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Altas Habilidades Ou Superdotação Do Tipo Criativa

2023, Saberes: Revista interdisciplinar de Filosofia e Educação

Resumo: O presente estudo relata os resultados de um processo de triagem de estudantes com indicadores de altas habilidades/superdotação (AH/SD) na área criativa. Alunos que cursavam o 5º semestre do curso de graduação em Psicologia, de uma instituição privada, em um total de 124 estudantes, com idades entre 19 e 39 anos (M=21,1 anos; DP=2,61), sendo 101 do sexo feminino e 23 do masculino, participaram da pesquisa. Após a aplicação de um teste de criatividade figural, composto por duas atividades respondidas sob a forma de desenhos, a pontuação total de cada estudante foi calculada, bem como a média e desvio padrão da amostra. A fim de identificar os estudantes que apresentavam indicadores de AH/SD criativa, adotou-se o critério estabelecido na literatura, ou seja, pontuação correspondente a dois desvios padrão acima da média. Cinco estudantes preencheram esse critério, 4% da amostra total. Um segundo critério, desempenho de um desvio padrão acima da média, também foi aplicado, de modo que mais 16 estudantes foram identificados com altas habilidades, além dos cinco já selecionados anteriormente. Os resultados apontaram a presença de universitários com indicadores de AH/SD na área criativa e que, até o presente momento, não haviam sido identificados ao longo de sua trajetória escolar. A recomendação de busca por uma avaliação mais aprofundada será feita aos estudantes, sugerindo-se que pesquisas voltadas à identificação de outros tipos de superdotação possam ser conduzidas na instituição.

Volumе 21, N°01, Dez. 2021, ISSN 1984-3879 Dossiê Inclusão e Diversidade no Ensino Superior ALTAS HABILIDADES OU SUPERDOTAÇÃO DO TIPO CRIATIVA: UM RELATO DE TRIAGEM NO ENSINO SUPERIOR HIGH ABILITIES OR GIFTEDNESS OF THE CREATIVE TYPE: A REPORT OF SCREENING IN HIGHER EDUCATION ALTAS HABILIDADES O DOTACIONES DE TIPO CREATIVO: UN INFORME DE TAMIZAJE EN LA EDUCACIÓN SUPERIOR Tatiana de Cassia Nakano1 Júlia Reis Negreiros2 Isabella Wonsik Cano3 Giovanna Julia Fusaro4 Lais Rovina Batagin5 Resumo: O presente estudo relata os resultados de um processo de triagem de estudantes com indicadores de altas habilidades/superdotação (AH/SD) na área criativa. Alunos que cursavam o 5º semestre do curso de graduação em Psicologia, de uma instituição privada, em um total de 124 estudantes, com idades entre 19 e 39 anos (M=21,1 anos; DP=2,61), sendo 101 do sexo feminino e 23 do masculino, participaram da pesquisa. Após a aplicação de um teste de criatividade figural, composto por duas atividades respondidas sob a forma de desenhos, a pontuação total de cada estudante foi calculada, bem como a média e desvio padrão da amostra. A fim de identificar os estudantes que apresentavam indicadores de AH/SD criativa, adotou-se o critério estabelecido na literatura, ou seja, pontuação correspondente a dois desvios padrão acima da média. Cinco estudantes preencheram esse critério, 4% da amostra total. Um segundo critério, desempenho de um desvio padrão acima da média, também foi aplicado, de modo que mais 16 estudantes foram identificados com altas habilidades, além dos cinco já selecionados anteriormente. Os resultados apontaram a presença de universitários com indicadores de AH/SD na área criativa e que, até o presente momento, não haviam sido identificados ao longo de sua trajetória escolar. A recomendação de busca por uma avaliação mais aprofundada será feita aos estudantes, sugerindo-se que pesquisas voltadas à identificação de outros tipos de superdotação possam ser conduzidas na instituição. Palavras-chave: Criatividade. Universidade. Identificação. Avaliação. Abstract: Our study examined the results of a screening process for students with giftedness indicators (AH/SD) in the creative area. Participants were 124 students who attended the fifth semester of the graduation course in Psychology at a private institution, aged 19 to 39 years (M=21.1 years, SD=2.61), 101 females and 23 males. As a result of applying a figural creativity test, which consisted of two activities answered through