HUBERTO ROHDEN
O DRAMA MILENAR
do CRISTO e do
ANTI-CRISTO
A história do eterno duelo entre as duas potências máximas
do cosmos: A luz do mundo e o poder das trevas
UNIVERSALISMO
Sumário
Advertência do Autor
Nossa capa
Aviso e convite
Tomando perspectiva certa
PRIMEIRA PARTE — A LUTA DO ANTI-CRISTO CONTRA O CRISTO
1 — Um brado de alerta
2 — A estratégia dos anti-cristos
3 — O contágio do cristianismo pelo ambiente histórico
4 — O contágio pagão
5 — O contágio judaico
6 — O contágio político-religioso
7 — O equívoco do pecado original
8 — A suposta alma do cristianismo
9 — A quintessência do cristianismo à luz do evangelho
10 — O Deus monista de Jesus
11 — A grandiosa sapiência cósmica do Cristo
12 — A sublimação do Jesus humano pelo Cristo divino
13 — Jesus e os essênios
SEGUNDA PARTE — O RETORNO AO CRISTO DO EVANGELHO
14 — “Um só é o vosso guia — o Cristo”
15 — Da ilusória transubstanciação material para a verdadeira transformação
espiritual
16 — O Anti-Cristo da teologia traindo o Cristo do evangelho
17 — Jesus pani-presente — ou Cristo oni-presente?
18 — O cristianismo temporário e a cristicidade eterna
19 — A tragédia de duas palavrinhas
20 — O contrabando da Imaculada Conceição
21 — Respeito ou desrespeito à vida humana
22 — Como realizar a mensagem do Cristo
23 — O mistério do amor integral
24 — Do drama milenar do Cristo à apoteose do homem cristificado
25 — Para realizar a nova creatura em Cristo
26 — A teologia à luz da economia e da psicologia
27 — A decadência do cristianismo e o triunfo da cristicidade
Epílogo
28 — A visão de Dom Bosco: O Brasil, berço de uma nova civilização
29 — Postscriptum
Dados Biográficos
Relação de Obras de Huberto Rohden
Advertência do Autor
A substituição da tradicional palavra latina crear pelo neologismo moderno criar
é aceitável em nível de cultura primária, porque favorece a alfabetização e
dispensa esforço mental; mas não é aceitável em nível de cultura superior,
porque deturpa o pensamento.
Crear é a manifestação da Essência em forma de existência — criar é a transição
de uma existência para outra existência.
O Poder Infinito é o creador do Universo — um fazendeiro é um criador de gado.
Entre os homens, há gênios creadores, embora talvez não sejam criadores.
A conhecida lei de Lavoisier diz que “na natureza nada se crea, nada se aniquila,
tudo se transforma”; se grafarmos “nada se crea”, esta lei está certa, mas se
escrevermos “nada se cria”, ela resulta totalmente falsa.
Por isso, preferimos a verdade e a clareza do pensamento a quaisquer
convenções acadêmicas.
Nossa capa
Uma chama vigorosa, partindo de um foco de luz branca, cercada de numerosos
círculos negros, que tentam prendê-la com seus tentáculos traiçoeiros... mas a
chama, em vez de se deixar extinguir pelos círculos tenebrosos, beneficia esses
círculos com suas irradiações luminosas...
A luz brilha nas trevas — e as trevas não a prenderam.
É esta a luminosa mensagem do Cristo, através de todas as tenebrosas
ameaças do Anti-Cristo.
“As potências do inferno não prevalecerão contra ele.”
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PROCURA-SE
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Um tal Jesus de Nazaré,
chamado o CRISTO,
traído por seu discípulo
Judas Iscariotes,
crucificado, morto e sepultado
por ordem do
sumo sacerdote judaico Caifás
e do governador
romano Pôncio Pilatos,
no ano 33,
e desaparecido desde
o início do 4.º século.
Quem encontrar
o CRISTO desaparecido,
terá direito
a um ingresso
no reino dos céus.
“Eu te darei todos
os reinos do mundo
e sua glória,
porque são meus,
e os dou a quem eu quero
— prostra-te em terra
e adora-me!”
O ANTI-CRISTO
“O meu reino não é deste mundo;
eu vim para dar
testemunho à Verdade;
e quem é filho da Verdade
ouve a minha voz
— só a Deus adorarás
e só a Ele servirás!”
O CRISTO
Aviso e convite
Nem todos os homens sabem o que vai por detrás dos invisíveis bastidores que
se alargam para além do cenário visível deste mundo e da humanidade. Muitos
enxergam apenas os atores materiais do drama milenar entre o Cristo e o AntiCristo, que inspiram os humanos atores.
No cenário da humanidade histórica o Cristo é representado pelo Eu espiritual,
ou Alma do homem, que o grande Mestre chama o Pai em nós, a Luz do mundo,
o Cristo interno, o Reino de Deus, o Tesouro oculto, a Pérola preciosa, a Água
viva. O Anti-Cristo, por seu turno, aparece, na história do homem e do gênero
humano, na forma do Ego material-mental-emocional, que assume milhares de
formas e feitios.
Essas duas Potências máximas do Universo, o Eu crístico e o Ego anti-crístico,
agem em duas dimensões diametralmente opostas. O Anti-Cristo só conhece “os
reinos do mundo e sua glória” e promete dá-los em recompensa aos seus
adoradores e servidores, porque são dele, creação do príncipe deste mundo,
que é o Poder das Trevas, na linguagem do Cristo.
O Cristo, porém, afirma que “o meu Reino não é deste mundo”, não é do caráter
deste mundo, que “jaz no maligno”, que é “dominado pelo Príncipe deste mundo.”
Sendo que este mundo é governado pelo Anti-Cristo, como ele mesmo afirma e
como o Cristo confirma, não é de estranhar que o “Príncipe deste mundo” não
tolere nos seus domínios um intruso como o Cristo, cujo Reino não é deste
mundo, embora esteja no mundo; é natural que o Anti-Cristo considere o Cristo
como um indesejável, um contrabandista, um subversivo, e o hostilize, ora
aberta, ora ocultamente, de acordo com a estratégia que lhe pareça ser mais
eficiente na época.
Nos primeiros tempos, prevalecia a hostilidade aberta e violenta; mais tarde, a
traição hipócrita revezou com a luta declarada; hoje em dia, predomina uma
terceira estratégia do Anti-Cristo contra o Cristo: a tentativa solerte de degradar
o Cristo ao nível dos cristãos ou pseudo-cristãos. A tendência moderníssima é
fazer o Cristo à imagem e semelhança dos cristãos, já que estes não têm a
coragem de subir às alturas daquele. Fazer descer o Cristo ao nosso nível condiz
muito mais com o comodismo e o menor esforço dos que não querem sublimarse ao nível dele. Em livros, filmes e teatros, do alto das cátedras universitárias e
dos púlpitos das igrejas se proclama um pseudo-Cristo profano, horripilante
caricatura do Cristo do Evangelho e da realidade.
E o que há de mais repugnante é que são precisamente sacerdotes e pastores
de igrejas cristãs, que, de preferência, promovem essa deturpação do Cristo.
Violência, traição, deturpação — são estas as armas prediletas com que o AntiCristo luta contra a intrusão do Cristo em seus domínios terrestres.
Aparentemente, o Cristo é sempre derrotado pelo Anti-Cristo, sempre
crucificado, morto e sepultado, desce até aos infernos — na realidade, porém, o
Cristo sempre ressuscita, mesmo de túmulos fechados, sigilados e guardados
por seus inimigos. É proibido ressuscitar — mas ele sempre ressuscita... Os seus
verdadeiros amigos o encontram sempre glorioso, por toda a parte, em todos os
tempos.
O drama milenar do Cristo e do Anti-Cristo continua, e todo o homem acompanha
ou este ou aquele grupo, por seu modo de pensar, de falar e de viver — e mais
ainda, pelo seu modo de ser.
* * *
Nas seguintes páginas passaremos a descrever alguns episódios dessa luta
milenar entre as duas Potências máximas do Universo. Sabemos, dantemão,
que os que hastearam a bandeira do Cristo sobre o quartel-general do AntiCristo, levantarão protesto contra este livro, porque não querem, de forma
alguma, que seja desmascarada a sua estratégia.
Às almas sinceras, porém, mostraremos o caminho que as levará, em linha reta,
rumo ao Cristo do Evangelho, ao Rei Imortal dos séculos.
Tomando perspectiva certa
Na primeira edição deste livro faltava esta perspectiva preliminar. Possivelmente,
alguns leitores, à vista do drama do Cristo e do Anti-Cristo, terão tido a impressão
errônea de que o mundo de Deus seja uma luta inconciliável entre a luz e as
trevas, entre o bem e o mal.
A fim de dissipar esta ilusão, chamamos a atenção do leitor para um fato de que
o Universo de Deus, enquanto dependente do livre-arbítrio humano, parece, de
fato, ser uma permanente luta, um antagonismo entre dois pólos opostos.
Entretanto, não pense o leitor que estas antíteses consistam em dois pólos
opostos e eternamente inconciliáveis. Compreenda ele que essas antíteses são
necessárias para que o Universo humano não seja uma estagnação estática,
mas uma evolução dinâmica. As antíteses existem e devem existir, mas os seus
pólos são complementares, e não contrários, para que dessas antíteses possa
resultar uma grande síntese.
Já nos primórdios do cristianismo escreveu o grande iniciado de Alexandria,
Orígenes, o livro intitulado Apokatástasis, isto é, Conciliação, em que ele mostra
essa síntese latente no meio de todas as antíteses manifestas. Infelizmente,
essa obra genial foi queimada por ordem da hierarquia eclesiástica, que
considerava as idéias de Orígenes perigosas e inoportunas para uma
humanidade espiritualmente imatura.
Entretanto, essa Apokatástasis ou Conciliação dos opostos, essa síntese das
antíteses, é a quintessência de toda a evolução da humanidade. Onde há
creaturas finitas e conscientes, há possibilidade de evolução, que seria
impossível sem resistência, sem uma luta entre antíteses sintetizáveis.
Aliás, este fenômeno ocorre em todos os setores da natureza, mesmo no mundo
extra-hominal, desde os átomos até aos astros: tudo flui, como já escrevia o
grande Heráclito de Éfeso, séculos antes da Era Cristã, e como repetiu Einstein
em pleno século 20: tudo é relativo. Se não houvesse um próton positivo rodeado
de eléctrons negativos, não haveria átomo. Se não houvesse atração centrípeta
e repulsão centrífuga no Universo, não haveria harmonia cósmica. Se não
houvesse, na eletricidade, um pólo positivo e outro negativo, não teríamos luz,
nem calor, nem força. Se não houvesse masculino e feminino no mundo
orgânico, deixaria de haver seres vivos.
A diferença entre o macrocosmo sideral e o microcosmo hominal está no fato de
este depender do homem pela sintetização das antíteses, ao passo que no
mundo extra-hominal essa síntese é dirigida pela infalível consciência cósmica.
O drama entre o positivo e o negativo, entre o bem e o mal, entre o Cristo e o
Anti-Cristo, nunca deixará de existir, enquanto houver no Universo o Verso finito
creado pelo Uno Infinito — e nenhuma creatura, nem a mais perfeita, se acha
em estado definitivo e imutável. Creaturidade é evolvibilidade. No mundo das
creaturas conscientes não há uma chegada final, há somente uma jornada sem
fim.
No mundo humano, a evolvibilidade é inseparável da creatividade. E, para que
esta evolução possa continuar, existe e deve existir o positivo e o negativo. A
perfeição do homem não consiste em abolir o negativo e conservar apenas o
positivo, mas sim em estabelecer perfeita harmonia e síntese complementar
entre esses dois pólos de toda a natureza humana.
Na terceira edição do meu livro “Educação do Homem Integral”, fiz ver
nitidamente que a verdadeira educação consiste precisamente neste equilíbrio,
nesta harmonia dos opostos, nesta síntese das antíteses complementares.
Através de todos os milênios da história humana aparecem os representantes
do pólo positivo e do pólo negativo. É profundamente significativo que o Cristo,
representando o positivo, nunca tenha mandado embora o negativo do AntiCristo, mas ter-lhe dado ordem de se colocar na retaguarda (“vade retro”), de
servir, e não na retaguarda de mandar.
O pecado consiste essencialmente no fato de desarmonia e desequilíbrio entre
os dois pólos que constituem a natureza de todas as creaturas conscientes em
evolução.
Na natureza material há sempre perfeita harmonia e equilíbrio entre os pólos
evolutivos, porque a natureza é controlada pela infalível Inteligência Cósmica.
O homem é, aqui na terra, a única creatura dotada de auto-determinação ou
livre-arbítrio, capaz de harmonizar ou desarmonizar os pólos da sua natureza.
Disse um pensador de nosso século que Deus creou o homem o menos possível,
para que o homem se possa crear o mais possível. O homem é dotado da
possibilidade de se tornar melhor do que Deus o fez — e também pior. Entre o
menos possível e o mais possível gira toda a evolução do homem — ou então a
sua involução.
Os grandes avatares e gênios da humanidade mostram, com sua vida e doutrina,
o caminho da sintetização das antíteses, a ordem e harmonia estabelecidas pelo
livre-arbítrio do homem.
O céu, a vida eterna, não é um estado de ser, mas um processo de devir, não
uma chegada final, mas uma jornada sem fim.
A felicidade não consiste numa chegada, mas numa jornada em direção certa,
na consciência de o viajor estar na linha reta em demanda do seu destino, seja
qual for a distância que o separe dessa meta. E essa distância entre o finito e o
Infinito é necessariamente infinita. Nunca poderá uma creatura finita coincidir ou
identificar-se com o Creador Infinito. Toda a sua felicidade consiste na certeza
de estar na direção certa — e esta certeza lhe é garantida pela consciência
despida de qualquer egoísmo ilusório.
O drama entre o Cristo e o Anti-Cristo faz parte do plano cósmico da Divindade,
no tocante à creatura responsável por sua atitude.
Sendo que a maioria da humanidade se acha ainda num nível primitivo de
evolução, em plena egocracia dominante, é dever de cada um favorecer o mais
possível o pólo positivo, que chamamos o Cristo, a Verdade, o Bem, o Eu, a fim
de diminuir a desarmonia e favorecer a harmonia do equilíbrio.
Aqui no planeta terra, foi Jesus, o Cristo, o representante máximo dessa
harmonia humana. A verdadeira razão por que o Verbo se fez carne foi
precisamente esta harmonização da natureza humana. Era de esperar que um
homem plenamente realizado — “no qual habita toda a plenitude da Divindade”,
no dizer de Paulo — entrasse em conflito violento com uma humanidade no mais
baixo nível evolutivo, totalmente egocrática.
As teologias, incapazes de compreender esta verdade, vêem nos sofrimentos e
na morte de Jesus “o bode expiatório” que viera para pagar os débitos da
humanidade pecadora a um Deus ofendido. O próprio Cristo, porém, sabia que
a vinda dele era o cumprimento de um plano cósmico, como ele diz aos
discípulos de Emaús: “não devia o Cristo sofrer tudo isto para entrar em sua
glória?” A glória é a realização plena da natureza humana, do homem integral,
do homem Cristo-cósmico.
PRIMEIRA PARTE
A LUTA DO ANTI-CRISTO
CONTRA O CRISTO
1
Um brado de alerta
Há mais de meio século — como o Brasil em peso sabe — que estou fazendo a
defensiva da mensagem do Cristo, através de livros, conferências, programas
de Rádio e Televisão, aulas e horas de meditação.
Desta vez, passo da defensiva à ofensiva, e isto pelos mesmos motivos de
consciência que, há mais de meio século, me levaram à defensiva da maior
mensagem feita pelo maior Mestre da humanidade.
A Terceira Humanidade, cuja vanguarda já aparece, embora esporadicamente,
em todos os países, não deve continuar a ser vítima desse funesto equívoco
que, durante quase 2000 anos vem oferecendo à cristandade suas pobres
teologias humanas em substituição à grandiosa mensagem divina do Cristo.
Consideramos nosso sacrossanto dever crístico apresentar a genuína e
autêntica mensagem do Nazareno do primeiro século a todos os homens de boa
vontade — sobretudo neste ocaso do segundo milênio da Era Cristã, em que o
gênero humano, segundo as profecias e outras previsões, se acha em vésperas
das mais pavorosas tribulações e de um caos sem precedentes. Somente o
Evangelho do Cristo, em toda a sua verdade e pureza, é que pode preservar do
desespero e da destruição a humanidade de amanhã.
Bem sabemos que milhares e milhões de cristãos vivem na boa fé de que o
cristianismo que conhecem desde a sua infância e juventude seja a mensagem
autêntica e pura do Nazareno. Sabemos que esses cristãos de boa vontade
sofrerão profundamente com a proclamação das verdades austeras deste livro,
porque é doloroso trocar as ilusões blandiciosas das teologias pela verdade
austera do Evangelho. E, se nos fosse possível poupar-lhes esses sofrimentos,
de boa vontade o faríamos.
A verdade — dizia Mahatma Gandhi — é dura como diamante, mas é também
delicada como flor de pessegueiro. Temos plena certeza de que a delicadeza
flórea da verdade, uma vez plenamente vivida e vivenciada, compensará
abundantemente todas as suas durezas diamantinas. E é isto que nos consola
nessa inevitável tarefa demolidora que nos incumbe. Perante Deus e a nossa
consciência podemos afirmar que não alimentamos o menor ressentimento
contra os responsáveis dessas deturpações multisseculares da mensagem do
Cristo; queremos crer que muitos deles agem de boa fé, assim como, no primeiro
século, os chefes espirituais da Sinagoga, tão asperamente repreendidos pelo
divino Mestre, certamente eram antes iludidos do que ilusores. Se o Nazareno
os chamou de “sepulcros caiados”, “guias cegos guiando outros cegos”, se os
acusou de terem “tirado a chave do conhecimento do Reino de Deus”, se os
acusou de preferirem as suas “tradições humanas à revelação divina” — alertou
o povo ingênuo contra a deturpação da verdade, porque o considerava seu dever
de consciência, apesar de saber que com estas verdades feria os autores das
deturpações, que, possivelmente, de tão fossilizados nos seus erros tradicionais,
não os enxergavam como tais.
A nossa longa vida terrestre nos levou através dos mais variados períodos
evolutivos; através de uma juventude tão profana como é a de quase todos os
adolescentes; através de decênios a serviço de teologias eclesiásticas bem
intencionadas; através de outros decênios de uma espiritualidade sincera sem
fronteiras teológicas nem eclesiásticas — e, através de todos estes períodos,
externamente heterogêneos, uma idéia-mestra, um entusiasmo homogêneo, se
lança como um fio de luz, retilíneo e ininterrupto, como sabem os nossos leitores
e alunos: é o invariável Cristo-centrismo de todas as nossas atividades. Em mais
de meia centena de livros e através de milhares de conferências, aulas e
meditações, vai a idéia central e o amor único ao Cristo, Rei Imortal dos séculos.
E agora, quase no término da nossa vivência telúrica, nos vemos impelidos a
cantar este nosso “cântico de cisne”, doloroso para muitos, mas irresistível
imperativo categórico da nossa consciência.
Este convite a um sincero retorno ao Cristo do Evangelho é um brado de alerta,
e quase de alarme, para a cristandade do ocidente, para que, em face dos
tremendos cataclismos que a esperam, os homens de boa fé e sinceridade
saibam onde está o grande farol que lhes aponta o porto seguro do seu eterno
destino, preservando-os do naufrágio da sua existência.
Cristo, ontem, hoje — e para sempre!
2
A estratégia dos anti-cristos
Através de todos os séculos e milênios da humanidade do planeta Terra — e
quiçá em outras regiões do Cosmos — vai um drama, ora aberto, ora oculto, uma
permanente luta entre as duas Potências máximas do Universo, entre o Poder
das Trevas e a Luz do Mundo, entre o Príncipe deste mundo e aquele que disse:
“O meu Reino não é deste mundo”, entre o Anti-Cristo e o Cristo.
O episódio da Tentação no deserto, narrado pelos Evangelistas Mateus, Marcos
e Lucas, não terminou; não passa mesmo de um ponto de partida, ou de um
reflexo temporário da luta sem tréguas entre as duas Potências que se digladiam
no cenário do mundo visível e invisível. O Anti-Cristo continua a oferecer ao
Cristo “todos os reinos do Mundo e sua glória”, ao passo que o Cristo continua a
recusar esses reinos, porque o seu reino não é deste mundo. E este fato, de não
ser o reino do Cristo do caráter do reino do Anti-Cristo, apesar de estar neste
mundo, que “jaz no maligno” e pertencer ao “Príncipe deste mundo”, este fato
paradoxal é a razão-de-ser desse drama milenar entre o Anti-Cristo e o Cristo.
Quando Jesus tinha apenas 8 dias de idade, disse dele o profeta Simeão, no
templo de Jerusalém: “Este é posto para sinal de contradição, ruína para muitos
e ressurreição para muitos” — e desde então é o Cristo alvo de contradição.
Mesmo antes de o Cristo Cósmico se fazer carne em Jesus de Nazaré, “não
havia lugar para ele na estalagem”; durante a sua vida não tinha ele “onde
reclinar a cabeça”, e, na hora da morte, só havia lugar para ele entre o céu e a
terra, nos braços sangrentos de uma cruz.
E, apenas nascido num pobre estábulo, foi ele perseguido pelo rei Herodes, que
tentou matá-lo como possível usurpador de um trono terrestre.
Durante quase 30 anos, parecia haver uma trégua, porque o Nazareno
desaparecera nas montanhas da Galiléia, vivendo, como pessoa inofensiva,
numa humilde carpintaria. Mas este período de silêncio não era senão a
pressaga calmaria que costuma preceder às grandes tempestades.
Apenas Jesus aparece em público aos 30 anos, forma-se violento “ponto de
contradição”: A maior potência religiosa do século, a sinagoga de Israel, lhe
declara guerra de morte. O Anti-Cristo tenta derrotá-lo no deserto, mas é
derrotado pelo Cristo. Finalmente, depois de três anos de luta sem trégua, a
sinagoga de Israel consegue crucificar o seu inimigo número um. Caifás, o sumo
sacerdote, declara peremptoriamente: “Nós temos uma lei, e segundo a lei ele
deve morrer, porque se fez Filho de Deus”. A lei matou a verdade,
aparentemente, como sempre. “Por Moisés foi dada a lei, mas pelo Cristo veio a
verdade e a graça.” A verdade e a graça são sempre crucificadas, mortas e
sepultadas pela lei, não só de Moisés, mas de todos os seus discípulos, que são
os homens-ego de todos os tempos e países; mas o homem-Eu, o homemCristo, está em perene ressurreição. “A luz brilha nas trevas, mas as trevas não
a extinguiram.”
Pilatos, o representante da maior potência político-militar da época, quis
esquivar-se, quis tornar Caifás o único responsável pela morte do Nazareno;
nada menos de 5 vezes declara ele: “Eu não encontro culpa nesse homem”.
Finalmente, porém, Pilatos o condena à morte, lavando as mãos diante do povo
e declarando-se “inocente do sangue desse justo.”
E Jesus morreu condenado pelos dois poderes máximos do século, o poder
religioso de Israel e o poder político-militar do Império Romano.
Com a morte de Jesus, parecia o cristianismo definitivamente extinto — mas
estava mais vivo do que nunca; em vez de uma dúzia de discípulos do Cristo,
surgiram milhares em todos os pontos do Império Romano: Europa, Ásia e África.
Realmente, “o sangue dos mártires era semente de novos cristãos”, como se
dizia naquele tempo.
Os doze discípulos imediatos foram todos martirizados, segundo a tradição; onze
deles morreram, apenas um, João Evangelista, escapou vivo, apesar de
martirizado. E milhares de outros foram martirizados e mortos.
Finalmente, em 64, o imperador romano Nero iniciou uma perseguição por
atacado, decretando por lei a matança de todo e qualquer discípulo do Cristo.
Depois de algum tempo, não havia mais um cristão sobre a face da terra — mas
debaixo da terra havia muitos: no fundo das Catacumbas de Roma continuavam
a germinar os discípulos do Cristo, e tão firmemente enraizados estavam eles
nesses subterrâneos que três séculos de inauditas violências não valeram
exterminá-los. O cristianismo subterrâneo era mais vivo e vigoroso que o próprio
cristianismo terreno. O Jesus morto na superfície da terra continuava como o
Cristo vivo debaixo da terra e ressuscitava sempre, contra todas as proibições
dos poderes anti-crísticos, religiosos e civis.
No fim de três séculos de perseguição, o imperador Diocleciano, um dos mais
violentos perseguidores, exclamou triunfante: “Christiano nomine deleto” (extinto
o nome cristão) — mas, pouco depois, o seu sucessor Juliano Apóstata, ferido
numa guerra contra o rei da Pérsia, jogou ao céu um punhado de sangue e
exclamou: “Venceste, Galileu” — e morreu.
Mas o Cristo continua a viver.
Finalmente em princípios do quarto século, o primeiro imperador romano,
pseudo-cristão, Constantino Magno, resolveu mudar de tática e de estratégia:
convencido de que a política de violência não podia matar o Cristo e seu Reino,
passou da violência aberta de Caifás, Pilatos, Nero e Diocleciano, para a traição
disfarçada de Judas Iscariotes: “Aquele a quem eu beijar esse é — prendei-o!”.
Beijou o Cristo com um beijo de Judas e o jogou às mãos de seus piores inimigos.
Pelo edito de Milão de 313, Constantino proclamou a liberdade do cristianismo e
o fez religião oficial do Império Romano. Se o Cristo não fosse mesmo imortal,
teria morrido de vez com esse beijo de Judas: “Amigo, com um beijo tu atraiçoas
o Filho do Homem?”
Constantino Magno injetou ao cristianismo os piores venenos — e não conseguiu
matá-lo; deu-lhe três presentes gregos: armas, política e dinheiro; armas — para
matar seus inimigos; política — para enganar seus amigos; e dinheiro — para
comprar e vender consciências.
