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O signo da crise na imaginacao social bolsonarista

O objetivo deste artigo é examinar a mobilização dos signos de crise na imaginação política bolsonarista. A inspiração teórica é buscada na reflexão desenvolvida por Wanderley Guilherme dos Santos em seus estudos sobre o “pensamento social brasileiro”. Analiso discursos, entrevistas, lives, peças de propaganda eleitoral e reuniões de governo que vieram a público em diferentes circunstâncias. Não me debruço apenas sobre as manifestações do próprio Jair Bolsonaro. Também estou interessado na linguagem política produzida por seus aliados e apoiadores. O texto está dividido em quatro partes, cada um dedicada às especificidades dos signos de crise que acredito serem constitutivos da imaginação política bolsonarista: o signo da crise como corrupção total da sociedade brasileira, tanto no que se refere ao roubo de dinheiro público como em relação à perversão dos valores familiares; o signo da crise da democracia representativa, o que levou a comunidade moral bolsonarista a imaginar um modelo de democracia alternativo ao previsto na constituição brasileira; o signo da crise econômica, fundado na crítica ao “gigantismo estatal” formulada por Paulo Guedes, ministro da economia e um dos mais importantes integrantes do governo Bolsonaro; o signo da crise da segurança pública, que serviu como moldura discursiva para o projeto da revolução bolsonarista.

Os signos de crise na imaginação política bolsonarista (2014-2022) Introdução Meu país esteve muito próximo do socialismo, o que nos colocou numa situação de corrupção generalizada, fraude democrática, grave recessão econômica, altas taxas de criminalidade e ataques ininterruptos aos valores familiares e religiosos que formam nossas tradições (BOLSONARO, 2019, s/p.). Setembro de 2019, Nova York, EUA. Diplomatas e jornalistas acompanham o discurso de abertura da 74° Assembleia Geral das Nações Unidas, proferido por Jair Bolsonaro, 38° presidente do Brasil, que cumpria seu primeiro ano de mandato. A opinião pública internacional estava curiosa para saber como se comportaria o controverso chefe de Estado brasileiro em sua estreia no mais importante foro da política mundial. Conhecido pelo comportamento agressivo, Bolsonaro jamais demonstrou apreço pelo decoro diplomático. Na ONU, o mandatário adotaria tom mais sóbrio? Em parte, o fez, mas sem abandonar a linguagem crítica que havia pavimentado sua vitória nas eleições presidenciais de 2018. “Corrupção generalizada”, “caos”, “roubalheira”, “sujeira” são termos recorrentemente utilizados por Bolsonaro para definir o período que antecedeu sua chegada ao Palácio do Planalto e que nos manuais de história política brasileira costuma ser chamado de “Nova República”. Apesar de ser concentrada no Partido dos Trabalhadores, a crítica se estende à totalidade do sistema político fundado pela constituição de 1988. Para Bolsonaro, desde o fim da Ditadura Militar que a crise era elemento constante na história brasileira. O Brasil recente é representado, então, através de diversos signos de crise. Meu objetivo neste artigo é investigar a mobilização desses signos de crise na imaginação política bolsonarista. Analiso discursos, entrevistas, lives, peças de propaganda eleitoral e reuniões de governo que vieram a público em diferentes circunstâncias. Não me debruço apenas sobre as manifestações do próprio Jair Bolsonaro. Também estou interessado na linguagem política produzida por seus aliados e apoiadores, aquilo que Angela Alonso (2019) chamou de “comunidade moral bolsonarista”. Inicio a análise no primeiro semestre de 2014, quando Jair Bolsonaro se tornou fenômeno midiático na internet. Concluo o estudo em dezembro de 2022, no fim do governo Bolsonaro, quando, junto com seus aliados, o então presidente tramava um golpe de Estado para tentar reverter o resultado das eleições presidenciais vencidas por Luiz Inácio Lula da Silva. Ao utilizar a categoria “imaginação política”, estou inspirado pelos estudos desenvolvidos por Wanderley Guilherme dos Santos Não sou o primeiro a fazer esse movimento teórico. Em artigo escrito a seis mãos, Cairo Barbosa, Gabriel Mello e Renan Moraes (2022) utilizam a categoria “imaginação política” para examinar o lugar das tópicas da democracia racial, do