drawings, the total score of each student was calculated. This was also the mean and standard deviation of the sample. To identify 1 Doutora em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, [email protected] Doutoranda em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, [email protected] 3 Graduanda em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, [email protected] 4 Graduanda em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, [email protected] 5 Graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de Campinas, [email protected] As autoras agradecem ao CNPq, Capes, Fapic e Fapesp (processo 2021/06366-3). 2 Caicó RN, v. 21, n. 01, Dez, 2021 www.periodicos.ufrn.br/saberes @saberes.deduc Volumе 21, N°01, Dez. 2021, ISSN 1984-3879 Dossiê Inclusão e Diversidade no Ensino Superior students displaying creative AH/SD, a criterion established in the literature was employed, namely a score that corresponds to two standard deviations above the mean. This criterion was met by five students, or 4% of the total sample. A second criterion, performance one standard deviation above the mean, was also applied. This led to the identification of 16 additional students as having high abilities, in addition to those previously identified. According to the results, university students with giftedness indicators were identified in the creative area and had not been recognized during their academic careers. Students will be advised to seek a more detailed assessment, suggesting that further research can be conducted at the institution to identify other types of giftedness. Keywords: Creativity. College. Identification. Assessment. Resumen: El presente estudio reporta los resultados de un proceso de selección de estudiantes con indicadores de altas habilidades/superdotación (AH/SD) en el área creativa. Estudiantes que cursaron el 5º semestre de la carrera de Psicología, de institución privada, en un total de 124 estudiantes, con edades entre 19 y 39 años (M=21,1 años; DE=2,61), de los cuales 101 del sexo femenino y 23 del masculino, participó en la encuesta. Después de aplicar una prueba de creatividad figurativa, que consta de dos actividades respondidas en forma de dibujos, se calculó la puntuación total de cada estudiante, así como la media y la desviación estándar de la muestra. Para identificar a los estudiantes que presentaban indicadores de HA/DS creativos, se adoptó el criterio establecido en la literatura, o sea, un puntaje correspondiente a dos desviaciones estándar por encima de la media. Cinco estudiantes cumplieron con este criterio, el 4% del total de la muestra. También se aplicó un segundo criterio, desempeño de una desviación estándar por encima de la media, por lo que se identificaron 16 estudiantes más con altas capacidades, además de los cinco seleccionados previamente. Los resultados apuntaron para la presencia de universitarios con indicadores AH/DS en el área creativa y que, hasta ahora, no habían sido identificados a lo largo de su trayectoria escolar. Se hará la recomendación de buscar una evaluación más profunda a los estudiantes, sugiriendo que en la institución se pueden realizar investigaciones dirigidas a identificar otros tipos de superdotación. Palabras clave: Creatividad, Universidad, Identificación, Evaluación. 1. INTRODUÇÃO No Brasil, alunos com altas habilidades ou superdotação (AH/SD) são aqueles que apresentam um alto potencial, combinado ou isolado, nas áreas intelectual, acadêmica, de liderança e psicomotricidade, além de manifestar uma elevada criatividade, um alto envolvimento com a aprendizagem e com a realização de tarefas de seu interesse (BRASIL, 2012). Essa concepção multidimensional tem guiado as políticas públicas internacionais e as leis brasileiras, as quais reconhecem essa parcela da população como parte da educação especial, com direito a receberem atendimento diferenciado para que suas habilidades possam ser desenvolvidas (IORIO; CHAVES; ANACHE, 2016). Segundo estimativas de Organização Mundial de Saúde, as altas habilidades ou superdotação (AH/SD) se manifestam em cerca de 3 a 5% da população (PÉREZ, 2007). Nessa temática, uma das discussões que vem ganhando espaço se