Mas, nem com esse tríplice veneno concentrado o cristianismo morreu, porque
estava imunizado pelo Cristo. “A alma humana é crística por sua própria
natureza” (Tertuliano) e por isto conseguiu sobreviver a todos os seus inimigos
e amigos, assim como no primeiro século o Cristo imortal conseguiu sobreviver
ao Jesus mortal, e conseguiu até ressuscitar o corpo morto de Jesus.
A partir do século IV até o século XX, tem-se repetido inúmeras vezes essas
tentativas de envenenamento do cristianismo por parte dos cristãos, mas,
inexplicavelmente, a traição do Cristo por parte dos cristãos foi tão ineficaz como
a violência contra Jesus por parte de judeus e pagãos. Até agora, nenhum Caifás
ou Pilatos, nenhum Iscariotes ou Constantino conseguiu matar o Cristo e o
Cristianismo. Se o cristianismo fosse apenas hostilizado por seus inimigos
declarados, com assaltos de fora, nós não teríamos a prova insofismável da sua
imortalidade: mas agora que nem seus amigos disfarçados conseguiram acabar
com ele, está realmente provada a sua imortalidade. É claro que todos podem
assassinar o corpo de Jesus, como os seus inimigos e amigos fizeram no
primeiro século; podem fazer morrer as organizações humanas feitas em nome
de Jesus — mas, à margem dessas organizações civis e eclesiásticas, persiste
e sobrevive sempre o Cristo imortal, não em nossas organizações sociais, mas
nas almas individuais cristificadas. Morre sempre de novo o corpo de Jesus —
mas à margem dessas organizações civis e eclesiásticas, persiste e sobrevive
sempre o espírito do Cristo imortal. Os grandes videntes e místicos, de todos os
tempos e países, são os verdadeiros preservadores do espírito do Cristo, mesmo
que as organizações humanas, em nome da violência ou da traição, crucifiquem
o corpo de Jesus.
Na idade Média a traição de Jesus atingiu o apogeu da sua perversidade: No
tempo das Cruzadas, milhares de pagãos foram trucidados em nome do Cristo;
milhares de cristãos foram assassinados pela Inquisição em nome de Deus. O
maior teólogo eclesiástico da época, Tomás de Aquino, com a agravante da
auréola de “santo”, declarou oficialmente na sua volumosa Summa Theologiae,
que em quatro casos o Cristo permite, e até aconselha a matança de seres
humanos, a saber: 1) em caso de justa defesa, 2) em caso de guerra justa, 3) a
autoridade civil pode matar os grandes criminosos, 4) a autoridade eclesiástica
pode decretar a morte dos hereges impenitentes.
Felizmente, após uma visão, o maior teólogo do cristianismo declarou
sinceramente: “Tudo que escrevi é palha.”
Com o reconhecimento da parte duma chamada igreja cristã estava oficialmente
abolido o espírito do Cristo, estava a bandeira do Cristo hasteada sobre o
quartel-general do Anti-Cristo.
No episódio da tentação no deserto, o Anti-Cristo se declara como sendo o
senhor deste mundo: “Eu te darei todos os reinos do mundo e sua glória, porque
são meus e eu os dou a quem eu quero”, e convidou o Cristo a se prostrar aos
seus pés e adorá-lo como seu senhor e seu Deus. No primeiro século, o Cristo
ficou em pé diante do Anti-Cristo — mas nos séculos subsequentes, o nosso
cristianismo caiu em terra e adorou o Anti-Cristo como seu senhor e seu Deus.
A bandeira do Cristo continua a flutuar galharda e traiçoeiramente na fachada do
quartel-general do Anti-Cristo, enganando a milhões e milhões de almas sinceras
em busca do Cristo.
“Guias cegos guiando outros cegos... vós roubastes a chave do conhecimento
do reino de Deus; vós mesmos não entrastes, nem permitis que outros entrem.”
Hoje em dia, é quase impossível encontrar o Cristo no cristianismo; quem não
encontra o Cristo fora do nosso cristianismo, dificilmente o encontrará.
Felizmente, sempre de novo aparecem homens crísticos, talvez não cristãos.
Ainda em nosso século, dois grandes pioneiros do Cristo conseguiram essa
conquista suprema. Albert Schweitzer, filho de um pastor protestante, escreve:
“Os nossos teólogos fabricaram o soro das suas teologias, e quem é vacinado
com esse soro teológico está imunizado contra o espírito do Cristo.”
Mahatma Gandhi declarava a todos os missionários cristãos que procuravam
convertê-lo: “Aceito o Cristo e seu Evangelho — não aceito o vosso cristianismo.”
* * *
E prossegue o drama milenar do Cristo e do Anti-Cristo. O Anti-Cristo que se
declarou como sendo o dominador deste mundo e dá a seus seguidores todos
os reinos do mundo e sua glória, porque são dele, não admite que viva nos seus
domínios um ser estranho que tenha a ousadia de declarar “o meu reino não é
deste mundo”. Se o reino do Cristo não é deste mundo, por que vive ele neste
mundo? Por que esse intruso não abandona o mundo do Anti-Cristo? Por que
prossegue, há quase 2000 anos, com esse contrabandista? Fora com ele!
Segundo todas as profecias dos videntes, o Anti-Cristo, no caso do 2.º milênio,
resolveu intensificar tremendamente a sua ofensiva milenar contra o Cristo. E já
estamos assistindo aos prelúdios dessa guerra total do Anti-Cristo contra o
Cristo. Essa guerra é basicamente a continuação da estratégia de Judas
Iscariotes, mas adotou novos estratagemas, como foi predito há 20 séculos, e,
se possível fosse, até os escolhidos seriam enganados com essa política de
disfarce. A figura do Cristo é a tal ponto falsificada pelos seus pretensos
discípulos; o Cristo está a tal ponto rebaixado ao nível dos pseudo-cristãos que
milhares e milhões de cristãos aceitam de boa fé esse pseudo-Cristo, e, em vez
de subirem às alturas dele, resolveram fazer o Cristo descer às baixadas dos
cristãos.
E com essa estratégia de baixar o Cristo ao nível dos cristãos, cessará toda a
tentativa de jornada ascensional destes rumo àquele. E, como estagnação é
involução e decadência, a cristandade iniciará, e já iniciou, a sua jornada
descensional, que, cedo ou tarde, acabará no marco zero.
Se a pequena elite dos cristificados não conseguir sustar o descalabro da grande
massa dos cristãos, o nosso mundo assistirá ao fim do cristianismo — que talvez
seja o triunfo máximo do Cristo.
“Quem puder compreendê-lo compreenda-o!”
3
O contágio do cristianismo
pelo ambiente histórico
Daqui a mais uns decênios, a humanidade cristã do ocidente celebrará o 20.º
centenário do nascimento de Jesus.
2.000 anos de cristianismo...
Nessa data, deveria ser decretado um tríduo de luto universal; todas as
bandeiras deviam ser hasteadas a meio-pau; o comércio, a indústria, os bancos,
as repartições públicas deviam fechar as suas portas; e todos os cristãos deviam
fazer um sincero exame de consciência e recitar em silêncio o confiteor dos seus
pecados de tantos séculos.
Nada de discursos, de música, de festejos...
O grosso da humanidade cristã vive na funesta ilusão de que o nosso mundo
seja a continuação e execução da mensagem do Cristo. E os oradores do ano
2.000 vão falar em 20 séculos de redenção, quando até agora ninguém viu sinal
dessa redenção, no mundo social, eclesiástico ou civil. Ninguém sabe de que
fomos remidos: das nossas maldades ou dos nossos males — quando ambos
se avolumam dia a dia. Hospitais e hospícios, sanatórios e penitenciárias
desmentem a idéia da redenção — e esses representam apenas o estado-maior
do “Poder das Trevas” — o grosso do exército dos malfeitores e das vítimas
irredentas anda aqui fora.
Tem havido certamente, e há ainda indivíduos humanos que viveram e vivem de
acordo com a mensagem do Cristo — mas não existe nenhuma organização,
religiosa ou civil, cuja vida seja uma prova autêntica da redenção pelo Evangelho
do Nazareno.
Existirá alguma organização cristã que esteja ensinando, toda a verdade, e
somente a verdade da mensagem do Cristo? Se o Nazareno voltasse ao mundo,
aceitaria ele como Evangelho seu, alguma das teologias cristãs que dominam a
mente de centenas de milhões de homens chamados cristãos? Não se
confirmaria o que Nietzsche disse, no princípio deste século: “Se o Cristo
voltasse ao mundo, a primeira declaração pública que faria a todos os países
seria esta: Cristãos de todas as igrejas, sabei que eu não sou cristão — eu sou
o Cristo.”
Fundamentalmente, todas as igrejas cristãs se baseiam, consciente ou
inconscientemente, nas ideologias dos mistérios do paganismo do Império
Romano, em cujo ambiente nasceu o cristianismo — ou na mentalidade do
judaísmo, do meio do qual surgiram os primeiros discípulos do Nazareno.
Até hoje vivemos num cristianismo gentio-judaico. O corpo da mensagem do
Cristo foi, desde o início, contagiado por essa ideologia, que nada tem que ver
com a alma do Evangelho: A magia ritualista dos mistérios pagãos e o
canibalismo sanguinário de Israel. A mensagem do Cristo era uma espécie de
alma sem corpo, era puro espírito, pura essência espiritual, em demanda de um
corpo material e social; era um conteúdo invisível, em busca de contenedores
visíveis, e assumiu a forma desses invólucros: redenção pela magia ritualista —
ou redenção pelo sangue animal ou humano.
4
O contágio pagão
As origens do cristianismo incidem no apogeu do Império Romano, que durante
os quase 500 anos anteriores, tinha desenvolvido uma completa filosofia mágica
e ocultista sobre o aperfeiçoamento espiritual do homem pecador e sobre seu
ingresso no Olimpo dos deuses. O segredo dessa purificação e redenção
consistia, fundamentalmente, em certas práticas misteriosas e esotéricas: o
purificando devia tocar em determinados objetos sacros, ou mesmo ingerir certas
substâncias em forma de alimento, enquanto o sacerdote ou mago purificador
proferia determinadas fórmulas cabalísticas, cujo sentido produzia pureza e
santidade na alma do pecador. O Império Romano estava coberto de centros de
culto espiritualista e ocultista, como os Mistérios de Elêusis, de Éfeso, de
Alexandria, de Mitras e inúmeros outros centros de Magia Ocultista. Em todos
esses lugares eram realizados os chamados “Mistérios”, palavra grega que os
latinos traduziram por “Sacramentos.”
Os mistérios sacramentais do paganismo foram, desde cedo, adotados pelo
cristianismo nascente, e consistiam no uso externo ou interno de determinados
objetos e na prolação de certas fórmulas sacras por pessoas devidamente
ordenadas ou iniciadas. As fórmulas deviam ser proferidas com rigorosa
exatidão, porque funcionavam como uma dessas modernas chaves yale: a
menor diferença de forma ou feitio impedia o seu funcionamento e não abria a
fechadura. Por isto, os mistérios sacramentais só deviam ser administrados por
pessoas peritas; do contrário, não abririam a porta do Reino dos Céus.
Assim tivemos de aprender na teologia, que a mínima modificação, tanto do
objeto sacro como da fórmula sagrada inutilizaria o seu efeito. Se alguém, por
exemplo, usasse para o batismo um líquido que não fosse água verdadeira, ou
modificasse por um triz a fórmula “eu te batizo”, não tiraria a alma das mãos de
satanás, onde ela estava desde o nascimento, e a passaria às mãos do Cristo.
Ou quando alguém, na missa, não usasse pão e vinho puros e verdadeiros, ou
não proferisse as palavras exatas “isto é meu corpo — isto é meu sangue”, não
converteria o pão e o vinho no corpo e sangue de Jesus.
Na confissão é indispensável dizer “eu te absolvo dos teus pecados”, e não
“Deus te absolve dos teus pecados.”
E assim por diante.
Tudo funciona ex opere operato.
Como se vê, a magia ritualista dos mistérios do paganismo foi rigorosamente
copiada pelos cristãos, apenas com a diferença de que aqui se trata de supostas
palavras do Cristo, que funcionam como chaves de precisão. Mas a idéia
fundamental da magia ocultista é a mesma.
O catecismo afirma que um sacramento é um sinal externo instituído por Jesus
Cristo para produzir graça interna.
Se pesquisarmos no Evangelho, não encontraremos nenhum desses sinais
externos, desses objetos ou dessas fórmulas destinadas a produzir purificação
ou redenção. João Batista administrava o batismo (mergulho), mergulhava os
pecadores adultos nas águas do Jordão, e antes do mergulho exigia conversão
interna, por sinal que não atribuía a santificação a esse gesto material; dos ricos
exigia desistência da sua ganância; dos soldados exigia contentamento com o
seu soldo e não violência; depois dessa conversão interna exigia que dessem
prova externa, da sua redenção interna, pelo mergulho na água. O mergulho
simbolizava eloquentemente a morte do ego-humano (imersão) e o nascimento
do Eu-divino (emersão), como Paulo de Tarso explica maravilhosamente. Mas o
próprio Batista afirma: “Eu só vos mergulho na água, após mim virá alguém que
vos mergulhará no fogo do espírito santo.” Entretanto, o batismo de água
continua através de quase 2000 anos, e o batismo de fogo que se revelou no
Pentecostes continua ausente. O verdadeiro cristianismo não nasceu na
manjedoura de Belém, com o Jesus humano, mas nasceu no cenáculo de
Jerusalém, com o nascimento do Cristo divino nas almas daqueles que, no
Pentecostes, receberam o espírito santo.
O cristianismo não necessita de um novo Natal — necessita de um verdadeiro
Pentecostes. O nosso Natal já foi degradado ao mais repugnante mercantilismo,
que lembra mais o dinheiro com que Judas vendeu o Mestre do que o
nascimento de Jesus. Depois desta traição só falta mesmo o suicídio dos
traidores, a exemplo do seu patrono do primeiro século.
Quando em princípios do IV século, sob a égide do Imperador Constantino
Magno, o cristianismo emergiu dos subterrâneos de Roma e apareceu na
superfície da terra, a alma crística do Nazareno sentiu a necessidade de um
corpo, de uma manifestação e atuação externa. Encontrou como já dissemos,
duas poderosas organizações religiosas: uma nos mistérios pagãos do Império
Romano, e outra na teologia da Sinagoga judaica. Que podia a alma crística do
Nazareno fazer com esses invólucros vazios do paganismo e do judaísmo
decadentes?
Após o edito de Milão (313), que libertou o cristianismo, a alma do Evangelho
começou a criar o seu corpo humano, adotando formas externas pedidas de
empréstimo às duas grandes organizações existentes: os mistérios esotéricos
do paganismo e os sacrifícios sanguinários do judaísmo. O ritualismo pagão
prevaleceu no setor ortodoxo-grego e católico-romano, ao passo que o
protestantismo do século XVI se apegou mais firmemente à idéia da purificação
e redenção pelo sangue, de acordo com o conceito judaico.
Entretanto, nem este nem aquele tem base no Evangelho do Cristo.
5
O contágio judaico
O cristianismo em que vive a cristandade, há quase 2000 anos, não é o genuíno
cristianismo dos Evangelhos. Desde o primeiro século, foi a mensagem do Cristo
contaminada por uma ideologia judaica, a possibilidade da anulação do pecado
pelo derramamento do sangue de um ser inocente. No tempo de Israel, sendo
que a matança de um homem era proibida pela lei mosaica, era morto
anualmente um animal, chamado “bode expiatório”, na crença de que o sangue
desse animal inocente anulasse os pecados de Israel.
Israel, desde o primeiro século da era cristã, abandonou a crença e o ritual do
“bode expiatório”; mas, por mais estranho que pareça, essa ideologia foi
encampada pelo cristianismo teológico, pois quase todos os primeiros cristãos
tinham vindo do judaísmo.
O animal inocente foi substituído pelo único homem sem pecado, Jesus, que
teria derramado o seu sangue para lavar os pecados da humanidade.
Nenhuma palavra de Jesus justifica esta ideologia. Numerosas vezes se refere
Jesus à sua morte futura voluntária, mas nem uma única vez afirma ele que vai
morrer para reconciliar com a humanidade um Deus ofendido. Aos discípulos de
Emaús, decepcionados com a morte do Mestre, responde ele: “Não devia então
o Cristo sofrer tudo isto para entrar em sua glória?” Qualquer cristão teria
respondido “para pagar os pecados da humanidade.”
Também Paulo de Tarso, na Epístola aos Filipenses, fala da encarnação e morte
voluntária de Jesus, mas nem ele se refere à idéia de um pagamento por
pecados alheios; diz que, por causa da voluntária humilhação do Cristo na
pessoa humana de Jesus, Deus o super-exaltou. Paulo admite a idéia de que o
Cristo anterior à encarnação se tornou maior, um super-Cristo, depois da sua
encarnação e morte voluntária. Para Paulo era possível esta evolução do Cristo
num super-Cristo, porque ele escreve que o Cristo é o “primogênito de todas as
creaturas”, e toda a creatura, por mais evolvida, é sempre ulteriormente
evolvível. As nossas teologias não admitem uma evolução no Cristo, porque
falsamente identificam Deus com a Divindade, e na Divindade não há evolução.
O Cristo, porém, nunca afirmou ser ele a Divindade, mas sim ser Deus: “Eu e o
Pai somos um, mas o Pai (Divindade) é maior do que eu.”
A finalidade da encarnação e morte de Jesus não é o pagamento dos pecados
da humanidade, mas sim a sua própria evolução superior, como consta pelos
textos citados.
A redenção da humanidade é um fenômeno concomitante dessa supercristificação ou suprema auto-realização do Cristo; pois toda a plenitude
transborda necessariamente, e esse transbordamento da plenitude reverte em
benefício da humanidade — “da sua plenitude todos nós recebemos, graça e
mais graça”, como escreve João no seu Evangelho. O transbordamento da
plenitude do Cristo, super-exaltado, beneficia a humanidade; mas esse
beneficiamento não é a finalidade primária da encarnação e morte de Jesus.
De resto, a crença de que Deus se possa sentir ofendido com os pecados da
humanidade é um conceito absurdo, e até blasfemo; todo o ser ofendido, e
mesmo ofendível, prova que é um ser mesquinho; o ser superior não é ofendido
nem ofendível; não se vinga nem perdoa, mas simplesmente ignora a ofensa.
Ofendível é somente o pequeno ego humano, ao passo que o grande Eu divino
no homem nada sabe de ofensa nem ofendibilidade; não tem que vingar-se nem
perdoar.
Além disto, é absurdo que Deus exija satisfação de um inocente para pagar os
delitos dos culpados.
Até um homem como Mahatma Gandhi, chegou a um estado de completa
inofendibilidade, no fim da sua vida; e Deus se sentiria ofendido com os pecados
da humanidade, e, em vez de perdoar, se teria vingado num inocente, e isto com
crueldades de inaudita perversidade, como os Evangelhos referem.
E, por fim, se Jesus tivesse, por sua morte, pago todos os delitos da humanidade,
por que é que todo o homem, segundo as teologias, nasce outra vez em pecado?
Reduzir o Cristo a um bode expiatório da humanidade pecadora é desconhecer
totalmente a verdadeira grandeza dele.
A progressiva cristificação do Jesus humano sob os auspícios do Cristo divino,
motivo da sua encarnação, é tão incompreensível para as nossas teologias que
a Vulgata Latina até falsificou a Epístola de Paulo aos Filipenses, omitindo
acintosamente o prefixo “super” (hyper, em grego) quando Paulo escreveu em
grego que o Cristo foi super exaltado pela encarnação, e a Vulgata diz apenas
que foi exaltado, porque uma evolução no Cristo lhe parecia inaceitável.
6
O contágio político-religioso
A mensagem do Cristo, quando se difundiu pela terra, sofreu diversos contágios
pelo ambiente em que nasceu. Nasceu no vasto ambiente do Império Romano,
que, nesse tempo, estava no auge do seu poder, depois de 500 anos de
existência, dominando os três continentes então conhecidos, a Europa, a Ásia e
a África, nas suas partes conhecidas.
O cristianismo, além do vasto Império Romano, nasceu também no pequeno
ambiente do judaísmo da Palestina, já nesse tempo província do Império dos
Césares.
E ambos os ambientes afetaram a mensagem do Cristo, não por causa dele,
mas por causa de seus discípulos: o ambiente pagão e politeísta do Império
Romano criou nos discípulos do Nazareno a ideologia, que, nesse tempo reinava
nos chamados “Mistérios Esotéricos”, que tinham vários centros como Elêusis,
Ísis, Osíris, Delfos, os Órficos, etc. Era idéia dos esotéricos que certos objetos
sagrados e certas fórmulas mágicas podiam conferir ao homem pureza e
santidade, libertá-lo dos seus pecados e permeá-lo de espiritualidade.
A palavra grega “mysterion” foi traduzida para o latim “sacramentum”, Certas
palavras do Evangelho do Cristo foram interpretadas neste sentido — e assim
nasceu a idéia dos sacramentos, que, nesse tempo eram dezenas, mas foram,
no correr dos tempos, reduzidos pela hierarquia eclesiástica a sete.
Sacramento na definição da teologia é um sinal externo instituído por Jesus
Cristo para conferir graça interna.
Os mistérios do paganismo eram privilégio e monopólio dos sacerdotes, dos
homens sacros, iniciados nos mistérios místicos, e este caráter entrou no mundo
cristão, atribuindo a uma certa classe de homens poderes sobrenaturais,
mágicos ou místicos. Até hoje, quase todos os sacramentos são da alçada
exclusiva dos sacerdotes.
Este caráter exclusivista conferia aos sacerdotes um poder sem limites,
atingindo, não só o mundo invisível, mas também as coisas visíveis desta vida.
O outro ambiente dessa época, como já mencionamos, foi o judaísmo
monoteísta, cujo centro era Jerusalém, e cujos ministros plenipotenciários eram
os sacerdotes da Sinagoga de Israel. O centro típico dessa ideologia era a
anulação dos pecados pelo sangue alheio. Antigamente, era o sangue humano
que anulava os pecados, como se vê no caso do general Jefté, que imolou sua
própria filha para cumprir uma promessa feita a Deus; e no caso de Abraão, que
tinha ordem de sacrificar seu único filho Isaac, o qual, no último momento, foi
substituído por um cabrito — mas a idéia da purificação pelo sangue persistiu.
Mais tarde, foi o sangue humano substituído pelo sangue de um animal inocente,
o tal “bode expiatório” — mas a crença da purificação pelo sangue persistiu até
o fim da destruição de Israel, no primeiro século da Era Cristã. Israel nunca
reviveu a idéia do “bode expiatório”, nem depois da restauração da
Independência Nacional, no século vinte. Estranhamente, porém, essa idéia de
anulação dos pecados pelo sangue alheio passou para o cristianismo teológico
e permaneceu viva até hoje.
De maneira que o conceito de purificação pelos sacramentos e a redenção pelo
sangue alheio, herança do paganismo politeísta e do judaísmo monoteísta, são
contágios do ambiente em que nasceu o cristianismo — mas não fazem parte
integrante da mensagem do Cristo. O Evangelho não é reflexo do paganismo
romano nem do mosaísmo judaico, mas é uma mensagem inteiramente Cristocósmica, baseada na íntima essência da própria natureza humana: “o primeiro e
maior de todos os mandamentos é este: amarás o Senhor, teu Deus, com toda
a tua alma, com toda a tua mente, com todo o teu coração e com todas as tuas
forças — e amarás o teu próximo como a ti mesmo; nestes dois mandamentos
se baseiam toda a lei e os profetas.”
Esta é a alma e quintessência da mensagem do Cristo, que os teólogos de quase
2000 anos não compreenderam devidamente.
A esses dois contágios do ambiente romano e do ambiente judaico acresce um
terceiro contágio, talvez o mais funesto de todos: o contágio político. No ano 313,
pelo Edito de Milão, o Imperador Constantino Magno deu liberdade ao
cristianismo, que até então era perseguido como religião proibida. Constantino
tirou os cristãos dos subterrâneos das catacumbas e os fez cidadãos do Império
Romano, convidando-os para altos cargos na administração pública.
Com isto começou a deturpação do Evangelho do Cristo. Em breve, os cristãos
se valeram das armas para matar seus inimigos, da política para enganar os
amigos, e do dinheiro para comprar e vender consciências.
Este pseudo-cristianismo de Constantino é, até hoje, o cristianismo oficial do
ocidente europeu e americano.
O verdadeiro cristianismo do Cristo viveu apenas três séculos, do ano 33 até
313; o cristianismo posterior é o de Constantino.
Entretanto, continuam verdadeiras as palavras solenes do Cristo: “As potências
do inferno não prevalecerão contra ele”. Continua a existir o cristianismo do
Cristo através de todos os séculos e milênios, e existirá até o fim dos tempos.
“Passarão o céu e a terra, mas não passarão as minhas palavras.”
O cristianismo organizado foi deturpado pelos homens, mas a cristicidade
individual continua a vigorar no mundo, nas almas dos místicos, que Bergson
chama a “religião dinâmica”, ao passo que o cristianismo social e político é
denominado “religião estática”. Bergson compara a religião dinâmica da mística
com o fogo vivo de um vulcão em atividade, ao passo que a religião estática é
como a lava fria que sobrou, depois que se extinguiu o fogo vivo da religião
dinâmica.
Entretanto, diz Bergson, a verdadeira mística não é um misticismo isolacionista
e inoperante na sociedade humana; a mística é a única força que pode regenerar
e salvar a humanidade. O verdadeiro místico, depois de ser “agido por Deus”, se
torna “agente no meio dos homens” (agissante et agie).
Pergunta-se se essa mística é uma religião revelada; e o filósofo responde que
é a única religião realmente revelada, revelada de dentro do homem pelo espírito
de Deus, que habita na alma humana. “O Pai está em mim e eu estou no Pai; as
obras que eu faço não sou eu que as faço; mas é o Pai em mim que faz as obras;
de mim mesmo eu nada posso fazer.”
É esta a religião revelada, o cristianismo autêntico contra o qual não
prevalecerão as potências do abismo.
