E-mail:
[email protected].
RÔMULO ALBUQUERQUE PORTO
Mestrando e Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará
(UFC). Pós-graduado em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade
Legale. Pós-graduando em Direito Privado pela Faculdade Legale. Pósgraduando em Direito e Processo Tributário pela Faculdade Cers. Aluno
do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq). E-mail:
[email protected].
APRESENTAÇÃO
O Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq)
nasceu do reconhecimento da importância da reflexão permanente sobre
os fundamentos da ação humana nas mais variadas dimensões da vida social
e, de modo consequente, da relevância prática da investigação filosófica
conduzida no seio das instituições acadêmicas.
Ele surgiu a partir da percepção de que existe uma lacuna na formação
dos juristas: ao longo de sua formação, pouco ou nada aprendem sobre os
fundamentos filosóficos de sua arte. Perdidos entre as observações técnicos
das disciplinas legais, a preparação para concursos públicos e os sonhos de
grandeza profissional, ignoram – e mesmo desprezam – tudo aquilo que
julgam não ter utilidade prática.
Percebemos que, sem o conhecimento dos fundamentos jusfilosóficos,
a formação jurídica é deficiente: falta-lhe a alma e resta apenas a carcaça, que,
por mero hábito adquirido desde longuíssimas eras, permanece operando
como se soubesse o que faz. Os argumentos se transformam em retórica
vazia, que não parecem levar a lugar algum.
Decidimos, então, fundar um Grupo de Estudos em Filosofia do
Direito, ao qual nomeamos Díkaion, termo grego que significa «O Justo»
ou «Aquilo que é Justo». Está relacionado à Dikē, a Justiça do Cosmos,
resultado da ordenação do mundo por Zeus. Escolhemos esse nome de
batismo por termos como base de nossas inquirições a concepção de que a
justiça – como originalmente compreendida pelos primeiros filósofos – é o
fundamento mesmo da ética, do direito e da política.
Seu objetivo é o estudo histórico e dialogal acerca dos principais
temas ligados à Filosofia do Direito, como a Justiça, a Ética, o Direito
Natural e a Teoria Política, mediante encontros quinzenais a partir da leitura
sistemática de Platão, Aristóteles, Cícero, Agostinho, Tomás de Aquino,
dentre outros pensadores consagrados, sucessivamente. Para tanto, temos
um cronograma de leituras semestrais envolvendo autores de tempos mais
remotos aos recentes.
O Grupo, embora vinculado ao Programa de Pós-Graduação em
Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD/UFC), reúne uma
comunidade de pesquisadores de várias universidades do País. Entre os
participantes, temos professores e alunos de graduação e pós-graduação de
vários cursos jurídicos, de Norte a Sul do Brasil. Todos dedicados ao exame
da fertilidade da filosofia clássica para responder aos problemas jurídicos e
políticos da atualidade.
Com o apoio do CNPq e da UFC, o Díkaion realizou o I Congresso
Luso-Brasileiro de Filosofia do Direito em setembro de 2022, evento
internacional do qual participaram como palestrantes professores de várias
partes do Brasil e de Portugal. Nesse congresso, inaugurador de uma
parceria com docentes ultramar, houve seleção de artigos dos participantes
e inscritos, bem como a sua publicação em anais.
Além disso, o Grupo de Pesquisa já produziu outras coletâneas
e artigos, e os participantes docentes têm publicado vários livros de
sua própria autoria, em diálogo com os estudos grupais. Dois alunospesquisadores publicaram as suas dissertações de mestrado por editoras
jurídicas reconhecidas nacionalmente, e outros ainda publicarão suas teses
doutorais.
A presente coletânea, intitulada “Temas Atuais de Filosofia do
Direito: Diálogos Atemporais entre Clássicos e Modernos (v. 1)”, faz
um intercâmbio entre o pensamento jurídico de diversos períodos, da
antiguidade à contemporaneidade. Ao tratar de questões éticas, sociais,
políticas e jurídicas, temos o fruto maduro de 2 (dois) anos de profundas
pesquisas, reflexões e discussões no seio do grupo de estudos.
Bem comum, justiça, equidade, prudência e Direito Natural são temas
do programa de estudo. Ética, política, antropologia, hermenêutica, retórica,
epistemologia e metafísica são disciplinas destacadas. Tudo isso coordenado
com a Teoria do Estado e do Direito, com o Constitucionalismo, com o
Direito Internacional, com os direitos humanos e fundamentais, bem como
com o estudo da Jurisdição Constitucional. Estudamos as relações entre a
natureza humana e o Direito, o Estado e a sociedade, o poder e a liberdade.
Convidamos todos aqueles que tateiam, um tanto às cegas, o que há
por detrás do direito visível – desse mundo das legislações, das interpretações
sistemáticas, das peças repetitivas, das (in)constitucionalidades – a conhecer
o direito e a justiça reais, que a alma humana pode investigar e compreender,
por meio desta coleção.
Esperamos que a presente obra coletiva ajude a formar um paradigma
ético-jurídico capaz de atender ao equilíbrio pendular entre justiça e
segurança, desvendando caminhos para o aperfeiçoamento humano e social.
Fortaleza, 26 de julho de 2023.