patrimonialismo e da corrupção no repertório bolsonarista. . Como acontece com toda apropriação teórica, também aqui é necessário algum exercício de adaptação. Wanderley Guilherme definiu “imaginação política” como as “avaliações políticas que alguns homens de percepção educada, comprometidos com o público de uma forma ou de outra, são compelidos a fazer [...] a fim de oferecer uma explicação racional para as suas audiências” (SANTOS, 2017: 37). O autor estava debruçado sobre textos escritos pelos mais emblemáticos representantes daquilo que se convencionou chamar de “pensamento social brasileiro”: Alberto Torres, Oliveira Vianna, Azevedo Amaral, Francisco Campos, entre outros tantos letrados estão entre as fontes examinadas por Wanderley Guilherme. As fontes com as quais trabalho neste texto são diferentes. Como não existe um tratado teórico bolsonarista, é necessário analisar discursos fragmentados em memes, postagens em mídias digitais e lives. Manifestações lacunares e um tanto imprecisas, mas que nem por isso carecem de sentido e racionalidade interna, e aqui parto do princípio de que toda manifestação humana é dotada de sentido e racionalidade interna, até mesmo as mais grotescas e eticamente repulsivas. Tal como os intelectuais estudados por Wanderley Guilherme, a comunidade moral bolsonarista também estava preocupada em municiar sua audiência com leituras da realidade que pudessem inspirar determinados tipos de comportamento político. A categoria “imaginação política” foi delineada para o estudo da história intelectual brasileira, mas acredito ser possível ampliá-la para o campo dos estudos das linguagens políticas que não necessariamente foram verbalizadas em código letrado. Penso que o próprio Wanderley Guilherme abre a brecha que permite minha apropriação um tanto plástica de sua formulação teórica. Diante das discussões envolvendo a natureza epistemológica do “pensamento social brasileiro”, Wanderley Guilherme deixou claro que não lhe interessava definir se os autores analisados eram ou não cientistas, se produziam ou não ciência social. O mais importante era perceber como os textos expressavam uma “imaginação social” (categoria buscada em Wright Mills) que remetia a uma determinada “cultura política”. Este é o ponto fundamental, exatamente onde busco inspiração. Não estou preocupado em mensurar o mérito intelectual e a sofisticação epistemológica dos discursos produzidos pela comunidade moral bolsonarista. As maneiras como esses agentes políticos imaginam a realidade traduzem uma cultura política Tomo o conceito no sentido que lhe foi atribuído por Pierre Rosanvallon: “o conjunto de representações, de conceitualizações e de princípios de ação, implícitos e explícitos formando a ossatura mental e instrumental de uma dada visão do político” (ROSANVALLON, 2021: 32). atravessada pelo signo da crise estrutural da sociedade brasileira. Ao imaginar a realidade política nacional no passado, no presente e no futuro, a comunidade moral bolsonarista formulou memórias, diagnósticos e utopias, sempre a partir de signos de crise. São as especificidades desses signos e suas conexões semânticas entre si que tomo como objeto de estudos neste artigo. O texto está dividido em quatro partes, dedicadas a cada um dos signos de crise que acredito serem constitutivos da imaginação política bolsonarista. Primeiro, examino a dupla dimensão semântica do signo da crise como a corrupção total da sociedade brasileira, entendida como roubo de dinheiro público por parte dos políticos profissionais e como os ataques perpetrados pela esquerda aos valores que formam o arranjo familiar patriarcal. Em seguida, me dedico ao signo da crise da democracia representativa, o que levou a comunidade moral bolsonarista a imaginar um modelo de democracia alternativo ao previsto na constituição brasileira. Depois, analiso o signo da crise econômica, fundado na crítica ao “gigantismo estatal” formulada por Paulo Guedes, ministro da economia e um dos mais importantes integrantes do governo Bolsonaro. Por último, me debruço sobre o signo da crise da segurança pública, que serviu como moldura discursiva para o projeto da revolução bolsonarista. O signo da crise como a corrupção generalizada da sociedade brasileira Estamos há 16 meses sem corrupção. Sem criança tocando homem nu, sem crucifixo