Podem todos os corpos do cristianismo, as religiões estáticas, ser derrotados,
mas a alma do cristianismo, a religião dinâmica é inderrotável.
Segue-se daí que a tarefa mais importante do cristianismo não é obra política e
social, mas a experiência mística como única força de regenerar a sociedade.
7
O equívoco do pecado
original
É doutrina das teologias cristãs que o homem é concebido e nasce em pecado,
herança do pecado de Adão.
É crença geral também que esse pecado herdado se extinga por meio de um
copo de água e de uma fórmula mágica, ou então pela submersão numa piscina
de água. E então, a alma humana, possessa de satanás, se torna filha de Deus.
Jesus, no Evangelho, ignora totalmente esse tal pecado original; manda vir a si
as crianças, dizendo que de tais é o Reino dos Céus; e previne os adultos que
não levem ao pecado uma criança inocente “que tem fé nele”. Para Jesus, a
alma humana é, como mais tarde escreveu Tertuliano, “naturaliter christiana”,
crística por sua própria natureza.
Que é pois o verdadeiro pecado original?
Todo o ser humano tem consciência apenas do seu ego periférico, que é um
presente de berço, uma herança da própria natureza humana. Esta consciência
egocêntrica faz crer ao homem que ele é um ser autônomo e separado de Deus.
O homem-ego ignora a sua união essencial com o Ser Infinito, com a própria
Realidade; e age de acordo com esta ilusão. Esta ilusão de uma existência
separada do Infinito é o seu erro, seu pecado, e o torna egoísta e egocêntrico
em tudo.
Esta ilusão separatista do ego é uma herança de toda a natureza humana, ao
passo que a verdade da permanente união com o Infinito é uma conquista da
sua consciência.
A ilusão da separação, como dizíamos, é um presente de berço — a verdade da
união essencial com o Infinito é uma conquista da consciência; e esta união
essencial pode e deve revelar-se numa união existencial.
A ilusão separatista nada tem que ver com diabo, ou com uma tal maçã de Adão;
ela é o estado natural da ignorância e ilusão do homem primitivo. E a abolição
desta ilusão se realiza pelo despertamento da verdade sobre a natureza
humana. Batismo é a palavra grega para mergulho: quando o homem mergulha
na verdade da sua natureza divina, perde ele a ilusão do seu ego fictício, e então
é ele “batizado”, isto é, mergulhou no banho de luz da verdade sobre si mesmo.
“Eu só vos mergulho na água — diz João Batista — mas, após mim, virá alguém
que vos mergulhará no fogo do espírito divino.”
Esse mergulho metafísico pode ser simbolizado por um mergulho físico na água:
a imersão, como explica Paulo de Tarso, simboliza a morte do ego pecador, e a
emersão representa o nascimento do Eu divino. O verdadeiro mergulho não é
uma cerimônia ritual, mas uma realidade espiritual.
Jesus nunca batizou ninguém, e João só batizava ou mergulhava, os adultos,
por sinal que não criam num suposto pecado original.
8
A suposta alma do
cristianismo
Alguns setores do cristianismo proclamam a missa como sendo o centro e cerne
do cristianismo. Afirmam que Jesus celebrou a primeira missa do mundo na
Santa Ceia, realizou a transubstanciação do pão e do vinho no seu corpo e
sangue, consagrou os seus 12 apóstolos sacerdotes cristãos e lhes deu a
primeira comunhão. Quer dizer que a alma do cristianismo — missa, sacerdócio
e comunhão — remontam àquilo que Jesus teria feito no cenáculo em Jerusalém,
na véspera da sua morte. Se tirássemos missa, sacerdócio e eucaristia, dizem,
não teríamos mais cristianismo completo; teríamos, praticamente, abolido todo
cristianismo.
É isto que se ensina nas igrejas cristãs, ortodoxas e romanas, há quase dois
milênios.
Tenho plena consciência de que negar estas doutrinas é provocar as iras e a
maldição da poderosa classe clerical e de milhões de cristãos leigos que
obedecem cegamente a seus “guias cegos, guiando outros cegos.”
Suponhamos, por um momento, a hipótese de que, na Santa Ceia, Jesus tenha,
de fato, 1) celebrado a missa, 2) consagrado o pão e o vinho e dado a sagrada
comunhão aos apóstolos, 3) e os tenha ordenado sacerdotes. Logo, lá no
cenáculo, havia doze neo-comungantes e doze neo-sacerdotes. Todos teriam
recebido das mãos do próprio Cristo a sagrada comunhão e a ordenação
sacerdotal. Em face disto: que era de esperar dos doze apóstolos?
Era de esperar que esses doze neo-sacerdotes e neo-comungantes, depois de
assistirem à primeira missa, fossem verdadeiros santos, homens perfeitamente
espirituais, totalmente cristificados. E, ainda que abríssemos exceção para
Judas Iscariotes, por ser indigno, restariam, em qualquer hipótese, onze homens
dignos que receberam a comunhão e deviam tornar-se santos e crísticos em
consequência deste fato.
Mas, que foi que aconteceu?
Poucas horas depois da primeira missa e comunhão, e depois de ordenados
sacerdotes, esses homens não revelam o menor vestígio de santidade; pelo
contrário, revelam exatamente o oposto: Judas resolveu consumar a planejada
traição, e com a revoltante hipocrisia de um beijo, joga o Mestre às mãos de seus
mortais inimigos, e depois se suicida — que maravilhoso neo-comungante e neosacerdote!
Pedro, o chefe da turma, poucas horas depois de ser ordenado sacerdote e ter
recebido a primeira comunhão das mãos do Cristo, nega-o três vezes, afirmando
não conhecer o tal Jesus de Nazaré; jura que não é discípulo dele; e, por fim,
roga praga sobre si mesmo, se é verdade que ele conhece Jesus e é discípulo
dele — que estranho neo-sacerdote e neo-comungante!
E todos os outros supostos neo-sacerdotes e neo-comungantes, à exceção de
um só, fogem covardemente e abandonam o Mestre no momento crítico do
perigo. Que efeito produziu neles a missa, a ordenação sacerdotal e a sagrada
comunhão?
É deveras incompreensível, que, a despeito de tudo isto, milhões de cristãos, há
quase vinte séculos, acreditem piamente que na Santa Ceia tenha acontecido o
que seus guias cegos lhe impingem.
E isto apesar de o próprio Cristo ter dito claramente que não se tratava de uma
transubstanciação material, como os nossos teólogos proclamam, mas sim de
um símbolo de transformação espiritual: “As palavras que vos digo são espírito
e são vida — a carne de nada vale.” Mostra que não se trata de comerem e
beberem a carne e o sangue material de Jesus, mas sim de assimilarem a
substância espiritual do Cristo. Apela explicitamente para a sua futura ascensão,
onde o Cristo cósmico espiritualizaria o corpo do Jesus humano: “Isto vos
escandaliza? e (que direis) quando virdes o Filho do Homem voltar para lá onde
estava antes?”
Se o clero não tivesse o monopólio da missa e da eucaristia, e não tivesse
interesse nesse monopólio, desde muito teria abandonado as suas teologias e
aceitado o Evangelho do Cristo. Mas convém ao clero manter, através de
séculos, essa ilusão no meio do povo, uma vez que esse suposto poder divino
de celebrar missa e realizar transubstanciação o cinge de uma auréola
sobrenatural e lhe confere um prestígio e poder imenso sobre a massa do povo
ignorante.
Pode-se dizer que todo o nosso cristianismo eclesiástico, há quase 2.000 anos,
assenta alicerces numa mistificação, talvez inconsciente e de boa fé, da parte de
muitos, mas que nem por isso deixa de ser deplorável e impede centenas de
milhões de cristãos de abrirem os olhos para a verdadeira mensagem do Cristo.
Que efeito benéfico se poderia esperar de um pseudo-cristianismo dessa
natureza? Como poderia uma ilusão multissecular produzir efeitos benéficos
para a humanidade?
Nutrimos a esperança de que muitos cristãos de boa vontade, antes que
desponte o ano 2.000, abrirão os olhos para a autêntica mensagem do Cristo,
mesmo sob pena de se incompatibilizarem com as teologias tradicionais.
Será que os acontecimentos do dia de Pentecostes não são mil vezes mais
cristificantes do que os supostos acontecimentos ocorridos no cenáculo na
quinta-feira santa? Nesse dia, o espírito do Cristo cósmico, já na ausência do
Jesus humano, iluminou definitivamente as almas dos seus discípulos e os
tornou verdadeiramente Cristo-comungantes e deles fez verdadeiros sacerdotes
do Cristo. Mestre Lucas fala de 120 pessoas, homens e mulheres, reunidos no
cenáculo de Jerusalém, na manhã de Pentecostes.
Por que o clero não proclama esses acontecimentos de Pentecostes como a
alma e quintessência do cristianismo, quando nesse memorável dia, começou
realmente o cristianismo? não somente houve uma verdadeira conversão dos
apóstolos, que não ocorreu na Santa Ceia, mas logo depois se converteram
3.000 pessoas, e pouco depois mais 5.000.
Mas... não convém ao clero adotar o Pentecostes como a alma do cristianismo,
porque aqui não há privilégios nem monopólios, e por isso não há aumento de
poder e prestígio para a sua classe.
9
A quintessência do
cristianismo à luz
do evangelho
Se nem o ritualismo mágico do paganismo, nem o canibalismo sanguinário do
judaísmo, nem teologias representam a quintessência da mensagem do Cristo à
humanidade — que é que pode ser considerado como a alma do cristianismo?
Esta mensagem genuína e autêntica está claramente contida nos Evangelhos e
nas palavras do próprio Cristo: “A tal ponto amou Deus o mundo que lhe enviou
o seu Filho Unigênito, para que todos aqueles que tiverem fé (fidelidade) nele
não pereçam, mas tenham a vida eterna.”
Aqui não se fala de sacramentalismo ritual, nem de canibalismo sanguinário,
nem de teologismo clerical — mas unicamente de fé, fides, fidelidade, alta
fidelidade ou harmonia entre a alma do homem e o espírito do Cristo, harmonia
que o homem deve estabelecer para ser salvo e imortalizado. Esta alta fidelidade
entre a alma do homem e o espírito do Cristo deve existir tanto em teoria como
na prática, uma harmonia integral. O homem deve pensar e agir em tudo de
acordo com o Cristo.
O pecado ou desarmonia é compatível com qualquer ritualismo, canibalismo ou
teologismo — mas é incompatível com essa alta fidelidade ou sintonização da
alma humana com o Cristo. 1
1. Advertimos ao leitor que não confunda fé com crença — confusão essa que tem sido, talvez,
o maior erro do protestantismo. Fé, em latim fides, quer dizer fidelidade, harmonia entre a alma
humana e o espírito de Deus ou do Cristo. Esta atitude de alta fidelidade é redenção, salvação,
santificação — mas nada tem que ver com crer ou crença.
Infelizmente, o substantivo latino fides não tem verbo derivado do mesmo radical, e os tradutores
latinos do texto grego empregam o verbo credere, que em português deu crer. Em grego, o
substantivo pistis, correspondente ao latim fides, tem o verbo pisteuein, que poderíamos traduzir
por fidelizar, ou ter fé. Mas, se dissermos crer em vez de ter fé, adulteramos profundamente o
sentido. Crer, crença, é algo incerto e vago, como quando dizemos: creio que vai chover, creio
que fulano morreu. Crer em Deus, crer no Cristo, não é o mesmo que ter fé, ou fidelidade com
Deus ou o Cristo. Quem tem fé, fides, fidelidade com o Cristo, estabelece perfeita sintonia ou
sinfonia de pensamentos, palavras e obras entre si e o Cristo.
A teologia protestante foi vítima de uma catástrofe mundial pelo fato de confundir crer com ter fé.
Crer em Cristo é compatível com todos os pecados, mas ter fé ou fidelidade põe termo final a
qualquer pecado.
Um jovem pregador protestante, mais criança que adolescente, fala sobre o texto: “Quem crer e
for batizado será salvo, quem não crer será condenado”, e toma o crer e o batizar no sentido da
teologia tradicional. E termina o seu sermão com a jubilosa exclamação: “Todos nós cremos e
fomos batizados, por isto todos somos salvos, aleluia, aleluia!”
Se a salvação fosse tão fácil como esse pregador supõe, não seria, certamente, “caminho
estreito e porta apertada”, e Deus seria o rei dos palhaços. Mas esse pregador, eivado de
teologismo bíblico, nem sequer suspeitava que fidelizar ou ter fé não é um superficial ato
transitório, mas sim uma profunda e permanente atitude de todo o nosso ser; que é antes um
estado de ser do que um ato de fazer.
Também por batizar entendia ele receber um copo de água na cabeça, ou então um mergulho
num rio ou numa piscina — quando a palavra grega “baptizein” quer dizer mergulhar. A tradução
exata do texto seria aproximadamente esta: Quem estabelecer alta fidelidade entre sua alma e
o espírito de Deus, pela experiência mística, e mergulhar a sua vida totalmente nessa fidelidade,
pela vivência ética, esse entrará na vida eterna.
O sentido real desse texto é mais uma vez a afirmação do primeiro e maior de todos os
mandamentos da mística divina, e seu natural complemento pela ética humana.
Mas a Carta Magna do cristianismo do Cristo está nas suas próprias palavras.
Quando o doutor da Lei (teólogo da sinagoga) quis saber qual era a coisa mais
importante da vida humana — digamos, a alma da religião — Jesus lhe
responde, com absoluta clareza e precisão: “O primeiro e maior de todos os
mandamentos é este: Amarás o Senhor teu Deus com toda a tua alma, com toda
a tua mente, com todo o teu coração e com todas as tuas forças. Este é o
primeiro e o maior de todos os mandamentos.”
E, para que o doutor da lei não limitasse esse quadrúplice amor a Deus a uma
bela teoria, o Mestre acrescenta algo que o teólogo não tinha pedido: “O segundo
mandamento, porém, é semelhante ao primeiro: Amarás ao teu próximo como a
ti mesmo.” Quer dizer: o teste da mística do primeiro mandamento é a ética do
segundo mandamento; a prova de que o homem ama realmente a Deus como
deve, está no fato de ele amar todos os filhos de Deus, sem distinção de raça ou
classe, de credo ou cor.
E, quando o doutor da lei alegou não saber quem era o seu próximo, mostroulhe Jesus, através do procedimento do bom samaritano, quem era seu próximo.
Muitos judeus entendiam por “próximo” os outros judeus, ou o parentesco racial;
outros diziam que “próximo” era somente o homem que professava a mesma
religião.
Por isso Jesus lhe põe diante dos olhos um homem que não era “próximo” nem
pela raça nem pela religião; mas um samaritano, de raça heterogênea e de credo
herético, mostrou-se mais próximo de um estranho do que os próximos dele.
O sacerdote e o levita, ambos próximos pelo sangue e pelo credo, não agiram
como próximos do viajor semi-morto à beira da estrada, que era judeu, pois viera
de Jerusalém; ao passo que um não-próximo pela raça e pela religião viu no nãopróximo judeu um seu próximo na humanidade; ultrapassando a nãoproximidade racial e religiosa, viu no agonizante a proximidade humana e agiu
humanamente para com um ser humano desconhecido.
Com isto proclama Jesus a ética da fraternidade universal dos homens, que é o
transbordamento irresistível e espontâneo da mística da paternidade única de
Deus.
Esta apoteose do verdadeiro cristianismo pela mística revelada em ética, é
inegavelmente a alma da mensagem do Cristo, tanto assim que ele mesmo
conclui: “Nestes dois mandamentos se baseiam toda a lei e os profetas.”
Tanto Abraham Lincoln, o místico pacificador da guerra civil dos Estados Unidos,
como Mahatma Gandhi, o místico libertador da Índia, ambos vítimas do ódio
assassino, reconheceram e proclamaram esta verdade fundamental.
Mas... até hoje nenhuma igreja adotou esta mensagem do cristianismo como seu
único credo e decálogo — por que não?
A Verdade não interessa a muitos, interessa o Poder. Quando a Verdade, no
dizer de Pascal, é compatível com o Poder, os teólogos a toleram; mas, quando
é incompatível, os teólogos substituem a Verdade pelo Poder, o Evangelho pela
teologia, o Cristo pelo cristianismo.
Há quem pense que, após o ano 2.000, despontará o terceiro milênio do
cristianismo verdadeiro. O certo é que a libertação só pode nascer da
consciência da Verdade; e dificilmente o homem aceitará a Verdade libertadora,
antes de passar por uma sexta-feira santa de sofrimentos. O “consummatum est”
só será proferido pela humanidade depois de ter sido crucificada, morta e
sepultada, e depois de descer aos infernos de indizíveis sofrimentos, provocados
por séculos e milênios de culpas. Só depois da sexta-feira de dores e do sábado
de soledade despontará o domingo da ressurreição.
10
O Deus monista de Jesus
A concepção que Jesus tem de Deus não é politeísta, como a dos grecoromanos pagãos, nem é monoteísta, como a dos judeus e cristãos, nem mesmo
panteísta, como a ideologia de alguns orientais — a concepção de Jesus é
tipicamente monista. As religiões politeístas adoram diversos deuses, todos eles
transcendentes ou separados do mundo; a religião monoteísta adora um só
Deus, também transcendente ou separado do mundo. Tanto os politeístas como
os monoteístas estabelecem total dualidade entre Deus (deuses) e o mundo. O
panteísmo, por seu turno, identifica Deus com o mundo, ou com a soma total das
creaturas.
Se os dualistas afirmam unilateralmente a transcendência sem a imanência de
Deus, os panteístas pecam pelo extremo oposto, afirmando unilateralmente a
imanência (ou identidade) e negando a transcendência (ou alteridade) entre
Deus e o mundo.
Se os dualistas pecam por separatismo, o panteísta peca por identificação.
Tendo Jesus vivido no meio do Império Romano politeísta-dualista, e tendo
nascido do povo judaico monoteísta-dualista, era de esperar que a sua
concepção de Deus fosse de colorido dualista, politeísta ou monoteísta.
Entretanto, a noção que o Nazareno tem de Deus não é a dos romanos, nem a
dos judeus; por outro lado, ele também não é panteísta, como certos orientais.
A noção que o Nazareno tem de Deus é equidistante do separatismo judaicoromano e da identificação do panteísmo oriental. A noção do Nazareno é
tipicamente monista; para ele, “Eu e o Pai somos um, o Pai está em mim e eu
estou no Pai — mas o Pai é maior do que eu.” E, olhando para outros homens,
ele acrescenta: “O Pai também está em vós, e vós estais no Pai.” E chega ao
ponto de dizer: “Vós sois deuses”, não no sentido politeísta, mas no sentido
monista; isto é: a essência da Divindade está em vós, mas a vossa existência
humana é apenas uma manifestação individual dessa essência universal.
Assim como uma onda do mar poderia dizer: eu e o mar somos um, eu estou no
mar, e o mar está em mim, mas o mar é maior do que eu; assim como qualquer
luz colorida poderia dizer: eu e a Luz Incolor somos um, a Luz está em mim, e
eu estou na Luz, mas a Luz Incolor é maior do que eu — assim pode todo ser
finito dizer: eu, o finito, estou no Infinito, e o Infinito está em mim, mas o Infinito
é maior do que eu.
As teologias cristãs, através dos séculos, não permaneceram fiéis a esse
monismo cósmico do Nazareno; recaíram no monoteísmo dualista da sinagoga
de Israel, considerando Deus como separado do mundo e do homem. De vez
em quando, aparece no seio da cristandade um verdadeiro místico que, como
Jesus, professa a concepção monista de Deus — e logo é tachado de panteísta
pelos monoteístas dualistas das igrejas cristãs, como aconteceu, ainda há
pouco, a Teilhard de Chardin, que se aproximava notavelmente do monismo do
Evangelho.
Filósofos modernos crearam a palavra “panenteísmo”, em vez de monismo, que
quer dizer “tudo em Deus”, mas não “tudo é Deus”, como quer o panteísmo.
Depois do Concílio Vaticano II, há cristãos eclesiásticos que têm a coragem de
falar num “Deus no mundo” e num “mundo em Deus”; falam também do “Cristo
interno”, aproximando-se da concepção de Deus segundo o Cristo do
Evangelho.
O monismo, ou panenteísmo do Nazareno, representa uma atitude única e
inédita, não contagiada nem pelo judaísmo, nem pelo paganismo ocidentais,
nem tampouco pelo panteísmo oriental. Também neste particular, o Cristo do
Evangelho lembra um verdadeiro “bloco errático”, sem nenhuma afinidade com
o ambiente circunjacente.
11
A grandiosa sapiência
cósmica do Cristo
Como dizíamos, há quase 2000 anos que o nosso cristianismo anda de muletas,
servindo-se de usanças do paganismo e do judaísmo, de arranjos teológicos, em
vez de abraçar em cheio a gloriosa mensagem sapiencial do maior gênio
espiritual da humanidade. As nossas teologias vasaram o conteúdo divino do
Evangelho do Cristo em moldes humanos impuros, e estes recipientes
contaminaram o espírito puríssimo da mensagem do Cristo.
É chegado o tempo, nesta promissora alvorada da Era de Aquário, para nos
libertarmos desses percalços teológicos, obsoletos e alheios, e começarmos a
andar por força própria. O Evangelho do Cristo não necessita desses elementos
pagãos e judaicos, dessas idéias anacrônicas de redenção por meio de
complicados ritualismos mágicos e repugnantes processos sanguinários.
A quintessência da mensagem do Cristo nada tem que ver com essas
concepções heterogêneas; o Evangelho do Cristo goza de perfeita autonomia
espiritual, de perfeita maturidade e vigorosa saúde para andar por si mesmo.
Como já lembramos, o centro e cerne do Evangelho do Cristo se resumem na
experiência mística da presença de Deus e no seu transbordamento espontâneo
em forma de vivência ética com todas as creaturas de Deus.
Quando o teólogo da Sinagoga, o tal doutor da Lei, quis saber qual era a coisa
mais importante da vida humana, Jesus não falou em ritualismos sacramentais,
nem em redenção pelo sangue, como os nossos teólogos ensinam, mas falou
da experiência que o homem deve ter da presença de Deus e do quadrúplice
amor de Deus que o homem integral sente em si mesmo, quando conscientiza
essa presença divina com a alma, a mente, o coração e com todas as forças do
corpo.
O Nazareno descreve o homem integral, significativamente, como alma, mente,
coração e forças (corporais). Se ele tivesse exigido apenas que o homem
amasse a Deus com a alma, nós o teríamos achado natural. Mas o fato é que
ele exige do homem que ame a Deus também com a mente, com o coração, e
até com todas as forças vitais do corpo. Exige que o Reino de Deus se manifeste
no homem total, que o Eu divino da alma atue como um fermento que leveda as
“três medidas de farinha” do ego humano, mental, emocional e corporal.
Logo, o Nazareno supõe possível essa total permeação do ego mentalemocional-corporal pelo fator divino do Eu espiritual.
Se o homem não conseguir essa total permeação de toda a sua natureza pela
experiência mística do espírito de Deus, não cumpre o “primeiro e o maior de
todos os mandamentos”.
Essa total penetração do ego humano pelo Eu divino supõe que as “três medidas
de farinha” do ego mental-emocional-corporal permitam e preparem essa
invasão e pervasão, que o ego humano se deixe voluntariamente invadir e
pervadir pelo poder do espírito divino do Eu. Esse quadrúplice amor a Deus
poderia ser representado por duas linhas cruzadas, vertical-horizontal:
designando, por assim dizer, os quatro pontos cardeais da natureza humana.
Que é isto senão auto-conhecimento e auto-realização, em linguagem de
filosofia e psicologia modernas?
Para que a alma possa permear devidamente as outras faculdades, é
indispensável que estas se esvaziem do seu conteúdo próprio; que a mente
desista dos seus pensamentos, que o coração se esvazie de qualquer desejo, e
que o corpo suspenda todos os seus sentimentos pessoais; e que esse egoesvaziamento receba a cristo-plenificação. Numa palavra: que o homem
estabeleça em si um grande vácuo, a supressão da sua ruidosa egoidade físicomental-emocional. Só assim, pode a plenitude divina fluir livremente para dentro
desta vacuidade humana. A teo-plenitude só plenifica a ego-vacuidade.
Sem estes requisitos, é incompreensível e inexequível amar a Deus com toda a
alma, com toda a mente, com todo o coração e com todas as forças.
Que fez Jesus nos 18 anos em Nazaré, de que os Evangelhos não falam? E que
fez ele nos 40 dias da sua solidão no deserto da Judéia? E que fazia ele, durante
os três anos da sua vida pública, quando passava noites inteiras no cume dos
montes ou no silêncio dos ermos?
Sintonizava a alma, a mente, o coração e o corpo com o espírito do Pai;
conscientizava intensamente a presença real de Deus, que era para ele uma
prática natural e fácil, e tão essencial que ele a recomenda insistentemente a
seus discípulos como sendo a verdadeira libertação do homem, o primeiro e
maior de todos os mandamentos, a entrada no Reino dos Céus.
Em face disto, é sumamente deplorável que as igrejas cristãs recorram ainda a
empréstimos ao paganismo ritualista e mendiguem favores ao judaísmo
sanguinário. Fazem crer à cristandade que o Cristo tenha recomendado estas
práticas obsoletas, há muito tempo superadas.
As nossas teologias não se envergonham de mendigar elementos estranhos a
outras ideologias, como se o Cristianismo não possuísse riquezas infinitamente
superiores a tudo isto e não tivesse a sua própria autonomia espiritual: o autoconhecimento pela mística divina e a auto-realização pela ética humana, “em
que consistem toda a lei e os profetas.”
Não se sabe realmente o que mais estranhar: se a ignorância de nossos chefes
espirituais, se a leviandade com que impingem a seus adeptos arcaísmos
heterogêneos, como se fossem o verdadeiro patrimônio espiritual do Cristo.
Quando terá o nosso cristianismo a hombridade de aceitar as palavras do
Nazareno: “Não chameis a ninguém, sobre a face da terra, vosso Pai, vosso
guia, vosso mestre — porque um só é vosso Pai, vosso guia, vosso mestre — o
Cristo.”?