OS ORGANIZADORES
SUMÁRIO
ORGANIZADORES ...................................................................................................7
AUTORES......................................................................................................................9
APRESENTAÇÃO .....................................................................................................13
INTRODUÇÃO
Glauco Barreira Magalhães Filho
EDUCAÇÃO E DIREITO NATURAL NA FORMAÇÃO CLÁSSICA.........21
Referências .................................................................................................................33
PARTE I
DIÁLOGOS COM PLATÃO...................................................................................35
CAPÍTULO 1
Daniel Damasceno
O CONCEITO DE LIBERDADE NO DIÁLOGO GÓRGIAS DE PLATÃO:
UM ESTUDO COMPARADO ENTRE AS CONCEPÇÕES CLÁSSICA E
MODERNA .................................................................................................................37
Introdução .................................................................................................................37
I O debate entre Sócrates e Polo no Górgias: a construção de um novo paradigma
ético-filosófico ..........................................................................................................38
II A recepção do conceito platônico de liberdade pelos medievais .................40
III O problema da liberdade individual contra o poder estatal na modernidade....44
IV Comparando dois paradigmas filosóficos .......................................................49
Conclusão ..................................................................................................................52
Referências .................................................................................................................53
CAPÍTULO 2
Francisca Cecília de Carvalho Moura Fé
Lília de Sousa Nogueira Andrade
A DESCRIÇÃO DA DEMOCRACIA NO LIVRO VIII DA REPÚBLICA DE
PLATÃO .......................................................................................................................57
Introdução .................................................................................................................57
I Relação das formas de governo com as formas de almas ...............................59
II A liberdade desenfreada ......................................................................................63
III A predominância dos desejos supérfluos ......................................................65
IV A confusão de conceitos....................................................................................66
V A destruição da sociedade democrática ...........................................................69
Conclusão ..................................................................................................................71
Referências .................................................................................................................72
CAPÍTULO 3
José Lucas Lima Da Costa
AS LEIS DE PLATÃO: UMA ANÁLISE DO PENSAMENTO PLATÔNICO
À LUZ DO DIREITO PENAL MODERNO ......................................................75
Introdução .................................................................................................................75
I Metodologia ............................................................................................................76
II Movimentos ideológicos do direito penal ........................................................76
II.I Abolicionismo ....................................................................................................77
II.II Direito penal máximo ou movimento de lei e ordem ................................81
II.II.I Fixing broken windows (concertando as janelas quebradas)........................81
II.II.II Direito penal do inimigo.............................................................................83
II.III Direito penal mínimo ....................................................................................84
II.IV A alocação no pensamento platônico .........................................................85
III A finalidade da pena ...........................................................................................86
III.I Uma breve introdução da teoria da pena .....................................................86
III.I.I Teoria absoluta...............................................................................................86
III.I.II Teoria relativa................................................................................................88
III.I.III Teoria mista..................................................................................................89
III.II A alocação no pensamento platônico .........................................................89
Conclusão ..................................................................................................................90
Referências .................................................................................................................91
CAPÍTULO 4
Nardejane Martins Cardoso
“LÁ E DE VOLTA OUTRA VEZ”: PENSAR O DIREITO À EDUCAÇÃO
NO BRASIL DO SÉCULO XXI A PARTIR DA FILOSOFIA E DO ENSINO
DAS VIRTUDES.........................................................................................................93
Introdução .................................................................................................................93
I Da “República” ao “De Magistro” e o resgate das virtudes: quem é o educador
– quem é o educando?..............................................................................................95
II O que é educação? – para além do sistema escolar e de um dever estatal....99
III “Lá e de volta outra vez”: o retorno ao passado para a formação
hodierna?..................................................................................................................103
Conclusão ............................................................................................................... 106
Referências .............................................................................................................. 106
PARTE II
DIÁLOGOS COM ARISTÓTELES.....................................................................109
CAPÍTULO 5
Rafael Cavalcante Cruz
A CONTRIBUIÇÃO DA ÉTICA ARISTOTÉLICA NA SOCIEDADE DE
RISCO ........................................................................................................................ 111
Introdução .............................................................................................................. 111
I A sociedade de risco de Ulrich Beck................................................................ 112
II A ética aristotélica ............................................................................................. 114
III A contribuição da ética aristotélica na sociedade de risco......................... 118
Conclusão ............................................................................................................... 124
Referências...............................................................................................................124
CAPÍTULO 6
Ana Patrícia Melo Arruda
A ÉTICA E A BUSCA DA EUDAIMONIA ARISTOTÉLICA EM UM
CONTEXTO DE GUERRA ................................................................................. 127
Introdução .............................................................................................................. 127
I [In]existência de justiça e de limites ético-morais no contexto de guerra....131
II O governante filósofo ou filósofo governante e o “com mando” filosófico
na guerra e a questão da eudaimonia aristotélica ............................................. 134
Conclusão ............................................................................................................... 141
Referências .............................................................................................................. 143
CAPÍTULO 7
Ênio Stefani Rodrigues Cardoso Cidrão
ESFERA PÚBLICA E HUMANIZAÇÃO: REFLEXÃO A PARTIR DE
CONCEITOS POLÍTICOS EM ARISTÓTELES E HANNAH ARENDT145
Introdução .............................................................................................................. 145
I A libertação e o engajamento no espaço público a partir de Aristóteles ... 147
II A vida ativa em Arendt: a celebração da ação política................................. 149
III Uma síntese teórica: o que faz do homem mais humano ......................... 152
Conclusão ............................................................................................................... 155
Referências .............................................................................................................. 156
CAPÍTULO 8
Raoni Marques Oliveira
A RELAÇÃO DA LEI MORAL COM A NATUREZA HUMANA E COM O
PODER: UM DIÁLOGO ENTRE C. S. LEWIS E ARISTÓTELES ........... 159
Introdução .............................................................................................................. 159
I A abolição do homem e o domínio dos manipuladores: as consequências do
abandono da lei moral segundo C. S. Lewis ...................................................... 161
II O homem, as virtudes e o governo da pólis: breves reflexões a partir do
pensamento de Aristóteles ................................................................................... 166
III Lewis e Aristóteles: um diálogo sobre a natureza humana e o poder ..... 170
Conclusão ............................................................................................................... 173
Referências ............................................................................................................. 174
PARTE III
DIÁLOGOS COM OS MEDIEVAIS E OS MODERNOS............................ 175
CAPÍTULO 9
Rômulo Albuquerque Porto
ENTRE O JUSTO E O PODER: A (IN)EXISTÊNCIA DE DIREITO
SUBJETIVO EM TOMÁS DE AQUINO, UMA VISÃO ............................... 177
Introdução .............................................................................................................. 177
I Reflexões sobre o direito em São Tomás de Aquino .................................... 178
I.I Prolegômenos e reflexões sobre o Direito Natural .................................... 179
I.II A natureza do direito ..................................................................................... 183
I.III Apontamentos sobre o liame entre a lei natural e o direito natural ...... 187
II A (in)existência de direito subjetivo na concepção de dominium em São Tomás
de Aquino ............................................................................................................... 191
Conclusão ............................................................................................................... 199
Referências .............................................................................................................. 199
CAPÍTULO 10
Rodrigo Couto Gondim Rocha
Daniel Damasceno
Rafael Cronje Mateus
THOMAS HOBBES E O POSITIVISMO JURÍDICO: DA NOVA CIÊNCIA
DA POLÍTICA À REJEIÇÃO DA ÉTICA DAS VIRTUDES CLÁSSICA....201
Introdução .............................................................................................................. 201
I A antropologia fisicalista de Thomas Hobbes: um convite ao voluntarismo
político? ................................................................................................................... 202
II A depreciação da ética, ou o esquecimento da virtude ............................... 207
III A nova ciência jurídica: entre a política e a moral ...................................... 210
Conclusão ............................................................................................................... 217
Referências .............................................................................................................. 218
CAPÍTULO 11
Edgar Ferreira de Oliveira Calixto Almeida
A FORMAÇÃO DO ESTADO MODERNO E A CRÍTICA JUSNATURALISTA
DE JOSÉ PEDRO GALVÃO DE SOUSA AO TOTALITARISMO
TECNOCRÁTICO .................................................................................................. 221
Introdução .............................................................................................................. 221
I Totalitarismo: como se manifesta e como ele ascende.................................. 222
I.I Pressupostos para o florescimento do totalitarismo segundo José Pedro
Galvão de Sousa .................................................................................................... 223
I.II Pressupostos filosóficos para o totalitarismo: as contribuições de Marsílio
de Pádua, Hobbes e Rousseau ............................................................................ 224
II A tecnocracia: a perspectiva de Galvão de Sousa sobre o estado tecnocrático
e seus fundamentos históricos e políticos ......................................................... 230
III O direito natural e a sociedade ...................................................................... 233
Conclusão ............................................................................................................... 236
Referências .............................................................................................................. 237
PARTE IV
DIÁLOGOS COM OS CONTEMPORÂNEOS................................................239
CAPÍTULO 12
Francisca Cecília de Carvalho Moura Fé
O CONCEITO DE DIREITO NATURAL NA FILOSOFIA JURÍDICA
CONTEMPORÂNEA: RELEITURAS E PERSPECTIVAS .......................... 241
Introdução .............................................................................................................. 241
I O conceito de Direito Natural na tradição filosófica .................................... 243
II Críticas do Direito Natural na Modernidade ................................................ 248
III Releituras contemporâneas do Direito Natural .......................................... 250
IV Perspectivas interdisciplinares do Direito Natural ..................................... 254
V O Direito Natural na construção de uma sociedade justa e sustentável ....... 257
Conclusão ............................................................................................................... 259
Referências .............................................................................................................. 261
CAPÍTULO 13
Murilo José Alves Mota
DETERMINATIO E DEFERÊNCIA JUDICIAL EM ADRIAN
VERMEULE..............................................................................................................263
Introdução .............................................................................................................. 263
I Bem Comum, Lei Natural e Lei Positiva......................................................... 264
II Determinatio ...................................................................................................... 267
III Deferência judicial como decorrência da determinatio ................................. 272
Conclusão ............................................................................................................... 275
Referências .............................................................................................................. 276
INTRODUÇÃO
EDUCAÇÃO E DIREITO NATURAL NA FORMAÇÃO CLÁSSICA
GLAUCO BARREIRA MAGALHÃES FILHO
Doutor em Sociologia (UFC). Mestre em Direito (UFC). Livre-Docente
em Filosofia do Direito (UVA). Professor da Faculdade de Direito
da Universidade Federal do Ceará (FD/UFC). Pesquisador-líder do
Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq). E-mail:
[email protected].