refere à inclusão desses alunos no ensino superior, a qual se mostra um desafio (MARQUES; GOMES, 2014). Isso porque, apesar de reconhecer a importância de que a identificação desses Caicó RN, v. 21, n. 01, Dez, 2021 www.periodicos.ufrn.br/saberes @saberes.deduc Volumе 21, N°01, Dez. 2021, ISSN 1984-3879 Dossiê Inclusão e Diversidade no Ensino Superior indivíduos ocorra o mais precocemente possível, desde os níveis pré-escolares (DELOU, 2012), o que se vê, no Censo Escolar de 2019, é a presença de somente 0,18% dos estudantes matriculados no ensino superior identificados com AH/SD. Esse número confirma que os dados referentes a esses estudantes são subdimensionados no ensino superior brasileiro (MATOS et al., 2021). A Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (LDBEN n. 9394/96 – BRASIL, 1996), reconhece a existência de estudantes com AH/SD em todos os níveis de ensino, incluindo o superior. Segundo a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, essa modalidade educacional inclui estudantes que apresentam deficiências, com transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação (BRASIL, 2008). Especialmente nas últimas décadas, esforços vêm sendo feitos para a melhoria da área, embora o país ainda enfrente uma série de desafios (WECHSLER; FLEITH; GOMEZ-ARIZAGA, 2017), incluindo o número ainda reduzido de estudantes identificados e atendidos. Assim, ao serem identificados, tais estudantes deveriam ser cadastrados no censo do Ministério da Educação e receberem atendimento educacional especializado (SHIMITE; SILVA; KOGA, 2021). No entanto, tal direito, previsto em Lei, contrasta com a prática. De acordo com Abrão et al. (2019), o cadastro nacional dos estudantes com AH/SD deveria ser usado como base para a execução de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento desse aluno sendo que, mais comumente, a identificação ocorre ao longo da educação básica, sendo que a maior parte dos estudantes universitários nessa condição ingressam no curso sem um diagnóstico e sem acesso a um atendimento específico às suas necessidades (BASSO et al., 2020). É nesse nível educacional que a pesquisa aqui apresentada se foca. Diversas revisões de pesquisas sobre AH/SD confirmaram um número bastante restrito de trabalhos desenvolvidos nesse nível educacional (MARTINS et al., 2016; OLIVEIRA et al., 2020; PEDRO; MARTINS et al., 2016; PEDRO; OGEDA et al., 2016). Mais comumente, quando a educação especial é investigada no ensino superior, o foco das pesquisas (ARAUJO et al., 2016) e das práticas voltadas ao atendimento (RECH; NEGRINI, 2019) se volta para os estudantes que apresentam deficiências. Desse modo, se verifica que a escassez de programas de atendimento para estudantes universitários com AH/SD no contexto brasileiro (PASIAN, 2021). Caicó RN, v. 21, n. 01, Dez, 2021 www.periodicos.ufrn.br/saberes @saberes.deduc Volumе 21, N°01, Dez. 2021, ISSN 1984-3879 Dossiê Inclusão e Diversidade no Ensino Superior Nesse sentido, o que se pode verificar é que quando se trata de superdotação em estudantes universitários, raramente tal questão é discutida na literatura” (BASSO et al., 2020). Isso porque, mais comumente a identificação ocorre em crianças e em níveis educacionais anteriores, apesar do contexto universitário se constituir em uma oportunidade de identificação para aqueles alunos não identificados anteriormente (OLIVEIRA et al., 2020). Consequentemente, estudos voltados à identificação no ensino superior não são frequentes, raramente sendo tal fenômeno investigado em adultos (FREITAS; PÉREZ, 2010). Se pensarmos as universidades como “lugares onde se produz o conhecimento científico, logo seria natural que as universidades se interessassem pelas pesquisas com sujeitos com altas habilidades e competências extraordinárias” (DELOU, 2012, p. 135). Na prática, entretanto, pouca atenção vem sendo dada a essa parcela de estudantes, de modo que se faz essencial que pesquisadores voltem seu olhar para a identificação e acompanhamento desses universitários. Apesar de respaldada pelas políticas públicas voltadas à inclusão, Delou (2013) ressalta que as universidades não foram preparadas para acolher esse tipo de aluno, sendo