no rabo. Só isso já valeu meu voto. (BOLSONARO apud BARRETO JR., 2021: 32). A bibliografia especializada na crise democrática brasileira já demonstrou os vínculos entre a ascensão do então inexpressivo deputado federal Jair Bolsonaro à Presidência da República e a experiência da crise política iniciada em junho de 2013. Apesar das vigorosas disputas pelo sentido daquilo que, a partir da formulação do filósofo Paulo Arantes Em 22 de junho de 2023, o filósofo Paulo Arantes concedeu uma entrevista ao jornal “O Estado de São Paulo” onde analisou as revoltas populares que estavam acontecendo na capital paulista. Para ele, tratava-se de uma “rebelião popular, jovem que tensionava à esquerda o sistema político (...) em síntese: uma jornada”. Assim se cristalizou a nomenclatura, que positivava o acontecimento, como se fosse a manifestação do aprofundamento da democracia brasileira., passou a ser chamado de “jornadas de junho de 2013”, está relativamente consensuado que é possível localizar nesse momento o início do colapso do sistema político inaugurado no final da década de 1980 (RAUTER, 2020; SOUZA, 2016; SINGER, 2013; ORTELLADO, 2013) Há duas exceções nessa bibliografia que merecem destaque. Os livros “A democracia impedida”, de Wanderley Guilherme dos Santos, e “Treze: a política de Rua de Lula e Dilma” de Angela Alonso, tratam junho de 2013 como o desfecho de um processo e não exatamente como a inauguração de uma experiência nova. Para Wanderley Guilherme (2017), Junho de 2013 foi a explosão do acúmulo de crises políticas gestadas no período compreendido entre 2005 e 2007, na ocasião da construção da ação penal 470, vulgo “mensalão”. Já Angela Alonso (2023: 12) argumenta que “junho de 2013 não foi o começo do que veio depois, mas sim o resultado do que veio antes”. As revoltas nesse sentido seriam a consequência dos conflitos não resolvidos pelas administrações petistas com seus adversários de esquerda e de direita.. Ficou conhecido na época o “Batman dos protestos”, personagem interpretado por Maycon de Freitas que alegorizava aquela que se tornaria a agenda vitoriosa de Junho de 2013. Eu e meus amigos estamos cansados de tanta história de corrupção e impunidade. Sabe quanto desaparece dos cofres públicos todo ano no Brasil? 200 bilhões de reais. Isso é dinheiro nosso, da sociedade, do povo, que precisa de mais saúde, educação e segurança. Com essa dinheirada, vamos poder comer melhor, nos vestir melhor (FREITAS, 2013, s/p.). Reivindicações por melhoria no transporte público, críticas à violência policial sobre as populações periféricas e a denúncia da insuficiência da democracia com a máxima “não me representa” eram as pautas discutidas nas ruas. A multiplicidade de reivindicações que pautaram o início das “jornadas” foi ofuscada pela agenda anticorrupção, nos termos em que está formulada nas palavras do “Batman”. Estou interessado especialmente nos desdobramentos das “jornadas”, até porque, já no primeiro semestre de 2014, um certo deputado federal se apresentou pela primeira vez como pré-candidato às eleições presidenciais. “Se eu me candidatasse a deputado, ganharia fácil pela sétima vez, com número recorde de votos. Mas de que adianta ser deputado e ficar assistindo o país afundar? Tenho que fazer alguma coisa. Se não for candidato, quero ser vice na chapa do Aécio” (BOLSONARO, 2014, s/p.). A corrida presidencial apenas começava e Jair Bolsonaro já se lançava na disputa, mesmo sem apoio do seu partido, na época o Partido Progressista (PP). O ambicioso deputado travava uma luta interna no partido, chegando a dizer que Ciro Nogueira, presidente da legenda, era “covarde”, e que a recusa em apoiar sua candidatura se devia ao “interesse em ter favores do PT, algo muito grave, pois, sem comentar corrupção, que é a especialidade deste governo, tem a questão da ideologia. No ensino fundamental, 30 milhões de garotos são envenenados diariamente com a doutrina marxista” (BOLSONARO, 2014, s/p.). “Corrupção” e “doutrinação ideológica de esquerda nas escolas”: temos aí as duas críticas que projetaram nacionalmente a imagem de Jair Bolsonaro. Para o deputado, os governos petistas eram corruptos não apenas porque roubavam dinheiro público, mas também porque corrompiam a sociedade, as famílias e sobretudo as crianças através da doutrinação ideológica. O próprio