Quando falamos sobre temas jurídicos em ambientes públicos
parece que vamos tratar de assuntos técnicos, que apenas se acomodam
ao interesse de um determinado segmento da sociedade, ou seja, daqueles
que possuem formação profissional especifica na área do Direito. Mas,
quando eu adjetivo o Direito de “natural”, eu não estou mais falando do
Direito Positivo, ou seja, daquele Direito a que têm acesso profundo os
que gozaram da oportunidade de um estudo especifico. Antes, falo de um
Direito comum, de algo que a nossa consciência e a reta razão poderão
reconhecer. Falo de referenciais éticos que nos são congeniais, enquanto
seres humanos.
Quanto ao assunto da educação, apesar de ser um objeto de pesquisa
especifico – tratamos particularmente da educação clássica –, ele também
não nos é estranho, pois todos nós passamos pelo processo de aprendizagem,
que inicia na família.
Desse modo, Direito natural e educação são dois temas acessíveis às
pessoas de qualquer formação, às pessoas comuns, e é isso que realmente
nos interessa.
O que chamamos de educação clássica é o modelo mais tradicional,
adotado pelos antigos gregos e romanos, bem como durante a Idade Média.
Muitas pessoas podem questionar a razão de destacarmos o valor da
educação clássica. Uma das coisas mais curiosas, porém, quando lemos um
livro de Platão ou de Aristóteles, é que, embora possamos discordar deles
em alguns pontos, nós vemos que estavam lidando com problemas com
22
TEMAS ATUAIS DE FILOSOFIA DO DIREITO
DIÁLOGOS ATEMPORAIS ENTRE CLÁSSICOS E MODERNOS VOLUME 1
os quais nós também estamos lidando hoje. Nisso, fica evidente a unidade
da natureza humana e seus questionamentos recorrentes. Conforme E. D.
Hirsch, da Universidade de Virgínia, “a idéia de que as pessoas antigas eram muito
diferentes de nós, em si, já é um mito”1.
Os antigos filósofos estavam interessados nas questões fundamentais
que nos visitam o espírito ainda hoje. Nelas, nós encontramos um sentimento
universal de humanidade.
Muitas vezes, quando lemos um livro contemporâneo, escrito por
um filósofo mais recente, nós encontramos questões tão artificiais, tão
longe daquilo que buscamos existencialmente, que não nos sentimos
representados em suas divagações. O que temos é um estranhamento.
Muitos filósofos contemporâneos usam uma linguagem extremamente
hermética, exotérica, ao tratar de questões que eles mesmos criaram. São
questões da superfície de uma época, de um gueto acadêmico, mas não são
questões da humanidade.
Muitas pessoas têm preconceito contra a filosofia e a sociologia
porque, ao lerem autores contemporâneos, os acham distantes delas. É
como se os intelectuais deixassem de ser humanos para falarem do humano.
Diferentemente, quando os antigos filósofos são lidos, o gosto pela filosofia
nasce.
É curioso que os antigos, estando mais distantes no tempo,
nos sejam mais atraentes. Isso acontece porque tratam de coisas mais
universalizáveis, de questões intrinsecamente humanas, que despontam
com mais naturalidade em nosso ser.
Ao longo do tempo, as universidades fizeram com que os filósofos e
sociólogos deixassem de ser intérpretes do homem comum.
O verdadeiro intelectual deveria expressar de modo mais preciso as
questões já colocadas pelo homem comum, a fim de ajudá-lo a expressar de
modo sistêmico as respostas que ele já pode ter encontrado. Temos visto,
entretanto, os intelectuais procurando cada vez mais se distinguir do senso
comum para provar a sua “superioridade”.
Muitos intelectuais de nosso tempo desprezam o bom senso do
homem médio, formulando questões artificiais para parecer que possuem
um pensamento profundo, ainda não contemplado pelo homem do povo.
No desejo de se elitizarem, de se sentirem uma casta (uma camada superior
da sociedade), desenvolvem “manias” intelectuais. Começam a falar numa
linguagem tão hermética, tão exotérica que somente os seus iniciados
entendem. Tais pessoas se sentem engrandecidas por estarem se tornando
1.
HIRSCH, E. D. The aims of interpretation. Chicago: University of Chicago Press, 1976, p. 39.
GLAUCO BARREIRA MAGALHÃES FILHO
DANIEL DAMASCENO
Organizadores
23
ininteligíveis ao homem comum. Costumo dizer que os intelectuais estão
sofrendo de um tipo de “autismo”.
Na Antiguidade, a situação era diferente. Os antigos tratavam de
questões universais familiares ao homem comum. Os filósofos ajudavam
o homem comum quando estes encontravam dificuldades para falar ou
expor uma ideia. Eles ajudavam as pessoas da comunidade a colocarem suas
questões de maneira mais objetiva, e, notadamente, ajudavam na procura
de respostas. Isso já é o bastante para justificar a importância de voltarmos
aos antigos.
Os verdadeiros e autênticos intelectuais deveriam ser identificados
com os “poetas” da classificação de Chesterton. O literato inglês dividiu a
espécie humana em três categorias: 1) Pessoas “simples”; 2) Intelectuais; 3)
Poetas. Os primeiros são capazes de sentir, mas não de expressar os seus
sentimentos. Os “intelectuais” (modernos) são capazes de menosprezar os
sentimentos das pessoas “simples”, de ridicularizá-las e de arrancar de si
próprios esses sentimentos. Os poetas, por sua vez, têm o dom de expressar
aquilo que todo mundo sente, mas muitos não sabem como dizer2.
O distanciamento do intelectual moderno das pessoas comuns
criou a necessidade dos “popularizadores” do conhecimento. Como o
ensino médio valoriza cada vez menos a capacidade argumentativa (lógica
e retórica), o pensamento dos filósofos atuais termina sendo fracionado
(não deixando as pessoas perceberem logo as suas implicações destrutivas),
ilustrado com imagens (projeções de slides) e memorizado por slogans.
