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TEMAS ATUAIS DE FILOSOFIA DO DIREITO

2024, TEMAS ATUAIS DE FILOSOFIA DO DIREITO

Esta coletânea reúne artigos científicos produzidos ao longo de dois anos de pesquisa do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq), nas obras fundamentais de Platão e Aristóteles. Pretende-se responder a indagações contemporâneas no campo jurídico, sobretudo na sua relação com a ética e a política, a partir das melhores contribuições da filosofia clássica e medieval. Por essa razão, os capítulos estão divididos em quatro partes, abrangendo diálogos reflexivos com os antigos, os medievais, os modernos e os contemporâneos.

TEMAS ATUAIS DE FILOSOFIA DO DIREITO Diálogos atemporais entre clássicos e modernos Acesse o site: www.booksbyauthors.com • Caso tenha adquirido seu livro através do site da Editora Thoth, você receberá o código de ativação do e-book por meio do e-mail cadastrado. • Se adquiriu este livro através de terceiros, você poderá solicitar o código de ativação do e-book através do e-mail: [email protected] Editora Thoth parceira da: Conheça melhor a Books by Authors 1. CRIAR PERFIL 2. PUBLICAÇÕES Crie seu perfil para ter acesso às nossas funções e se encante pela Books by Authors. Publique no seu perfil conteúdos acadêmicos de sua autoria: artigos, trabalhos acadêmicos, livros e vídeos. 4. MENSAGENS Envie mensagens para outros perfis por meio da nossa plataforma. 7. CITAÇÕES Saiba quando for citado em publicações de outros autores. 5. ACESSE LIVROS EM E-BOOK Acesse livros digitais pelo código concedido pelas editoras ou adquira uma das obras disponíveis para a venda. 3. BUSQUE POR PERFIS Pesquise diversos autores e siga os seus favoritos, para ficar por dentro de suas publicações. 6. LEITOR No leitor você poderá grifar seus trechos favoritos, fazer anotações e expandir a tela para uma melhor experiência de leitura. Organizadores GLAUCO BARREIRA MAGALHÃES FILHO DANIEL DAMASCENO TEMAS ATUAIS DE FILOSOFIA DO DIREITO Diálogos atemporais entre clássicos e modernos Londrina/PR 2024 I Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Temas atuais de Filosofia do Direito: diálogos atemporais entre clássicos e modernos (Volume 1). / Glauco Barreira Magalhães Filho, Daniel Damasceno (orgs) . – Londrina, PR: Thoth, 2024. 277 p. Inclui bibliografias. © Direitos de Publicação Editora Thoth. Londrina/PR. www.editorathoth.com.br [email protected] ISBN: 978-65-5959-817-5 1. Filosofia jurídica. 2. Platão. 3. Aristóteles. I. Filho, Glauco Barreira Magalhães; II. Damasceno, Daniel (orgs). CDD 340.1 Índices para catálogo sistemático Diagramação e Capa: Editora Thoth Revisão: Daniel Damasceno Editor chefe: Bruno Fuga Conselho Editorial (Gestão 2024) Prof. Dr. Anderson de Azevedo • Me. Aniele Pissinati • Prof. Dr. Antônio Pereira Gaio Júnior • Prof. Dr. Arthur Bezerra de Souza Junior • Prof. Dr. Bruno Augusto Sampaio Fuga • Prof. Me. Daniel Colnago Rodrigues • Prof. Dr. Flávio Tartuce • Me. Gabriela Amorim Paviani • Prof. Dr. Guilherme Wünsch • Dr. Gustavo Osna • Prof. Me. Júlio Alves Caixêta Júnior • Prof. Esp. Marcelo Pichioli da Silveira • Esp. Rafaela Ghacham Desiderato • Prof. Dr. Ricardo Genelhú • Profª. Dr. Rita de Cássia R. Tarifa Espolador • Prof. Dr. Thiago Caversan Antunes 1. Filosofia do Direito: 340.1 Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização. A violação dos Direitos Autorais é crime estabelecido na Lei n. 9.610/98. Todos os direitos desta edição são reservados pela Editora Thoth. A Editora Thoth não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra por seus autores. ORGANIZADORES GLAUCO BARREIRA MAGALHÃES FILHO Mestre em Direito (UFC). Doutor em Sociologia (UFC). Livre-Docente em Filosofia do Direito (UVA). Professor de Direito (FD/UFC). Pesquisador-líder do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (PPGD/UFC). Autor de diversos livros jurídicos e teológicos. DANIEL DAMASCENO Mestre (2023) e Bacharel (2018) em Direito (UFC). Pesquisador do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito - Díkaion (PPGD/UFC). Autor do livro “Ética das virtudes & decisão judicial: a tradição clássica do juiz prudente” (Lumen Juris, 2023). Coorganizador das coletâneas “Ética, Direito & Bem Comum” (Thoth, 2023) e “Direito Natural, Justiça & Bem Comum” (Mucuripe, 2023). Editor do portal “Direito & Cultura” (Medium). Assessor de Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). AUTORES ANA PATRÍCIA MELO ARRUDA Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista em Direito e Processo Penal pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Especialista em Filosofia e Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). Bacharela em Direito pelo Centro Universitário Sete de Setembro (UNI7). E-mail: patriciaarruda_81@ hotmail.com. DANIEL DAMASCENO Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisador do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq). Assessor de Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). E-mail: [email protected]. EDGAR FERREIRA DE OLIVEIRA CALIXTO ALMEIDA Pós-graduando em Direito Constitucional pela FAVENI. Graduado em Direito pelo Centro Universitário CESMAC. Aluno do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq). Professor de Ciência Política e Teoria Geral do Estado do Centro Universitário Mario Pontes Jucá (UMJ). E-mail: [email protected]. ÊNIO STEFANI RODRIGUES CARDOSO CIDRÃO Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Christus (Unichristus). Aluno do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion. E-mail: cidraoenio@ gmail.com. FRANCISCA CECÍLIA DE CARVALHO MOURA FÉ Doutoranda em Direito Púbico pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). Mestra em Direito pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Aluna do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq). Professora. Advogada. Bolsista CAPES/PROEX. E-mail: ceciliamourafe@ gmail.com. GLAUCO BARREIRA MAGALHÃES FILHO Doutor em Sociologia (UFC). Mestre em Direito (UFC). Livre-Docente em Filosofia do Direito (UVA). Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (FD/UFC). Pesquisador-líder do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq). E-mail: glaucobarreira@ yahoo.com.br. JOSÉ LUCAS LIMA DA COSTA Graduado em Direito pelo Centro Universitário Fametro (Unifametro). Pós-graduando em Direito Público pela Faculdade Legale. Aluno do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq). Membro do Grupo de Trabalho (GT) Neoconstitucionalismo, Ativismo e Liberdade – IEDC. E-mail: [email protected]. LÍLIA DE SOUSA NOGUEIRA ANDRADE Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestra em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista em Penal e Processo Penal pela Faculdade Damásio (FDDJ). Especialista em Educação pela Faculdade Integrada Instituto Souza (Fasouza). Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Professora da Faculdade Princesa do Oeste (FPO). Advogada. E-mail: [email protected]. MURILO JOSÉ ALVES MOTA Graduando em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Aluno do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq). Bolsista de Iniciação Científica UFC/Funcap. E-mail: [email protected]. NARDEJANE MARTINS CARDOSO Mestre em Direito Constitucional pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade de Fortaleza (PPGD/UNIFOR). Docente do Curso de Direito do Centro Universitário Fanor Wyden (UniFanor). Aluna do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq). Advogada. E-mail: [email protected]. RAFAEL CAVALCANTE CRUZ Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Mestre em Economia pela UFC e em Direito pela Universidade de Fortaleza (Unifor). MBA em Gestão pela Saint Paul. Especialista em Direito Constitucional pela UniSul. Especialista em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale. Graduado em Direito pela Unifor com extensão na Universidad de Oviedo - Espanha. Tabelião. E-mail: rafael. [email protected]. RAFAEL CRONJE MATEUS Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Aluno do Grupo de Pesquisa em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq). Advogado e assessor legislativo. E-mail: [email protected]. RAONI MARQUES OLIVEIRA Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC/MG). Analista processual do Ministério Público Federal (MPF/CE). E-mail: [email protected]. RODRIGO COUTO GONDIM ROCHA Doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (FDUL). Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Pesquisador do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq). E-mail: [email protected]. RÔMULO ALBUQUERQUE PORTO Mestrando e Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pós-graduado em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale. Pós-graduando em Direito Privado pela Faculdade Legale. Pósgraduando em Direito e Processo Tributário pela Faculdade Cers. Aluno do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq). E-mail: [email protected]. APRESENTAÇÃO O Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq) nasceu do reconhecimento da importância da reflexão permanente sobre os fundamentos da ação humana nas mais variadas dimensões da vida social e, de modo consequente, da relevância prática da investigação filosófica conduzida no seio das instituições acadêmicas. Ele surgiu a partir da percepção de que existe uma lacuna na formação dos juristas: ao longo de sua formação, pouco ou nada aprendem sobre os fundamentos filosóficos de sua arte. Perdidos entre as observações técnicos das disciplinas legais, a preparação para concursos públicos e os sonhos de grandeza profissional, ignoram – e mesmo desprezam – tudo aquilo que julgam não ter utilidade prática. Percebemos que, sem o conhecimento dos fundamentos jusfilosóficos, a formação jurídica é deficiente: falta-lhe a alma e resta apenas a carcaça, que, por mero hábito adquirido desde longuíssimas eras, permanece operando como se soubesse o que faz. Os argumentos se transformam em retórica vazia, que não parecem levar a lugar algum. Decidimos, então, fundar um Grupo de Estudos em Filosofia do Direito, ao qual nomeamos Díkaion, termo grego que significa «O Justo» ou «Aquilo que é Justo». Está relacionado à Dikē, a Justiça do Cosmos, resultado da ordenação do mundo por Zeus. Escolhemos esse nome de batismo por termos como base de nossas inquirições a concepção de que a justiça – como originalmente compreendida pelos primeiros filósofos – é o fundamento mesmo da ética, do direito e da política. Seu objetivo é o estudo histórico e dialogal acerca dos principais temas ligados à Filosofia do Direito, como a Justiça, a Ética, o Direito Natural e a Teoria Política, mediante encontros quinzenais a partir da leitura sistemática de Platão, Aristóteles, Cícero, Agostinho, Tomás de Aquino, dentre outros pensadores consagrados, sucessivamente. Para tanto, temos um cronograma de leituras semestrais envolvendo autores de tempos mais remotos aos recentes. O Grupo, embora vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD/UFC), reúne uma comunidade de pesquisadores de várias universidades do País. Entre os participantes, temos professores e alunos de graduação e pós-graduação de vários cursos jurídicos, de Norte a Sul do Brasil. Todos dedicados ao exame da fertilidade da filosofia clássica para responder aos problemas jurídicos e políticos da atualidade. Com o apoio do CNPq e da UFC, o Díkaion realizou o I Congresso Luso-Brasileiro de Filosofia do Direito em setembro de 2022, evento internacional do qual participaram como palestrantes professores de várias partes do Brasil e de Portugal. Nesse congresso, inaugurador de uma parceria com docentes ultramar, houve seleção de artigos dos participantes e inscritos, bem como a sua publicação em anais. Além disso, o Grupo de Pesquisa já produziu outras coletâneas e artigos, e os participantes docentes têm publicado vários livros de sua própria autoria, em diálogo com os estudos grupais. Dois alunospesquisadores publicaram as suas dissertações de mestrado por editoras jurídicas reconhecidas nacionalmente, e outros ainda publicarão suas teses doutorais. A presente coletânea, intitulada “Temas Atuais de Filosofia do Direito: Diálogos Atemporais entre Clássicos e Modernos (v. 1)”, faz um intercâmbio entre o pensamento jurídico de diversos períodos, da antiguidade à contemporaneidade. Ao tratar de questões éticas, sociais, políticas e jurídicas, temos o fruto maduro de 2 (dois) anos de profundas pesquisas, reflexões e discussões no seio do grupo de estudos. Bem comum, justiça, equidade, prudência e Direito Natural são temas do programa de estudo. Ética, política, antropologia, hermenêutica, retórica, epistemologia e metafísica são disciplinas destacadas. Tudo isso coordenado com a Teoria do Estado e do Direito, com o Constitucionalismo, com o Direito Internacional, com os direitos humanos e fundamentais, bem como com o estudo da Jurisdição Constitucional. Estudamos as relações entre a natureza humana e o Direito, o Estado e a sociedade, o poder e a liberdade. Convidamos todos aqueles que tateiam, um tanto às cegas, o que há por detrás do direito visível – desse mundo das legislações, das interpretações sistemáticas, das peças repetitivas, das (in)constitucionalidades – a conhecer o direito e a justiça reais, que a alma humana pode investigar e compreender, por meio desta coleção. Esperamos que a presente obra coletiva ajude a formar um paradigma ético-jurídico capaz de atender ao equilíbrio pendular entre justiça e segurança, desvendando caminhos para o aperfeiçoamento humano e social. Fortaleza, 26 de julho de 2023. OS ORGANIZADORES SUMÁRIO ORGANIZADORES ...................................................................................................7 AUTORES......................................................................................................................9 APRESENTAÇÃO .....................................................................................................13 INTRODUÇÃO Glauco Barreira Magalhães Filho EDUCAÇÃO E DIREITO NATURAL NA FORMAÇÃO CLÁSSICA.........21 Referências .................................................................................................................33 PARTE I DIÁLOGOS COM PLATÃO...................................................................................35 CAPÍTULO 1 Daniel Damasceno O CONCEITO DE LIBERDADE NO DIÁLOGO GÓRGIAS DE PLATÃO: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE AS CONCEPÇÕES CLÁSSICA E MODERNA .................................................................................................................37 Introdução .................................................................................................................37 I O debate entre Sócrates e Polo no Górgias: a construção de um novo paradigma ético-filosófico ..........................................................................................................38 II A recepção do conceito platônico de liberdade pelos medievais .................40 III O problema da liberdade individual contra o poder estatal na modernidade....44 IV Comparando dois paradigmas filosóficos .......................................................49 Conclusão ..................................................................................................................52 Referências .................................................................................................................53 CAPÍTULO 2 Francisca Cecília de Carvalho Moura Fé Lília de Sousa Nogueira Andrade A DESCRIÇÃO DA DEMOCRACIA NO LIVRO VIII DA REPÚBLICA DE PLATÃO .......................................................................................................................57 Introdução .................................................................................................................57 I Relação das formas de governo com as formas de almas ...............................59 II A liberdade desenfreada ......................................................................................63 III A predominância dos desejos supérfluos ......................................................65 IV A confusão de conceitos....................................................................................66 V A destruição da sociedade democrática ...........................................................69 Conclusão ..................................................................................................................71 Referências .................................................................................................................72 CAPÍTULO 3 José Lucas Lima Da Costa AS LEIS DE PLATÃO: UMA ANÁLISE DO PENSAMENTO PLATÔNICO À LUZ DO DIREITO PENAL MODERNO ......................................................75 Introdução .................................................................................................................75 I Metodologia ............................................................................................................76 II Movimentos ideológicos do direito penal ........................................................76 II.I Abolicionismo ....................................................................................................77 II.II Direito penal máximo ou movimento de lei e ordem ................................81 II.II.I Fixing broken