que, no entanto, não se pode negar o compromisso institucional a ser assumido, especialmente aqueles voltados à remoção de barreiras advindas do desconhecimento sobre como atender aos interesses e necessidades desse perfil de estudante. Um exemplo dessa situação foi relatado por Basso et al. (2020). De acordo com as autoras, na triagem dos estudantes ingressantes na universidade durante os anos de 2017 e 2018, 76 foram identificados e não tinham recebido nenhum tipo de identificação e acompanhamento anteriormente. Também Matos et al. (2021) relatam que, ao revisarem sites de instituições públicas de ensino superior, encontraram somente duas que apresentam programas, núcleos ou laboratórios que atuam em ações de ensino, pesquisa e extensão ligado às AH/SD, a saber, a Universidade Federal Fluminense e a Universidade Federal do Paraná. A ausência de identificação tem gerado dificuldades de acesso ao atendimento educacional especializado, garantido por lei e discutido a seguir. 1.1 Políticas de inclusão e de direito ao atendimento educacional especializado (AEE) Caicó RN, v. 21, n. 01, Dez, 2021 www.periodicos.ufrn.br/saberes @saberes.deduc Volumе 21, N°01, Dez. 2021, ISSN 1984-3879 Dossiê Inclusão e Diversidade no Ensino Superior As políticas públicas voltadas à inclusão dos alunos da educação especial se encontram bem desenvolvidas no Brasil. Como exemplos, podemos citar a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da educação inclusiva (BRASIL, 2008), a qual assegura a inclusão dos alunos da educação especial em escolas regulares através da adequação de currículos, métodos, técnicas e recursos para atendimento de suas necessidades e a Lei 13.234/2015 (BRASIL, 2015), a qual determina a identificação, cadastramento e atendimento dos alunos com AH/SD na educação básica e no ensino superior, visando seu pleno desenvolvimento. Tais documentos explicitam a possibilidade de classificação do aluno em qualquer série ou nível escolar, por meio de promoção, progressão, aceleração dos estudos e compactação escolar (GONÇALVES; STOLTZ, 2022). Tais medidas visam conhecer os potenciais a fim de tais informações possam servir de base para o oferecimento de atendimento educacional especializado e individualizado, além de intervenções (DAI, 2020). Outros propósitos buscam maximizar a participação do aluno na classe regular, potencializar suas habilidades elevadas, expandir o acesso a recursos em sua área de interesse, devendo o AEE ser desenvolvido considerando-se os interesses e habilidades do estudante superdotado de modo a garantir a adequação curricular (PEREIRA, 2014). Os princípios do AEE também incluem a organização de um currículo mais elaborado, complexo e profundo, facilitar o desenvolvimento e aplicação de habilidades diversas, promover uma atitude de busca pelo conhecimento, incentivar a aprendizagem e o autoconhecimento (GAMA, 2014). O atendimento em contraturno escolar também se mostra uma opção e pode ocorrer, por exemplo, em salas de recursos, núcleos especializados de atendimento ou participação em programas específicos para desenvolvimento de seus interesses e atenção às suas necessidades emocionais e sociais (MANI, 2021). É interessante pensar que, passados tantos anos da criação das políticas nacionais de educação especial, incluindo possibilidades de criação de programas, projetos e alternativas pedagógicas para atender a demanda desses estudantes, a realidade ainda esbarra na dificuldade de identificação desse público (LIMA; MOREIRA, 2018). Segundo as autoras, tal etapa se mostra essencial em todos os níveis sendo que, no ensino superior, a identificação atua de modo a garantir que os estudantes deixem de ser negligenciados e terem seu potencial desperdiçado. Caicó RN, v. 21, n. 01, Dez, 2021 www.periodicos.ufrn.br/saberes @saberes.deduc Volumе 21, N°01, Dez. 2021, ISSN 1984-3879 Dossiê Inclusão e Diversidade no Ensino Superior 1.2 As políticas de inclusão e assistência de alunos com AH/SD no ensino superior Com base nesses dados e na percepção da existência de políticas públicas que garantam o atendimento educacional especializado também no ensino superior, podemos ver que a problemática das AH/SD nesse