12
A sublimação do Jesus humano
pelo Cristo divino
À luz de diversos tópicos do Evangelho, parece que Jesus considerava o seu
sofrimento como o preço da redenção do gênero humano. Assim, quando Pedro
o quis dissuadir da sua morte voluntária, Jesus o repreendeu asperamente,
chamando-o até de adversário, (em hebraico satan). E no horto das Oliveiras,
quando Pedro o queria defender com a espada, Jesus o proibiu dizendo: “Não
beberei o cálice que o Pai me deu?” E, no Getsêmane, pediu ele ao Pai: “Se
possível passe de mim este cálice, sem que eu o beba — mas não se faça a
minha e sim a tua vontade.”
Não provam todas estas palavras que o Pai queria que Jesus sofresse e
morresse pela redenção do gênero humano?
Antes de tudo, não nos esqueçamos de que ele chama “Pai” o seu Cristo divino,
o seu “Eu” real: “O Pai está em mim, e eu estou no Pai; o Pai também está em
vós e vós estais no Pai.” “Eu estou em vós, e vós estais em mim.” “Não chameis
a ninguém vosso Pai, vosso guia, vosso mestre, porque um só é vosso Pai,
vosso guia, vosso mestre — o Cristo.”
Além disso, em nenhum destes tópicos refere-se Jesus à redenção dos homens
— refere-se invariavelmente, à evolução do seu Jesus humano por meio do seu
Cristo divino; refere-se à sublimação da sua personalidade ego pelo poder da
sua individualidade Eu.
Esta idéia, da evolução e sublimação da pessoa humana de Jesus pelo Cristo
divino, vai através de toda a epístola aos Hebreus. Haja vista os seguintes
tópicos:
“Jesus foi coroado de glória e honra por causa da morte que sofreu... Pois
convinha que ele atingisse a perfeição por meio do sofrimento, a fim de conduzir
à glória numerosos filhos e tornar-se-lhes autor de salvação... Tendo ele mesmo
sofrido tentação, está em condições de valer àqueles que se acham tentados...
Sofreu todas as provações como nós, exceto o pecado... Aprendeu obediência
pelo sofrimento, e, depois de consumado, se tornou para todos os que o seguem
autor de eterna salvação.”
Sobretudo nestas últimas palavras, está a idéia nítida de que, uma vez
consumada a sua evolução pelo sofrimento plenamente aceito, se tornou Jesus
o modelo do homem cristificado e protótipo de todos os homens dispostos a se
deixarem cristificar.
Mas, é precisamente aqui que se bifurcam os caminhos entre o Evangelho e as
teologias. Pelo Evangelho, como fizemos ver em nosso livro “Que vos Parece do
Cristo?” é evidente que houve uma evolução ascensional da personalidade de
Jesus de Nazaré sob o impacto do Cristo cósmico, o Verbo divino que se fez
carne humana em Jesus. As teologias eclesiásticas, porém, se fossilizaram no
dogma rígido da imutabilidade de Jesus.
A personalidade humana de Jesus, perfectível, repetidas vezes tenta revoltar-se
contra a soberania da divina individualidade do Cristo, o “Unigênito do Pai”,
segundo João, o “Primogênito de todas creaturas”, segundo Paulo de Tarso. O
Cristo, segundo Paulo, era creatura cósmica, ao passo que Jesus era apenas
uma creatura humana, na qual o Verbo se encarnou e que ele foi aperfeiçoando.
Às sombras lúgubres do Getsêmane, o Jesus humano se horroriza em face do
sofrimento e da morte e brada ao seu Cristo divino (Pai): “Meu Pai, se for
possível, passa de mim este cálice sem que eu o beba.” Depois, humildemente,
Jesus acrescenta: “Contudo não se faça a minha vontade (a do Jesus humano),
mas sim a tua (do Cristo divino)”.
Nos ardores do Gólgota, o Jesus humano exclama: “Meu Deus, meu Deus, por
que me desamparaste?” É o grito angustioso do ego; mas logo o ego humano
de Jesus se entrega ao Verbo divino do Cristo, acrescentando: “Pai, em tuas
mãos entrego o meu espírito.”
Depois destas tentativas de revolta do Jesus humano contra o Cristo divino, vem
a grande pacificação, a harmonização definitiva entre o ego humano de Jesus e
o Eu divino do Cristo: Está consumado...
Lembro-me das controvérsias dos meus mestres de outrora, que discutiam, mas
não resolviam o problema: Que é que estava consumado? A que consumação
se referia Jesus agonizante?
A resposta tradicional é que estava consumada a redenção do gênero humano
— embora, até hoje, quase 2000 anos após esse brado supremo, ninguém tenha
visto nada dessa suposta redenção da humanidade. O homem, supostamente
remido, se torna cada vez mais pecador. Nada está consumado.
Em face de todos os precedentes, é claro que Jesus se refere à grande
consumação da sua tarefa individual, da sua missão crística na terra, como aliás
confirmam as palavras dele aos discípulos de Emaús. A momentosa pergunta
porque Jesus sofreu tudo aquilo, qualquer teólogo dos nossos dias responderia
prontamente “para redimir a humanidade.” Jesus, porém, dá uma resposta de
auto-realização individual: “para assim entrar em sua glória”, para atingir o zênite
da sua perfeição. Nenhuma palavra que lembre a redenção da humanidade,
como é de praxe entre nós.
Em qualquer exame de teologia dogmática em nossos seminários, seria Jesus
reprovado, se tal afirmasse, e seria tachado de herege.
Consumada estava a grande obra, o definitivo tratado de paz entre o Cristo divino
e o Jesus humano; este entrara em sua glória, pelo sofrimento voluntariamente
aceito.
Desde esse solene “está consumado”, podemos dizer que existe pelo menos um
homem plenamente cristificado; que a nossa humanidade terrestre, sempre
dominada pelo ego pecador, tem pelo menos um representante já plenamente
integrado no Eu redentor do Cristo; a humanidade já foi remida, pelo menos em
um dos seus representantes. De um ser humano já se pode dizer que o ego,
sempre inimigo do Eu, já aceitou o regime do Eu crístico sobre o ego humano.
Na pessoa humana de Jesus, o gênero humano já foi remido pelo Cristo.
Verdade é que há enorme diferença entre a sublimação crística de Jesus e a
evolução espiritual do homem comum. A personalidade humana de Jesus, já na
sua encarnação, tinha, por assim dizer, uma enorme dianteira à encarnação de
cada um de nós. No homem comum que encarna aqui na terra, a cristicidade do
Eu divino está no grau 1, quando em Jesus já havia desde o princípio um grande
avanço crístico. O Verbo se encarnou na personalidade muito avançada de
Jesus — mas, à luz do Evangelho é evidente que essa personalidade humana
de Jesus foi se aperfeiçoando gradualmente durante os 33 anos da sua vivência
terrestre, até que, no alto do Calvário, terminou essa sublimação, através do
sofrimento regenerador, quando Jesus clamou “está consumado.”
João é o único que refere as palavras “está consumado”, porque foi dos 12
discípulos a única testemunha presencial do fato. Os outros evangelistas frisam
com grande ênfase as palavras: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”, mas
João, a única testemunha presencial, acrescenta que o Mestre, depois destas
palavras, acrescentou “está consumado.”
Depois deste grande tratado de paz, depois dessa grande consumação da
harmonia entre Jesus e o Cristo, o Evangelho refere o que aconteceu nos 40
dias entre a ressurreição e a ascensão. É deveras estranha a diferença entre a
atitude do Jesus redivivo e a do Jesus antes da morte. Entre a ressurreição e a
ascensão, há um período de paz absoluta, de harmonia total. Nunca mais Jesus
entra em controvérsias com seus inimigos. Nunca mais usa de palavras ásperas
com seus apóstolos. Toda vez que aparece aos seus amigos, a saudação
invariável é esta: Solem aleikum, a paz seja convosco. É fora de dúvida que os
apóstolos, sobretudo Pedro, estavam sobre brasas: que dirá o Mestre da nossa
covarde deserção? E Pedro estava, a cada momento, esperando o instante em
que o Mestre se referisse à sua tríplice negação: Pedro, é verdade que não me
conheces, como disseste na madrugada da sexta-feira? Juraste que não eras
discípulo meu; rogaste praga sobre ti, se é verdade que me conheces, que és
discípulo meu...
Mas, com nenhuma palavra se refere Jesus à fuga dos discípulos, nem à
negação de Pedro, nem jamais menciona a traição e o suicídio de Judas
Iscariotes.
Depois do grande “está consumado”, tudo é paz e serenidade, tudo é
tranquilidade e harmonia imperturbável. O Cristo entrara em sua glória, na glória
de uma total e definitiva harmonia com o seu Jesus, o Verbo que se fizera carne,
verbificou a carne a tal ponto, cristificou o Jesus a tal ponto que este em tudo
servia de veículo dócil àquele.
E com isto deu ele exemplo a todo homem que, pelo poder do seu Eu crístico,
pode ele redimir o seu ego humano, e assim entrar em sua glória.
A redenção da humanidade pelo Cristo não foi um fato histórico uma vez
realizado em tempos passados. Não se trata duma redenção coletiva de todos
os homens. A redenção pelo Cristo é um longo processo sucessivo, através de
séculos e milênios. Todo homem é cristo-redimível — se é realmente, cristoredimido, isto depende da atitude de cada homem em face do seu Cristo interno.
Servindo-nos duma analogia da era atômica, poderíamos até dizer que a
redenção crística é comparável a uma “reação em cadeia”: o Cristo deu o
primeiro impulso ou impacto redentor, pela cristificação gradual de Jesus de
Nazaré; depois deste início de redenção, poderá continuar a longa cadeia de
reações crísticas. Nenhum homem é automaticamente remido — mas todo
homem é livremente redimível, consoante a atitude do ego humano em face do
seu Eu divino. O que uma vez aconteceu pode muitas vezes acontecer.
Toda a vez que o ego humano de Jesus protesta contra o Eu divino do Cristo,
este consegue dominar aquele. A isto se referem todos os textos acima
aduzidos: que focalizam invariavelmente o processo pelo qual o Cristo divino
cristificou o Jesus humano.
A cena mais impressionante desse conflito e dessa vitória é, sem dúvida, o
episódio da tentação no deserto, onde o Eu crístico se havia a tal ponto
fortalecido durante 40 dias e 40 noites de silêncio e meditação que o ego humano
dele, revoltado, tentou derrotar o Eu divino do Cristo — mas foi por este
derrotado: “A Deus adorarás e só a ele servirás.”
O que estamos dizendo provocará protesto da parte de todas as igrejas cristãs,
porque os nossos teólogos não admitem a idéia de uma evolução em Jesus;
confundem a personalidade humana do Nazareno com a individualidade divina
do Cristo, e, ainda por cima, identificam o Cristo como a própria Divindade —
quando ele mesmo declarou que o Pai (Divindade) era maior do que ele. Os
nossos teólogos, em quase 2000 anos, não compreenderam as palavras de
Paulo de Tarso, que chama o Cristo o “Primogênito de todas as creaturas”; logo,
uma creatura. Até nós, os homens, somos chamados “deuses”, isto é,
manifestações individuais da Divindade, embora inferiores ao Cristo cósmico, o
“primogênito de todas as creaturas.” João Evangelista chama o Cristo o
“Unigênito do Pai”, expressão essa que concorda perfeitamente com a afirmação
de Paulo de Tarso. Nós, homens comuns, de acordo com o 4.º Evangelho,
somos Cristo-gênitos, somente o Cristo é Teo-gênito (gerado pela Divindade).
A tal extremo de confusão chegou a teologia, distanciada do Evangelho, que
chama Cristo a segunda pessoa da Trindade. Se o Cristo fosse pessoa ou
personalidade (que, em latim, quer dizer máscara), não seria o Unigênito do Pai
(João), nem o Primogênito de todas as creaturas (Paulo). Estes dois místicos do
Novo Testamento sabiam muito mais da verdade que todos os nossos teólogos
eclesiásticos.
Jesus é uma persona ou personalidade humana, mas o Cristo é a mais alta e
única individuação do Pai, da suprema Divindade. Afirmar que o Cristo é persona
ou pessoa é um verdadeiro sacrilégio e uma revoltante degradação da sua
dignidade única.
A individualidade cósmica do Cristo cristificou a personalidade humana de Jesus;
sua encarnação e toda a sua vida terrestre não tiveram outra finalidade senão a
de elevar a natureza humana, na pessoa de Jesus, ao mais alto grau da sua
glória em Cristo. Se esta cristificação do homem aconteceu uma única vez em
Jesus, então está aberta a porta para ulteriores cristificações. E isto é a redenção
humana pelo Cristo.
Mas essa cristificação do homem não é possível enquanto o ego humano
tiranizar o Eu divino no homem.
A des-tiranização não é possível sem um grande sofrimento por parte do ego.
Toda a mensagem do Cristo e dos seus verdadeiros discípulos fala dessa luta e
desse sofrimento. “Estreito é o caminho e apertada a porta que conduzem ao
Reino dos Céus.” “O Reino dos Céus sofre violência, e somente os que usam de
violência o tomam de assalto.” “Se o grão de trigo (ego) não morrer, ficará estéril
— mas, se morrer, produzirá muito fruto (Eu).” “Quem quiser ser meu discípulo
tome sobre si a sua cruz e siga-me.” “Quem não renunciar a tudo que tem, não
pode ser meu discípulo.” “Quem quiser ganhar a sua vida perdê-la-á, mas quem
perder a sua vida por minha causa, ganhá-la-á.”
Paulo de Tarso escreve: “Pelo regozijo que tenho em Cristo Jesus, eu protesto
que morro todos os dias, e é por isto que vivo — mas já não sou eu que vivo, é
o Cristo que vive em mim.”
A idéia teológica de que o sofrimento e a morte de Jesus tenham redimido a
humanidade, é diametralmente oposta ao Evangelho, que não conhece aloredenção, mas tão-somente auto-redenção. Essa auto-redenção, porém, é
Cristo-redenção, porque somente o Eu-crístico do homem pode redimir o ego-
humano, a exemplo do que aconteceu com o ego humano de Jesus, que foi
remido pelo Eu divino do Cristo.
“Exemplo vos dei para que façais o que eu fiz.”
Se o meu Cristo interno não me redimir, nenhum Cristo externo me pode redimir.
Segundo nossos teólogos, todo o homem nasce pecador, porque um tal Adão,
há muitos milênios, pecou e o pecado de Adão nos teria feito pecadores — isto
equivale a negar frontalmente o poder do livre-arbítrio no homem. Se alguém me
pode fazer pecador — adeus, livre-arbítrio! Então eu sou um autômato, à mercê
de terceiros, perdi a minha autonomia espiritual, deixei de ser alguém e me tornei
algo.
Esta coisificação do ser humano é professada por todas as igrejas cristãs, em
flagrante conflito com a mensagem do Cristo, que ignora totalmente esse tal
pecado original, como já vimos acima. Da mesma forma que uma alo-perdição é
incompatível com o livre-arbítrio, também a alo-redenção é incompatível.
Nenhum Adão externo me fez pecador — e nenhum Cristo alheio me faz justo e
remido; somente o meu próprio Adão interno (ego) me pode fazer pecador — e
somente o meu próprio Cristo interno (Eu) me pode redimir. Enquanto o meu
velho Adão não se render ao meu novo Cristo, não estou remido.
Se a cristandade tivesse aceitado a verdadeira auto-redenção do Evangelho, e
não uma ilusória alo-redenção, é fora de dúvida que a humanidade, depois de
quase 2000 anos, não presenciaria este tremendo descalabro espiritual e moral
em que vivemos. A falsa alo-perdição e a falsa alo-redenção são responsáveis
por essa profunda degradação do gênero humano, que atinge o seu clímax
precisamente no ocidente cristão.
É de urgente necessidade que a falsa alo-redenção seja substituída pela
verdadeira auto-redenção, que o homem se convença definitivamente de que só
ele mesmo, pelo poder do seu Cristo interno, pode redimir-se, mas que não pode
ser redimido por nenhum fator externo.
Seja qual for o nome que dermos ao nosso Eu Crístico — Pai, Luz, Reino de
Deus, Tesouro Oculto, Pérola Preciosa, Água Viva — o sentido é sempre o
mesmo: o homem tem dentro de si um poder redentor, o qual, uma vez
conscientizado e vivenciado, é o único poder capaz de transformar e cristificar
totalmente a vida do homem e da humanidade.
13
Jesus e os essênios
Em 1947 foram descobertos em Qumram, ao noroeste do Mar Morto, uns rolos
de pergaminho cuidadosamente guardados em urnas de cerâmica ocultas
numas cavernas rochosas.
Mais tarde, vi esses rolos expostos na Biblioteca do Congresso de Washington,
onde, nesse tempo, eu lecionava Filosofia e Religiões Comparadas. Os
caracteres em que estavam escritos esses documentos eram para mim completo
enigma. Mas os cientistas conseguiram decifrar os pergaminhos de Qumram.
Eram livros sagrados dos Essênios, cujas origens remontam a alguns séculos
antes da Era Cristã.
Os Essênios — palavra derivada de Assya, que quer dizer curador ou terapeuta
— eram uma comunidade místico-ética de origem judaica, que vivia à margem
da religião oficial de Israel; não frequentavam o templo de Jerusalém, não
tomavam parte nos sacrifícios sangrentos do culto israelita, nem davam
importância ao complicado ritualismo religioso da Sinagoga. Os Essênios se
entregavam a longos estudos e profundas meditações; amavam o silêncio dos
vastos desertos, onde as brisas quentes sussurravam estranhas melodias pelas
flabelas das tamareiras. Não comiam carne de animais; viviam de frutas e
verduras. Conheciam as virtudes curativas de muitas plantas e praticavam
terapia natural em vasta escala, razão porque eram chamados “essênios” ou
assyas (curadores).
Em geral, entre os Essênios, a água e a luz solar eram consideradas como
fatores curativos; todos os Essênios tomavam o seu mergulho de manhã cedo
e, frequentemente, também o seu banho solar. Não longe da confluência do rio
Jordão no Mar Morto havia uma nascente de água doce, que os Essênios haviam
represado para seus mergulhos diários, uma vez que as águas do Mar Morto,
salgadas e betuminosas, eram impróprias para essa terapêutica.
Graças a essa vida e harmonia com a natureza de Deus e o Deus da natureza,
os Essênios chegavam a idade avançada, e quase não havia doenças entre eles.
O historiador romano Plínio Sênior, nascido em 23 depois de Cristo e morto na
erupção do Vesúvio de 79, escreveu na sua “Historia Naturalis” (Vol. XVII 73) o
seguinte:
“Os Essênios vivem à margem ocidental do Mar Morto, a uma distância suficiente
para serem preservados dos efeitos deletérios do lago. São uma sociedade
solitária de eremitas que vivem sem mulheres; renunciaram a todo o contato com
Vênus e o dinheiro, tendo por únicos companheiros as palmeiras. A seus pés
existia, outrora, a cidade de Engeddi. Mais além se ergue, sobre um rochedo, a
fortaleza Masada, não longe do Mar Morto.”
O livro “Harpas Eternas”, narra a vida desses terapeutas. Faz ver que Jesus,
João e outros discípulos do Nazareno tinham convivido com os Essênios, o que
explica a grande afinidade entre os ensinamentos do Evangelho e a desses
eremitas.
O mergulho (batismo) não tinha por fim a destruição de um suposto pecado
original, em que os Essênios não criam, mas, além do fator puramente higiênico
e regulador de auras corpóreas, simbolizava a morte do homem material
(imersão) e o nascimento do homem espiritual (emersão). O próprio João Batista,
que era Essênio, nunca falou em pecado original, nem mergulhava crianças.
Quanto aos adultos, João se referia unicamente a pecados pessoais; nem
acreditava que o fato natural do mergulho nas águas do Jordão apagasse
pecados, tanto assim que exigia metánoia (transmentalização) do batizando
antes de o mergulhar na água. Só depois dessa conversão interna (metánoia), é
que João praticava o ritual do mergulho, como confirmação simbólica de uma
conversão já realizada.
Jesus nunca batizou ninguém, nem adultos nem crianças, e o próprio mergulho
deles, ministrado por seu colega Essênio João, nada tinha que ver com ablução
de pecado — tanto assim que ele mesmo era “o cordeiro de Deus que tira o
pecado do mundo.”
À luz disto, é deveras estranho verificar que as nossas igrejas tenham feito desse
rito de mergulho uma causa de purificação espiritual. Segundo as nossas
teologias, o batismo tem por fim expulsar o diabo da alma do batizando, como
afirma explicitamente o cerimonial do batismo: “Sai desta alma, satanás, e dá
lugar ao Cristo.” Um amigo meu, assistindo ao batismo de seu filhinho
primogênito, ficou horrorizado, quando o padre, soprando no rosto da criança,
dizia: “Sai desta alma, satanás, e dá lugar ao Cristo.” O pai, ouvindo que o diabo
já se havia apoderado da alma de seu filhinho antes de ele nascer, ficou
revoltado, e, se não soubesse que esse ritual nada tem que ver com o Cristo,
poderia considerar a mensagem dele como um embuste mundial. Felizmente,
esse pai sabia que Jesus considerava toda a alma infantil como filha de Deus e
não escrava de satanás. “Deixai que venham a mim as criancinhas, porque de
tais é o Reino dos Céus.” “Se não vos converterdes e tornardes como as crianças
não haveis de entrar no Reino dos Céus.”
Jesus, como já mostramos, nunca acreditou que satanás fosse dono da alma
humana e que um recém-nascido, ou recém-gerado, fosse filho do diabo, e que
algum pobre funcionário eclesiástico fizesse dele um filho de Deus; quer dizer,
que um homem, geralmente padre ou pastor, des-satanizasse a alma humana
que o próprio Deus não pudera fazer nascer sem satanás.
Quem não enxerga nessa doutrina o auge da presunção humana e uma
apostasia da verdade do Evangelho do Cristo?
Os Essênios, embora judeus, eram um grupo dissidente do judaísmo ortodoxo,
não acreditavam em pecado original e na redenção pelo sangue, nem por
cerimônias rituais.
Nem os Mistérios (ou sacramentos) do paganismo, essa miscelânea de magia
ritualista e de ocultismo umbandista, afetaram a mística e ética dos Essênios.
Os filósofos neo-platônicos de Alexandria, Philo e Plotino, bem como o
historiador judeu-romano Flavius Josephus, do primeiro século, se haviam
referido, repetidas vezes, aos Essênios; mas, estranhamente, só em 1947, com
a descoberta casual dos pergaminhos de Qumram, a humanidade começou a
interessar-se seriamente pela comunidade dos Essênios; a distração casual de
um jovem pastor árabe chamou a atenção do mundo para um acontecimento de
suma importância. Ultimamente, foram feitas vastas escavações em todas as
redondezas do Mar Morto. Foi descoberto um cemitério de cerca de 1000
túmulos, alguns ainda com esqueletos humanos, todos homens, confirmando a
narrativa de Plínio sobre a total ausência de mulheres entre esses eremitas.
Adotavam crianças para as educarem segundo o seu espírito. Parece que esses
silenciosos desertos foram o berço ou o subsolo duma vasta floração espiritual
da humanidade, mais tarde, concomitante da mensagem do Profeta de Nazaré,
no qual o Verbo se fez carne.
É chegado o tempo para que a cristandade retorne ao Cristo do Evangelho e se
liberte das encrustações pagãs e judaicas que, durante tantos séculos,
deturparam a maravilhosa mensagem do Cristo.
SEGUNDA PARTE
RETORNO AO CRISTO
DO EVANGELHO
14
“Um só é o vosso guia
— o Cristo”
“Não chameis ninguém, sobre a face da terra, vosso Pai, vosso Guia, vosso
Mestre — porque um só é vosso Pai, vosso Guia, vosso Mestre, o Cristo.”
Estas palavras foram ditas há quase 20 séculos — e há quase 20 séculos que
os chamados discípulos do Cristo estão inventando outros guias e outros
mestres.
Uns proclamam infalível guia e mestre um homem vivo.
Outros proclamam infalível guia e mestre um livro morto.
Tanto o homem vivo como o livro morto, proclamados infalíveis, estão repletos
de falhas.
O Cristo nunca aceitou como seu substituto, um homem nem um livro.
O livro considerado infalível foi escrito, quase integralmente, por judeus e
representa uma miscelânea heterogênea de verdades e de erros — tanto assim
que o Cristo, referindo-se a ele, dizia: “Foi dito aos antigos — eu, porém, vos
digo...” Fazia uma criteriosa seleção entre as verdades divinas contidas nesse
livro e os erros humanos que o deturparam; não aceitava como inspiração divina
a lei do talião “olho por olho, dente por dente”; nem aceitava como regra o que
esse livro ensina: “Ama teu amigo e odeia teu inimigo.” Não invocava a ira de
Deus sobre os inimigos de Israel; não mandava, como Moisés, apedrejar as
mulheres adúlteras; nem mandava, como o Salmo 136, quebrar nos rochedos
as crianças cujos antepassados haviam escravizado os judeus na Babilônia.
Apesar dessa miscelânea de verdades e erros, milhões de cristãos de hoje
aceitam esse livro “de capa a capa” como puríssima revelação de Deus e o
proclamam como infalível guia e mestre.
Outros cristãos elegem periodicamente um pobre pecador humano como seu
infalível guia e mestre, totalmente esquecidos das palavras do Nazareno:
“Ninguém é vosso Mestre, ninguém é vosso Guia senão, o Cristo.”
* * *
É deveras estranho que, em quase 2000 anos, a cristandade não tenha resolvido
aceitar, singela e candidamente, o Cristo como seu único guia e mestre. O nosso
cristianismo, quase bimilenar, representa uma espantosa falência espiritual. Não
foi capaz de melhorar a humanidade, como era de esperar. Homens individuais,
é verdade, aceitaram o Cristo em sua vida íntima e, deste modo, melhoraram o
mundo; mas não existe nenhuma igreja cristã, nenhuma organização
eclesiástica que tenha melhorado a humanidade. É que toda a organização é um
produto do ego humano, que só se interessa pelo poder, e não pela verdade.