windows (concertando as janelas quebradas)........................81 II.II.II Direito penal do inimigo.............................................................................83 II.III Direito penal mínimo ....................................................................................84 II.IV A alocação no pensamento platônico .........................................................85 III A finalidade da pena ...........................................................................................86 III.I Uma breve introdução da teoria da pena .....................................................86 III.I.I Teoria absoluta...............................................................................................86 III.I.II Teoria relativa................................................................................................88 III.I.III Teoria mista..................................................................................................89 III.II A alocação no pensamento platônico .........................................................89 Conclusão ..................................................................................................................90 Referências .................................................................................................................91 CAPÍTULO 4 Nardejane Martins Cardoso “LÁ E DE VOLTA OUTRA VEZ”: PENSAR O DIREITO À EDUCAÇÃO NO BRASIL DO SÉCULO XXI A PARTIR DA FILOSOFIA E DO ENSINO DAS VIRTUDES.........................................................................................................93 Introdução .................................................................................................................93 I Da “República” ao “De Magistro” e o resgate das virtudes: quem é o educador – quem é o educando?..............................................................................................95 II O que é educação? – para além do sistema escolar e de um dever estatal....99 III “Lá e de volta outra vez”: o retorno ao passado para a formação hodierna?..................................................................................................................103 Conclusão ............................................................................................................... 106 Referências .............................................................................................................. 106 PARTE II DIÁLOGOS COM ARISTÓTELES.....................................................................109 CAPÍTULO 5 Rafael Cavalcante Cruz A CONTRIBUIÇÃO DA ÉTICA ARISTOTÉLICA NA SOCIEDADE DE RISCO ........................................................................................................................ 111 Introdução .............................................................................................................. 111 I A sociedade de risco de Ulrich Beck................................................................ 112 II A ética aristotélica ............................................................................................. 114 III A contribuição da ética aristotélica na sociedade de risco......................... 118 Conclusão ............................................................................................................... 124 Referências...............................................................................................................124 CAPÍTULO 6 Ana Patrícia Melo Arruda A ÉTICA E A BUSCA DA EUDAIMONIA ARISTOTÉLICA EM UM CONTEXTO DE GUERRA ................................................................................. 127 Introdução .............................................................................................................. 127 I [In]existência de justiça e de limites ético-morais no contexto de guerra....131 II O governante filósofo ou filósofo governante e o “com mando” filosófico na guerra e a questão da eudaimonia aristotélica ............................................. 134 Conclusão ............................................................................................................... 141 Referências .............................................................................................................. 143 CAPÍTULO 7 Ênio Stefani Rodrigues Cardoso Cidrão ESFERA PÚBLICA E HUMANIZAÇÃO: REFLEXÃO A PARTIR DE CONCEITOS POLÍTICOS EM ARISTÓTELES E HANNAH ARENDT145 Introdução .............................................................................................................. 145 I A libertação e o engajamento no espaço público a partir de Aristóteles ... 147 II A vida ativa em Arendt: a celebração da ação política................................. 149 III Uma síntese teórica: o que faz do homem mais humano ......................... 152 Conclusão ............................................................................................................... 155 Referências .............................................................................................................. 156 CAPÍTULO 8 Raoni Marques Oliveira A RELAÇÃO DA LEI MORAL COM A NATUREZA HUMANA E COM O PODER: UM DIÁLOGO ENTRE C. S. LEWIS E ARISTÓTELES ........... 159 Introdução .............................................................................................................. 159 I A abolição do homem e o domínio dos manipuladores: as consequências do abandono da lei moral segundo C. S. Lewis ...................................................... 161 II O homem, as virtudes e o governo da pólis: breves reflexões a partir do pensamento de Aristóteles ................................................................................... 166 III Lewis e Aristóteles: um diálogo sobre a natureza humana e o poder ..... 170 Conclusão ............................................................................................................... 173 Referências ............................................................................................................. 174 PARTE III DIÁLOGOS COM OS MEDIEVAIS E OS MODERNOS............................ 175 CAPÍTULO 9 Rômulo Albuquerque Porto ENTRE O JUSTO E O PODER: A (IN)EXISTÊNCIA DE DIREITO SUBJETIVO EM TOMÁS DE AQUINO, UMA VISÃO ............................... 177 Introdução .............................................................................................................. 177 I Reflexões sobre o direito em São Tomás de Aquino .................................... 178 I.I Prolegômenos e reflexões sobre o Direito Natural .................................... 179 I.II A natureza do direito ..................................................................................... 183 I.III Apontamentos sobre o liame entre a lei natural e o direito natural ...... 187 II A (in)existência de direito subjetivo na concepção de dominium em São Tomás de Aquino ............................................................................................................... 191 Conclusão ............................................................................................................... 199 Referências .............................................................................................................. 199 CAPÍTULO 10 Rodrigo Couto Gondim Rocha Daniel Damasceno Rafael Cronje Mateus THOMAS HOBBES E O POSITIVISMO JURÍDICO: DA NOVA CIÊNCIA DA POLÍTICA À REJEIÇÃO DA ÉTICA DAS VIRTUDES CLÁSSICA....201 Introdução .............................................................................................................. 201 I A antropologia fisicalista de Thomas Hobbes: um convite ao voluntarismo político? ................................................................................................................... 202 II A depreciação da ética, ou o esquecimento da virtude ............................... 207 III A nova ciência jurídica: entre a política e a moral ...................................... 210 Conclusão ............................................................................................................... 217 Referências .............................................................................................................. 218 CAPÍTULO 11 Edgar Ferreira de Oliveira Calixto Almeida A FORMAÇÃO DO ESTADO MODERNO E A CRÍTICA JUSNATURALISTA DE JOSÉ PEDRO GALVÃO DE SOUSA AO TOTALITARISMO TECNOCRÁTICO .................................................................................................. 221 Introdução .............................................................................................................. 