Os “popularizadores”, às vezes, são os próprios intelectuais que tem duas
versões (uma esotérica e outra exotérica) para o seu pensamento, mas,
na maioria das vezes, eles são discípulos distantes e de conhecimento
superficial.
Os popularizadores, ao mesmo tempo em que procuram simplificar e
“enlatar” filosofias, mantém uma distância de sua audiência porque usam os
métodos de projeção (slides, imagens). Os alunos olham para as projeções
e não para o professor, que, não visto, ganha a oportunidade de ficar lendo
tudo em seu notebook ou tablet. O popularizador, geralmente, não tem
erudição, sendo apenas uma pessoa habilidosa para ler com fluência.
A invenção da televisão provocou o surgimento da chamada “sociedade
do espetáculo” (Guy Debord), a qual se difundiu e se intensificou pelo
surgimento da internet. Nessa sociedade, há uma supremacia do parecer
sobre o ser, pois as pessoas partem do pressuposto de que “a imagem é
tudo”. Assim, se uma empresa consegue vender o seu produto por uma
avançada técnica de marketing, ela é parabenizada independentemente
2.
https://www.pensador.com/frase/ODMyMDUw/
24
TEMAS ATUAIS DE FILOSOFIA DO DIREITO
DIÁLOGOS ATEMPORAIS ENTRE CLÁSSICOS E MODERNOS VOLUME 1
da qualidade real daquilo que apresenta. A astúcia é homenageada, não a
sinceridade.
Essa sociedade do simulacro, por certo, se encantaria com as técnicas
de Satanás no Éden. Ele tomou a forma do animal mais belo do campo
(a serpente passou a ser rastejante e repugnante por uma maldição divina
somente após a queda do homem), alimentou a curiosidade de Eva pela
fala articulada em uma criatura irracional e criou toda uma ilusão sobre
os benefícios do fruto proibido. Enfim, ele vendeu o seu produto. Para
uma cultura da imagem e do marketing, ele seria considerado formidável
independentemente do desastre resultante do pecado.
Os jovens de hoje não têm mais heróis em quem se espelhar. Eles
cultuam as celebridades, projetando os seus sonhos no sucesso delas. As
energias psíquicas que deveriam servir para a luta contra a corrupção e a
decadência moral são perdidas pelos jovens em jogos eletrônicos através
dos quais eles forjam as suas pseudo-batalhas.
O culto à imagem é também o culto do movimento e do entretenimento.
As pessoas que perdem o dia na internet (inventando perfis, conversando
asneiras em redes sociais, etc.) ou na TV a cabo (mudando de canal a cada
cinco minutos) não estão preparadas para a leitura intensa e a pesquisa
disciplinada. O resultado é a existência de inúmeras crianças hiperativas,
incapazes de concentração nos estudos. Para tornar a aprendizagem
“interessante” a uma geração inquieta, o entretenimento passou a ser um
método. A educação utiliza imagens em movimento, os alunos levam tablet
para a sala de aula e os professores-popularizadores devem produzir um
show para ganhar os alunos.
Nesse contexto, os bons professores, que tem amplo conhecimento
adquirido pelo hábito de estudo, mas que ainda continuam a prestigiar
a oralidade, são substituídos pelos falsos educadores, incompetentes e
superficiais, que escondem a sua ignorância em slides projetados através de
Data Show e dinâmicas de grupo.
O entretenimento na educação começou no ensino lúdico das
crianças (algo recomendado pelo próprio Lutero para os pequenos), mas
houve uma propagação da infantilização para o ensino médio e, finalmente,
a situação alcançou as universidades. Agora, temos alunos viciados em
estímulos mecânicos, incapazes de desenvolver um estudo solitário. Os
novos discentes não conseguem mais ler sequer um livro até o fim.
As instituições de ensino superior criaram formas de aprovar pessoas
sem méritos acadêmicos através de pontuações gratuitas em atividades de
“entretenimento educacional” ou do sistema de correção de provas com
questões “abertas”, onde qualquer coisa escrita (ainda que incongruente
com a pergunta ou autocontraditória) pode ser considerada parcialmente
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25
correta. Em vez de se ensinar o Trivium (Lógica, Gramática e Retórica) para
preparar o aluno para debater em busca da verdade objetiva, as “novas
metodologias ativas” buscam estratégias de indução psicológica para
a participação do aluno nas aulas, mas somente para dizer o que sente e
como sente as questões e os problemas. Normalmente, essas metodologias
trazem esquemas de manipulação para o discente se conformar a uma
agenda ideológica desenhada pelo professor-popularizador-manipulador.
A educação atual de manipulação adota técnicas de modificação de
atitudes. Faz as pessoas agirem contrariamente às suas convicções (com
aparência de liberdade), intimando-as indiretamente a se expor ao grupo com
opinião diferente daquela que realmente possuem intimamente, exercendo
uma pressão psicológica para assimilação das pautas e fazendo o sentimento
de pertença ao grupo depender da adesão. O aluno, primeiramente, é
constrangido a ser o que não é e a dizer o que não pensa. Depois, para
conviver com a inautenticidade (e a culpa), ele é levado a buscar justificação
para a postura nova que assumiu, racionalizando a sua conduta de rendição.
O método expositivo tradicional (exposição e discussão), cognitivo
e seletivo, é substituído por princípios de terapia coletiva, sociodrama e
técnicas de manipulação afetiva. As imagens, os slides do professor e a
expressividade sentimental do aluno substituem a relação de transmissão e
aprofundamento intelectual e moral existente entre mestre e discípulo.
John Henry Newman já destacava há muito tempo a importância da
figura do professor na transmissão do ensino. A sua erudição, carisma e
autoridade moral não podem ser substituídos pelas imagens que o tornam
dispensável, nem a sua figura pode ser transmutada para fazê-lo parecer um
apresentador de televisão. Newman asseverou a importância do “sistema
professoral”, destacando que a sua existência segura e florescente depende
da lei e da regra da ordem ética. Para ele, a instrução oral tinha superioridade
sobre os livros na comunicação do saber. Sobre a importância pessoal do
professor, disse:
Afirmo que a influência pessoal do mestre pode de algum modo
dispensar o sistema acadêmico, mas o sistema não pode em maneira
nenhuma dispensar a influência pessoal... Um sistema acadêmico sem
a influência pessoal dos mestres sobre os discípulos é um inverno polar3.
O relatório da Universidade de Yale de 1828 revela que até então
ainda se via a Universidade em sintonia com a família. Presumia-se que
o ensino superior não desconstruiria o que havia sido aprendido no lar
e pelo senso comum (enquanto bom senso), mas antes estabeleceria para
isso a fundamentação. Hoje, os professores de ensino superior se sentem
3.