Se a humanidade de amanhã tem esperança de ser melhor do que a de hoje,
temos de transcender todas as nossas teologias e voltar incondicionalmente ao
Evangelho do Cristo, vivendo e vivenciando o que o Mestre chamou “o primeiro
e maior de todos os mandamentos”, a mística divina, e seu espontâneo
transbordamento na forma da ética humana.
Teologias, bíblias, concílios, sacramentos, aparatos sociais e políticos,
congressos, ritualismos — nada disto nos pode redimir das nossas maldades e
dos nossos males.
O Pai, o Guia, o Mestre, o Cristo, a que Jesus se refere, não são fatores alheios
e externos ao homem, dele distantes no tempo e no espaço, como ensinam os
teólogos eclesiásticos; mas são o íntimo centro e cerne do próprio homem. “O
Pai está em vós... e vós estais no Pai... o Cristo está em vós, e vós estais no
Cristo... eu estou convosco todos os dias até a consumação dos séculos... eu
sou a luz do mundo, e vós sois a luz do mundo... o Reino de Deus está dentro
de vós...”.
Jesus, invariavelmente, frisa a presença e imanência do guia e mestre no
homem. Esse Pai e Cristo não habita fora do homem, quiçá do outro lado do mar
Mediterrâneo, num passado longínquo ou numa distância incerta, mas aqui e
agora. O homem deve conscientizar esse Pai e Cristo presente, para que lhe
seja guia e mestre.
O espiritismo já compreendeu, em parte, essa imanência do fator redentor do
homem; apenas exige ainda que o homem se rematerialize muitas vezes — 800
vezes, segundo um escritor — para fazer funcionar o seu Cristo interno, ao passo
que Jesus afirma que o homem pode, aqui e agora mesmo, ser salvo pelo seu
Cristo redentor: “Os teus pecados te são perdoados... hoje entrou a salvação em
tua casa... ainda hoje estarás comigo no paraíso.”
O homem tem de ultrapassar tudo que é humano e voltar ao espírito do Cristo
com absoluta sinceridade e honestidade.
O homem deve, em espírito e verdade, amar o Senhor seu Deus com toda a sua
alma, com toda a sua mente, com todo o seu coração e com todas as suas forças
— porque, sem esta grande vertical do amor e da adoração, ninguém pode amar
o seu próximo como a si mesmo e servi-lo de boa vontade.
Ninguém pode servir desinteressadamente a seus irmãos humanos sem que
saiba adorar jubilosamente o seu Pai divino.
Abraham Lincoln, nos Estados Unidos, e Mahatma Gandhi, na Índia,
compreenderam esta grande verdade, e por isto não se filiaram a nenhuma
forma do nosso cristianismo, mas aceitavam unicamente o Cristo e seu
Evangelho como única garantia de redenção individual e de reforma social.
Enquanto os nossos chefes espirituais não fizerem o mesmo, teremos de repetir,
lamentavelmente, as palavras de Nietzsche: “Até agora só existiu um único
cristão verdadeiro, o Cristo, que foi o primeiro — e também o último.”
15
Da ilusória transubstanciação
material para a verdadeira
transformação espiritual
No ano 33 do primeiro século, foi o Cenáculo de Jerusalém o memorável cenário
de dois acontecimentos de suma importância: a suposta comunhão do corpo de
Jesus — e a verdadeira comunhão do espírito do Cristo.
O primeiro evento ocorreu na noite da quinta-feira santa, o segundo, no domingo
de Pentecostes.
Da suposta transubstanciação do pão e do vinho no corpo e sangue de Jesus
derivaram as igrejas cristãs um dos seus erros mais funestos, através dos
séculos.
Da verdadeira comunhão do espírito de Cristo, na manhã do Pentecostes,
resultou a total transformação dos seus discípulos.
A suposta transubstanciação material, defendida pelos teólogos, não produziu
nenhum efeito espiritual em seus 12 neo-comungantes — mas a transformação
espiritual, no dia de Pentecostes, converteu não só os 12 apóstolos, mas,
segundo testemunho de mestre Lucas, 120 pessoas, inclusive as discípulas de
Jesus. E, pouco depois, 3000 pessoas aceitaram o Cristo, e, nos dias seguintes,
mais 5000 foram permeadas pelo espírito do Cristo. Bem dissera Jesus:
“Convém a vós que eu me vá embora, porque, se não me for, o espírito da
verdade não virá a vós.” Como se dissera: a presença visível do meu Jesus
material é um obstáculo para a vossa cristificação espiritual.
É que, nesse tempo, os discípulos do Nazareno estavam ainda imbuídos da
ilusão de um reino político, do qual Jesus seria o rei e eles, seus discípulos,
seriam os primeiros ministros, sentando-se “um à sua direita o outro à sua
esquerda, no Reino da sua glória.”
Esta concepção material do Reino do Cristo obstruía o caminho à verdadeira
concepção do Reino imaterial dele, que não era deste mundo.
Da mesma forma, a ingestão do pão e do vinho consagrados na Santa Ceia não
produziu nos discípulos o menor efeito espiritual. Pelo contrário, parece que essa
suposta “primeira comunhão” os tornou até piores: num deles entrou satanás, e
ele vendeu o Mestre por um punhado de vil metal, e depois, desesperado, se
suicidou — esse suposto neo-comungante. Outro negou vergonhosamente seu
Mestre, e todos os demais, a exceção de um só, fugiram covardemente,
abandonando o amigo e Mestre no momento do perigo.
Tal foi o efeito contraproducente da suposta primeira comunhão do cristianismo,
dada pelo próprio Cristo.
É deveras inaudita a audácia — para não usar de outra palavra — dos nossos
chefes eclesiásticos, afirmarem ainda depois de tudo isto que Jesus, na Santa
Ceia, tenha celebrado a primeira missa, ordenado os primeiros sacerdotes e
dado a primeira comunhão a seus discípulos. Audácia inaudita é também a
celebração periódica de Congressos Eucarísticos, nacionais e internacionais,
todos eles baseados na mesma suposição flagrantemente falsa. É um ludíbrio
da boa fé e da ingenuidade de milhões de cristãos induzi-los e mantê-los
acintosamente na crença de que Jesus, na Santa Ceia, tenha realizado a
transubstanciação e que o padre tenha o poder de fazer o mesmo através dos
séculos. 2
2. Com isto não queremos dissuadir nenhum cristão de praticar as cerimônias tradicionais,
referentes à Santa Ceia. O homem comum necessita de um símbolo material para externar um
simbolizado espiritual. O próprio Cristo deu ordem a seus discípulos de fazerem aquilo “em
memória dele.” O mal não está na repetição de ritos sagrados, mas sim na interpretação errônea
dos mesmos e na confusão dos símbolos com o simbolizado.
Nenhum homem pode fazer o que Jesus não fez. E, como já dissemos, é evidente que Jesus
não fez aquilo que os homens supõem — sob pena de atribuirmos à comunhão, à ordenação
sacerdotal e à primeira missa os efeitos mais desastrosos. E, se no primeiro século, na presença
do próprio Jesus, não houve efeito salutar, como aconteceria tal coisa em nossos dias?
A causa espiritualizadora tem de vir de outra fonte.
Entretanto, algo de grande e grandioso aconteceu, uns 50 dias depois, nesse
mesmo Cenáculo: a verdadeira comunhão do espírito do Cristo, sem nenhum
símbolo material de pão e vinho, mas em espírito e em verdade. E desta vez, na
gloriosa manhã de Pentecostes, o efeito foi salutar e duradouro: nenhum dos
presentes e Cristo-comungantes vendeu e traiu o Mestre, ninguém se suicidou,
ninguém o negou, ninguém o abandonou covardemente — todos esses 120
Cristo-comungantes proclamaram jubilosamente o divino Mestre como seu
Senhor e Rei, como o Rei Imortal dos séculos, do qual se confessaram vassalos
leais e corajosos arautos até à morte.
O verdadeiro cristianismo começou no dia de Pentecostes, quando os discípulos
do Nazareno comungaram o espírito do Cristo, quando não se basearam numa
ilusória transubstanciação material, mas na verdadeira transformação espiritual.
Quando compreenderão as igrejas cristãs esta verdadeira Eucaristia Crística?
Compreendê-la-ão quando se interessarem mais pela Verdade do Cristo do que
pelo poder do homem.
Esperamos que, com o ocaso do 2.º milênio da Era Cristã, desponte a alvorada
do novo milênio do triunfo do Cristo.
16
O Anti-Cristo da teologia
traindo o Cristo
do evangelho
Com o devido “Nihil Obstat” e “Imprimatur” da autoridade eclesiástica, foi
publicada, recentemente, no Rio de Janeiro, para todo o Brasil católico, a Bíblia
completa da Barsa, com numerosas ilustrações coloridas, intercaladas no texto
do Antigo e Novo Testamento.
As 23 ilustrações explicativas da missa e da comunhão representam uma hábil
e sutil camuflagem, porque fazem crer aos leitores ignorantes que estas
cerimônias litúrgicas sejam uma ilustração autêntica daquilo que Jesus fez na
Santa Ceia e que ele mandou repetir em todo o mundo e por todos os tempos.
Esta série de ilustrações é precedida das seguintes palavras: “Na noite que
precedeu sua morte, Cristo mudou pão e vinho em seu corpo e sangue e os
ofereceu ao Pai. Esta foi a primeira missa do mundo. Com as palavras fazei isto
em memória de mim, deu poder a seus apóstolos e seus sucessores no
sacerdócio para oferecerem o santo sacrifício da missa.”
Com esta explicação prévia e as 23 ilustrações, o católico que desconhece o
espírito do Evangelho e conhece apenas a letra da teologia, cai na ilusão de que
aquilo que os padres fazem no altar seja o cumprimento fiel da ordem de Jesus
dada na Santa Ceia. Se tal fosse verdade, deveríamos supor, como já dissemos,
que aquilo que Jesus disse e fez tenha, logo depois, provocado as mais
espantosas maldades da parte de seus discípulos. Nesta primeira missa,
considerada pela teologia como o sacrifício de Jesus no Calvário, o divino Mestre
se teria matado a si mesmo, e depois teria dado em alimento espiritual a seus
discípulos a carne e o sangue desse mesmo Jesus morto. E cada padre,
celebrando missa, repetiria, através dos séculos, esse Cristocídio e essa
Cristofagia, relembrando o mais degradante canibalismo dos judeus e de outros
povos de culto sanguinário.
Na verdade, porém, nada disto aconteceu no Cenáculo de Jerusalém, na quintafeira Santa. Missa, comunhão e ordenação sacerdotal são creações da teologia
eclesiástica, sem nenhuma base real no Evangelho do Cristo. Jesus não disse
missa, não fez ordenação sacerdotal, não deu comunhão a ninguém. Fez ver
apenas, através de uma maravilhosa parábola, que, assim como o pão e o vinho,
quando assimilados por nosso corpo, nos conferem forças vitais, do mesmo
modo a assimilação do espírito do Cristo, mediante a fé e o amor, dá vida nova,
e até vida eterna, ao homem. E deu ordem para que repetíssemos essa parábola
em memória dele, a fim de cristificarmos cada vez mais a nossa vida.
“Fazei isto em memória do Senhor, até que ele venha”, escreve Paulo de Tarso,
isto é, até que o Cristo venha em sua realidade espiritual, e não apenas em
símbolos materiais; por sinal que o apóstolo não supõe que o Cristo venha
realmente pelo pão e pelo vinho.
De resto, é intrinsecamente impossível que uma substância material, seja ela
qual for, possa conferir santidade espiritual, como o próprio Jesus fez ver aos
judeus na sinagoga de Cafarnaun, quando esses pensavam na ingestão material
do seu corpo e sangue: “As palavras que vos digo são espírito e são vida — a
carne de nada vale.”
Além disto, não consta que a incessante repetição da missa e da comunhão,
através dos séculos, tenha espiritualizado uma única pessoa — assim como, no
ano 33, não espiritualizou um só dos discípulos de Jesus.
Seria pretensão, da parte de cristãos, arrogarem-se o poder de fazer algo melhor
e mais eficiente do que o próprio Cristo fez. “Não está o discípulo acima do
Mestre.” Nunca nenhum objeto externo e nenhuma fórmula verbal conferiram
redenção e pureza à alma humana; toda a redenção e purificação vêm de dentro
do elemento divino do homem: “O que vem de fora não torna o homem impuro
(nem puro), mas somente aquilo que vem de dentro.”
Podemos, sim, repetir, em memória dele, o ritual simbólico da missa e
comunhão, “até que ele venha”, mas não podemos afirmar que algum discípulo
dele possa fazer o que o próprio Mestre não fez. Em vez disto devemos realizar
cada vez mais aquilo que Jesus chamou “o primeiro e maior de todos os
mandamentos”, bem como “o segundo mandamento semelhante ao primeiro”,
isto é, a mística do amor integral a Deus e a ética do amor universal aos homens,
porque “nestes dois mandamentos estão toda a lei e os profetas”, está a
quintessência de toda a religião e a síntese do verdadeiro cristianismo. Toda e
qualquer doutrina que confira monopólio de poderes mágicos a uma determinada
classe de homens sobre o resto da humanidade, é produto de egoísmo e
ambição humanos, tendente a estabelecer ditadura e tirania sobre consciências
alheias.
A mensagem do Cristo visa à experiência da paternidade única de Deus e à
vivência ética da fraternidade universal de todos os homens, incompatíveis com
as tendências ditatoriais e monopolizantes das teologias.
Compreende-se porque missa, comunhão e sacerdócio, apesar de acrísticos ou
anticrísticos, se tenham perpetuado através dos séculos de cristianismo: é que
representam o alicerce de todo o poder, prestígio e prosperidade de uma classe
dominante internacional, isto é, o triunfo do Poder do ego humano sobre a
Verdade do Eu divino, a vitória do Anti-Cristo sobre o Cristo, do Poder das Trevas
sobre a Luz do Mundo.
Até hoje, o Anti-Cristo continua a prometer a seus seguidores “todos os reinos
do mundo e sua glória”, contanto que se prostrem em terra e o adorem.
Nós, porém, repetimos com o Cristo: “Vai na minha retaguarda (vade retro) —
porque só a Deus adorarás e só a ele servirás.”
17
Jesus pani-presente — ou
Cristo oni-presente?
Em tempos idos, eu já fui celebrado no Brasil católico como sendo o campeão
da literatura eucarística. O meu livrinho “Mistério de Amor”, destinado a preparar
as crianças para a primeira comunhão, mereceu os mais altos louvores e uma
carta-prefácio da parte do então cardeal-arcebispo do Rio de Janeiro, D.
Sebastião Leme.
O meu livro “Esplendores Divinos”, escrito em comemoração do Congresso
Eucarístico da Bahia, me granjeou imensos louvores entre bispos, padres e os
católicos em geral.
Entretanto, o livro que, indubitavelmente, me elevou ao zênite da glória como
escritor católico foi o meu devocionário “Alma Eucarística”, escrito, quase de um
jato, durante o ano que passei na Universidade de Nápoles, e que se tornou um
best-seller espiritual.
Diante de Deus e da minha consciência confesso que tudo que disse, nestes e
em outros livros, disse-o com 100% de sinceridade e boa fé. Nem jamais
desdisse, na minha vida subsequente, o que dissera na minha juventude e
primeira maturidade. Nada desdisse — muito ultradisse, mais tarde. Quem diz
20, ou 30, ou 50, e, por fim, diz 100, não pode ser acoimado de ter desdito ou
negado o que anteriormente disse e afirmou.
Foi o que me aconteceu. Infelizmente, muitos queriam que eu parasse e
estagnasse no 20, 30 ou 50 daquele tempo, e, como avancei rumo ao 100,
tacharam-me de renegado e apóstata.
É que, para muitos, os caminhos velhos e batidos representam a única
segurança, no meio desse vasto e misterioso Cosmos metafísico e místico;
muitos não podem compreender que o homem não está errado pelo fato de
ultrapassar estradas batidas e caminhos asfaltados, e embrenhar-se em ínvias
florestas, trilhar desertos solitários e “navegar por mares nunca dantes
navegados.”
Minha fé num Jesus pani-presente na hóstia se alargou, aos poucos, na minha
experiência no Cristo oni-presente, consoante as palavras dele: “Estou convosco
todos os dias até à consumação dos séculos”, e “onde dois ou três estiverem
reunidos em meu nome estou no meio deles.”
É claro que a pessoa humana de Jesus de Nazaré não pode estar oni-presente
— mas o Verbo do Cristo divino pode estar oni-presente, assim como a luz
cósmica, a luz do mundo, está oni-presente.
Esse alargamento da parte-presença para a todo-presença é o mistério que
muitos não compreendem. Perguntei a uma senhora, de comunhão diária, qual
era a diferença entre a presença de Jesus na hóstia e a presença do Cristo por
toda a parte — e ela não soube dar resposta; finalmente, tentou fazer-me crer
que na hóstia havia “mais presença” do Cristo do que fora dela, mas não me
soube explicar em que consistia essa “mais presença.”
Pelos livros sacros, nenhum efeito espiritual consta do suposto Jesus panipresente — mas constam efeitos grandiosos do Cristo oni-presente, confirmando
o que ele mesmo dissera: “As palavras que vos digo são espírito e são vida — a
carne de nada vale.”
Pouco antes da sua ascensão disse ele a seus discípulos: “Convém que eu (o
Jesus físico) me vá embora, porque se não me for, o espírito da verdade (o Cristo
metafísico) não poderá vir a vós.”
Se esta presença do Cristo metafísico, que os seus discípulos comungaram no
Pentecostes, dependesse de ritualismos sacramentais, da parte de certa classe
de homens, hoje esta Cristo-comunhão espiritual, independente de terceiros,
seria tão conhecida e recomendada com a pani-comunhão, que depende dos
homens.
Não consta que um único homem se tenha tornado melhor pela suposta
comunhão material, pela ordenação sacerdotal e pela assistência à missa —
tudo que o Evangelho narra depois desses fatos — traição e suicídio de Judas,
negação de Pedro e fuga dos apóstolos — nos induz a crer que nada daquilo
que a igreja ensina, há quase 2000 anos seja mais eficiente. Mas, o que
aconteceu na Cristo-comunhão do Pentecostes, sem nenhuma pani-comunhão,
nem ordenação, nem missa, foi o início do verdadeiro cristianismo aqui na terra.
Quando a verdade redentora triunfará sobre o poder corruptor? Quando o
espírito vivificante triunfar sobre a letra mortífera!
18
O cristianismo temporário
e a cristicidade eterna
O Concílio Vaticano II marcou o início de uma derrocada sem precedentes.
Instituições de séculos, que pareciam eternas, se estão desmoronando como as
muralhas de Jericó; o que parecia edificado sobre rocha viva, se desfaz como
areia vã.
A Holanda, sob os auspícios dos seus chefes eclesiásticos, publica um
catecismo revolucionário, pondo em dúvida dogmas fundamentais, como a
Trindade de Deus, a infalibilidade do Papa, e a Eucaristia.
O Cardeal da Bélgica assume atitudes manifestamente anti-romanas.
O arcebispo da Bolívia resolveu distribuir aos pobres as imensas riquezas da sua
igreja.
D. Hélder Câmara, Arcebispo de Olinda-Recife, proclama uma igreja
anticapitalista com ares de socialismo.
Milhares de padres zombam da lei do celibato, introduzido no século 11 pelo
monge cisterciense, o Papa Gregório Magno; milhares de padres fazem agora
publicamente o que, outrora, só faziam clandestinamente, porque a lei canônica
proibia, sob excomunhão, que deixassem num cartório, preto sobre branco, a
prova das suas relações sexuais.
Uma onda de protestos, de padres e bispos, se ergueu contra a Encíclica
Pontifícia Humanae Vitae, contrária à limitação da natalidade.
As palavras do Cristo “sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as potências
do inferno não prevalecerão contra ela” — palavras até agora aplicadas à
organização externa da igreja — estão sendo desmentidas pela própria igreja
em progressiva decadência.
Felizmente, ao mesmo tempo surge, aqui e acolá, outro tipo de ekklesía, não de
fabricação humana, mas de creação divina: a verdadeira igreja do Cristo, contra
a qual não prevalecerão as potências do erro e do mal, não uma sociedade
quantitativa, mas uma individualidade qualitativa. Todo homem que tenha
experiência direta da realidade de Deus e do Cristo, é rocha viva, e o edifício
sobre ela construído desafia todas as potências negativas.
Há quase 2000 anos que o divino mestre encerrou o mais grandioso documento
de espiritualidade, o SERMÃO DA MONTANHA, com as palavras: “Todo aquele
que ouve estas palavras e as pratica é como um homem sábio que construiu a
sua casa sobre rocha; desabaram aguaceiros, transbordaram os rios, sopraram
os vendavais e deram de rijo contra essa casa, mas ela não caiu, porque estava
construída sobre rocha. E todo aquele que ouve estas minhas palavras e não as
pratica é como um homem insensato que construiu a sua casa sobre areia;
desabaram aguaceiros, transbordaram os rios; sopraram os vendavais e deram
de rijo contra essa casa e ela caiu e foi grande a sua queda.”
A importância não está em “ter ouvido” as palavras de sabedoria do Mestre, mas
sim em “praticar” o seu conteúdo. Há séculos que a cristandade está ouvindo as
palavras do Cristo — mas apenas uma pequena elite pratica, realizando na vida
de cada dia, a suprema sabedoria do Mestre.
Somente aquele que assimila a alma do Evangelho e com ela identifica a sua
vida e vivência diária, construiu sua casa sobre alicerce de rocha viva. Essa
vivência crística não é um fenômeno meramente externo, coletivo; não é alguma
sociedade ou organização estruturada em artigos e parágrafos; não e apenas
um dever compulsório, mas sim um querer espontâneo, baseado num
compreender profundo, na intuição experiencial da eterna realidade divina.
A humanidade-elite, deste fim do segundo milênio da era cristã, está se
aproximando de uma nova fronteira, de um marco milenar na sua longa estrada
evolutiva: a humanidade-elite, essa pequena ekklesía, está compreendendo que
a mensagem do Cristo exige uma compreensão individual, uma experiência
interna e intuitiva, uma sapiência básica, um saboreamento profundo da
presença de Deus no homem e no mundo.
Por demais temos insistido em simples regulamentos externos e prescrições
sociais e por de menos temos frisado a importância duma experiência interna e
individual.
Muitos sabem falar de Deus.
Alguns até sabem falar com Deus.
Mas quase ninguém sabe calar perante Deus para que Deus lhe possa falar —
e onde Deus não fala ao homem não há rocha viva em que construir a casa da
sua vida.
O divino Mestre pôs em primeiro lugar esta vivência íntima e individual com
Deus, que ele chama o primeiro e maior de todos os mandamentos. Os seus
discípulos, porém, inverteram a ordem e trataram em primeiro lugar de
organizações sociais. Ritualismos sacramentais, intelectualismos doutrinários
não podem substituir a experiência individual do espírito do Cristo e da presença
de Deus. Urge que voltemos ao Cristo do Evangelho.
Quando os primeiros discípulos de Jesus, depois do Pentecostes, viram que o
cristianismo se desdobrava em ágapes e atividades sociais, ficaram apavorados
e disseram: “Não convém que nós sirvamos às mesas; vamos nomear uns
diáconos (serventes) para esse fim — nós, porém, vamos dedicar-nos à oração
e à proclamação da palavra de Deus.” À luz do Espírito Santo compreenderam
eles que o Evangelho do Cristo não é em primeiro lugar um fenômeno social, por
mais recomendável que este seja, mas sim uma consciência individual, uma
experiência mística, que, infalivelmente, transbordará em vivência ética. Sabiam
que “toda a árvore boa produz frutos bons”, que toda a experiência mística da
paternidade única de Deus se manifestará em vivência ética da fraternidade
universal dos homens.
A cristandade cometeu o erro de querer construir as paredes e o telhado da casa
— e se esqueceu das fundações e dos alicerces — e eis que agora, no período
de grandes tempestades e de caos universal, o edifício está ameaçando ruína
— e será grande essa ruína.
O nosso brado de alerta e de alarme pode ser malsinado por muitos — porque
“o número dos estultos é infinito”, como há 3000 anos escreveu Salomão — mas
uma pequena elite de sapientes preferirá sofrer verdades austeras a divertir-se
com deliciosas ilusões.
Pequenas verdades se podem dizer a muitos.
Grandes verdades só se podem dizer a poucos.
Grandes verdades nunca se podem dizer a muitos.
* * *
Essa diferença entre rocha e areia — que, na filosofia cósmica chamamos o Eudivino e o ego-humano — subjaz a muitas passagens do Evangelho. Já no 5.º
século teve Santo Agostinho um sermão genial sobre essa bipolaridade no
homem Eu-ego, quando comentava as palavras que Jesus disse a Pedro, o qual
acabava de confessá-lo como sendo “o Cristo, Filho de Deus vivo.” Respondeulhe Jesus: “Bem-aventurado és tu, Simão Pedro, porque não foi a carne e o
sangue (o ego-humano) que te revelou isto, mas sim meu Pai que está nos Céus
(o Eu divino). E eu te digo: Tu és kepha, e sobre este kepha edificarei a minha
ekklesía, e as potências do inferno não prevalecerão contra ela.”
Em hebraico, kepha significa tanto Pedro como pedra.
Santo Agostinho faz ver que Jesus não edificou a sua ekklesía sobre a
personalidade humana de Pedro, que ele chama “carne e sangue”, e, pouco
depois, repreende como sendo “satan”; mas edificou-a sobre a individualidade
divina que estava em Pedro e à qual fora feita a revelação de que Jesus era o
Cristo, Filho de Deus vivo. Contra esse Eu divino em Pedro, que é rocha viva,
porque substância divina, não prevaleceriam as potências do erro e do mal, que
tem origem no ego-humano.