roubo não seria destinado apenas ao enriquecimento pessoal dos políticos corruptos, pois era também direcionado à guerra cultural nas escolas, na forma da “ideologia de gênero” e de outros ataques aos “valores da família”. Portanto, na entrevista ao Infomoney, Bolsonaro formulou pela primeira vez de forma mais sistemática na imprensa convencional aquela que se tornaria sua matriz discursiva, sua crítica: o PT, tratado como o partido político síntese da “Nova República”, era o corruptor geral da sociedade brasileira. Essa era a crise que ele prometia resolver. Mesmo ciente da dificuldade em viabilizar a candidatura, o deputado solicitou aos institutos de pesquisa que inserissem seu nome nas sondagens eleitorais, o que não aconteceu. O desejo de ser vice na chapa do então senador Aécio Neves também não foi atendido. Jair Bolsonaro tinha real noção do seu isolamento político, mas também conhecia sua força. “Muita gente foge de mim. Eu sou meu marqueteiro, empresário, tesoureiro. Claro, tem o pessoal que trabalha comigo, que é muito bom, mas eu me viro sozinho. E, mesmo assim, segundo as pesquisas de internet hoje, eu seria eleito presidente” (BOLSONARO, 2014, s/p.). O isolamento na política institucional seria compensado pela força na internet, a nova praça pública. Bolsonaro estava se apresentando como o outsider do sistema corrompido, como o político diferente que não fazendo parte dos esquemas de corrupção estaria mais habilitado para salvar o país. De fato, ele saiu fortalecido do cataclisma de junho de 2013. Em parte, essa força se devia a uma manifestação do ministro do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, em 18 de setembro de 2012, na ocasião do julgamento da Ação Penal 470, que no noticiário político ficou conhecida como “mensalão”. Segundo Barbosa, Bolsonaro tinha sido o único deputado do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) que não recebeu dinheiro do governo petista no momento da votação da reforma da previdência de 2003. O julgamento teve grande repercussão social e marcou o começo do modus operandi que dois anos depois seria retomado pela Operação Lava Jato, caracterizado pela associação entre poder judiciário, autoridades policiais e mainstream midiático (SANTOS, 2017). Bolsonaro explorou ad nauseam a declaração de Joaquim Barbosa, transformando o juiz em seu fiador. Em 2018, o próprio Joaquim Barbosa declarou publicamente que não votaria em Bolsonaro, mas naquela altura o deputado federal já tinha por quatro anos surfado na onda do “tribunal moral” inaugurado no julgamento do mensalão e consolidado definitivamente no imaginário coletivo pela “Operação Lava Jato”. Jair Bolsonaro conseguiu convencer parte numericamente relevante da sociedade brasileira de que “o critério primordial para o exercício da política, quase que exclusivo, era a retidão e a honestidade, à frente de tantos outros como experiência administrativa, competência, boas propostas, rede de apoios, dentre outros” (PINHA, 2020: 366). Em 2014, as articulações político/eleitorais derrotaram Jair Bolsonaro. O deputado não teve apoio de seu partido. Por outro lado, seus prognósticos de que teria votação recorde na disputa para o poder legislativo foram confirmados, já que foi reeleito como o deputado federal mais votado pelo estado do Rio de Janeiro. Pelos próximos quatro anos, Bolsonaro usaria a estrutura do seu mandato parlamentar para viajar pelo Brasil, se apresentando como o único político honesto capaz de salvar o país da corrupção, tanto no que se refere ao roubo do dinheiro público como em relação aos valores familiares. Era possível perceber o sucesso da empreitada já em 2017, quando as pretensões presidenciais do deputado começaram a ser levadas a sério pelos principais veículos da imprensa brasileira. O personagem caricato tinha se tornado um dos favoritos na disputa, já aparecendo com 11% das intenções de votos na pesquisa contratada pela CNT/MDA e divulgada em março de 2017, ocupando a segunda posição, empatado com Aécio Neves e Marina Silva, protagonistas nas eleições presidenciais de 2014. O bolsonarismo, definitivamente, era parte do repertório político e ideológico nacional. Em 2 de abril de 2017, o jornal “Estadão” publicou uma longa entrevista com Jair Bolsonaro. Intitulada “Um fantasma ronda o planalto”, a entrevista estampa