NEWMAN, John Henry. Origem e progresso das universidades. Trad. Roberto Saboia de Medeiros
S. J. São Paulo, 1951, p. 84-85.
26
TEMAS ATUAIS DE FILOSOFIA DO DIREITO
DIÁLOGOS ATEMPORAIS ENTRE CLÁSSICOS E MODERNOS VOLUME 1
realizados ao desvincularem as pessoas daquilo que aprenderam de seus
pais e da moral tradicional. Veja, porém, como era a situação anterior por
esse trecho do relatório de Yale:
Um aspecto importantíssimo das faculdades deste país é que os
estudantes geralmente se encontram em uma idade que exige um
substituto da supervisão dos pais. Quando saem de casa e são expostos
às cenas de tentação nunca dantes enfrentadas, é necessário que um
guardião confiável e afetuoso os leve pela mão e guie-lhes os passos.
Esse fator determina a espécie de governança que deve ser mantida em
nossas faculdades. Sendo um substituto das normas de uma família,
ela deve aproximar-se do caráter de controle parental tanto quanto o
permitam as circunstâncias do caso. Ela deve ser fundamentada em
mútua afeição e confiança. Deve buscar a realização de seu propósito
principalmente por influência gentil e persuasiva, não totalmente
ou, sobretudo, pela restrição e pelo terror. Não obstante, por vezes,
punições podem ser necessárias. Pode haver membros perversos em
uma faculdade, bem como em uma família. Pode haver aqueles a quem
nada, senão o braço da lei pode alcançar4.
Alunos que não podem ser reprovados e filhos que não podem ser
disciplinados numa sociedade relativista e amoral é o início do fim de tudo
que é honrado e digno.
No passado, enquanto os pagãos prestigiavam os ídolos, os antigos
hebreus reverenciavam a palavra divina. Os “deuses” gregos eram cheios de
vícios (apesar de os filósofos e sábios da Grécia reconhecerem a importância
da ordem moral para os homens), mas o Deus de Israel estabeleceu
preceitos morais elevadíssimos. O cristianismo antigo deu ordem moral
ao caos gerado pela queda do Império Romano. A Reforma protestante,
através da imprensa, promoveu a leitura da Bíblia e a alfabetização dos
povos, trazendo grandeza cultural e econômica para os Estados Unidos e
para o norte da Europa.
Em termos de educação antiga, por exemplo, os chamados socráticos
– Sócrates, Platão e Aristóteles – desenvolveram o que chamamos de dialética.
A dialética consistia na procura de esclarecimento de conceitos e soluções
para os problemas através da refutação dos equívocos que apareciam nas
primeiras impressões, eliminando as incoerências e as inconsistências
entre as ideias até chegar aos reais conceitos ou às adequadas soluções
para os problemas. Sócrates dialogava com pessoas comuns, ajudando-as
a descobrirem as coisas por si mesmas, refinando, assim, o senso comum.
Sócrates gostava de trabalhar com conceitos. Ele se considerava um
parteiro de ideias. Perguntava o que a pessoa entendia por algo, como a
justiça, por exemplo. A pessoa dizia o que vinha à sua mente, e obviamente,
por trás daquela resposta, alguma intuição verdadeira estava presente, mas a
4.
A educação superior e o resgate intelectual: o Relatório de Yale de 1818. Trad. Giovanna Louise.
Campinas: Vide Editorial, 2016, p. 42-43.
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Organizadores
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primeira expressão emitida trazia inconsistências, incoerências. Aquilo não
iria se coadunar com outro conceito que ela tinha em mente, mas ela não
se dava conta, porque não havia pensado na coerência entre suas ideias.
Sócrates ia demonstrando as inconsistências, usando a refutação para
purificar o conceito, até chegar àquele que pudesse ser consolidado, ou seja,
que se mantivesse firme diante das oposições. O método adotado era o
dialético.
No caso de Platão, ele escrevia diálogos, e, no caso de Aristóteles,
muito embora suas obras dialogais tenham desaparecido, as suas obras
mais sistêmicas sempre fazem com que ele mostre uma questão e a posição
antagônica (para comparar), buscando a melhor solução, a melhor proposta.
Havia grande preocupação no homem da Antiguidade em estabelecer
conceitos adequados para as coisas e o parâmetro pelo qual se aferia a
correção do conceito era a realidade.
O real ajudava a democratizar o conhecimento. Se o objetivo da
exposição de um conceito for apenas mostrar beleza ou erudição, haverá
apenas uma competição de citações e habilidade poética. Se, porém, o
objetivo for apresentar um conceito adequado à realidade, uma vez que
todos estão convivendo com a realidade, então, consequentemente, todos
podem chegar a esse conceito, ou concordar com o outro que estiver
correto, igualando-se a ele na constatação da realidade. Dessa forma se
aplicava o método dialético no passado, havendo grande preocupação em
formar conceitos adequados.
Aristóteles dizia que conceituar é apontar o gênero a que a coisa
pertence e agregar a sua diferença especifica. Assim, podia-se dizer que
o homem era um “animal racional”, pois o seu gênero seria animal e sua
diferença específica, a racionalidade. Isso não significava, porém, dizer que
o homem é só animal ou só racional. Ele tem outros atributos, qualidades,
características. Mas, isso significa que esta informação já era considerada
suficiente para distinguir o homem de outros seres. Se, obviamente,
tivéssemos que comparar o homem com um ser que fosse também animal
racional, nós iríamos atrás de alguma outra coisa no homem a mais para
poder distingui-lo. Nós nunca podemos dizer tudo sobre qualquer coisa.
Só Deus conhece todas as coisas por todos os seus ângulos e lados, ou seja,
exaustivamente. Nós buscamos conhecer até aonde podemos distinguir
uma coisa da outra.
Na Antiguidade, havia toda uma preocupação em formar conceitos,
estabelecer definições e manter a coerência lógica do pensamento.
Sustentava-se a força do princípio da não contradição e utilizava-se o
método dialético da refutação para se chegar a posições consistentes. O
28
TEMAS ATUAIS DE FILOSOFIA DO DIREITO
DIÁLOGOS ATEMPORAIS ENTRE CLÁSSICOS E MODERNOS VOLUME 1
parâmetro de aferição de validade dos conhecimentos, como dissemos, era
a realidade. Nesses pilares, fundava-se a educação clássica.
Quando estudamos a Idade Média, encontramos a dialética,
notadamente, em Pedro Abelardo, e, depois, em Tomás de Aquino,
assim como em todos os grandes representantes daquele período. O que
acontecia? Na sala de aula, eles colocavam uma proposição afirmativa, uma
proposição contestatória, e, então, criava-se uma discussão para encontrar
uma resposta. Enquanto no caso de Sócrates trabalhava-se com conceitos,
os medievais trabalhavam mais com proposições.
Uma proposição envolve mais de um conceito, ela envolve um
juízo, uma ligação entre conceitos. Por exemplo: colocava-se numa sala de
aula a afirmação de que Deus era bom e de que criara todas as coisas,
no entanto, outra proposição sustentava que havia o mal. Colocava-se,
então, um problema: se Deus criou o mal, Ele não é bom; se Ele, sendo
bom, não criou o mal, então Ele não criou todas as coisas. Os medievais
encontraram solução para isso em Agostinho. Para o bispo africano, o mal
não é criado porque não tem substância, o mal é a degeneração do bem,
como as trevas são ausência de luz e a fome é o resultado da ausência do
alimento em nosso corpo. Deus criou todas as coisas boas, e o homem ao se
distanciar de Deus, por seu “livre arbítrio”, caminha para uma nadificação,
para um distanciamento daquilo que lhe é a fonte do ser. O homem, por sua
liberdade, deu oportunidade ao mal, mas não criou o mal, nem Deus criou
o mal, porque o mal é esse processo de nadificação.