221 I Totalitarismo: como se manifesta e como ele ascende.................................. 222 I.I Pressupostos para o florescimento do totalitarismo segundo José Pedro Galvão de Sousa .................................................................................................... 223 I.II Pressupostos filosóficos para o totalitarismo: as contribuições de Marsílio de Pádua, Hobbes e Rousseau ............................................................................ 224 II A tecnocracia: a perspectiva de Galvão de Sousa sobre o estado tecnocrático e seus fundamentos históricos e políticos ......................................................... 230 III O direito natural e a sociedade ...................................................................... 233 Conclusão ............................................................................................................... 236 Referências .............................................................................................................. 237 PARTE IV DIÁLOGOS COM OS CONTEMPORÂNEOS................................................239 CAPÍTULO 12 Francisca Cecília de Carvalho Moura Fé O CONCEITO DE DIREITO NATURAL NA FILOSOFIA JURÍDICA CONTEMPORÂNEA: RELEITURAS E PERSPECTIVAS .......................... 241 Introdução .............................................................................................................. 241 I O conceito de Direito Natural na tradição filosófica .................................... 243 II Críticas do Direito Natural na Modernidade ................................................ 248 III Releituras contemporâneas do Direito Natural .......................................... 250 IV Perspectivas interdisciplinares do Direito Natural ..................................... 254 V O Direito Natural na construção de uma sociedade justa e sustentável ....... 257 Conclusão ............................................................................................................... 259 Referências .............................................................................................................. 261 CAPÍTULO 13 Murilo José Alves Mota DETERMINATIO E DEFERÊNCIA JUDICIAL EM ADRIAN VERMEULE..............................................................................................................263 Introdução .............................................................................................................. 263 I Bem Comum, Lei Natural e Lei Positiva......................................................... 264 II Determinatio ...................................................................................................... 267 III Deferência judicial como decorrência da determinatio ................................. 272 Conclusão ............................................................................................................... 275 Referências .............................................................................................................. 276 INTRODUÇÃO EDUCAÇÃO E DIREITO NATURAL NA FORMAÇÃO CLÁSSICA GLAUCO BARREIRA MAGALHÃES FILHO Doutor em Sociologia (UFC). Mestre em Direito (UFC). Livre-Docente em Filosofia do Direito (UVA). Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (FD/UFC). Pesquisador-líder do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq). E-mail: [email protected]. Quando falamos sobre temas jurídicos em ambientes públicos parece que vamos tratar de assuntos técnicos, que apenas se acomodam ao interesse de um determinado segmento da sociedade, ou seja, daqueles que possuem formação profissional especifica na área do Direito. Mas, quando eu adjetivo o Direito de “natural”, eu não estou mais falando do Direito Positivo, ou seja, daquele Direito a que têm acesso profundo os que gozaram da oportunidade de um estudo especifico. Antes, falo de um Direito comum, de algo que a nossa consciência e a reta razão poderão reconhecer. Falo de referenciais éticos que nos são congeniais, enquanto seres humanos. Quanto ao assunto da educação, apesar de ser um objeto de pesquisa especifico – tratamos particularmente da educação clássica –, ele também não nos é estranho, pois todos nós passamos pelo processo de aprendizagem, que inicia na família. Desse modo, Direito natural e educação são dois temas acessíveis às pessoas de qualquer formação, às pessoas comuns, e é isso que realmente nos interessa. O que chamamos de educação clássica é o modelo mais tradicional, adotado pelos antigos gregos e romanos, bem como durante a Idade Média. Muitas pessoas podem questionar a razão de destacarmos o valor da educação clássica. Uma das coisas mais curiosas, porém, quando lemos um livro de Platão ou de Aristóteles, é que, embora possamos discordar deles em alguns pontos, nós vemos que estavam lidando com problemas com 22 TEMAS ATUAIS DE FILOSOFIA DO DIREITO DIÁLOGOS ATEMPORAIS ENTRE CLÁSSICOS E MODERNOS VOLUME 1 os quais nós também estamos lidando hoje. Nisso, fica evidente a unidade da natureza humana e seus questionamentos recorrentes. Conforme E. D. Hirsch, da Universidade de Virgínia, “a idéia de que as pessoas antigas eram muito diferentes de nós, em si, já é um mito”1. Os antigos filósofos estavam interessados nas questões fundamentais que nos visitam o espírito ainda hoje. Nelas, nós encontramos um sentimento universal de humanidade. Muitas vezes, quando lemos um livro contemporâneo, escrito por um filósofo mais recente, nós encontramos questões tão artificiais, tão longe daquilo que buscamos existencialmente, que não nos sentimos representados em suas divagações. O que temos é um estranhamento. Muitos filósofos contemporâneos usam uma linguagem extremamente hermética, exotérica, ao tratar de questões que eles mesmos criaram. São questões da superfície de uma época, de um gueto acadêmico, mas não são questões da humanidade. Muitas pessoas têm preconceito contra a filosofia e a sociologia porque, ao lerem autores contemporâneos, os acham distantes delas. É como se os intelectuais deixassem de ser humanos para falarem do humano. Diferentemente, quando os antigos filósofos são lidos, o gosto pela filosofia nasce. É curioso que os antigos, estando mais distantes no tempo, nos sejam mais atraentes. Isso acontece porque tratam de coisas mais universalizáveis, de questões intrinsecamente humanas, que despontam com mais naturalidade em nosso ser. Ao longo do tempo, as universidades fizeram com que os filósofos e sociólogos deixassem de ser intérpretes do homem comum. O verdadeiro intelectual deveria expressar de modo mais preciso as questões já colocadas pelo homem comum, a fim de ajudá-lo a expressar de modo sistêmico as respostas que ele já pode ter encontrado. Temos visto, entretanto, os intelectuais procurando cada vez mais se distinguir do senso comum para provar a sua “superioridade”. Muitos intelectuais de nosso tempo desprezam o bom senso do homem médio, formulando questões artificiais para parecer que possuem um pensamento profundo, ainda não contemplado pelo homem do povo. No desejo de se elitizarem, de se sentirem uma casta (uma camada superior da sociedade), desenvolvem “manias” intelectuais. Começam a falar numa linguagem tão hermética, tão exotérica que somente os seus iniciados entendem. Tais pessoas se sentem engrandecidas por estarem se tornando 1. HIRSCH, E. D. The aims of interpretation. Chicago: University of Chicago Press, 1976, p. 39. GLAUCO BARREIRA MAGALHÃES FILHO DANIEL DAMASCENO Organizadores 23 ininteligíveis ao homem comum. Costumo dizer que os intelectuais estão sofrendo de um tipo de “autismo”. Na Antiguidade, a situação era diferente. Os antigos tratavam de questões universais familiares ao homem comum. Os filósofos ajudavam o homem comum quando estes encontravam dificuldades para falar ou expor uma ideia. Eles ajudavam as pessoas da comunidade a colocarem suas questões de maneira mais objetiva, e, notadamente, ajudavam na procura de respostas. Isso já é o bastante para justificar a importância de voltarmos aos antigos. Os verdadeiros e autênticos intelectuais deveriam ser identificados com os “poetas” da classificação de Chesterton. O literato inglês dividiu a espécie humana em três categorias: 1) Pessoas “simples”; 2) Intelectuais; 3) Poetas. Os primeiros são capazes de sentir, mas não de expressar os seus sentimentos. Os “intelectuais” (modernos) são capazes de menosprezar os sentimentos das pessoas “simples”, de ridicularizá-las e de arrancar de si próprios esses sentimentos. Os poetas, por sua vez, têm o dom de expressar aquilo que todo mundo sente, mas muitos não sabem como dizer2. O distanciamento do intelectual moderno das pessoas comuns criou a necessidade dos “popularizadores” do conhecimento. Como o