nível educacional ainda se mostra pouco investigada e com diversas possibilidades a serem exploradas. Segundo Pérez (2003), ao ser identificado, o estudante universitário poderia ter acesso a propostas voltadas ao desenvolvimento e aprimoramento de suas habilidades, saindo da invisibilidade. Nesse sentido, mostra-se essencial a estruturação de serviços de orientação acadêmica visando a identificação, apoio e promoção de desenvolvimento de indivíduos superdotados dentre os estudantes universitários (MASCARENHAS; BARCA, 2012). Especialmente em relação ao ensino superior, a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (BRASIL, 1996) prevê. que o aluno com extraordinário aproveitamento nos estudos, por meio da realização de provas ou outros instrumentos de avaliação, aplicados por uma banca de especialistas, poderá acelerar seus estudos realizando o curso em menor tempo ou, em âmbito da pós-graduação, obter o ingresso no curso de doutorado (SHIMITE et al., 2021, p. 84) Outra possibilidade, apontada por Delou (2012), envolve o aproveitamento dos potenciais elevados nos programas de iniciação científica, os quais podem auxiliar no fornecimento de boas perspectivas para esses alunos. Além disso, a autora destaca outras possibilidades, envolvendo o oferecimento de atividades de enriquecimento escolar, de participação em atividades de pesquisa, ensino e extensão, programas voltados ao desenvolvimento de vocações científicas. A aceleração dos estudos através da abreviação da duração dos cursos também se mostra uma possibilidade prevista nas leis brasileiras, apesar de não haver nenhuma orientação acerca dessa prática em cursos de pós-graduação (RANGNI; KOGA, 2019). É importante esclarecer que um dos primeiros passos envolve a identificação desses alunos visto que, somente após essa etapa se torna possível pensar em propostas e programas para seu atendimento, que possibilitem seu desenvolvimento, evitando possíveis problemas de desajustamento, baixo interesse pelo curso ou falta de motivação (PASIAN, 2021). Entretanto, como não existe um único perfil de superdotado, o qual será determinado pela área em que o alto potencial se faz presente, seu grau, se a superdotação se apresenta de forma isolada ou combinada, a literatura tem recomendado Caicó RN, v. 21, n. 01, Dez, 2021 www.periodicos.ufrn.br/saberes @saberes.deduc Volumе 21, N°01, Dez. 2021, ISSN 1984-3879 Dossiê Inclusão e Diversidade no Ensino Superior a utilização de diferentes métodos e técnicas, incluindo entrevistas, observação, análise de produtos, rendimento acadêmico e testes psicológicos (ALENCAR; FLEITH, 2006). No estudo aqui apresentado, o modelo teórico tomado como base é o mesmo adotado nas políticas públicas Brasileiras: o modelo teórico de Renzulli. Através da Teoria dos Três Anéis, ressalta que a superdotação é o resultado da interação de três fatores, sendo eles: habilidade acima da média, compromisso com a tarefa, e criatividade (RENZULLI, 2018). O primeiro fator, habilidade acima da média, e incluiu tanto a presença de habilidades gerais, como o raciocínio numérico, quanto específicas, como as composições musicais. O segundo fator, compromisso com a tarefa, representa a motivação, perseverança e dedicação à uma tarefa. Por fim, o fator da criatividade engloba a curiosidade, a inovação e o interesse em desafios (RENZULLI, 2012). A pesquisa aqui relatada focou-se na identificação de um tipo específico de AH/SD, aquela em que um alto nível de criatividade se faz presente. Desse modo, apesar de presente como característica em diversos perfis de superdotação, a criatividade elevada predomina nos indivíduos que apresentam o tipo de superdotação produtivocriativa (REIS et al., 2020). No modelo de Renzulli, tomado como base para a elaboração das políticas públicas brasileiras, esse tipo é chamado de superdotação criativo-produtiva, caracterizando-se pelo desenvolvimento soluções e produtos originais (RENZULLI, 2004). Nesse tipo de superdotação a pessoa é levada a utilizar seu pensamento para produzir novas ideias, apresentando interesse de realizar atividades que apresentam relevância pessoal, ou seja, o que faz sentido, o que as interessam e aguça sua