Às vezes, pensa-se que, na Idade Média, a educação era autoritária
ou abusiva. Na verdade, era altamente participativa. Não há um livro de
Tomás de Aquino em que ele sustente uma tese sem informar sobre os
argumentos da tese contrária. Os livros medievais sempre traziam essa
estrutura. Eles nunca colocavam uma tese sem dar conhecimento aos seus
leitores e alunos da existência de uma possibilidade contrária, informando
sobre os argumentos de quem a defendia. As pessoas não tinham nenhuma
informação sonegada, pois não se ocultava a existência de controvérsias
acerca do assunto tratado. O objetivo do diálogo era a busca da verdade.
Na Idade Moderna, os racionalistas queriam submeter tudo no mundo
a um paradigma matemático, queriam estudar o Direito como se fosse
matemática, queriam estudar instituições como se fossem demonstrativas.
Eram abstracionistas. Em vez de levarem em conta a história, a tradição o
concreto e o real, eles queriam um mundo sob parâmetros matemáticos.
É possível, como se faz nas ciências naturais, estudar a natureza apenas
no aspecto quantitativo e não qualitativo. Nesse sentido, pode-se dizer
como Kepler, que a linguagem com que Deus fez o mundo é a matemática,
GLAUCO BARREIRA MAGALHÃES FILHO
DANIEL DAMASCENO
Organizadores
29
mas há outros aspectos da realidade, como o estético e o teológico, que não
podem ser negligenciados.
A partir do momento em que se adotou um paradigma matemático
universalizante e reducionista, qual passou a ser a missão do professor?
Seria dialogar, contestar, conversar, chegar a uma conclusão pelo raciocínio
dialético? Não. Sua missão era “demonstrar”, trazer à evidência, verificar.
Quando alguém demonstra uma fórmula matemática corretamente,
não há discussão, não há contra-tese. A incorreção na demonstração a
torna imediatamente insustentável. Negar uma verdade matemática é pôr a
razão contra si mesma. Então, não há conversa, se você entende que tudo
mais segue um paradigma matemático. Tudo é demonstrativo. O professor
“demonstra” e a aula se torna um monólogo. Os alunos ficam todos diante
do professor, não há mais estruturas circulares na sala de aula.
Perelman5, um reabilitador da retórica, mostrou que existem duas
formas de conhecimento: o demonstrativo e o persuasivo. O primeiro
aparece na matemática e, em parte, nas ciências naturais; mas, o conhecimento
persuasivo é aquele conhecimento de coisas que você não pode demonstrar
inequivocamente, mas somente persuadir o outro acerca dele. Não quer
dizer que você não possa falar em verdade, mas quer dizer que estamos em
outro nível de verdade, no caso, o das questões éticas e morais.
Eu posso constatar empiricamente a ação consumada de uma pessoa,
mas, em relação ao modo como eticamente deveria ter agido, eu só posso
persuadi-la de que deveria ter se comportado de determinada forma.
O homem antigo salientava a importância da retórica e da persuasão,
mas sempre acompanhadas da preocupação com a verdade à luz da realidade.
Diferentemente, hoje em dia, uma pessoa que tem grande habilidade em
mascarar a realidade é aplaudida por essa capacidade. Com ceticismo em
relação à verdade, o que importa é ser brilhante e criativo. A arte é valorizada
no lugar da verdade e não no seu lugar próprio.
Para o homem da Antiguidade, tanto a persuasão como a
demonstração orientavam-se pela realidade como o parâmetro de verdade.
Os modernos, por outro lado, desvalorizavam a persuasão, ficando só com a
demonstração. Recentemente, tem sido valorizada novamente a persuasão,
mas como um talento personalístico, um instrumento para evidenciar
personalidades capazes de comporem grandes e influentes narrativas. A
verdadeira persuasão, porém, é aquela que organiza os elementos da verdade
num quadro explicativo da realidade.
5.
PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova
retórica. Trad. Maria E.G.G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 15-39.
30
TEMAS ATUAIS DE FILOSOFIA DO DIREITO
DIÁLOGOS ATEMPORAIS ENTRE CLÁSSICOS E MODERNOS VOLUME 1
Nós tínhamos na Idade Média uma educação que tornava a pessoa
capaz de fazer análise e de fazer síntese, capaz de decompor e recompor a
realidade. O intelectual medieval sabia argumentar, conceituar, generalizar
e definir. Atualmente, as pessoas procuram falar acerca das coisas antes de
defini-las. Há um estimulo exagerado à participação pela participação sem a
pessoa ter a capacidade de participar de modo inteligente. É como se fosse
uma terapia de grupo.
Há muitas pessoas que terminam um curso de Direito sem se
mostrarem capaz de dar uma definição sustentável dos conceitos jurídicos.
Em geral, o acadêmico contemporâneo não se mostra capaz de definir nem
de fazer análise ou síntese.
Na Idade Média, havia ampla e inteligente discussão. Existiam
os estudos preliminares do Trivium, ou seja, de lógica, de gramática e de
retórica. Depois disso, a pessoa estava capacitada para argumentar. Hoje em
dia, nós queremos que as pessoas participem, mas nós não as preparamos
para participar. O que se diz na educação hoje é que “o aluno tem que
falar”. E, quando você for corrigir a prova, se ele tiver escrito qualquer
fragmento incoerente de informação verdadeira, você deve considerar. É a
ideia de participar por participar.
Na Idade Média, havia um processo para aprender a dialogar de
modo frutífero. Assim também ocorria na Academia de Platão e no Liceu.
Quanto ao Direito, os gregos reconheciam a existência de uma lei
natural. Aristóteles, por exemplo, falava do justo natural e do justo legal.
Os pensadores clássicos, em geral, reconheciam a existência de uma ordem
que estava acima da legislação humana e que era congruente com a nossa
natureza e apreensível pela nossa razão.
Os romanos, com algumas exceções, eram mais pragmáticos que
filosóficos. Chegavam mais frequentemente por uma via indutiva ao Direito
Natural. Começando pelo o Direito Civil, iam ao Direito das Gentes e, por
fim, ao Direito Natural. Eles ascendiam de baixo para cima.
Os medievais trabalhavam com os dois tipos de raciocínio. Às vezes,
eram especulativos, pois, partindo das ideias do bem e do justo, chegavam à
ideia de Direito Natural. Outras vezes, usavam o percurso romano, usando
as constatações empíricas e coincidências morais para chegar à ideia de
Direito Natural. No livro de C. S. Lewis, A abolição do homem, ele defende,
com argumentos filosóficos a existência do Direito Natural, mas, no final do
livro, coloca parte dos códigos morais de várias culturas (chinesa, japonesa,
hebraica, grega, etc.) para mostrar como eles coincidiram na percepção
ética moral. Percebemos, então, as duas vias, a filosófica e a empírica.
Diferentemente de muitos antropólogos, C. S. Lewis diz que se
espanta, não com a diversidade, mas com a unanimidade nos juízos morais
GLAUCO BARREIRA MAGALHÃES FILHO
DANIEL DAMASCENO
Organizadores
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básicos. Ao comparar culturas, porém, temos que considerá-las no seu
melhor momento e à luz dos seus melhores representantes, não dos piores.