ensino médio valoriza cada vez menos a capacidade argumentativa (lógica e retórica), o pensamento dos filósofos atuais termina sendo fracionado (não deixando as pessoas perceberem logo as suas implicações destrutivas), ilustrado com imagens (projeções de slides) e memorizado por slogans. Os “popularizadores”, às vezes, são os próprios intelectuais que tem duas versões (uma esotérica e outra exotérica) para o seu pensamento, mas, na maioria das vezes, eles são discípulos distantes e de conhecimento superficial. Os popularizadores, ao mesmo tempo em que procuram simplificar e “enlatar” filosofias, mantém uma distância de sua audiência porque usam os métodos de projeção (slides, imagens). Os alunos olham para as projeções e não para o professor, que, não visto, ganha a oportunidade de ficar lendo tudo em seu notebook ou tablet. O popularizador, geralmente, não tem erudição, sendo apenas uma pessoa habilidosa para ler com fluência. A invenção da televisão provocou o surgimento da chamada “sociedade do espetáculo” (Guy Debord), a qual se difundiu e se intensificou pelo surgimento da internet. Nessa sociedade, há uma supremacia do parecer sobre o ser, pois as pessoas partem do pressuposto de que “a imagem é tudo”. Assim, se uma empresa consegue vender o seu produto por uma avançada técnica de marketing, ela é parabenizada independentemente 2. https://www.pensador.com/frase/ODMyMDUw/ 24 TEMAS ATUAIS DE FILOSOFIA DO DIREITO DIÁLOGOS ATEMPORAIS ENTRE CLÁSSICOS E MODERNOS VOLUME 1 da qualidade real daquilo que apresenta. A astúcia é homenageada, não a sinceridade. Essa sociedade do simulacro, por certo, se encantaria com as técnicas de Satanás no Éden. Ele tomou a forma do animal mais belo do campo (a serpente passou a ser rastejante e repugnante por uma maldição divina somente após a queda do homem), alimentou a curiosidade de Eva pela fala articulada em uma criatura irracional e criou toda uma ilusão sobre os benefícios do fruto proibido. Enfim, ele vendeu o seu produto. Para uma cultura da imagem e do marketing, ele seria considerado formidável independentemente do desastre resultante do pecado. Os jovens de hoje não têm mais heróis em quem se espelhar. Eles cultuam as celebridades, projetando os seus sonhos no sucesso delas. As energias psíquicas que deveriam servir para a luta contra a corrupção e a decadência moral são perdidas pelos jovens em jogos eletrônicos através dos quais eles forjam as suas pseudo-batalhas. O culto à imagem é também o culto do movimento e do entretenimento. As pessoas que perdem o dia na internet (inventando perfis, conversando asneiras em redes sociais, etc.) ou na TV a cabo (mudando de canal a cada cinco minutos) não estão preparadas para a leitura intensa e a pesquisa disciplinada. O resultado é a existência de inúmeras crianças hiperativas, incapazes de concentração nos estudos. Para tornar a aprendizagem “interessante” a uma geração inquieta, o entretenimento passou a ser um método. A educação utiliza imagens em movimento, os alunos levam tablet para a sala de aula e os professores-popularizadores devem produzir um show para ganhar os alunos. Nesse contexto, os bons professores, que tem amplo conhecimento adquirido pelo hábito de estudo, mas que ainda continuam a prestigiar a oralidade, são substituídos pelos falsos educadores, incompetentes e superficiais, que escondem a sua ignorância em slides projetados através de Data Show e dinâmicas de grupo. O entretenimento na educação começou no ensino lúdico das crianças (algo recomendado pelo próprio Lutero para os pequenos), mas houve uma propagação da infantilização para o ensino médio e, finalmente, a situação alcançou as universidades. Agora, temos alunos viciados em estímulos mecânicos, incapazes de desenvolver um estudo solitário. Os novos discentes não conseguem mais ler sequer um livro até o fim. As instituições de ensino superior criaram formas de aprovar pessoas sem méritos acadêmicos através de pontuações gratuitas em atividades de “entretenimento educacional” ou do sistema de correção de provas com questões “abertas”, onde qualquer coisa escrita (ainda que incongruente com a pergunta ou autocontraditória) pode ser considerada parcialmente GLAUCO BARREIRA MAGALHÃES FILHO DANIEL DAMASCENO Organizadores 25 correta. Em vez de se ensinar o Trivium (Lógica, Gramática e Retórica) para preparar o aluno para debater em busca da verdade objetiva, as “novas metodologias ativas” buscam estratégias de indução psicológica para a participação do aluno nas aulas, mas somente para dizer o que sente e como sente as questões e os problemas. Normalmente, essas metodologias trazem esquemas de manipulação para o discente se conformar a uma agenda ideológica desenhada pelo professor-popularizador-manipulador. A educação atual de manipulação adota técnicas de modificação de atitudes. Faz as pessoas agirem contrariamente às suas convicções (com aparência de liberdade), intimando-as indiretamente a se expor ao grupo com opinião diferente daquela que realmente possuem intimamente, exercendo uma pressão psicológica para assimilação das pautas e fazendo o sentimento de pertença ao grupo depender da adesão. O aluno, primeiramente, é constrangido a ser o que não é e a dizer o que não pensa. Depois, para conviver com a inautenticidade (e a culpa), ele é levado a buscar justificação para a postura nova que assumiu, racionalizando a sua conduta de rendição. O método expositivo tradicional (exposição e discussão), cognitivo e seletivo, é substituído por princípios de terapia coletiva, sociodrama e técnicas de manipulação afetiva. As imagens, os slides do professor e a expressividade sentimental do aluno substituem a relação de transmissão e aprofundamento intelectual e moral existente entre mestre e discípulo. John Henry Newman já destacava há muito tempo a importância da figura do professor na transmissão do ensino. A sua erudição, carisma e autoridade moral não podem ser substituídos pelas imagens que o tornam dispensável, nem a sua figura pode ser transmutada para fazê-lo parecer um apresentador de televisão. Newman asseverou a importância do “sistema professoral”, destacando que a sua existência segura e florescente depende da lei e da regra da ordem ética. Para ele, a instrução oral tinha superioridade sobre os livros na comunicação do saber. Sobre a importância pessoal do professor, disse: Afirmo que a influência pessoal do mestre pode de algum modo dispensar o sistema acadêmico, mas o sistema não pode em maneira nenhuma dispensar a influência pessoal... Um sistema acadêmico sem a influência pessoal dos mestres sobre os discípulos é um inverno polar3. O relatório da Universidade de Yale de 1828 revela que até então ainda se via a Universidade em sintonia com a família. Presumia-se que o ensino superior não desconstruiria o que havia sido aprendido no lar e pelo senso comum (enquanto bom senso), mas antes estabeleceria para isso a fundamentação. Hoje, os professores de ensino superior se sentem 3. NEWMAN, John Henry. Origem e progresso das universidades. Trad. Roberto Saboia de Medeiros S. J. São Paulo, 1951, p. 84-85. 26 TEMAS ATUAIS DE FILOSOFIA DO DIREITO DIÁLOGOS ATEMPORAIS ENTRE CLÁSSICOS E MODERNOS VOLUME 1 realizados ao desvincularem as pessoas daquilo que aprenderam de seus pais e da moral tradicional. Veja, porém, como era a situação anterior por esse trecho do relatório de Yale: Um aspecto importantíssimo das faculdades deste país é que os estudantes geralmente se encontram em uma idade que exige um substituto da supervisão dos pais. Quando saem de casa e são expostos às cenas de tentação nunca dantes enfrentadas, é necessário que um guardião confiável e afetuoso os leve pela mão e guie-lhes os passos. Esse fator determina a espécie de governança que deve ser mantida em nossas faculdades. Sendo um substituto das normas de uma família, ela deve aproximar-se do caráter de controle parental tanto quanto o permitam as circunstâncias do caso. Ela deve ser fundamentada em mútua afeição e confiança. Deve buscar a realização de seu propósito principalmente por influência gentil e persuasiva, não totalmente ou, sobretudo, pela restrição e pelo terror. Não obstante, por vezes, punições podem ser necessárias. Pode haver membros perversos em uma faculdade, bem como em uma família. Pode haver aqueles a quem nada, senão o braço da lei pode alcançar4. Alunos que não podem ser reprovados e filhos que não podem ser disciplinados numa sociedade relativista e amoral é o início do fim de tudo que é honrado e digno. No passado, enquanto os pagãos prestigiavam os ídolos, os antigos hebreus reverenciavam a palavra divina. Os “deuses” gregos eram cheios de vícios (apesar de os filósofos e sábios da