curiosidade (SHIMITE et al., 2021). Sabatella (2008) apresenta outras características, tais como capacidade de resolver problemas de forma diferente, facilidade de autoexpressão, fluência e flexibilidade de ideias. A criatividade tem sido definida, nas concepções mais atuais, como a interação entre aptidão, processo e ambiente, por meio da qual um indivíduo gera um produto que é percebido como novo e útil, dentro de um contexto social (PLUCKER; BEGHETTO; DAW, 2004). Ao considerar essa característica como uma das possíveis áreas de manifestação das AH/SD, estamos nos baseando na ideia ampliada desse fenômeno (ANGELA; CATERINA, 2020), contribuindo ainda para que a associação exclusiva da superdotação à um único tipo, no caso, presença de uma alta habilidade relacionada à Caicó RN, v. 21, n. 01, Dez, 2021 www.periodicos.ufrn.br/saberes @saberes.deduc Volumе 21, N°01, Dez. 2021, ISSN 1984-3879 Dossiê Inclusão e Diversidade no Ensino Superior área intelectual ou acadêmica seja revista. Isso porque, mostra-se um desafio a inclusão da criatividade nos processos de identificação das AH/SD (RIGDLEY; RUBENSTEIN; FINCH, 2020). Diante do exposto, o presente estudo visou realizar uma triagem de estudantes universitários do curso de Psicologia de uma instituição particular localizada no interior do Estado de São Paulo, visando identificar aqueles que apresentavam sinais indicadores de AH/SD do tipo criativa. 2. MÉTODO Alunos que cursavam o 5º semestre de um curso de graduação em Psicologia de uma instituição privada, em um total de 124 estudantes, com idades entre 19 e 39 anos (M=21,1 anos; DP=2,61), sendo 101 do sexo feminino (81,5%) participaram da pesquisa. A amostra respondeu a um teste de criatividade figural, composto por duas atividades, nas quais são fornecidos estímulos incompletos, os quais devem ser respondidos sob a forma de desenhos. A avaliação de cada resposta é realizada em relação à treze características criativas, as quais são posteriormente agrupadas, dando origem a quatro fatores (aspectos cognitivos, aspectos emocionais, aspectos externos e enriquecimento de ideias), além de uma pontuação total, resultante da soma dos fatores. Isoladamente, os fatores permitem compreender melhor as características que se encontram melhor desenvolvidas e aquelas que podem ser estimuladas. Já a pontuação total fornece uma estimativa do potencial criativo do examinando. Desse modo, a pontuação total de cada estudante foi calculada, bem como a média e desvio padrão da amostra. Comumente o critério adotado para determinar se um indivíduo apresenta potencial elevado a ponto de caracterizar uma superdotação é um desempenho igual ou acima de 2 desvios padrões em testes padronizados. Tal critério foi adotado no presente estudo. 3. RESULTADOS A estimativa da estatística descritiva da amostra indicou que a pontuação média na medida total do instrumento foi de 93,6 pontos e desvio padrão de 29,3 pontos. A distribuição dos resultados da amostra pode ser visualizada na Figura 1. Caicó RN, v. 21, n. 01, Dez, 2021 www.periodicos.ufrn.br/saberes @saberes.deduc Volumе 21, N°01, Dez. 2021, ISSN 1984-3879 Dossiê Inclusão e Diversidade no Ensino Superior Figura 1. Distribuição da pontuação total no teste de criatividade. Fonte: elaborado pelos autores (2022). A fim de identificar os estudantes que apresentavam sinais indicadores de superdotação criativa, adotou-se o critério estabelecido na literatura, no caso, uma pontuação total de 152 pontos no teste (M + 2DP). Desse modo, cinco estudantes preencheram esse critério, cerca de 4% da amostra total, o qual se encontra dentro do intervalo estimado pela Organização Mundial de Saúde (3 a 5%). A média de idade dos alunos é de 22,6 anos, sendo dois do gênero feminino e três do masculino. Quadro 1: Perfil dos estudantes com indicadores de AH/SD criativa. Pontuação Total Idade Sexo 170 21 F 179 23 M 161 23 M 159 23 M 158 20 F Fonte: elaborado pelos autores (2022). Como forma de melhor explorar os dados, um segundo critério foi aplicado, envolvendo um resultado superior à média em 1 DP (M + 1 DP), de modo a caracterizar uma alta habilidade. Ou seja, resultado igual ou superior a 123 pontos. Por meio desse Caicó