Os medievais diziam que havia um escalonamento dos seres e que
no topo estaria Deus, que é o Ser por excelência, do qual todos os seres,
em alguma medida participavam para que pudessem ter sua existência e
singularidade. Isso não quer dizer que defendiam um panteísmo, mas que
referenciavam a fonte da nossa existência a Deus. Ele é o ser que faz com
que nós sejamos isto ou aquilo, ou que cada coisa seja isto ou aquilo.
Deus era descrito no topo, os anjos viriam logo abaixo. Lá em baixo
nós encontraríamos um objeto inanimado como uma pedra. Uma pedra
participa do Ser o suficiente para ter consistência e solidez, para ocupar um
lugar no tempo e espaço, nada mais do que isso. Um vegetal já participa
mais do Ser, porque um vegetal tem uma interação maior com o meio
ambiente (a fotossíntese é um exemplo). Ele não tem apenas a solidez.
Acima do vegetal está o animal, que tem também uma relação interativa
com o ambiente, mas ele já tem algo mais, o movimento, o animus.
Acima do animal está o ser humano. Esse tem solidez e ocupa um
lugar no tempo e no espaço. O ser humano também tem maior interação
com o ambiente e o movimento. Acima disso, porém, tem, entre outras
coisas, uma sociabilidade consciente e uma personalidade.
O animal é guiado pelo instinto, mas o homem tem a liberdade
mediante a qual pode, fazendo escolhas, maximizar ou minimizar as
características que o elevam. O que estou querendo dizer com isso? Um
animal, que é movido por instinto, não pode se tornar mais animal ou
menos animal. O homem, sendo livre, pode fazer uso de sua liberdade
para turbinar os elementos que o qualificam como homem ou para atrofiálos. Ele pode se brutalizar e ficar mais próximo do degrau de baixo, como
também pode se elevar para mais próximo do degrau de cima.
O homem, como ser racional, sendo mais informado, pode
desenvolver mais a sua racionalidade. Isso nos leva ao direito natural à
informação, à comunicação e à cultura.
Por que é que drogas não devem ser legalizadas? Porque, ao se drogar,
a pessoa usa da liberdade para ficar menos livre. É uma liberdade autofágica
em que a pessoa está sendo livre para não ser mais livre. Ela está usando de
sua liberdade para ser menos humana. É uma autocontradição, sem falar no
fato de que, ao se drogar, ela vai ficar menos racional, pois sua capacidade
de raciocínio vai diminuir. Na verdade, ela está querendo uma coisa que a
tornará menos racional, portanto mais bruta e menos humana.
Tudo aquilo que nos faz mais humanos deve ser considerado um
valor. Tudo aquilo que nos faz menos humanos deve ser considerado um
desvalor. Na nossa sociabilidade, a consciência é uma característica humana.
32
TEMAS ATUAIS DE FILOSOFIA DO DIREITO
DIÁLOGOS ATEMPORAIS ENTRE CLÁSSICOS E MODERNOS VOLUME 1
Somos dotados de sociabilidade fraterna. Se, de repente, negássemos o
princípio ético da lealdade dos contratos, todos iriam começar a descumprir
os contratos e isso nos vai afastaria uns dos outros, enfraquecendo os laços
de solidariedade. A lealdade potencializa a nossa sociabilidade, o que nos
faz mais humanos. Quanto menos sociáveis nós formos, mais brutos nós
seremos, e, consequentemente, mais desceremos ao degrau de baixo.
A partir do momento em que a terra se encheu de pessoas, passou
a ser mais condizente com a norma suprema do amor, da fraternidade,
a proibição da relação incestuosa. Note como nós podemos encontrar
princípios éticos no conhecimento da natureza humana.
C. S. Lewis, na Abolição do Homem, diz que a educação dos antigos, dos
medievais, dos gregos e dos reformados era educação para a propagação
de humanidade. A educação moral e ética dos protestantes e católicos era
uma espécie de propagação da própria natureza. Por exemplo, quando um
pássaro leva seu filhote a voar, ele o suspende e solta. O filhote balança e vai
se equilibrando, mas se ele tem asas, ele já tem o potencial para voar. O que
o genitor daquele filhote faz é forçá-lo a voar, a desenvolver sua natureza.
Isso é propagação6.
Nós devemos instruir de uma forma que a pessoa possa descobrir
preceitos éticos que já estão na natureza das coisas. Isso é propagação. A
educação de hoje, porém, é uma educação por propaganda. A diferença
entre elas, é que a propaganda vem de fora, é um conhecimento estranho
à natureza, que é incutido de uma forma semelhante à lavagem cerebral. Já
a propagação é o despertar do conhecimento que vem de dentro. Então
nós temos que propagar a humanidade e não, por uma engenharia social,
construir um ser humano que não é natural.
Alguém pode questionar alegando que, se o potencial está na
constituição humana, ninguém deveria nos ensinar. Mas a verdade é que,
se a pessoa pode aprender mais rápido pelo processo educacional o que ela
poderia aprender sozinha em muito tempo por tentativa e erro, ensiná-la
precocemente lhe permitirá partir para um avanço maior. Se eu acelerar sua
aprendizagem, eu dou a pessoa mais oportunidades para descobrir muitas
outras coisas. É assim que ocorre com a matemática. Em algum momento
alguém vai descobrir que dois mais dois são quatro, mas, se eu puder ensinar
à criança logo que dois mais dois são quatro, quando chegar a época em que
ela aprenderia isso por si mesma, ela já estará descobrindo as fórmulas de
Newton e outras coisas mais profundas.
Pelo exposto, vimos que temos muito que aprender com a educação
clássica, recuperando seu rigor e suas preocupações ontológicas, enquanto
6.
LEWIS, C. S. A abolição do homem. Trad. Remo Mannarino Filho. São Paulo: Martins
Fontes, 2005, p. 20-21.
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DANIEL DAMASCENO
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33
restauramos o Direito Natural como paradigma ético para uma sociedade
mais justa, estruturada e solidária.
REFERÊNCIAS
A educação superior e o resgate intelectual: o Relatório de Yale de 1818. Trad. Giovanna
Louise. Campinas: Vide Editorial, 2016.
HIRSCH, E. D. The aims of interpretation. Chicago: University of Chicago Press,
1976.
LEWIS, C. S. A abolição do homem. Trad. Remo Mannarino Filho. São Paulo:
Martins Fontes, 2005.
NEWMAN, John Henry. Origem e progresso das universidades. Trad. Roberto Saboia
de Medeiros, S.J. São Paulo: [s.n.], 1951.
PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a
nova retórica. Trad. Maria E.G.G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
PARTE I
DIÁLOGOS COM
PLATÃO
CAPÍTULO 1
O CONCEITO DE LIBERDADE NO DIÁLOGO
GÓRGIAS DE PLATÃO: UM ESTUDO
COMPARADO ENTRE AS CONCEPÇÕES
CLÁSSICA E MODERNA
DANIEL DAMASCENO
Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC).
Pesquisador do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion
(CNPq). E-mail:
[email protected].