Esta visão genial que, já no 5.º século, teve o “doutor da graça”, não foi
oficialmente aceita pela hierarquia eclesiástica, porque sobre esta verdade não
se pode construir uma poderosa hierarquia, da qual necessitava o clero; porque
a hierarquia é do poder humano, e não da verdade divina. Embora este sermão
genial conste das edições das obras completas de Santo Agostinho — tenho
diante de mim a edição crítica de Migne, Paris, 1877, feita sob os auspícios dos
padres beneditinos — a hierarquia eclesiástica, para não destruir o fundamento
do seu próprio poderio, não aceita a interpretação do grande luminar da igreja
ocidental. É que a pessoa humana (carne e sangue, satan) de Pedro teria
sucessores, no plano horizontal, ao passo que a sua individualidade divina, na
dimensão vertical, não tem sucessores. O Eu divino de Pedro, que Jesus chama
pedra ou rocha (kepha) que recebeu a revelação divina, nunca teve nem terá
sucessores através da história; a verdade é a vertical divina do Eu. O Eu divino
de Pedro, a pedra, nunca teve um único sucessor, porque não há um Eu
repetível. E por isto cai por terra toda esta deslumbrante teologia “dos
sucessores de Pedro”. A nenhum destes “sucessores” coube a promessa de que
as potências do inferno não prevaleceriam contra eles. Uma vez que esta
promessa não foi feita ao ego humano de Pedro (carne e sangue, satan), mas
sim ao Eu divino, a pedra do seu Eu divino.
Aliás, mais tarde esse mesmo ego-humano de Pedro mente dizendo que não é
discípulo do Cristo, jura que não conhece esse homem, e roga praga sobre si se
é verdade que ele é discípulo do Nazareno. É evidente que esse satan, essa
ego-personalidade humana, não podia ser fundamento da ekklesía do Reino de
Deus sobre a terra, como muito bem reconheceu Santo Agostinho.
Toda a vez que, no texto latino, ocorre a palavra ecclésia (em português: igreja),
no texto grego do primeiro século está ekklesía, substantivo formado de ek (ex,
fora) e kaléo (vocar, chamar), que poderíamos traduzir por evocação ou
evocados. A ekklesía representa o pequeno grupo, o escol, a elite daqueles que,
além de vocados ou chamados, foram também evocados ou escolhidos; os que
responderam livremente à evocação e se tornaram os evocados. A idéia de
ekklesía, como se vê, não é um conceito de massa, mas de elite: todos são
chamados, mas nem todos respondem a esse chamamento; só estes últimos, os
vocados evocados, é que pertencem à alma da igreja, o Reino de Deus sobre a
face da terra.
A verdadeira igreja foi edificada sobre a rocha viva desses evocados, e por isto
a ekklesía, edificada sobre o Eu divino, o Pai, a Rocha, não pode sucumbir às
potências do erro e do mal. Podem todas as facticidades materiais e sociais da
igreja dos egos perecer e sucumbir — a Realidade divina do Eu é indestrutível,
porque não é produto de carne e sangue, mas é a revelação do Pai, que é a
realidade divina em cada homem.
É de urgente necessidade que a cristandade retorne ao Cristo do Evangelho e
legue a seus herdeiros do Terceiro Milênio este tesouro genuíno e autêntico do
início do primeiro milênio da Era Cristã.
19
A tragédia de duas
palavrinhas
“Quem crer e for batizado será salvo — quem não crer será condenado.”
“A tal ponto amou Deus o mundo que lhe enviou seu Filho Unigênito, para que
todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.”
Nestas e em outras traduções similares do Evangelho, se atribui a salvação ao
“crer”. Daí nasceu a idéia de um vasto setor do cristianismo ocidental de que a
salvação dependa de um ato de crença. Há quatro séculos, todo o
protestantismo atribui a salvação a esse “crer”.
Acontece, porém, que no texto grego do primeiro século, não se fala em “crer”,
mas em “ter fé”. O substantivo grego “pistis”, que em latim é “fides”, e em
português “fé”, tem o verbo “pisteuein” mas a palavra latina “fides”, ou o vocábulo
português “fé” não têm verbo, que seria “ter fé” (ou, possivelmente, “fidelizar”); o
nosso verbo “crer” foi derivado de outro radical, do latim “credere”. E este verbo
“crer” foi tomado como equivalente e substituto de “ter fé” — e com isto começou
o grande equívoco, que, há diversos séculos, está deturpando o Evangelho do
Cristo.
É justo que se atribua a salvação à fides, radical de fidelidade, que designa uma
atitude de harmonia e sintonização da natureza humana com o espírito de Deus
ou do Cristo — mas é totalmente ilusório que um simples ato de crer seja causa
de salvação. Crer indica um ato transitório, intelectual-volitivo, do ego humano
— mas ter fé, fidelidade, designa uma atitude permanente, um modo-de-ser do
Eu divino, de toda a natureza humana, designa uma sintonização, uma
harmonização, uma alta fidelidade do homem integral com Deus ou o Cristo, que,
em si mesmo, já é redenção ou santificação.
Esta fides ou fidelidade do homem integral equivale ao “fermento do Reino de
Deus” que leveda “as três medidas de farinha” do homem mental, emocional e
material.
Esta fidelidade ou fé é idêntica ao “primeiro e maior de todos os mandamentos”,
isto é, a uma total sintonização do homem com o espírito de Deus.
É evidente que esta total harmonização do homem espiritual-mental-emocionalcorporal equivale a redenção ou salvação. Mas isto nada tem que ver com um
superficial e transitório ato de crer, que designa algo vago e incerto, como quem
diz “creio que vai chover... creio que fulano morreu”, ao passo que ter fé ou
fidelidade designa uma completa e permanente transformação da natureza do
homem total.
* * *
Outra palavra trágica é o vocábulo “batismo”, ou “ser batizado”. Baptizein é o
verbo grego para “mergulhar”. João mergulhava os pecadores adultos (não as
crianças) nas águas do Jordão. Não era esse mergulho físico que lavava os
pecados, mas era um símbolo material que dramatizava um simbolizado
espiritual, que se supunha já haver ocorrido. Assim, João exigia dos ricaços uma
metánoia (transmentalização) prévia, que consistia em que repartissem as suas
riquezas com os pobres; exigia dos soldados romanos que se contentassem com
o seu soldo e não praticassem violência contra ninguém, e depois dessa
conversão interna, dessa transmentalização, João lhes ministrava o rito duma
confirmação externa.
Jesus diz claramente aos seus apóstolos que João apenas mergulhava os
homens na água, mas que eles serão mergulhados no fogo do espírito santo,
como de fato aconteceu no dia do Pentecostes. Não consta que alguém, depois
de água-mergulhado, tenha mudado de vida — mas sabemos que os espíritomergulhados no dia de Pentecostes, passaram de uma vida de pecadores para
uma vida de cristificados.
Um jovem pastor fez um sermão sobre o texto “crer e ser batizado”, e, no fim,
pergunta ele aos seus ouvintes: “Vós credes?” e todos respondem “cremos”, “já
fostes batizados?” — resposta: “fomos”. E então conclui o pregador: “Somos
todos salvos, aleluia.”
E com esta deturpação está sendo iludida a cristandade há diversos séculos.
Se o pregador conhecesse a verdade e perguntasse: “Já estabelecestes perfeita
fidelidade e sintonia entre a vossa vida e o espírito de Deus? e já mergulhastes
todo o vosso ser espiritual, mental, emocional e corporal, nessa experiência
mística pela vivência ética?” ninguém, provavelmente, poderia responder com
um afoito “sim” e considerar-se definitivamente salvo. Se os ouvintes falassem a
verdade, haveria um silêncio profundo no auditório, porque ninguém poderia
afirmar em consciência que sua vida espiritual e moral estivesse harmonizada
com o espírito de Deus por um simples ato de crença. Mas é fácil e jocoso o
homem se consolar com esse superficial processo de “crer e ser batizado”. E
tanto os ilusores como os iludidos estão no caminho da perdição — guias cegos
guiando outros cegos.
Se a salvação fosse brincadeira tão fácil como “aceitar Jesus como seu salvador
suficiente”, por um ato de crença, todos já estariam salvos e poderiam até tirar
um certificado devidamente carimbado e com firma reconhecida, da sua
salvação.
Mas... estreito é o caminho e apertada é a porta que conduzem ao Reino dos
Céus...
Mahatma Gandhi foi frequentemente bombardeado pelos missionários cristãos
para aceitar o cristianismo deles; mas o grande místico respondia a todos eles:
“Aceito o Cristo e seu Evangelho — não aceito o vosso cristianismo.” Um desses
missionários chegou ao ponto de dizer a Gandhi que ele, de vez em quando,
cometia pecado de propósito, a fim de se robustecer cada vez mais na certeza
de que a sua salvação não vinha das suas boas obras, mas tão-somente da
aceitação de Jesus Cristo como seu redentor único e suficiente.
Aceitar o Cristo é fácil — viver o Cristo, isto é um problema de imensa gravidade.
Crer em Cristo, qualquer pecador o faz — ter fé ou fidelidade com o Cristo, isto
é um problema para toda a existência humana.
E mais difícil ainda é mergulhar totalmente, pela ética de cada dia, nessa
fidelidade mística da fé. Ser mergulhado no fogo do espírito santo...
20
O contrabando da Imaculada
Conceição
Uma das maiores deturpações de que foi vítima a mensagem do Cristo é, sem
dúvida, o dogma teológico da Imaculada Conceição de Maria. Felizmente, essa
deturpação, em forma oficial, começou apenas em 1854, quando o Papa Pio IX
decretou esse dogma anti-crístico.
Mas, antes de tratarmos desta aberração em si, vamos mencionar a confusão
hilariante que milhares e milhões de ignorantes — inclusive ignorantes eruditos
— fazem entre a idéia da Imaculada Conceição e a da maternidade virginal de
Maria. Segundo a teologia oficial da igreja católica, Imaculada Conceição não é
o fato atestado pelos Evangelhos de Mateus e Lucas, de que Maria concebeu
Jesus sem a intervenção física de um homem, mas foi fecundada
misteriosamente pelo “Poder do Alto”, o que, na teologia católica, se chama
concepção virginal, ou maternidade virginal de Maria. Esta concepção virginal,
referida pelos Evangelhos, nada tem que ver com a idéia da Imaculada
Conceição, como os ignorantes falsamente supõem e eruditamente escrevem.
A Imaculada Conceição, segundo a teologia católica, se refere ao fato de ter
Maria sido preservada, ao ser gerada por seus pais Joaquim e Ana, da (suposta)
mancha do pecado de Adão que todo o resto da humanidade teria herdado
automática e inconscientemente do primeiro homem. Sendo que o primeiro
teólogo do cristianismo, do primeiro século, foi um ex-rabino da sinagoga de
Israel, convertido, introduziu ele no cristianismo este conceito do pecado original,
que teria contagiado todos os descendentes de Adão. Jesus nada sabe desse
tal pecado que teríamos herdado, como já demonstramos em outra parte.
Ninguém pode herdar um pecado de outrem. Jesus considera todo o ser
humano, desde a concepção, como filho de Deus, e não filho de satanás, como
inventou a teologia judaica e aceitou a teologia eclesiástica, em flagrante conflito
com a mensagem do Cristo. O nosso cristianismo teológico é, pelo menos neste
particular, a negação radical do Evangelho do Cristo.
Mas, convinha ao clero da sinagoga, como convém ao clero da igreja, professar
a natural satanidade do homem, para que o clero, da sinagoga do passado e da
igreja do presente, pudesse des-satanizar gloriosamente o homem satanizado e
fazer de um filho do diabo um filho de Deus. Pois, é evidente que esta dessatanização do homem e sua divinização por intervenção sacerdotal circunda de
uma auréola sobrenatural o sacerdote, quer da sinagoga do passado, quer da
igreja do presente.
No tempo de Israel, a lei de Moisés des-satanizava o homem satanizado — hoje,
é o padre, mediante um pouco de água e uma formula ritual, que des-sataniza a
alma da criança (ou do adulto) do poder de satan, como consta pelo cerimonial
do batismo, onde o batizante, soprando no rosto da criança, diz: “Sai dela,
satanás, e dá lugar ao Cristo.” E satanás, expulso pelo poder do padre
onipotente, tem de sair da alma e ceder lugar ao Cristo.
Esta palhaçada blasfema está sendo praticada há séculos, no cristianismo
teológico, em nome do Cristo, que nunca se referiu a essa suposta possessão
satânica da alma humana.
Aqui temos uma das provas mais típicas de que a ambição do poder clerical
derrotou a verdade do Evangelho do Cristo — clerocracia versus Cristocracia!
Segundo o Evangelho do Cristo, todos os homens são de imaculada conceição,
todos foram concebidos como filhos de Deus, porquanto “toda a alma humana é
crística por sua própria natureza.” Por isto Jesus nunca mandou batizar uma
criança, nem João Batista mergulhava crianças nas águas do Jordão, mas tão
somente pecadores adultos, por sinal que não admitia que crianças fossem
pecadores. O pecado é o abuso do livre-arbítrio, e onde não há livre-arbítrio em
função, não há pecado. Para João e para Jesus, toda a criança é de imaculada
conceição. Mas a clerocracia internacional conseguiu estabelecer a crença
quase mundial de que todo o ser humano nasce e foi concebido em pecado e
necessita de ser purificado dessa nódoa hereditária pela intervenção do clero.
É deveras estranho e enigmático esse domínio internacional do judaísmo, não
só no plano das finanças e da ciência, mas até na zona da religião, e
precisamente, no chamado cristianismo, que o judaísmo detesta. As nossas
teologias cristãs não são crísticas, mas tipicamente judaicas. Assim como a
sinagoga de Israel contaminou as igrejas cristãs com a idéia da redenção pelo
sangue, assim também as mistificou com a absurdidade anti-crística do pecado
original.
Somente uma única pessoa humana, Maria (não falando de Jesus), teria nascido
como filha de Deus, teria gozado o privilégio da imaculada conceição — quando,
segundo o Evangelho, todos os homens são de imaculada conceição.
É de imperiosa necessidade que a cristandade, pelo menos agora, quase na
alvorada do 3.º milênio, se emancipe da infecção do judaísmo e volte à perfeita
saúde e sanidade da pura e autêntica mensagem do Cristo.
É de imperiosa necessidade, que, dentro do nosso cristianismo judaizado e
judaizante, se forme pelo menos uma pequena elite de cristianismo crístico e
cristificante, elite que possa atuar como um “fermento do reino de Deus”, a fim
de levedar a massa circunjacente e oferecer à nova humanidade a herança pura
e genuína do maior gênio espiritual de todos os tempos.
21
Respeito ou desrespeito
à vida humana
Um dos aspectos característicos da mensagem do Cristo é o seu respeito
incondicional à vida humana.
Quando Pedro quis defender o Mestre, injustamente agredido no horto das
Oliveiras, Jesus o proibiu terminantemente; nem sequer permitiu que ferisse os
agressores e curou a orelha de Malco decepada pelo impetuoso defensor.
Quando os discípulos Tiago e João pediram permissão para mandarem vir fogo
do céu sobre os samaritanos inóspitos, o Mestre os repreendeu severamente.
Na parábola do joio no meio do trigo, o Nazareno faz ver que nenhum homem
tem o direito de exterminar os maus em benefício dos bons, uma vez que os
maus, quando atingirem o fim da sua evolução, se extinguirão a si mesmos.
Apesar de tudo isto, não faltou ao cristianismo quem defendesse o direito de
matar os maus para que sobrassem tão-somente os bons — os bons matadores.
Houve mesmo quem chegasse ao ponto de justificar essa aberração anti-crística
com um apelo às palavras do próprio Cristo: “Quem com a espada fere, com a
espada será ferido”, e, com esse evidente sofisma pretendem até sacerdotes
justificar a pena de morte, quando Jesus com essas palavras apenas constatou
que assim costuma acontecer entre os homens pecadores, sem ele recomendar
o homicídio.
O direito de homicídio é doutrina oficial de uma poderosa igreja que se diz
continuadora do Evangelho do Cristo. Já mostramos que, desde o início, os
chefes do cristianismo eclesiástico contrariaram o espírito do Cristo, matando
milhares de homens nas Cruzadas, e, mais tarde, na Inquisição. Já fizemos ver
que Tomás de Aquino, com aprovação eclesiástica, justifica a matança no caso
de justa defesa, de guerra justa, da pena de morte por parte da autoridade civil
e a condenação à morte de hereges impenitentes por parte do magistério
eclesiástico.
Anos atrás, um jesuíta alemão padre Gundlach, que foi confessor do Papa Pio
X, publicou um livro intitulado “Cristianismo e Comunismo”, no fim do qual o autor
pergunta: Qual seria nosso dever de consciência no caso que o comunismo
tomasse conta do mundo e ameaçasse destruir o cristianismo? E a resposta dele
é a seguinte: Todo o cristão teria obrigação em consciência de exterminar os
comunistas, porque dos males se deve escolher o menor, e o menor dos males
seria a matança de todos os comunistas do que o extermínio do cristianismo da
face da terra.
É com semelhantes sofismas anti-crísticos que a teologia costuma trabalhar. O
autor do citado livro chama “Cristianismo” a organização eclesiástica da sua
igreja, como se essa organização fosse o Reino de Deus sobre a face da terra.
Nos três primeiros séculos não havia nenhuma organização eclesiástica, e o
Cristianismo das catacumbas era o Reino de Deus em toda a sua glória; o
Império Romano não conseguiu extinguir o Cristianismo, embora não houvesse
organização de espécie alguma. O Cristianismo é o Cristo vivo na alma do
homem, contra o qual nenhum poder político-militar pode prevalecer, “as
potências do inferno não prevalecerão contra ele.”
Mas, se o homem matar outro homem, ou até exterminar um povo inteiro, então
ele mesmo matou o Cristianismo dentro de sua alma, embora lá fora seja gloriosa
a organização da sua igreja.
O que o padre jesuíta Gundlach ensina no seu livro é o que eu chamo “hastear
a bandeira do Cristo sobre o quartel-general do Anti-Cristo.”
É certo que, em nenhum desses casos, Jesus permitiria a morte, nem sequer a
permitiu em caso de justa defesa, quando a nós nos parece tão razoável que um
homem injustamente agredido tenha o direito de antes matar o injusto agressor
do que deixar-se matar por ele. E, no plano do ego, parece razoável esta filosofia,
como provam todas as legislações civis do mundo. Mas, convém não esquecer
que o Evangelho do Cristo não opera na dimensão horizontal do ego, e sim na
dimensão vertical do Eu. O Sermão do Monte é, todo ele, um absurdo, quando
considerado à luz do “direito” que é do ego, e não à luz da “justiça”, que é do Eu.
Que a sociedade civil tenha substituído a justiça pelo direito é compreensível —
mas o que é de suma estranheza é que as próprias teologias cristãs, que
deveriam orientar-se pelo Evangelho do Cristo, reneguem o espírito do divino
Mestre para seguirem a letra da lei humana, totalmente esquecidas de que “a
letra mata, mas o espírito dá vida.”
É, pois, indispensável que retornemos, pura e simplesmente, ao Cristo do
Evangelho.
22
Como realizar a mensagem
do Cristo
Se é verdade que no primeiro mandamento da mística divina, revelada no
segundo mandamento da ética humana, consistem toda a lei e os profetas, como
declara o Cristo — então é evidente que o verdadeiro discípulo do Nazareno
deve praticar, em toda a sua plenitude, essa mística divina revelada em ética
humana. Se, além destes dois mandamentos, alguém quiser praticar os usos e
costumes de sua igreja ou seita, poderá fazê-lo, contanto que nenhuma das suas
teologias e ritualismos entre em conflito com os dois mandamentos essenciais
do Mestre, ou pretenda substituí-los.
Pergunta-se: como praticar sobretudo o mandamento da mística divina, que é a
base e fonte de toda ética humana. Como, no meio deste tropel da vida moderna,
pode um homem “amar o Senhor seu Deus com toda a sua alma, com toda a
sua mente, com todo o seu coração e com todas as suas forças”?
Neste primeiro e maior de todos os mandamentos, que é a quintessência do
Evangelho, aparecem quatro palavras, consubstanciando a natureza total do
homem: alma, mente, coração e forças do corpo. Se o amor se referisse apenas
à alma, à faculdade espiritual do homem, seria assaz compreensível esse
mandamento. Mas o Mestre exige que o amor a Deus abranja o homem integral:
espiritual, mental, emocional e corporal.
Os yoguis do Oriente diriam que o homem deve praticar jnani-yoga (espiritual),
raja-yoga (mental), bhakti-yoga (emocional) e hatha-yoga (corporal),
compreendendo assim o homem total.
Quer dizer que não se trata de algum exercício de espiritualidade em alguma
hora devocional — trata-se de uma radical transformação da natureza total do
homem. Essa metamorfose, sob o impacto do espírito ou da alma, deve penetrar
e transformar também os pensamentos da mente, as emoções do coração, e até
a vitalidade do corpo. O “fermento do Reino de Deus”, que é o Eu divino do
homem, deve “levedar as três medidas” do ego-humano. O homem, assim
permeado pelo fermento divino, não pode mais pensar, querer e agir como antes
pensava, queria e agia. O Mestre não se contenta com retoques superficiais,
com “remendo novo em roupa velha”; ele exige uma “nova creatura em Cristo.”
Para que o homem integral possa amar a Deus deste modo, como o Cristo exige,
deve ele ter experiência de Deus em sua natureza integral.
Mas, como pode o homem ter esta experiência quadrúplice, que o Mestre chama
o “primeiro e maior de todos os mandamentos”?
Aqui, o homem ocidental esbarra, certamente, com um grande enigma, com um
obstáculo aparentemente insuperável. De fato, nas circunstâncias habituais em
que vive o homem profano do ocidente, não pode ele amar a Deus com a
totalidade da sua natureza. Amar supõe ter a consciência daquilo que se ama —
e como pode o homem ter consciência de Deus com a totalidade do seu ser?
Para tornar possível esse amor integral, é necessário que o homem passe por
uma “iniciação”, por um novo início, e não se contente com velhos continuísmos.
O nosso ego personal está disposto, quando muito, a passar do pólo negativo
da sua horizontalidade para o outro pólo positivo desse plano; está disposto a
converter o seu ego-vicioso num ego-virtuoso, a “por remendo novo em roupa
velha”, na expressão do Mestre. Mas esse continuísmo horizontal do ego-vicioso
para o ego-virtuoso não resolve o problema, não faculta o cumprimento do
primeiro e maior de todos os mandamentos, que é de absoluta verticalidade.
Nenhum homem pode, realmente, atingir Deus, conquistar Deus, possuir Deus
— mas Deus pode atingir o homem, conquistar o homem, possuir o homem. É
flagrantemente contraditório e impossível que a creatura invada o Creador, que
o finito atinja o Infinito, que o menor alcance o maior — mas não é impossível
que o Creador invada a creatura, que o Infinito atinja o finito, que o maior alcance
o menor.
Deus pode invadir o homem, suposto que o homem seja invadível.
E é precisamente aqui que jaz o maior mistério e, infelizmente, também o maior
obstáculo: o homem, enquanto se identifica ilusoriamente com o seu pobre egohumano, não permite que Deus o alcance, o conquiste, o invada.
Segue-se que Deus só pode invadir o homem que não se identifique com o seu
ego-humano, mas que supere definitivamente esta velha e funesta ilusão de ele
ser o seu ego, o seu corpo, o seu intelecto, os seus desejos, porque este conjunto
das suas periferias perfazem o seu ego-ilusório, que obstrui o caminho para o
Eu verdadeiro, a alma.
Segue-se que nenhum homem pode ser invadido por Deus e Cristo-remido,
enquanto ele não se identificar conscientemente com o seu centro e cerne divino,
que no Evangelho aparece como sendo o Pai, o Cristo, a Luz, o Reino de Deus,
o Tesouro Oculto, a Pérola Preciosa.
Como realizar esta consciência de Cristo-identificação?
Esta consciência de que “eu e o Pai somos um” acontecerá espontaneamente
ao homem que abra o caminho e os canais para esta Teo-plenitude — a tarefa
do homem consiste unicamente em abrir os canais, remover os obstáculos
creados pelo ego — e a Teo-plenificação lhe acontecerá infalivelmente. Segundo
leis eternas, a Teo-plenitude plenificará infalivelmente a ego-vacuidade. É o que,
com palavras dos livros sagrados, se exprime deste modo: “Deus resiste aos
soberbos (ego-plenos), mas dá sua graça aos humildes (ego-vácuos).” Ou seja,
com as palavras do Cristo: “As obras que eu faço não sou eu (ego) que as faço
— é o Pai em mim (Eu) que faz as obras; de mim mesmo (pelo ego) eu nada
posso fazer.”
A fim de se habituar a esse ego-esvaziamento, deve o homem isolar-se,
periodicamente, no seu Eu-divino, eclipsando toda e qualquer consciência do
seu ego-humano. Todos os grandes iniciados praticavam esses períodos de
ego-esvaziamento, a fim de darem oportunidade à Eu-plenificação, que é a
consciência do Pai, do Cristo, da Luz, do Reino de Deus no homem.
Os principiantes nessa arte suprema devem procurar lugares apropriados
(ashrams, casas de retiro espiritual), onde, sob a direção de um Mestre espiritual,
possam crear esse ambiente propício à invasão do espírito de Deus. Mais tarde,
quando devidamente consolidados nesse espírito, podem voltar ao meio do
mundo e da sociedade, sem, perderem a consciência da sua união com Deus.
Sem esse encontro consigo mesmo, nenhum homem realizará o seu encontro
com Deus, que é a razão-de-ser da sua existência terrestre.
O primeiro Retiro Espiritual da Cristandade foram os 9 dias de interiorização que
120 discípulos e discípulas de Jesus, incluindo os apóstolos, fizeram desde o dia
da Ascensão até o Pentecostes, no cenáculo de Jerusalém. Este Retiro Espiritual
foi, propriamente, o início do Cristianismo, porque dele saíram 120 homens e
mulheres plenamente cristificados. A maior parte dessa seleta ekklesia não
estivera presente na santa Ceia da quinta-feira, onde, segundo as nossas
teologias, Jesus teria dado a primeira comunhão a seus discípulos, mas sem
nenhum resultado espiritual. A verdadeira comunhão crística ocorreu na manhã
de Pentecostes, após 9 dias de intensa interiorização, quando os componentes
deste grupo “perseveraram unânimes em oração”, como escreve Lucas nos
“Atos dos Apóstolos.”