RN, v. 21, n. 01, Dez, 2021 www.periodicos.ufrn.br/saberes @saberes.deduc Volumе 21, N°01, Dez. 2021, ISSN 1984-3879 Dossiê Inclusão e Diversidade no Ensino Superior procedimento, mais 16 estudantes foram identificados, além dos cinco já selecionados pelo critério anterior. Dentre estes, a média de idade é de 21,8 anos, sendo 13 do gênero feminino e 3 do masculino. A descrição do perfil dos estudantes é apresentada no Quadro 2. Quadro 2: Perfil dos estudantes com indicadores de alta habilidade criativa Pontuação Total Idade Sexo 127 20 M 127 20 F 132 20 F 135 20 F 141 20 F 128 20 F 130 23 F 141 20 F 140 21 F 143 19 M 150 35 F 133 20 F 139 22 F 134 23 F 144 23 M 149 23 F Fonte: elaborado pelos autores (2022) Se considerarmos a idade dos dois grupos (M=22,6 anos; M=21,8 anos), veremos que ela se aproxima da média de idade da amostra (M=21,1 anos), sendo importante destacar a presença de uma estudante mais velha, de 35 anos, na segunda amostra. Em relação ao gênero, vemos, na primeira amostra, predominância de estudantes do gênero masculino (60,0%) e, na segunda, do gênero feminino (81,2%). É importante destacar, no entanto, que o perfil dos alunos desse curso é predominantemente feminino. Caicó RN, v. 21, n. 01, Dez, 2021 www.periodicos.ufrn.br/saberes @saberes.deduc Volumе 21, N°01, Dez. 2021, ISSN 1984-3879 Dossiê Inclusão e Diversidade no Ensino Superior 4. DISCUSSÃO Apesar da tendência histórica das AH/SD se marcar por um interesse mais intenso na superdotação intelectual, ou seja, aquela em que um nível elevado de inteligência se faz presente no indivíduo (STRICKER et al., 2019), outros aspectos, além dos cognitivos, têm sido valorizados (JONES et al., 2016). Dentro desse modelo, a criatividade tem recebido destaque, visto que tal construto vem contribuindo, de maneira importante, para o olhar ampliado da AH/SD (ANGELA; CATERINA, 2020; LUBART; BARBOT; BESANÇON, 2019; SORRENTINO, 2019). Foi dentro dessa concepção que o presente estudo foi pensado de modo a realizar uma triagem de potenciais elevados na área da criatividade no ensino superior. Os resultados indicaram a presença de estudantes com sinais indicadores de altas habilidades ou superdotação na área criativa e que, até o presente momento, não haviam sido identificados ao longo de sua trajetória escolar. Tal situação confirma a revisão de literatura realizada sobre a necessidade de maior investimento nesse nível educacional. Desse modo, a percepção de Matos et al. (2021) expressa bem a situação atual: É urgente que as universidades brasileiras criem núcleos e/ou unidades de apoio educacional aos estudantes com altas habilidades/superdotação, que colaborem na identificação desses estudantes e de suas especificidades educacionais, assim como incentivem a promoção de informação e formação, sobretudo, de seus professores nesta área. A invisibilidade e a falta de políticas e práticas educacionais destinadas a esses estudantes é uma forma de destituílos de seus direitos e necessitam serem revertidas por princípios inclusivos (p. 211). Preocupação semelhante é apresentada por Pasian (2021) ao afirmar a necessidade de se investir em políticas e programas para que as universidades brasileiras sejam preparadas para identificar, capacitar seus profissionais e, principalmente, saber atuar de forma adequada junto aos alunos com AH/SD, desenvolvendo programas para esse público específico. Dentre as sugestões elaboradas pela autora, podemos destacar: aceleração curricular, oferecimento de disciplinas da pós-graduação para alunos identificados que ainda se encontram na graduação, aceleração do aluno após avaliação criteriosa de uma banca avaliadora, inclusive visualizando a possibilidade de ingresso em mestrado e doutorado direto, prática comum em contextos internacionais, mas ainda pouco difundida no Brasil. Caicó RN, v. 21, n. 01, Dez, 2021 www.periodicos.ufrn.br/saberes @saberes.deduc Volumе 21, N°01, Dez. 2021, ISSN 1984-3879 Dossiê Inclusão e Diversidade no Ensino Superior Especialmente em relação a superdotação criativa, Nakano et al. (2020) destacam que, por desconhecimento, as características associadas a esse construto podem não ser identificadas e estimuladas, dificultando a inclusão desses indivíduos em programas de atendimento. Além disso, Pasian (2021) ressalta a importância da aplicação de questionários e acompanhamento desses alunos, procedimentos que podem ajudar a detectar problemas emocionais e comportamentais e encaminhamento a atendimento de profissionais especializados, caso necessário. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A identificação da presença de estudantes no nível superior que não haviam sido valorizados pelo potencial criativo elevado aponta para uma parcela de indivíduos que deixam de receber atendimento especializado devido a ausência de procedimentos voltados à identificação das altas habilidades/superdotação. Tal situação marca os diferentes níveis educacionais brasileiros, apesar das políticas públicas existentes no país em relação à educação especial. É no sentido de chamar a atenção para esse quadro que o presente estudo, de caráter exploratório, foi conduzido. Almeja-se que os resultados aqui apresentados possam encorajar a condução de novas pesquisas na temática abordada, bem como chamar a atenção para as AH/SD no ensino superior, ainda pouco enfocado pelos pesquisadores. Convém, no entanto, indicar algumas limitações, as quais exigem cautela na generalização dos dados. A primeira delas diz respeito à amostra, em número reduzido, limitada a um único curso superior, em uma única instituição e de ensino privado. Em segundo lugar, deve ser citada a identificação de um único tipo de superdotação, no caso, a relacionada a um desempenho elevado em criatividade. Tais variáveis podem ter exercido influência nos achados aqui relatados, de modo que pesquisas futuras são recomendadas, a fim de que resultados mais amplos possam servir de base para a adoção de práticas regulares de identificação e atendimento nas instituições de ensino superior. Especialmente, é importante que um trabalho de esclarecimento seja feito junto aos docentes que atuam nesse nível educacional, no sentido de familiarizá-los acerca dos principais indicadores de AH/SD, a fim de que estes profissionais possam atuar como um primeiro filtro na indicação de alunos para um processo de identificação. Somente assim os potenciais poderão ser mais bem aproveitados, não só pelo indivíduo, mas, também, pelas organizações e pelo país, limitando a perda de talentos para outros países. Caicó RN, v. 21, n. 01, Dez, 2021 www.periodicos.ufrn.br/saberes @saberes.deduc Volumе 21, N°01, Dez. 2021, ISSN 1984-3879 Dossiê Inclusão e Diversidade no Ensino Superior Para além dessa iniciativa, um trabalho institucional também se faz importante, a fim de que as universidades possam planejar formas de atender a esse público em suas necessidades especiais, visto que a maior parte delas tem se preocupado em oferecer acessibilidade aos estudantes da educação especial, mas pensando somente nos que apresentam algum tipo de deficiência ou limitação. Perante essas recomendações e os resultados do estudo, as pesquisadoras pretendem oferecer uma devolutiva a coordenação do curso, bem como aos alunos identificados com indicadores, recomendando uma avaliação mais aprofundada, a qual poderá confirmar ou não o quadro. Além disso, pretende-se utilizar procedimentos semelhantes para identificar outros tipos de potenciais, podendo, inclusive, ampliar a triagem para outros cursos caso haja interesse por parte da instituição. 6. REFERÊNCIAS ABRÃO, J. L.; SANTOS, M. H.; GUENTHER, Z. C.; FERNANDES, P. T. Educação inclusiva para alunos com dotação e talento: perspectiva do Censo Escolar 2019. In: VAZZOLER-MENDONÇA, A.; COSTA-LOBO, C.; MEDEIROS, A. M.; CAPELLINI, V. L. M. F. Altas habilidades: saúde, desporto e sociedade. Vol. 2. Cultura Acadêmica: 2019, p. 83-102. ALENCAR, E. M. L. S. O papel da escola no desenvolvimento do talento criativo. In: FLEITH, D. S.; ALENCAR, E. M. L. S. 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Submetido em: 01/12/2022 Aceitado em: 12/01/2023 Caicó RN, v. 21, n. 01, Dez, 2021 www.periodicos.ufrn.br/saberes @saberes.deduc Volumе 21, N°01, Dez. 2021, ISSN 1984-3879 Dossiê Inclusão e Diversidade no Ensino Superior Caicó RN, v. 21, n. 01, Dez, 2021 www.periodicos.ufrn.br/saberes @saberes.deduc