Grécia reconhecerem a importância da ordem moral para os homens), mas o Deus de Israel estabeleceu preceitos morais elevadíssimos. O cristianismo antigo deu ordem moral ao caos gerado pela queda do Império Romano. A Reforma protestante, através da imprensa, promoveu a leitura da Bíblia e a alfabetização dos povos, trazendo grandeza cultural e econômica para os Estados Unidos e para o norte da Europa. Em termos de educação antiga, por exemplo, os chamados socráticos – Sócrates, Platão e Aristóteles – desenvolveram o que chamamos de dialética. A dialética consistia na procura de esclarecimento de conceitos e soluções para os problemas através da refutação dos equívocos que apareciam nas primeiras impressões, eliminando as incoerências e as inconsistências entre as ideias até chegar aos reais conceitos ou às adequadas soluções para os problemas. Sócrates dialogava com pessoas comuns, ajudando-as a descobrirem as coisas por si mesmas, refinando, assim, o senso comum. Sócrates gostava de trabalhar com conceitos. Ele se considerava um parteiro de ideias. Perguntava o que a pessoa entendia por algo, como a justiça, por exemplo. A pessoa dizia o que vinha à sua mente, e obviamente, por trás daquela resposta, alguma intuição verdadeira estava presente, mas a 4. A educação superior e o resgate intelectual: o Relatório de Yale de 1818. Trad. Giovanna Louise. Campinas: Vide Editorial, 2016, p. 42-43. GLAUCO BARREIRA MAGALHÃES FILHO DANIEL DAMASCENO Organizadores 27 primeira expressão emitida trazia inconsistências, incoerências. Aquilo não iria se coadunar com outro conceito que ela tinha em mente, mas ela não se dava conta, porque não havia pensado na coerência entre suas ideias. Sócrates ia demonstrando as inconsistências, usando a refutação para purificar o conceito, até chegar àquele que pudesse ser consolidado, ou seja, que se mantivesse firme diante das oposições. O método adotado era o dialético. No caso de Platão, ele escrevia diálogos, e, no caso de Aristóteles, muito embora suas obras dialogais tenham desaparecido, as suas obras mais sistêmicas sempre fazem com que ele mostre uma questão e a posição antagônica (para comparar), buscando a melhor solução, a melhor proposta. Havia grande preocupação no homem da Antiguidade em estabelecer conceitos adequados para as coisas e o parâmetro pelo qual se aferia a correção do conceito era a realidade. O real ajudava a democratizar o conhecimento. Se o objetivo da exposição de um conceito for apenas mostrar beleza ou erudição, haverá apenas uma competição de citações e habilidade poética. Se, porém, o objetivo for apresentar um conceito adequado à realidade, uma vez que todos estão convivendo com a realidade, então, consequentemente, todos podem chegar a esse conceito, ou concordar com o outro que estiver correto, igualando-se a ele na constatação da realidade. Dessa forma se aplicava o método dialético no passado, havendo grande preocupação em formar conceitos adequados. Aristóteles dizia que conceituar é apontar o gênero a que a coisa pertence e agregar a sua diferença especifica. Assim, podia-se dizer que o homem era um “animal racional”, pois o seu gênero seria animal e sua diferença específica, a racionalidade. Isso não significava, porém, dizer que o homem é só animal ou só racional. Ele tem outros atributos, qualidades, características. Mas, isso significa que esta informação já era considerada suficiente para distinguir o homem de outros seres. Se, obviamente, tivéssemos que comparar o homem com um ser que fosse também animal racional, nós iríamos atrás de alguma outra coisa no homem a mais para poder distingui-lo. Nós nunca podemos dizer tudo sobre qualquer coisa. Só Deus conhece todas as coisas por todos os seus ângulos e lados, ou seja, exaustivamente. Nós buscamos conhecer até aonde podemos distinguir uma coisa da outra. Na Antiguidade, havia toda uma preocupação em formar conceitos, estabelecer definições e manter a coerência lógica do pensamento. Sustentava-se a força do princípio da não contradição e utilizava-se o método dialético da refutação para se chegar a posições consistentes. O 28 TEMAS ATUAIS DE FILOSOFIA DO DIREITO DIÁLOGOS ATEMPORAIS ENTRE CLÁSSICOS E MODERNOS VOLUME 1 parâmetro de aferição de validade dos conhecimentos, como dissemos, era a realidade. Nesses pilares, fundava-se a educação clássica. Quando estudamos a Idade Média, encontramos a dialética, notadamente, em Pedro Abelardo, e, depois, em Tomás de Aquino, assim como em todos os grandes representantes daquele período. O que acontecia? Na sala de aula, eles colocavam uma proposição afirmativa, uma proposição contestatória, e, então, criava-se uma discussão para encontrar uma resposta. Enquanto no caso de Sócrates trabalhava-se com conceitos, os medievais trabalhavam mais com proposições. Uma proposição envolve mais de um conceito, ela envolve um juízo, uma ligação entre conceitos. Por exemplo: colocava-se numa sala de aula a afirmação de que Deus era bom e de que criara todas as coisas, no entanto, outra proposição sustentava que havia o mal. Colocava-se, então, um problema: se Deus criou o mal, Ele não é bom; se Ele, sendo bom, não criou o mal, então Ele não criou todas as coisas. Os medievais encontraram solução para isso em Agostinho. Para o bispo africano, o mal não é criado porque não tem substância, o mal é a degeneração do bem, como as trevas são ausência de luz e a fome é o resultado da ausência do alimento em nosso corpo. Deus criou todas as coisas boas, e o homem ao se distanciar de Deus, por seu “livre arbítrio”, caminha para uma nadificação, para um distanciamento daquilo que lhe é a fonte do ser. O homem, por sua liberdade, deu oportunidade ao mal, mas não criou o mal, nem Deus criou o mal, porque o mal é esse processo de nadificação. Às vezes, pensa-se que, na Idade Média, a educação era autoritária ou abusiva. Na verdade, era altamente participativa. Não há um livro de Tomás de Aquino em que ele sustente uma tese sem informar sobre os argumentos da tese contrária. Os livros medievais sempre traziam essa estrutura. Eles nunca colocavam uma tese sem dar conhecimento aos seus leitores e alunos da existência de uma possibilidade contrária, informando sobre os argumentos de quem a defendia. As pessoas não tinham nenhuma informação sonegada, pois não se ocultava a existência de controvérsias acerca do assunto tratado. O objetivo do diálogo era a busca da verdade. Na Idade Moderna, os racionalistas queriam submeter tudo no mundo a um paradigma matemático, queriam estudar o Direito como se fosse matemática, queriam estudar instituições como se fossem demonstrativas. Eram abstracionistas. Em vez de levarem em conta a história, a tradição o concreto e o real, eles queriam um mundo sob parâmetros matemáticos. É possível, como se faz nas ciências naturais, estudar a natureza apenas no aspecto quantitativo e não qualitativo. Nesse sentido, pode-se dizer como Kepler, que a linguagem com que Deus fez o mundo é a matemática, GLAUCO BARREIRA MAGALHÃES FILHO DANIEL DAMASCENO Organizadores 29 mas há outros aspectos da realidade, como o estético e o teológico, que não podem ser negligenciados. A partir do momento em que se adotou um paradigma matemático universalizante e reducionista, qual passou a ser a missão do professor? Seria dialogar, contestar, conversar, chegar a uma conclusão pelo raciocínio dialético? Não. Sua missão era “demonstrar”, trazer à evidência, verificar. Quando alguém demonstra uma fórmula matemática corretamente, não há discussão, não há contra-tese. A incorreção na demonstração a torna imediatamente insustentável. Negar uma verdade matemática é pôr a razão contra si mesma. Então, não há conversa, se você entende que tudo mais segue um paradigma matemático. Tudo é demonstrativo. O professor “demonstra” e a aula se torna um monólogo. Os alunos ficam todos diante do professor, não há mais estruturas circulares na sala de aula. Perelman5, um reabilitador da retórica, mostrou que existem duas formas de conhecimento: o demonstrativo e o persuasivo. O primeiro aparece na matemática e, em parte, nas ciências naturais; mas, o conhecimento persuasivo é aquele conhecimento de coisas que você não pode demonstrar inequivocamente, mas somente persuadir o outro acerca dele. Não quer dizer que você não possa falar em verdade, mas quer dizer que estamos em outro nível de verdade, no caso, o das questões éticas e morais. Eu posso constatar empiricamente a ação consumada de uma pessoa, mas, em relação ao modo como eticamente deveria ter agido, eu só posso persuadi-la de que deveria ter se comportado de determinada forma. O homem antigo salientava a importância da retórica e da persuasão, mas sempre acompanhadas da preocupação com a verdade à luz da realidade. Diferentemente, hoje em dia, uma pessoa que tem grande habilidade em mascarar a realidade é aplaudida por essa capacidade. Com ceticismo em relação à verdade, o que importa é ser brilhante e criativo. A arte é valorizada no lugar da verdade e não no seu lugar próprio. Para o homem da Antiguidade, tanto a persuasão como a demonstração orientavam-se pela realidade como o parâmetro de verdade. Os modernos, por outro lado, desvalorizavam a persuasão, ficando só com a demonstração. Recentemente, tem sido valorizada novamente a persuasão, mas como um talento personalístico, um instrumento para evidenciar personalidades capazes de comporem grandes e influentes narrativas. A verdadeira persuasão, porém, é aquela que organiza os elementos da verdade num quadro explicativo da realidade. 5. PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova retórica. Trad. Maria E.G.G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 15-39. 30 TEMAS ATUAIS DE FILOSOFIA DO DIREITO DIÁLOGOS ATEMPORAIS ENTRE CLÁSSICOS E MODERNOS VOLUME 1 Nós tínhamos na Idade Média uma educação que tornava a pessoa capaz de fazer análise e de fazer síntese, capaz de decompor e recompor a realidade. O intelectual medieval sabia argumentar, conceituar, generalizar e definir. Atualmente, as pessoas procuram falar acerca das coisas antes de defini-las. Há um estimulo exagerado à participação pela participação sem a pessoa ter a capacidade de participar de modo inteligente. É como se fosse uma terapia de grupo. Há muitas pessoas que terminam um curso de Direito sem se mostrarem capaz de dar uma definição sustentável dos conceitos jurídicos. Em geral, o acadêmico contemporâneo não se mostra capaz de definir nem de fazer análise ou síntese. Na Idade Média, havia ampla e inteligente discussão. Existiam os estudos preliminares do Trivium, ou seja, de lógica, de gramática e de retórica. Depois disso, a pessoa estava capacitada para argumentar. Hoje em dia, nós queremos que as pessoas participem, mas nós não as preparamos para participar. O que se diz na educação hoje é que “o aluno tem que falar”. E, quando você for corrigir a prova, se ele tiver escrito qualquer fragmento incoerente de informação verdadeira, você deve considerar. É a ideia de participar por participar. Na Idade Média, havia um processo para aprender a dialogar de modo frutífero. Assim também ocorria na Academia de Platão e no Liceu. Quanto ao Direito, os gregos reconheciam a existência de uma lei natural. Aristóteles, por exemplo, falava do justo natural e do justo legal. Os pensadores clássicos, em geral, reconheciam a existência de uma ordem que estava acima da legislação humana e que era congruente com a nossa natureza e apreensível pela nossa razão. Os romanos, com algumas exceções, eram mais pragmáticos que filosóficos. Chegavam mais frequentemente por uma via indutiva ao Direito Natural. Começando pelo o Direito Civil, iam ao Direito das Gentes e, por fim, ao Direito Natural. Eles ascendiam de baixo para cima. Os medievais trabalhavam com os dois tipos de raciocínio. Às vezes, eram especulativos, pois, partindo das ideias do bem e do justo, chegavam à ideia de Direito Natural. Outras vezes, usavam o percurso romano, usando as constatações empíricas e coincidências morais para chegar à ideia de Direito Natural. No livro de C. S. Lewis, A abolição do homem, ele defende, com argumentos filosóficos a existência do Direito Natural, mas, no final do livro, coloca parte dos códigos morais de várias culturas (chinesa, japonesa, hebraica, grega, etc.) para mostrar como eles coincidiram na percepção ética moral. Percebemos, então, as duas vias, a filosófica e a empírica. Diferentemente de muitos antropólogos, C. S. Lewis diz que se espanta, não com a diversidade, mas com a unanimidade nos juízos morais GLAUCO BARREIRA MAGALHÃES FILHO DANIEL DAMASCENO Organizadores 31 básicos. Ao comparar culturas, porém, temos que considerá-las no seu melhor momento e à luz dos seus melhores representantes, não dos piores. Os medievais diziam que havia um escalonamento dos seres e que no topo estaria Deus, que é o Ser por excelência, do qual todos os seres, em alguma medida participavam para que pudessem ter sua existência e singularidade. Isso não quer dizer que defendiam um panteísmo, mas que referenciavam a fonte da nossa existência a Deus. Ele é o ser que faz com que nós sejamos isto ou aquilo, ou que cada coisa seja isto ou aquilo. Deus era descrito no topo, os anjos viriam logo abaixo. Lá em baixo nós encontraríamos um objeto inanimado como uma pedra. Uma pedra participa do Ser o suficiente para ter consistência e solidez, para ocupar um lugar no tempo e espaço, nada mais do que isso. Um vegetal já participa mais do Ser, porque um vegetal tem uma interação maior com o meio ambiente (a fotossíntese é um exemplo). Ele não tem apenas a solidez. Acima do vegetal está o animal, que tem também uma relação interativa com o ambiente, mas ele já tem algo mais, o movimento, o animus. Acima do animal está o ser humano. Esse tem solidez e ocupa um lugar no tempo e no espaço. O ser humano também tem maior interação com o ambiente e o movimento. Acima disso, porém, tem, entre outras coisas, uma sociabilidade consciente e uma personalidade. O animal é guiado pelo instinto, mas o homem tem a liberdade mediante a qual pode, fazendo escolhas, maximizar ou minimizar as características que o elevam. O que estou querendo dizer com isso? Um animal, que é movido por instinto, não pode se tornar mais animal ou menos animal. O homem, sendo livre, pode fazer uso de sua liberdade para turbinar os elementos que o qualificam como homem ou para atrofiálos. Ele pode se brutalizar e ficar mais próximo do degrau de baixo, como também pode se elevar para mais próximo do degrau de cima. O homem, como ser racional, sendo mais informado, pode desenvolver mais a sua racionalidade. Isso nos leva ao direito natural à informação, à comunicação e à cultura. Por que é que drogas não devem ser legalizadas? Porque, ao se drogar, a pessoa usa da liberdade para ficar menos livre. É uma liberdade autofágica em que a pessoa está sendo livre para não ser mais livre. Ela está usando de sua liberdade para ser menos humana. É uma autocontradição, sem falar no fato de que, ao se drogar, ela vai ficar menos racional, pois sua capacidade de raciocínio vai diminuir. Na verdade, ela está querendo uma coisa que a tornará menos racional, portanto mais bruta e menos humana. Tudo aquilo que nos faz mais humanos deve ser considerado um valor. Tudo aquilo que nos faz menos humanos deve ser considerado um desvalor. Na nossa sociabilidade, a consciência é uma característica humana. 32 TEMAS ATUAIS DE FILOSOFIA DO DIREITO DIÁLOGOS ATEMPORAIS ENTRE CLÁSSICOS E MODERNOS VOLUME 1 Somos dotados de sociabilidade fraterna. Se, de repente, negássemos o princípio ético da lealdade dos contratos, todos iriam começar a descumprir os contratos e isso nos vai afastaria uns dos outros, enfraquecendo os laços de solidariedade. A lealdade potencializa a nossa sociabilidade, o que nos faz mais humanos. Quanto menos sociáveis nós formos, mais brutos nós seremos, e, consequentemente, mais desceremos ao degrau de baixo. A partir do momento em que a terra se encheu de pessoas, passou a ser mais condizente com a norma suprema do amor, da fraternidade, a proibição da relação incestuosa. Note como nós podemos encontrar princípios éticos no conhecimento da natureza humana. C. S. Lewis, na Abolição do Homem, diz que a educação dos antigos, dos medievais, dos gregos e dos reformados era educação para a propagação de humanidade. A educação moral e ética dos protestantes e católicos era uma espécie de propagação da própria natureza. Por exemplo, quando um pássaro leva seu filhote a voar, ele o suspende e solta. O filhote balança e vai se equilibrando, mas se ele tem asas, ele já tem o potencial para voar. O que o genitor daquele filhote faz é forçá-lo a voar, a desenvolver sua natureza. Isso é propagação6. Nós devemos instruir de uma forma que a pessoa possa descobrir preceitos éticos que já estão na natureza das coisas. Isso é propagação. A educação de hoje, porém, é uma educação por propaganda. A diferença entre elas, é que a propaganda vem de fora, é um conhecimento estranho à natureza, que é incutido de uma forma semelhante à lavagem cerebral. Já a propagação é o despertar do conhecimento que vem de dentro. Então nós temos que propagar a humanidade e não, por uma engenharia social, construir um ser humano que não é natural. Alguém pode questionar alegando que, se o potencial está na constituição humana, ninguém deveria nos ensinar. Mas a verdade é que, se a pessoa pode aprender mais rápido pelo processo educacional o que ela poderia aprender sozinha em muito tempo por tentativa e erro, ensiná-la precocemente lhe permitirá partir para um avanço maior. Se eu acelerar sua aprendizagem, eu dou a pessoa mais oportunidades para descobrir muitas outras coisas. É assim que ocorre com a matemática. Em algum momento alguém vai descobrir que dois mais dois são quatro, mas, se eu puder ensinar à criança logo que dois mais dois são quatro, quando chegar a época em que ela aprenderia isso por si mesma, ela já estará descobrindo as fórmulas de Newton e outras coisas mais profundas. Pelo exposto, vimos que temos muito que aprender com a educação clássica, recuperando seu rigor e suas preocupações ontológicas, enquanto 6. LEWIS, C. S. A abolição do homem. Trad. Remo Mannarino Filho. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 20-21. GLAUCO BARREIRA MAGALHÃES FILHO DANIEL DAMASCENO Organizadores 33 restauramos o Direito Natural como paradigma ético para uma sociedade mais justa, estruturada e solidária. REFERÊNCIAS A educação superior e o resgate intelectual: o Relatório de Yale de 1818. Trad. Giovanna Louise. Campinas: Vide Editorial, 2016. HIRSCH, E. D. The aims of interpretation. Chicago: University of Chicago Press, 1976. LEWIS, C. S. A abolição do homem. Trad. Remo Mannarino Filho. São Paulo: Martins Fontes, 2005. NEWMAN, John Henry. Origem e progresso das universidades. Trad. Roberto Saboia de Medeiros, S.J. São Paulo: [s.n.], 1951. PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova retórica. Trad. Maria E.G.G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1996. PARTE I DIÁLOGOS COM PLATÃO CAPÍTULO 1 O CONCEITO DE LIBERDADE NO DIÁLOGO GÓRGIAS DE PLATÃO: UM ESTUDO COMPARADO ENTRE AS CONCEPÇÕES CLÁSSICA E MODERNA DANIEL DAMASCENO Mestre e Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Pesquisador do Grupo de Estudos em Filosofia do Direito – Díkaion (CNPq). E-mail: [email protected]. INTRODUÇÃO O tema da liberdade é uma questão central na pós-modernidade. Desde a deslegitimação de governos totalitários até a liberação de práticas tradicionalmente consideradas anticonvencionais, a discussão sobre a liberdade individual humana tem desempenhado um papel prevalente na conquista de direitos outrora negados ou desconhecidos no Ocidente. A postura grega quanto ao assunto costuma ser menosprezada ou negligenciada por causa de uma incompreensão dos conceitos utilizados para descrever pontos de vistas diferentes em momentos históricos distintos. Reduz-se a noção grega de liberdade (eleuthéria), no geral, apenas a uma conotação física, a qual distingue o escravo (doulos) do homem livre. Contudo, essa não parece a melhor interpretação, pelo menos não àquela contida nos textos platônicos. A opinião comum de que a palavra “liberdade” teve uma conotação simplória na Grécia antiga perpassa os séculos, desde Espinoza e Kant a Hegel e Schopenhauer. Trazendo para o debate filósofos medievais, como Agostinho de Hipona e Tomás de Aquino, percebe-se que o conceito grego pode ir muito além do que os modernos imaginavam, por não estar estritamente limitado ao direito e à política, mas expandir-se até o fundamenta da ética, que é a felicidade humana. 38 TEMAS ATUAIS DE FILOSOFIA DO DIREITO DIÁLOGOS ATEMPORAIS ENTRE CLÁSSICOS E MODERNOS VOLUME 1 Para chegar a tal fim, esta pesquisa utiliza-se do método dialéticocomparativo, ao entrecruzar diferentes conceitos a que a expressão adquire desde os clássicos aos modernos, à procura de uma síntese comum. Centrase em uma possível ruptura a partir do advento da filosofia moderna, sem se perder em pormenores filológicos, dado a natureza eminentemente filosófica do debate sobre a autonomia humana. Seu caráter é qualitativo e exploratório, ao investigar as raízes da viragem conceitual do termo estudado na literatura ocidental. I O DEBATE ENTRE SÓCRATES E POLO NO GÓRGIAS: A CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PARADIGMA ÉTICO-FILOSÓFICO O diálogo Górgias foi escrito na fase de transição de Platão (380 a.C.), em que o filósofo grego adquiriu maior autonomia com relação à Sócrates, passando a esboçar suas teorias que serão melhor desenvolvidas na sua época de maturidade, em especial na opus magna República. Esse diálogo platônico tem como ponto de partida a função da Retórica na comunidade (pólis) e como ela deve ser utilizada pelos membros para alcançar a justiça (diké) e a felicidade (eudaimonia). O protagonista é aquele que deu nome ao livro, o sofista siciliano Górgias, aclamado como o melhor orador de Atenas pelos seus pares. Porém, o diálogo não se limita a ele, contando com a participação dos personagens Polo e Cálices. A obra poderia didaticamente ser dividida em três partes, correspondente ao momento em que cada um deles é interpelado por Sócrates. Com Polo é que será travado o problema da felicidade humana, e é apenas neste trecho que o presente ensaio vai se deter. Após encerrar a discussão com Górgias sobre a função do discurso, Sócrates passa a interrogar Polo, discípulo e defensor do sofista grego, seu mestre. Polo inicia a sua fala afirmando que a Retórica é a mais bela das artes, argumentando que esta dá poder àqueles que a dominam. Ele compara os oradores aos tiranos, dizendo serem ambos os detentores do poder de matar, banir ou confiscar os bens de quem quiserem. Para Polo, este poder pode ser considerado o maior bem e deve ser invejado por todos1. Sócrates contrapõe esse pensamento com o aparente paradoxo de que os que têm mais poder não são os mais poderosos, “pois não fazem o que querem, por assim dizer, mas apenas o que se lhes afigura melhor”2. Ele delimita o ambiente conceitual do verbo boúlomai, que deixa de representar qualquer tipo de querer para designar o verdadeiro querer. Deste modo, aquele que sem buscar o Bem faz algo pensando ser este o querer racional 1. 2. PLATÃO, Górgias, 446c, p. 135. PLATÃO, Górgias, 446e, p. 136. GLAUCO BARREIRA MAGALHÃES FILHO DANIEL DAMASCENO Organizadores 39 (boúlesqai), em verdade, não faz o que quer, mas aquilo que imagina ser o melhor para si3. Esse raciocínio está explicado na diferenciação entre bem real e bem aparente4. Os tiranos e os retores, por exemplo, fazem aquilo que acreditam ser o melhor, porém esta crença não passa de falsa opinião (doxa); logo, relativa. Por não ser um conhecimento (episteme), esse querer não pode ser expresso pelo verbo boúlomai5. Sócrates insiste que, no âmbito da crença pessoal, ambos buscam sempre o que acreditam ser o melhor, embora, na realidade, isto possa ser o pior. Ele explica esse paradoxo admitindo que nenhum homem pratica o mal porque realmente o quer. O homem pode desejar verdadeiramente apenas o bem, pois o objetivo de toda ação é o fim, e não os meios. Esse resultado buscado por todos é sempre bom, mesmo que os meios para obtenção deste fim não sejam os mais agradáveis ou aprazíveis6. Se alguém comete um ato injusto, age contra a verdadeira vontade, porque, ao ser indulgente com o mal pela crença errada de que convém aos seus interesses, ele está revelando que é impotente para fazer o que realmente quer, ou seja, praticar o bem. Assim, o tirano é fraco, e não forte, como sustenta o debatedor7. Diante das investidas de Polo para convencê-lo de que o maior poder é cometer injustiça sem ser punido, Sócrates aduz que o poder para ser um bem deve ser fundado no autêntico querer, ou seja, na razão (logos), pois, do contrário, este poder irá corromper e arruinar a pessoa, a qual, na ilusão de estar sendo beneficiada, comete ações injustas e degrada a sua alma. Portanto, recusa o argumento de que os oradores e os tiranos possam fazer o que querem baseado na ideia de que o querer só existe quando há o conhecimento, e que este sempre deseja o bem (agathos)8. Na réplica, Polo não se contém e zomba da declaração socrática, porque ninguém concordaria que seria melhor ser um injustiçado do que um tirano. Ele é firme na convicção de que todo homem vai se comportar como um tirano se tiver a chance de se safar sem nenhuma punição. Seria um absurdo afirmar que alguém assim, ao proceder sem castigo, seja infeliz9. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. MARCHI, A virtude e o justo no Górgias de Platão, p. 55. Cf. PLATÃO, A república, I, 335a, p. 60. MARCHI, A virtude e o justo no Górgias de Platão, p. 55-56. PLATÃO, Górgias, 468d, p. 139. VOEGELIN, The philosophy of existence, p. 479. Esse trecho é melhor explicado pela doutrina agostiniana da inexistência do “mal em si” – este seria apenas a face negativa do bem: é dizer, a sua ausência. MARCHI, A virtude e o justo no Górgias de Platão, p. 56. VOEGELIN, The philosophy of existence, p. 480. Cf. PLATÃO, Górgias, 473e-474b, p. 146.