Durante estes vinte séculos, a Cristandade se esqueceu grandemente de que a
verdadeira cristificação não começa de fora, com organizações visíveis, mas sim
de dentro, pela intensa conscientização da presença de Deus.
23
O mistério do amor integral
Uma vez que o Cristo centraliza todo o problema da realização do homem no
Amor Integral — alma, mente, coração e forças do corpo — que ele chama “o
primeiro e maior de todos os mandamentos”, surge a pergunta: Como pode o
homem realizar em si esse amor quadrúplice, que abrange a natureza total do
homem?
Muitas pessoas devotas, é verdade, pensam e afirmam que amam a Deus deste
modo, e os devocionários falam a cada momento desse amor.
Entretanto, será possível que alguém ame realmente algo ou alguém? Pode o
homem amar realmente um objeto, uma pessoa ou uma entidade alheia a ele
mesmo?
Uma investigação mais profunda nos diz que isto é impossível, uma vez que
amor é uma auto-afirmação, para não dizer amor-próprio, que muitos confundem
com egoísmo.
Os livros sacros têm razão em dizer que “Deus ama a si mesmo com Infinito
amor.” E, se Deus ama as suas creaturas, como afirmam os livros sacros, só as
ama porque elas são essencialmente idênticas a ele mesmo, embora
existencialmente diferentes dele. Se não houvesse entre o Creador e a creatura
uma identidade essencial, a despeito de todas as alteridades existenciais, seria
absolutamente impossível que o Creador amasse as suas creaturas, porque o
amor é auto-afirmação, e não alo-afirmação.
Quer dizer que o amor alheio está baseado no amor-próprio, o amor à creatura
radica no amor com que o Creador se afirma a si mesmo. Se Deus não se
amasse a si mesmo, não poderia amar as suas creaturas, que são
manifestações finitas da essência Infinita.
Auto-afirmação ou amor-próprio não é egoísmo, é santidade, é afirmação da
mais alta realidade metafísica e ontológica da Divindade. Amor-próprio só seria
egoísmo vicioso, se o divino Amante excluísse do seu amor as creaturas
amadas. Mas, neste caso as creaturas não existiriam; o amor de Deus é que as
faz existirem por transbordamento do seu próprio auto-amor. Egoísmo é um
amor-próprio exclusivista, mas, quando o amor-próprio é inclusivista, ele é
verdade e santidade. Por isto, devemos amar o próximo como a nós mesmos.
Não se pode conceber um Deus não-Creador, um Deus de pura identidade
isolada e estéril, sem a fecundidade das suas alteridades creadas, um Deus
auto-amante sem as suas creaturas alo-amadas.
Todas as creaturas alo-amadas radicam e convergem no Creador auto-amante;
todas as existencialidades finitas estão focalizadas na essencialidade Infinita.
Da Essência Infinita tudo vem.
Na Essência Infinita tudo está.
Para a Essência Infinita tudo volta.
A Causa divina produz todos os efeitos, e todos os efeitos finitos demandam a
Causa Infinita. Existencialmente, as creaturas parecem estar fora do Creador —
essencialmente elas estão sempre dentro dele.
Nenhuma creatura deve ser amada por causa da sua creaturidade, mas somente
por ser uma projeção da Divindade.
Graficamente, poderíamos apresentar o amor verdadeiro e o amor errôneo do
seguinte modo:
Aqui a creatura “A” ama a creatura “B” via Creador: “A” ama “B”, porque tanto “A”
como “B” são amados por Deus, e o que Deus ama pode e deve ser amado pelo
homem.
Aqui a creatura “A” ama a creatura “B” sem passar pelo Creador; tem um amor
errôneo, meramente creatural.
O homem que tenta amar seu semelhante como a si mesmo sem amar a Deus,
que não ama seu semelhante via Deus, como na segunda figura, ama seu
semelhante apenas creaturalmente, horizontalmente, erroneamente. Nenhuma
creatura deve ser amada linearmente, de creatura a creatura, mas
triangularmente, de creatura a creatura via Creador. O amor creatural, linear,
pode ser altruísmo ou moralismo, mas não é verdadeira ética metafísica e
mística, como é o amor triangular, via Deus.
Voltando ao nosso ponto de partida, perguntamos: pode o homem amar a Deus
com toda a sua alma, com toda a sua mente, com todo o seu coração e com
todas as forças de seu corpo, como o Cristo exige?
Só pode amar a Deus deste modo quem já sentiu experimentalmente que há
entre o homem e Deus uma identidade essencial; que a creatura não é uma nova
realidade separada da Realidade Deus, mas é apenas uma facticidade, uma
manifestação emanada da única e absoluta Realidade Divina.
Quer dizer, o Amor Integral supõe uma experiência ou vivência íntima da unidade
e identidade creatura-Creador. O homem deve, de algum modo, mesmo obscura
e divinatoriamente, sentir ou farejar a unidade entre ele e Deus, uma unidade
essencial no meio de todas as diversidades existenciais. O homem integral deve
pelo menos vislumbrar e farejar que “Eu e o Pai somos um.” Sem essa
experiência fundamental, mais sentida e saboreada do que propriamente
pensada e sabida, não é possível amar a Deus integralmente, como exige o
primeiro e maior de todos os mandamentos. A experiência metafísica-mística de
que “Eu e o Pai somos um”, a vivência dessa identidade Eu-Deus, CreaturaCreador, Finito-Infinito, é a base indispensável para a vivência de que o Cristo
fala.
A mensagem do Cristo, como se vê, radica na mais profunda e mais alta
metafísica ontológica e cósmica que se pode conceber, ou imaginar. Quem
nunca entrou nessa dimensão de consciência, jamais compreenderá o Cristo do
Evangelho, nem o Evangelho do Cristo.
A entrada nessa suprema dimensão de consciência exige uma prolongada
solidão e um profundo silêncio, silêncio-presença, silêncio-plenitude.
É esta a última razão porque todos os verdadeiros iniciados viviam e vivem
longos períodos de solidão e silêncio.
É este o mistério do Amor Integral radicado na experiência anônima e silenciosa
da unidade central em todas as diversidades periféricas.
Por isto, diz o Mestre: “Amarás o senhor teu Deus...”
“Amarás o teu próximo como a ti mesmo.”
O ponto de referência tanto do amor vertical da mística divina como do amor
horizontal da ética humana é invariavelmente Deus, o Deus em mim, o meu
Deus, o Pai em mim. Sem esse ponto de referência, do Eu-divino no homem não
há nem o primeiro nem o segundo mandamento, nem a mística divina, nem a
ética humana.
A base de tudo isto, “em que consistem toda a lei e os profetas”, é a visão da
unidade e identidade entre o homem e Deus, entre o finito e o Infinito.
Toda a grandeza do Cristo consiste em ter atingido as alturas desta visão da
essencial identidade entre si e a Divindade. Por isso a mensagem do Cristo
ultrapassa infinitamente todos os altruísmos e moralismos, todos os virtuosismos
e piedosismos, e culmina na mais excelsa metafísica ontológica da Unidade em
todas as Diversidades, da Absoluta Essência em todas as Existências Relativas.
Quando teremos esta visão cósmica do Cristo do Evangelho?
24
Do drama milenar
do Cristo à apoteose do
homem cristificado
O drama milenar do Cristo e do Anti-cristo, segundo leis eternas infalíveis,
culminará um dia, na apoteose cósmica do homem e do mundo cristificados.
O misterioso livro Apokatástasis (Conciliação) de Orígenes de Alexandria, escrito
nos primórdios do cristianismo, se revelará, um dia, como uma grandiosa
profecia apocalíptica. Na plenitude dos tempos, a luta entre o Cristo e o Anticristo terminará no grande tratado de paz entre as duas Potências máximas do
Universo.
Por ora, prossegue a bipolaridade metafísica Cristo-Anti-Cristo, assim como
existe a bipolaridade física em todas as coisas do cosmos: não teríamos o
Universo sideral se não houvesse tensão (ou tentação) entre o Uno da atração
e o Verso da repulsão; não teríamos átomos se o próton não fosse o oposto
complementar do eléctron; não teríamos eletricidade, manifestada em luz, calor
e força, se o pólo positivo não se opusesse ao pólo negativo; não teríamos vida
orgânica se o masculino não fosse a antítese complementar do feminino.
Do mesmo modo, como já vislumbrou o gênio neo-platônico de Orígenes, não
teríamos evolução metafísico-cósmica se o positivo do Cristo não fosse
equilibrado pelo negativo do Anti-Cristo.
A misteriosa jornada ascensional do ponto Alpha para o ponto Ômega —
digamos, entre o A e o Z, o princípio e o fim — que Teilhard de Chardin
vislumbrou, seria impossível se o drama milenar Cristo-Anti-Cristo não existisse
e se perpetuasse através de incontáveis eons.
A hierarquia eclesiástica dos primeiros tempos do cristianismo não reconheceu
a ortodoxia do Apokatástasis, porque, para uma humanidade espiritualmente
infantil, não se podia servir “alimento sólido” como este, mas apenas “leite
líquido”. A metafísica da verdade é para os adultos, a pedagogia da teologia é
para crianças e imaturos.
Sendo que o pólo negativo do Anti-Cristo, segundo as leis evolutivas, já está
plenamente acordado na humanidade, ao passo que o pólo positivo do Cristo jaz
ainda em completa ou parcial dormência, compreende-se que todos os mestres
e guias espirituais do homem e da humanidade insistam grandemente no positivo
da cristificação. Só assim, é possível crear o desejado equilíbrio entre o negativo,
já tão desenvolvido, e o positivo ainda tão imaturo. Se o Universo fosse mais
Verso do que Uno — adeus, harmonia! Adeus, equilíbrio cósmico! Acabaria tudo
num imenso caos. Por isto, para haver cosmos, deve o Uno centrípeto ser
reforçado ao ponto de equilibrar o Verso centrífugo.
A cosmificação do mundo consiste no perfeito equilíbrio complementar da
bipolaridade do Uno e do Verso.
A cristificação do homem consiste na perfeita harmonia entre o Cristo e o Anticristo, a fim de estabelecer o Universo metafísico. Por esta razão, o Cristo exige
que o Anti-Cristo vá retro, à retaguarda, para que o Cristo possa devidamente
realizar a vanguarda.
No Universo sideral não é possível a descosmificação, o caos, porque o mundo
extra-hominal obedece automaticamente à suprema Inteligência Cósmica do
Lógos — mas no Universo hominal é possível o caos da descristificação, porque
no mundo hominal impera o livre-arbítrio, a possibilidade do desequilíbrio entre
o positivo e o negativo.
Parece que Paulo de Tarso, num momento de suprema cosmo-vidência,
vislumbrou a plena cristificação do homem como condição para uma perfeita
cosmificação do Universo, como consta da sua epístola aos Romanos, capítulo
8: “Até a presente hora — escreve ele — a Natureza geme e sofre dores de
parto, ansiando pela revelação dos filhos de Deus. — Pois, a Natureza está
sujeita à corruptibilidade, não por vontade própria, mas pela vontade daquele
que a sujeitou. Mas a Natureza tem esperança de ser liberta da escravidão do
corruptível e alcançar a gloriosa liberdade dos filhos de Deus. E também nós que
recebemos as primícias do espírito, ansiamos pela filiação divina, pela redenção
de nosso corpo.”
Nestas palavras misteriosas e enigmáticas, revela Paulo que a redenção da
Natureza depende da redenção do homem; o homem, embora já possua as
primícias do espírito, não realizou ainda plenamente a sua filiação divina, que
inclui também a redenção do seu corpo. E, quando o homem tiver remido
também o seu corpo da corruptibilidade, pelo poder do espírito — então este
início de redenção se expandirá por toda a Natureza. A Natureza ressuscitará da
sua corruptibilidade para a incorruptibilidade quando o rei da Natureza, o homem,
tiver realizado a sua redenção integral, pela imortalidade da sua alma e do seu
corpo — à semelhança do Cristo ressuscitado.
E o drama milenar culminará na apoteose cósmica do homem cristificado.
Parafraseando estas palavras inspiradas de Paulo, diríamos:
Quando o Eu-divino no homem, a sua alma, seu Cristo interno, o Pai nele, se
emancipar totalmente da escravidão do seu ego-humano, do seu Anti-Cristo
interno, que até agora o mantém cativo — então a vitória integral do seu Eudivino sobre o seu ego-humano transbordará também visivelmente para a
Natureza externa, circunjacente; então as circunstâncias físico-químicas do seu
corpo e do seu ambiente social obedecerão espontaneamente à sua substância
divina sobre todas as tiranias das circunstâncias do seu ego-humano. E, uma
vez alcançada essa vitória do seu Eu sobre seu ego, toda a Natureza em
derredor obedecerá, dócil e jubilosamente, à vontade do Homem integral, como
aconteceu com o ego de Jesus de Nazaré, quando o Eu do seu Cristo cósmico
disse: “Está consumado”.
O Reino de Deus sobre a face da terra, que forma a idéia central do Evangelho
do Cristo, não é só a vitória da alma sobre o corpo — menos ainda uma vida
espiritual póstuma sem corpo — mas é o estabelecimento de uma nova ordem
cósmica, aqui na terra e no Universo; é a perfeita harmonia entre o homem e a
Natureza; haverá um “novo céu e uma nova terra” e o “Reino de Deus será
proclamado sobre a face da terra”, consoante os livros sacros.
A Natureza, segundo as palavras de Paulo de Tarso, por ora está sujeita à
corrupção, não por vontade própria, mas por vontade do homem-ego corruptível.
Mas, quando o homem-ego atingir a gloriosa liberdade dos filhos de Deus, a
redenção do seu corpo, então a própria Natureza, por transbordamento da
plenitude do Homem integral, também será plenificada em consequência dessa
plenitude do homem cristificado e cosmificado.
A ressureição de Jesus pelo poder do Cristo, plenamente vitorioso e realizado,
teve como consequência a total libertação do Filho do Homem, a derrota de
qualquer limitação das circunstâncias da Natureza; o corpo do ressuscitado não
estava mais sujeito às leis escravizantes de tempo e espaço, estava isento da
escravidão da dimensão local e da gravidade material; aparecia, ora visível e
material, ora invisível e imaterial, consoante a autonomia do seu Cristo vitorioso.
Por ora, diz Paulo, a Natureza geme e sofre dores de parto, porque está ainda
em gestação, não deu ainda à luz o homem crístico. Em quase todos os homens
anda atrasada essa gestação crística; em uns poucos ela está adiantada, em
vésperas de parturição; num único homem, em Jesus de Nazaré, esta gestação
eclodiu plenamente, nasceu o Cristo, cheio de graça e de verdade, e nós vimos
a sua glória, através de muitos sofrimentos voluntariamente aceitos.
A nossa redenção ou parturição crística obedece ao mesmo processo que a de
Jesus de Nazaré: Cada um de nós pode entrar em sua glória, como ele, o
“Primogênito entre muitos irmãos”, na linguagem alvissareira de Paulo de Tarso.
A Natureza, que ainda geme em dores de parto, será remida pelo homem,
quando este, que já recebeu as primícias do espírito, der à luz o seu Cristo
nascituro, e assim alcançar a gloriosa liberdade dos filhos de Deus, a nova
creatura em Cristo num mundo renovado e cristificado.
E o doloroso drama de lutas culminará numa gloriosa apoteose de vitória.
25
Para realizar a nova
creatura em Cristo
Do lúgubre ocaso à luminosa alvorada
A humanidade-elite — esse pequenino escol da anônima ekklesía — está
vislumbrando o Cristo e entre-ouvindo a sua mensagem.
Compreende que essa mensagem não consiste em passar de um ego-vicioso
para um ego-virtuoso.
Compreende que a mensagem do Cristo não é uma pregação moral — mas uma
sapiência metafísica, ontológica, cósmica.
A realização do Homem Integral...
Não é um novo modo de fazer algo — é uma nova consciência de ser alguém.
Não obedece ao imperativo categórico da lei de Moisés: tu deves, tu não deves.
A mensagem do Cristo é um inaudito e inédito eu quero.
“Por Moisés foi dada a lei — pelo Cristo veio a Verdade e a Graça.”
O espontâneo querer suplantou o compulsório dever.
Após o lúgubre ocaso de rotineiros continuísmos — despontou a gloriosa
alvorada de um novo início.
De uma grande iniciativa.
De uma gloriosa iniciação.
Em espírito e em verdade.
Lá se foi o remendo novo em roupa velha — o remendo do ego-virtuoso na roupa
do ego-vicioso...
E nasceu a nova creatura em Cristo.
Quando o homem sabe e saboreia a Realidade eterna — então pode ele querer
jubilosamente o que compreendeu profundamente.
Todos os seus tu deves e tu não deves foram tragados pelo novo eu quero.
O caminho estreito e a porta apertada da sacrificial virtuosidade foram
substituídos pela sacralidade do jugo suave e peso leve..
E o homem encontrou paz para sua alma...
Morreu o mau escravo da viciosidade — e o bom escravo da virtuosidade.
E nasceu o filho querido da sabedoria.
Despontou a alvorada da Terceira Humanidade.
A humanidade da graça e da verdade em Cristo Jesus.
Aleluia!...
Da ego-consciência para a cosmo-consciência
Centenas de experimentos científicos realizados pela “Foundation for Mind
Research”, de Nova York, conforme a revista americana “Time”, conduzidos por
médicos e psiquiatras com pessoas perfeitamente normais, e sem o auxílio de
drogas ou entorpecentes, evidenciaram o seguinte:
Existe no cérebro-mente (brain-mind) de todo o homem um ponto de contato com
a Realidade Cósmica (Deus), ponto que, em geral, se acha em estado de
dormência ou inconsciência, mas que pode ser despertado, levando o homem a
um alargamento de consciência, rumo à cosmo-consciência.
O que, geralmente, impede o despertamento desse centro cósmico no homem é
a prepotência da sua ego-consciência, que tende a fazer do homem um ser
separado do cosmos. Quando a VERSO-consciência do ego toma conta do
homem, a sua UNO-consciência cósmica deixa de funcionar, e o homem passa
a se identificar com o seu ego como entidade autônoma.
Para despertar no homem essa cosmo-consciência, é indispensável suspender,
por um período prolongado e contínuo, a ego-consciência, a fim de permitir a
função exclusiva da cosmo-consciência. Esta obliteração da ego-consciência
produz no homem a sensação de “morte”, de extinção, de total aniquilamento.
Só mais tarde, quando a cosmo-consciência adquiriu suficiente poder, se
desvanece a impressão do ego-aniquilamento: o ego deixou de existir como
parte separada, e mais tarde volta a existir como uma parte integrante do cosmos
— e só agora, cosmificado, o ego se sente realmente seguro.
“Eu morro todos os dias — e é por isto que eu vivo”...
Como suspender a ego-consciência?
Por uma veemente e persistente afirmação da cosmo-consciência.
Ninguém pode querer destruir o 10 do ego ilusório sem ante-ver, numa ultravidência cósmica, o 100 do Eu real, porque toda a Natureza tem um indestrutível
“horror ao vácuo”.
Ninguém pode expulsar as trevas sem acender uma luz.
Ninguém pode negar a vacuidade do ego sem primeiro afirmar a plenitude do
Eu.
Pensar, vislumbrar, amar, afirmar: “Eu sou o Uno do Universo” — é este o
caminho prático para conseguir a predominância do UNO sobre o VERSO, da
alma do Universo sobre o seu corpo, que em mim se chama ego.
Este processo de pensar-amar-visualizar-afirmar, dura cerca de 30 a 40 dias
consecutivos, durante os quais deve o homem excluir qualquer distração que o
desvie da linha única da cosmo-conscientização.
Cala-te! — e Deus te Falará
Estava eu plantando umas estacas de astrapéias e outros arbustos de flores
melíferas para o nosso apiário. Estava bem sozinho, cosmo-pensado — e eis
que uma voz de dentro me disse em grande silêncio:
Quando o homem fala, Deus se cala.
Quando o homem se cala, Deus lhe fala.
E repetiu muitas vezes estas palavras sem som, enquanto eu continuava a
trabalhar. O melhor tempo para ouvir a voz cósmica é quando faço algum
trabalho físico que não exige muito pensamento; assim, o campo está livre para
a invasão do além — do grande além-de-dentro.
Por fim, a voz perguntou:
Que é ser calado?
Eu quis responder, por conta do meu ego, que estar calado é não falar, nem
pensar, nem querer nada; é fazer esse tríplice silêncio, como tenho dito nos
meus livros e nas aulas de filosofia univérsica. Mas a voz inaudível me antecipou
a resposta, com nova pergunta, também sem som:
Sabes o que é o calado de um navio?
O calado de um navio? respondi, sem falar. O calado de um navio é a medida
do seu afundamento na água; quanto mais carregado está o navio, mais calado
tem, mais se afunda na água...
Por algum tempo, mergulhei num grande vácuo...
Depois, a voz cósmica, falando de dentro de mim e sem som, me fez ver que
calar quer dizer afundar-se no Infinito, no Eterno, no Imenso Oceano da
Realidade, da Divindade. Só quando o homem está assim afundado em Deus, é
que ele está realmente calado. E, para que o homem tenha esse calado de
profundeza, deve ele estar devidamente carregado de espiritualidade. O homem
não espiritual é superficial, sem calado suficiente, flutuando e boiando na
superfície das coisas ilusórias do ego...
Assim dizia a voz silenciosa de dentro.
E assim minha alma ouviu em silêncio, quando cosmo-pensada.
Depois, comecei a pensar, por minha conta, coisas como estas: Isto calou
fundo... os soldados avançaram de baioneta calada... e verifiquei que calar quer
dizer baixar, aprofundar.
E perguntei a mim mesmo: Onde foram os portugueses buscar esta palavra:
calar? quando em latim essa palavra não existe, mas calar é tacere?
E lembrei-me de outras palavras portuguesas que não vêm do latim, como nada,
que em sânscrito é sinônimo de Infinito; e desmaiar, que quer dizer: perder a
noção de maya, palavra sânscrita para natureza.
E lembrei-me dos livros sacros, que dizem: “Cala-te! — e saberás que eu sou
Deus”...
E mergulhei nas profundezas do Oceano Pacífico da Divindade... unindo o meu
silêncio humano ao silêncio de Deus.
26
A teologia à luz da economia
e da psicologia
Todo cristão, católico ou não, que anseie por conhecer o Cristo genuíno do
Evangelho pergunta a si mesmo: por que esta progressiva adulteração da
mensagem do Cristo? Se a teologia pretende ser a continuação do Evangelho,
por que estas horripilantes discrepâncias entre teologia e Evangelho?
As mais flagrantes deturpações se dão precisamente em dois terrenos: no dos
sacramentos e no da mariologia.
Nenhum cristão sincero se convence de que, nesses dois terrenos, os teólogos
se tenham guiado pelo desejo de transmitir à posteridade a verdade autêntica da
mensagem do Cristo, porque esta mensagem é incompatível com os dogmas.
Convidamos qualquer cristão sincero a fazer o cotejo entre a teologia dominante
e o Evangelho do Cristo.
Sacramentos. No princípio da teologia, eram muitos, incluindo também a
cerimônia do lava-pés. Mais tarde foram reduzidos a sete, como consta hoje da
teologia eclesiástica.
Segundo a definição teológica, um sacramento é um sinal visível instituído por
Jesus Cristo para conferir a graça divina.
Como sacramentos são hoje considerados: batismo, crisma, confissão,
comunhão, extrema-unção, matrimônio e sacerdócio.
Excetuando o batismo, não se pode afirmar que remontem ao tempo do Cristo,
no sentido em que a teologia ensina. É enorme a acrobacia mental com que a
teologia tenta provar que essas usanças litúrgicas tenham sido instituídas pelo
próprio Cristo para conferir a graça de Deus; que Deus se tenha obrigado conferir
os seus poderes divinos através desses objetos e dessas fórmulas rituais.
Repetidas vezes, os livros sacros recomendam o mergulho, que em grego se
chama baptisma; já o precursor João o praticava; mesmo os essênios de
Qumram usavam o mergulho frequente por motivos terapêuticos, e João,
provavelmente, conviveu com os essênios, e daí trouxe a cerimônia do mergulho
nas águas do Jordão. Mas João declara explicitamente que ele só mergulha os
homens na água, ao passo que o Cristo os mergulharia no fogo do espirito santo.
Quer dizer que o batismo com água não é de instituição divina, nem jamais Jesus
mergulhou uma pessoa na água para lhe tirar pecados, como pretende fazer a
teologia. Quem não tem experiência mística, não foi batizado realmente, embora
tenha recebido na cabeça um copo d’água com fórmula litúrgica, ou tenha
mergulhado totalmente numa piscina. “Do mundo dos fatos — diz Einstein —
não conduz nenhum caminho para o mundo dos valores, porque estes vêm de
outra região.”
Também Jesus se fez mergulhar, apesar da resistência de João, porque, como
ele diz, “convém que cumpramos tudo o que é justo”. E João o mergulhou.
Nenhuma palavra sobre anulação do domínio de satanás, que hoje figura no rito
batismal: “sai desta alma satanás, e dá lugar ao Cristo”. Também como podia
João expulsar satanás da alma daquele que era “o Cordeiro de Deus que tira o
pecado do mundo”?
Além disto, esse mergulho simbólico vinha dos judeus essênios, e não de Jesus.
Jesus pediu a João que o mergulhasse, porque, segundo o costume essênio, o
homem, toda a vez que terminava um período de vida e iniciava outro, imergia
na água simbolizando o fim, e emergia simbolizando o princípio de uma vivência;
e Jesus achou que era “justo” simbolizar a sua vida solitária de 18 anos em
Nazaré e o início da sua atividade messiânica, que ele ia iniciar; por isto João
concordou com o mergulho.
Que tem que ver isto com o nosso batismo de hoje?