INTRODUÇÃO
O tema da liberdade é uma questão central na pós-modernidade.
Desde a deslegitimação de governos totalitários até a liberação de práticas
tradicionalmente consideradas anticonvencionais, a discussão sobre a
liberdade individual humana tem desempenhado um papel prevalente na
conquista de direitos outrora negados ou desconhecidos no Ocidente.
A postura grega quanto ao assunto costuma ser menosprezada ou
negligenciada por causa de uma incompreensão dos conceitos utilizados
para descrever pontos de vistas diferentes em momentos históricos
distintos. Reduz-se a noção grega de liberdade (eleuthéria), no geral, apenas
a uma conotação física, a qual distingue o escravo (doulos) do homem livre.
Contudo, essa não parece a melhor interpretação, pelo menos não àquela
contida nos textos platônicos.
A opinião comum de que a palavra “liberdade” teve uma conotação
simplória na Grécia antiga perpassa os séculos, desde Espinoza e Kant a
Hegel e Schopenhauer. Trazendo para o debate filósofos medievais, como
Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino, percebe-se que o conceito
grego pode ir muito além do que os modernos imaginavam, por não
estar estritamente limitado ao direito e à política, mas expandir-se até o
fundamenta da ética, que é a felicidade humana.
38
TEMAS ATUAIS DE FILOSOFIA DO DIREITO
DIÁLOGOS ATEMPORAIS ENTRE CLÁSSICOS E MODERNOS VOLUME 1
Para chegar a tal fim, esta pesquisa utiliza-se do método dialéticocomparativo, ao entrecruzar diferentes conceitos a que a expressão adquire
desde os clássicos aos modernos, à procura de uma síntese comum. Centrase em uma possível ruptura a partir do advento da filosofia moderna, sem
se perder em pormenores filológicos, dado a natureza eminentemente
filosófica do debate sobre a autonomia humana. Seu caráter é qualitativo
e exploratório, ao investigar as raízes da viragem conceitual do termo
estudado na literatura ocidental.
I O DEBATE ENTRE SÓCRATES E POLO NO GÓRGIAS: A
CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PARADIGMA ÉTICO-FILOSÓFICO
O diálogo Górgias foi escrito na fase de transição de Platão (380 a.C.),
em que o filósofo grego adquiriu maior autonomia com relação à Sócrates,
passando a esboçar suas teorias que serão melhor desenvolvidas na sua
época de maturidade, em especial na opus magna República. Esse diálogo
platônico tem como ponto de partida a função da Retórica na comunidade
(pólis) e como ela deve ser utilizada pelos membros para alcançar a justiça
(diké) e a felicidade (eudaimonia).
O protagonista é aquele que deu nome ao livro, o sofista siciliano
Górgias, aclamado como o melhor orador de Atenas pelos seus pares. Porém,
o diálogo não se limita a ele, contando com a participação dos personagens
Polo e Cálices. A obra poderia didaticamente ser dividida em três partes,
correspondente ao momento em que cada um deles é interpelado por
Sócrates. Com Polo é que será travado o problema da felicidade humana, e
é apenas neste trecho que o presente ensaio vai se deter.
Após encerrar a discussão com Górgias sobre a função do discurso,
Sócrates passa a interrogar Polo, discípulo e defensor do sofista grego, seu
mestre. Polo inicia a sua fala afirmando que a Retórica é a mais bela das
artes, argumentando que esta dá poder àqueles que a dominam. Ele compara
os oradores aos tiranos, dizendo serem ambos os detentores do poder de
matar, banir ou confiscar os bens de quem quiserem. Para Polo, este poder
pode ser considerado o maior bem e deve ser invejado por todos1.
Sócrates contrapõe esse pensamento com o aparente paradoxo de
que os que têm mais poder não são os mais poderosos, “pois não fazem o
que querem, por assim dizer, mas apenas o que se lhes afigura melhor”2. Ele
delimita o ambiente conceitual do verbo boúlomai, que deixa de representar
qualquer tipo de querer para designar o verdadeiro querer. Deste modo,
aquele que sem buscar o Bem faz algo pensando ser este o querer racional
1.
2.
PLATÃO, Górgias, 446c, p. 135.
PLATÃO, Górgias, 446e, p. 136.
GLAUCO BARREIRA MAGALHÃES FILHO
DANIEL DAMASCENO
Organizadores
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(boúlesqai), em verdade, não faz o que quer, mas aquilo que imagina ser o
melhor para si3.
Esse raciocínio está explicado na diferenciação entre bem real e bem
aparente4. Os tiranos e os retores, por exemplo, fazem aquilo que acreditam
ser o melhor, porém esta crença não passa de falsa opinião (doxa); logo,
relativa. Por não ser um conhecimento (episteme), esse querer não pode ser
expresso pelo verbo boúlomai5. Sócrates insiste que, no âmbito da crença
pessoal, ambos buscam sempre o que acreditam ser o melhor, embora, na
realidade, isto possa ser o pior.
Ele explica esse paradoxo admitindo que nenhum homem pratica
o mal porque realmente o quer. O homem pode desejar verdadeiramente
apenas o bem, pois o objetivo de toda ação é o fim, e não os meios. Esse
resultado buscado por todos é sempre bom, mesmo que os meios para
obtenção deste fim não sejam os mais agradáveis ou aprazíveis6. Se alguém
comete um ato injusto, age contra a verdadeira vontade, porque, ao ser
indulgente com o mal pela crença errada de que convém aos seus interesses,
ele está revelando que é impotente para fazer o que realmente quer, ou
seja, praticar o bem. Assim, o tirano é fraco, e não forte, como sustenta o
debatedor7.
Diante das investidas de Polo para convencê-lo de que o maior poder
é cometer injustiça sem ser punido, Sócrates aduz que o poder para ser
um bem deve ser fundado no autêntico querer, ou seja, na razão (logos),
pois, do contrário, este poder irá corromper e arruinar a pessoa, a qual, na
ilusão de estar sendo beneficiada, comete ações injustas e degrada a sua
alma. Portanto, recusa o argumento de que os oradores e os tiranos possam
fazer o que querem baseado na ideia de que o querer só existe quando há o
conhecimento, e que este sempre deseja o bem (agathos)8.
Na réplica, Polo não se contém e zomba da declaração socrática,
porque ninguém concordaria que seria melhor ser um injustiçado do que
um tirano. Ele é firme na convicção de que todo homem vai se comportar
como um tirano se tiver a chance de se safar sem nenhuma punição. Seria
um absurdo afirmar que alguém assim, ao proceder sem castigo, seja infeliz9.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
MARCHI, A virtude e o justo no Górgias de Platão, p. 55.
Cf. PLATÃO, A república, I, 335a, p. 60.
MARCHI, A virtude e o justo no Górgias de Platão, p. 55-56.
PLATÃO, Górgias, 468d, p. 139.
VOEGELIN, The philosophy of existence, p. 479. Esse trecho é melhor explicado pela doutrina
agostiniana da inexistência do “mal em si” – este seria apenas a face negativa do bem: é dizer,
a sua ausência.
MARCHI, A virtude e o justo no Górgias de Platão, p. 56.
VOEGELIN, The philosophy of existence, p. 480. Cf. PLATÃO, Górgias, 473e-474b, p. 146.