João mergulhava pecadores adultos nas águas do Jordão (nunca crianças), não
para lhes tirar um suposto pecado original, em que nem ele nem Jesus
acreditavam, mas para simbolizar e pôr termo à vida antiga de pecados e iniciar
uma vida nova de santidade.
Antes de cada mergulho simbólico exigia João uma conversão real; dos ricos
exigia ele a utilização das suas riquezas em benefício dos pobres; dos soldados
exigia a não-violência e o contentamento com o seu soldo; de todos os batizados
exigia, como condição prévia, a renúncia a uma vida de pecados e o início de
uma vida espiritual; só depois praticava o mergulho como morte do homem velho
e nascimento do homem novo.
* * *
O sacerdócio, a missa e a eucaristia teriam sido instituídos na santa ceia, e os
doze apóstolos presentes teriam sido os primeiros neo-sacerdotes e neocomungantes. Esses supostos neo-sacerdotes e neo-comungantes, porém,
depois de assistirem à suposta primeira missa celebrada por Jesus, cometeram,
logo depois, os maiores pecados; um deles consumou o crime da traição, e logo
depois se suicidou; outro, que parecia ser o chefe da turma, negou três vezes, o
Mestre, mentiu que não conhecia Jesus, jurou não ser discípulo dele e rogou
pragas sobre si mesmo, caso tivesse relações com o Nazareno; os outros, à
exceção de um só, fugiram covardemente, com medo de sofrerem algo por
causa do Mestre.
Não há nenhuma possibilidade sensata de harmonizar esses pecados com a
idéia de terem os doze sido ordenados como os primeiros sacerdotes e terem
sido os primeiros comungantes do cristianismo.
O que ocorreu na santa ceia não passou de um símbolo material, cujo
simbolizado espiritual se cumpriu algumas semanas mais tarde, na gloriosa
manhã do Pentecostes, quando 120 pessoas, homens e mulheres, como refere
Lucas, nos “Atos dos Apóstolos”, se tornaram verdadeiros arautos do Cristo e
fizeram a sua primeira comunhão crística, em espírito e em verdade, sem
nenhuma traição, suicídio, negação ou deserção, e sem símbolos materiais de
pão e vinho.
O fato de o clero se considerar como detentor de poderes divinos conferidos na
última ceia, e de ter o monopólio desses poderes, não permitiu ainda que a
eucaristia simbólica da noite da quinta-feira cedesse à comunhão verdadeira do
Cristo carismático na manhã do domingo de Pentecostes. Enquanto os eventos
simbólicos da quinta-feira continuarem a ser a base econômica da subsistência
do clero, não será possível o triunfo da verdade sobre o verdadeiro sacerdócio e
a verdadeira comunhão do Cristo.
* * *
Quanto aos demais sacramentos — crisma, confissão, matrimônio, extremaunção — não há indício algum de que tenham sido instituídos por Jesus e
entregues à jurisdição de uma classe dotada de prerrogativas sobre-naturais.
Paulo de Tarso, depois do seu encontro direto com o Cristo real, às portas de
Damasco, achou incompatível a sua cristicidade com a pregação de um
Evangelho remunerado com o “excremento de satanás”, como Papini chama o
dinheiro; ele se orgulha de pregar o Evangelho do Cristo gratuitamente por amor
e não por ganância; passava noites inteiras trabalhando como tecelão, afim de
não “ser pesado a ninguém”, para que ninguém pudesse dizer “ele procura o
nosso, e não a nós”.
Também o cristianismo primevo das catacumbas e do Coliseu era genuinamente
crístico. Essa cristicidade mística e heróica só durou três séculos, do ano 33 até
313, quando, pelo Edito de Milão, de Constantino Magno, o pretenso primeiro
imperador cristão, libertou os cristãos das catacumbas e do Coliseu, mas deulhes três presentes gregos, que durante séculos deturparam a genuína
mensagem do Cristo: deu-lhes armas para matar seus inimigos, políticos para
enganar seus amigos, e dinheiro para comprar e vender consciências. O
cristianismo em que nós vivemos hoje não é o cristianismo do Cristo, mas o
pseudo-cristianismo de Constantino, que, com um beijo matou o espírito do
Cristo, assim como Judas com um beijo matou o corpo de Jesus.
Ultimamente, o Concílio Vaticano II, parece ter reconhecido a inconveniência de
o clero fazer da religião uma profissão lucrativa, quando só pode ser uma
vocação sagrada; restringiu a economia profissional, mas não a aboliu, nem a
podia abolir repentinamente, depois de tantos séculos, em que o sacerdócio
degenerou em profissão subsistencial.
“Ninguém pode servir a Deus e ao dinheiro”, disse o Mestre. Enquanto o clero
não voltar a tratar das coisas religiosas gratuitamente por idealismo sagrado, não
será possível voltar à cristicidade dos primeiros séculos; disto sabia Paulo de
Tarso, e disto sabem todos os genuínos discípulos do Cristo.
Não há nada que a teologia eclesiástica defenda com tanto furor como a
instituição dos sacramentos, que formam o monopólio do clero e a base do seu
poder e prestígio. É indispensável que o sacerdote tenha uma profissão
subsistencial para que o sacerdote volte a ser uma vocação puramente espiritual
e crística, como no princípio.
Objetam os seguidores de Constantino Magno, que, neste caso, o clero têm
pouco tempo para tratar das coisas espirituais. Será que eles não compreendem
que esse pouco feito com idealismo religioso vale mais que o muito feito por
utilitarismo profano?
* * *
Falta tratarmos de alguns dogmas à luz da psicologia, que são mais ridículos,
embora menos perigosos do que os dogmas de caráter econômico.
Estes dogmas psicológicos se referem principalmente à mariologia.
Desde a traição de Constantino Magno, fundador do nosso cristianismo atual, o
clero transformou a mãe de Jesus numa espécie de deusa. Já o Concílio de
Éfeso, declarou que ela é “mãe de Deus”, recaindo assim na mitologia grecoromana, que adorava deusas... Os teólogos afirmam que Maria é mãe do Cristo,
e, se o Cristo é Deus, então Maria é mãe de Deus. Respondemos que é absurdo
dizer que Maria é mãe do Cristo, quando ela é apenas mãe de Jesus, pois o
Cristo, o Verbo, nasceu ou emanou diretamente da Divindade, e não tem mãe
alguma: “No princípio era o Verbo”...
Não satisfeito com essa declaração da maternidade divina de Maria, inventou o
clero uma série de outros atributos divinos de Maria: ela é “rainha do céu”,
“medianeira de todas as graças”, de “Imaculada Conceição”, e seu corpo foi
“assumido ao céu”.
Para evitar equívocos temos de frisar que a maternidade virginal de Maria é uma
verdade enunciada pelos Evangelhos; mas o que a teologia entende por
“imaculada conceição” é a doutrina arbitrária de ter Maria nascido sem o pecado
original de Adão, que, segundo a teologia, seria a herança de todos os outros
homens. Segundo o Evangelho de Jesus, todos os homens são de imaculada
conceição, foram concebidos e nasceram inocentes, sem pecado; não existe
pecado herdado de outrem, mas somente pecado cometido por culpa própria.
Das crianças diz o Mestre: “Delas é o reino dos céus, isto é, nasceram sem
pecado.
Nenhum dos títulos pomposos que a teologia atribui à Maria tem base no
Evangelho, mas são produtos de uma fantasia exaltada e duma concepção
antropomorfa de Deus e do céu, onde vigoraria uma organização semelhante
aos reinos desta terra, que haveria rainha, procuradora geral, etc. Se Maria fosse
medianeira de todas as graças, Deus não poderia conceder uma graça aos
homens sem o beneplácito de Maria; Deus estaria subordinado a uma creatura
— o que é puro ateísmo.
Perguntamos pelos motivos humanos dessas apoteoses hiperbólicas de Maria.
Esses motivos radicam no caráter de celibato obrigatório do clero. Todo o
homem normal tem a tendência natural de amar e admirar um ser feminino; mas,
se ao homem é proibido amar e admirar uma mulher física, ele transfere o seu
amor e sua admiração a uma mulher metafísica, sublimando-a devidamente.
Cada um dos atributos que o clero confere a Maria é uma espécie de bouquet
que ele oferece à sua namorada celeste, intitulando-a mãe de Deus, rainha do
céu, medianeira de todas as graças, de imaculada conceição, e, finalmente, lhe
diz que foi assumida ao céu em corpo material.
Não se pode imaginar maior exaltação à virgem Maria do que essas apoteoses,
que nascem da imperiosa necessidade que o homem tem de homenagear
entusiasticamente a pessoa da sua bem-amada. É o triunfo da psicologia
masculina e a derrota da verdade do Evangelho, que ignora totalmente essas
apoteoses. Jesus sempre assumiu em face da sua mãe uma atitude respeitosa,
mas nunca a bajulou — nem mesmo a chamava mãe.
Maria, ao receber de seus veneradores esses títulos elogiosos, deve sorrir-se
benevolamente, mas não os pode aceitar, porque não correspondem à verdade,
e para ela a verdade está acima de tudo, como para seu filho: “a verdade vos
libertará”. Só poderá aceitar um dos muitos títulos, o de “imaculada conceição”,
de ter nascido sem pecado — mas este título não é privativo dela, porque,
segundo Jesus, todos os homens nascem sem pecado, inclusive aquelas
crianças que foram ter com Jesus e das quais ele disse: “De tais é o reino dos
céus”. E nenhuma dessas crianças era batizada. Estavam no reino dos céus
desde o princípio.
27
A decadência do cristianismo
e o triunfo da cristicidade
“Religião é ópio para o povo” (Lenine).
“Podeis destruir todas as igrejas da Rússia, mas sempre haverá uma igreja na
alma de cada camponês” (Stalin).
“Toda a alma humana é crística por sua própria natureza” (Tertuliano).
“Eu aceito o Cristo e seu Evangelho — não aceito o vosso cristianismo”
(Mahatma Gandhi).
“Quem foi vacinado com o soro da nossa teologia cristã está imunizado contra o
espírito do Cristo” (Albert Schweitzer).
“Se o Cristo voltasse ao mundo em nossos dias, a primeira proclamação que
faria aos homens, seria esta: Cristãos de todas as igrejas, sabei que eu não sou
cristão” (Nietzsche).
Cada vez mais se convencem os homens sensatos que há uma diferença
enorme entre a mensagem do Cristo e o nosso cristianismo eclesiástico, entre a
cristicidade e o cristianismo.
A cristicidade genuína da mística das catacumbas e do martírio do Coliseu, durou
três séculos, do ano 33 até 313, quando Constantino Magno fundou o nosso
cristianismo teológico, baseado em armas, política e dinheiro. Do século IV até
ao século XVI foi toda a Europa dominada pelo cristianismo eclesiástico, que
conseguiu manter-se pelas fogueiras da Inquisição.
No século XVI, grande parte da cristandade européia substituiu o cristianismo
eclesiástico pelo cristianismo bíblico — mas não retornou à cristicidade do Cristo.
Hoje, os países da Europa central deixaram de aceitar o cristianismo tradicional;
alguns ainda o toleram por conveniência social, mas não há entusiasmo por
nenhuma teologia. A mensagem do Cristo não se baseia na liturgia dos
sacramentos nem na veneração dos santos.
No princípio do século XX, foi o ocidente cristão invadido pela filosofia do Oriente,
sobretudo da Índia; o fastio do cristianismo teológico e a fome de uma
experiência mística individual e profunda domina as elites espirituais do ocidente
europeu e americano. A mística oriental nos forneceu a chave para abrirmos a
mística do Evangelho do Cristo.
Radhakrishnan, o antigo vice-presidente da Índia, escreve: “A religião da
humanidade do futuro será a mística.”
Cada vez mais se convence a elite espiritual da humanidade que o cristianismo
tradicional é uma organização política-financeira internacional — ao passo que
a mensagem do Cristo é uma experiência individual, o reino dos céus no homem,
um tesouro oculto, que deve ser revelado; uma luz debaixo do velador, que deve
ser colocada no alto do candelabro; uma pérola preciosa no fundo do mar, que
deve ser trazida à tona.
“Eu não tenho religião alguma — escreveu Einstein — mas sou um homem
profundamente religioso, porque vejo um Poder Supremo em todas as coisas do
Universo”.
As potências do inferno não prevalecerão contra a alma do Evangelho, a
cristicidade do Cristo — mas todas as formas de cristianismo estão em crise.
O drama milenar do Cristo e do Anti-Cristo ...
EPÍLOGO
28
A visão de Dom Bosco:
O Brasil, berço de uma
Nova Civilização
No dia 10 de agosto de 1883, 6 anos antes da proclamação da República e da
nossa primeira Constituição, um exímio vidente italiano, que nunca esteve no
Brasil, Giovanni Bosco, consignou nos seus diários pessoais que viu nascer uma
nova civilização espiritual, que abrangeria toda a América do Sul. Localizou o
berço dessa civilização inédita entre os paralelos 15 e 20, no planalto ocidental
situado entre os grandes rios Amazonas, São Francisco e Rio da Prata.
A primeira Constituição da República do Brasil, promulgada em 1889, decretou
que a futura capital federal do País seria transferida para o Planalto Ocidental,
no Estado de Goiás, que corresponde à zona compreendida entre os paralelos
15 e 20 visualizada por Dom Bosco, situada entre os três grandes rios por ele
mencionados.
Em comemoração a essa visão de Dom Bosco, foi construída uma ermida em
forma de pirâmide, com a estátua do vidente, à beira do lago Paranoá, em
Brasília, na margem oposta ao Palácio da Alvorada.
Em novembro de 1956, o Presidente Juscelino Kubitschek lançou o marco inicial
de Brasília, que foi inaugurada como capital federal em 1960. Numa das paredes
do Palácio da Alvorada, acham-se em alto relevo as palavras do fundador de
Brasília, que lembram notável afinidade com a visão de Dom Bosco.
Na Convenção da Arena de 20 de novembro de 1969, em Brasília, disse o
Presidente Garrastazu Médici, estas palavras, que podem ser consideradas
como uma continuação da mesma visão profética:
“Vislumbro uma forma superior de democracia, em que se debatem as idéias
com grandeza, em que se encara o futuro sem preconceitos, sem ódio, sem
temores... Com os olhos neste horizonte, o pensamento no povo e o ideal de
entendimento e de união entre os homens interiorizados dentro de si,
comecemos — pacientes, determinados, desprendidos — nosso trabalho de
pedreiros da verdadeira democracia dos novos tempos do Brasil.”
Por ocasião do aniversário de Tiradentes, 21 de abril de 1972, o Presidente
Médici frisou que a verdadeira independência não é apenas o ato isolado de um
passado morto, mas sim a atitude permanente de todos os brasileiros que
cumprem o seu dever de cada dia.
Em face destas declarações, seja de Dom Bosco, seja de diversos Presidentes
da República, justifica-se cada vez mais a esperança de que o Brasil venha a
ser o berço de uma nova civilização para a América do Sul, e, possivelmente,
para o mundo inteiro.
Se o Brasil deve ser o berço de uma nova civilização, deve o nosso País lançar
os alicerces para esta epopéia inédita. O Brasil é o único país do mundo que
está em condições de servir de berço para essa nova civilização.
A nossa história é própria para este acontecimento.
O Brasil é terra virgem em todos os sentidos. Não tem lastro de ideologias
negativas do passado. Não conhece racismo nem sectarismo, que são o flagelo
de muitos outros povos. Neste país, parafraseando as palavras do historiador de
Pedro Alvares Cabral — “em nele se plantando, tudo dá.”
Uma nova civilização requer uma base filosófica e religiosa de vasta projeção.
Nas páginas deste livro, sobre o drama milenar do Cristo e do Anti-Cristo,
traçamos o roteiro cristo-cêntrico que deve marcar o destino do Brasil de
amanhã. Não podemos adotar, como base de uma nova civilização espiritual,
nenhum dos “ismos” engendrados pelos cristãos e que tanto têm desunido os
povos — só podemos tomar por base da religião a mensagem pura e genuína,
do próprio Cristo.
No plano filosófico não pode o Brasil adotar nenhum sistema tradicional de
pensamento baseado em pessoas ou escolas. Como, em religião, o Brasil tem
de ser nitidamente cristo-cêntrico, assim em filosofia tem de ser univérsico,
baseando toda a filosofia na constituição do próprio Universo.
A religião do Brasil visualizada por Dom Bosco, deve ser Crística e Cósmica, ou
seja, Univérsica.
A Filosofia Univérsica é 100% brasileira: nasceu no Brasil, às margens do
Ipiranga, onde foi proclamada a Independência Nacional.
Aqui também vale o grito histórico “Independência ou Morte.” Mas, como
ninguém quer a morte, vamos parafrasear o grito de Dom Pedro em
“Independência e Vida.”
A verdadeira independência, porém, consiste numa permanente atitude
cristocêntrica e cosmocêntrica, ou seja, univérsica.
29
Postscriptum
Muitos leitores que tiveram a coragem de me seguir até aqui, pensarão que eu
queria abolir todos os tipos de cristianismo conhecidos no Brasil, a fim de
proclamar exclusivamente a genuína cristicidade do Evangelho.
Não é esta a minha intenção, embora fosse magnífica a realização desse ideal.
Mas este ideal não é exequível de um dia para outro, porque toda a evolução vai
com passos mínimos em espaços máximos — e a evolução espiritual da imensa
maioria não comporta esse avanço radical.
Sei que, ainda por muito tempo, as grandes massas têm de marcar passo no
plano horizontal em que estão, continuando a professar a modalidade religiosa
em que foram educadas.
Esta tolerância, contudo, não exclui que ergam os olhos para horizontes mais
elevados; que se sintam insatisfeitos com o nível em que estão, e, de acordo
com as palavras de Paulo, não julguem já ter alcançado a meta suprema, mas
se lancem para a frente a ver se a alcançam. Todo e qualquer homem, em
demanda do Infinito, está sempre a uma distância infinita.
Nenhum cristão deve estar satisfeito com o que alcançou, mas deve viver numa
satisfação insatisfeita; do contrário, a sua evolução superior acabará numa
estagnação mortífera. Nenhuma forma de cristianismo teológico é a própria
cristicidade do Cristo.
Nas páginas deste livro, mostramos o caminho a seguir. Quem não está
insatisfeito com o tipo de cristianismo que pratica põe obstáculo a uma evolução
superior. Pode o homem tolerar temporariamente o nível do seu cristianismo,
mas deve aguardar o momento feliz em que a sua rotineira satisfação de hoje se
converta numa poderosa insatisfação de amanhã. Não identifique os seus
dogmas e suas crenças com a própria verdade libertadora da mensagem do
Cristo.
A culminância desta mensagem está na profunda vertical da mística divina a
transbordar na vista horizontal da ética humana; está na experiência da
paternidade única de Deus que se revela na vivência da fraternidade universal
dos homens — e o caminho destes dois mandamentos é uma jornada sem fim,
uma sinfonia inacabada.
O convite a esta jornada sem fim é a alma e quintessência deste livro. Evolução
sem estagnação.
Dados Biográficos
Huberto Rohden
Nasceu em São Ludgero, Santa Catarina, Brasil (1893-1981). Fez estudos no
Rio Grande do Sul. Formou-se em Ciências, Filosofia e Teologia em
universidades da Europa — Innsbruck (Áustria), Valkenburg (Holanda) e
Nápoles (Itália).
De regresso ao Brasil, trabalhou como professor, conferencista e escritor.
Publicou mais de 65 obras sobre ciência, filosofia e religião, entre as quais, várias
traduzidas em outras línguas, inclusive o esperanto; algumas existem em braille,
para institutos de cegos.
Rohden não está filiado a nenhuma Igreja, seita ou partido político. Fundou e
dirigiu o movimento mundial Alvorada, com sede em São Paulo.
De 1945 a 1946, obteve uma bolsa de estudos para pesquisas científicas na
Universidade de Princeton, New Jersey (Estados Unidos), onde conviveu com
Albert Einstein e lançou os alicerces para o movimento de âmbito mundial da
Filosofia Univérsica, tomando por base do pensamento e da vida humana a
constituição do próprio Universo, evidenciando a afinidade entre Matemática,
Metafisica e Mística.
Em 1946, Huberto Rohden foi convidado pela American University, de
Washington, D.C., a reger as cátedras de Filosofia Universal e de Religiões
Comparadas, cargo este que exerceu por cinco anos.
Durante a Segunda Guerra Mundial, foi convidado pelo Bureau of Inter-American
Affairs, de Washington, a fazer parte do corpo de tradutores das notícias de
guerra, do inglês para o português. Ainda na American University, de
Washington, fundou o Brazilian Center, centro cultural brasileiro, com o fim de
manter intercâmbio cultural entre o Brasil e os Estados Unidos.
Na capital dos Estados Unidos, Rohden frequentou, durante três anos, o Golden
Lotus Temple, onde foi iniciado em Kriya Yoga por Swami Premananda, diretor
hindu desse ashram.
Ao fim de sua permanência nos Estados Unidos, Huberto Rohden foi convidado
a fazer parte do corpo docente da nova International Christian University (ICU)
de Metaka, Japão, a fim de reger as cátedras de Filosofia Universal e Religiões
Comparadas; mas, em virtude da Guerra na Coreia, a universidade japonesa
não foi inaugurada, e Rohden regressou ao Brasil. Em São Paulo foi nomeado
professor de Filosofia na Universidade Presbiteriana Mackenzie, cargo do qual
não tomou posse.
Em 1952, fundou em São Paulo a Instituição Cultural e Beneficente Alvorada,
onde, além de cursos na capital paulista, mantinha cursos permanentes, no Rio
de Janeiro e em Goiânia, sobre Filosofia Univérsica e Filosofia do Evangelho, e
dirigia Casas de Retiro Espiritual (ashrams) em diversos estados do Brasil.
Em 1969, Huberto Rohden empreendeu viagens de estudo e experiência
espiritual pela Palestina, pelo Egito, pela Índia e pelo Nepal, realizando diversas
conferências com grupos de yoguis na Índia.
Em 1976, Rohden foi chamado a Portugal para fazer conferências sobre
autoconhecimento e autorrealização. Em Lisboa fundou um setor do Centro de
Autorrealização Alvorada.
Nos últimos anos, Rohden residia na cidade de São Paulo, onde permanecia
alguns dias da semana escrevendo e reescrevendo seus livros, nos textos
definitivos. Costumava passar três dias da semana no ashram, em contato com
a natureza, plantando árvores, flores ou trabalhando no seu apiário modelo.
Quando estava na capital, Rohden frequentava periodicamente a editora
responsável pela publicação de seus livros, dando-lhe orientação cultural e
inspiração.
Fundamentalmente, toda a obra educacional e filosófica de Rohden divide-se em
grandes segmentos: 1) a sede central da Instituição (Centro de Autorrealização),
em São Paulo, que tem a finalidade de ministrar cursos e horas de meditação;
2) o ashram, situado a 70 quilômetros da capital, onde são oferecidos,
periodicamente, os Retiros Espirituais, de três dias completos; 3) a Editora Martin
Claret, de São Paulo, que difunde, por meio de livros, a Filosofia Univérsica; 4)
um grupo de dedicados e fiéis amigos, alunos e discípulos, que trabalham na
consolidação e na continuação da sua obra educacional.
À zero hora do dia 7 de outubro de 1981, após longa internação em uma clínica
naturista de São Paulo, aos 87 anos, o professor Huberto Rohden partiu deste
mundo e do convívio de seus amigos e discípulos. Suas últimas palavras em
estado consciente foram: “Eu vim para servir a Humanidade”.
Rohden deixa, para as gerações futuras, um legado cultural e um exemplo de fé
e trabalho somente comparados aos dos grandes homens do nosso século.
Huberto Rohden é o principal editando da Editora Martin Claret.
Relação de Obras de
Huberto Rohden
COLEÇÃO FILOSOFIA UNIVERSAL:
O Pensamento Filosófico da Antiguidade
A Filosofia Contemporânea
O Espírito da Filosofia Oriental
COLEÇÃO FILOSOFIA DO EVANGELHO:
O Sermão da Montanha
Filosofia Cósmica do Evangelho
Assim Dizia o Mestre
O Triunfo da Vida Sobre a Morte
COLEÇÃO FILOSOFIA DA VIDA:
De Alma Para Alma
Ídolos ou Ideal
O Caminho da Felicidade
Deus
Em Comunhão com Deus
Por Que Sofremos
Bhagavad Gita (tradução)
Setas Para o Infinito
Cosmorama
Filosofia da Arte
Orientando para a Autorrealização
Educação do Homem Integral
Roteiro Cósmico
A Metafisica do Cristianismo
Tao Te Ching, de Lao-Tsé (tradução) — Ilustrado
Sabedoria das Parábolas
O 5º Evangelho Segundo Tomé (tradução)
A Mensagem Viva do Cristo (Os quatro Evangelhos — tradução)
Rumo à Consciência Cósmica
Novo Testamento
O Cristo Cósmico e os Essênios
Novos Rumos para a Educação
Lúcifer e Lógos
A Grande Libertação
Entre Dois Mundos
Minhas Vivências na Palestina, Egito e Índia
“Que Vos Parece do Cristo?”
O Drama Milenar do Cristo e do Anticristo
Luzes e Sombras da Alvorada
A Voz do Silêncio
A Nova Humanidade
O Homem
Estratégias de Lúcifer
O Homem e o Universo
Imperativos da Vida
Profanos e Iniciados
Lampejos Evangélicos
COLEÇÃO MISTÉRIOS DA NATUREZA:
Maravilhas do Universo
Alegorias
Ísis
Por Mundos Ignotos
COLEÇÃO BIOGRAFIAS:
Paulo de Tarso
Agostinho
Mahatma Gandhi — ilustrado
Jesus Nazareno — 2 vols.
Einstein — O Enigma da Matemática — ilustrado
Por um Ideal — 2 vols. (autobiografia)
Pascal
Myriam
COLEÇÃO OPÚSCULOS:
Catecismo da Filosofia
Saúde e Felicidade pela Cosmo-meditação
Aconteceu entre 2000 e 3000
Ciência, Milagre e Oração São Compatíveis?
Cem Pensamentos de Mahatma Gandhi (tradução)