fotos onde Bolsonaro aparece em primeiro plano, sorrindo, retratado não mais como deputado outsider, mas como presidenciável competitivo. A chamada dizia que “o deputado constrói nas redes sociais e em viagens pelo Brasil o caminho para sua candidatura à Presidência da República em 2018 e ganha cada dia mais seguidores na internet”. Bolsonaro era fenômeno midiático, com seus posts de desafio ao “politicamente correto” alcançando milhares de interações. Na entrevista, ele reconhece que o “kit gay foi uma catapulta” em sua carreira política, referindo-se ao material técnico produzido pelo Ministério da Educação durante a gestão de Fernando Haddad e que tinha o objetivo de preparar os professores para o tratamento de questões relativas à diversidade sexual. O material não chegou a ser distribuído, mas para Bolsonaro isso pouco importava. O deputado associava “kit gay” ao “esquema de corrupção que o PT impõe ao país que ao mesmo tempo que rouba o dinheiro dos nossos impostos e corrompe nossas crianças” (BOLSONARO, 2017, s/p.). “Roubar dinheiro público”, portanto, não era apenas um desvio de caráter individual, um crime cometido por políticos desonestos. Era um projeto político sistêmico, cujo objetivo era, ao mesmo tempo, predar as contas públicas e financiar os ataques à moral familiar, sobretudo através da escola e das artes. É como se Bolsonaro estivesse alargando o conceito de corrupção para além do seu sentido usual na história política brasileira, conferindo-lhe outra dimensão concreta, associada ao ataque à família. Educação e cultura, então, se tornavam alvo da artilharia crítica do deputado, definidas como setores estratégicos para a guerra cultural que estaria sendo movida pela esquerda. A mesma associação foi feita por vários integrantes da comunidade moral bolsonarista. Na citação que apresento como epígrafe a esta seção, Flávio Bolsonaro, então senador, argumenta que o sucesso do governo de seu pai se dava pelo simples fato de não existir corrupção, em seu duplo sentido, o político e o moral. O dinheiro público e as famílias estariam protegidos. Na jornada bolsonarista em defesa dos “valores familiares” é fundamental a figura de Damares Alves, ministra da mulher, família e direitos humanos durante os quatro anos do governo Bolsonaro. Até então desconhecida do grande público, a advogada Damares Alves iniciou sua carreira política em 2015 como assessora do senador Magno Malta (PL/ES). Damares chamou atenção no momento em que foi anunciada como ministra, em 6 de dezembro de 2018. Onyx Lorenzoni, que comandaria o Ministério da Casa Civil entre 2019 e 2020, definiu Damares como uma “advogada e pastora evangélica, responsável por zelar pelos valores tão defendidos pelo presidente Bolsonaro durante a campanha” (LORENZONI, 2018, s/p.). Damares se tornou a guardiã dos “valores” no governo e símbolo de um curioso feminismo conservador que vem sendo mobilizado pela extrema direita em diversos países do mundo com o objetivo de ampliar suas bases sociais de apoio. Essa modalidade de empoderamento feminino está baseada na imagem da mulher biológica, mãe, a partir de uma “estrutura binária de gênero”, onde as “diferenças físico-biológicas entre homens e mulheres servem como fundamento para a naturalização de papéis sociais relacionados ao gênero, como os papéis de cuidado que são atribuídos, nesse perspectiva, essencialmente às mulheres” (ROCHA; SOLANO; SENDRETTI, 2022: 3). O sociólogo italiano Andreas Kember (2016) definiu essa leitura biologizante dos papéis sociais masculino e feminino com o termo “familismo”, no qual a família tradicional tem importância biopolítica, cabendo especialmente às mães protegerem seus filhos das ameaças externas, representadas no vocabulário das extremas direitas contemporâneas pela suposta conspiração cultural e comportamental comandada pelas esquerdas. O “familismo” foi enunciado explicitamente na campanha eleitoral de 2022, quando Jair Bolsonaro tentou a reeleição para a presidência da República. A propaganda que foi transmitida em rede nacional de rádio e TV em 3 de setembro de 2022 dizia que “nas mãos de uma mulher você encontra vida, conforto e um futuro melhor. Quando Bolsonaro assumiu, o Brasil vivia uma crise moral e econômica, mas ele acreditou na força das mulheres” (PODER 360, propaganda eleitoral de Jair Bolsonaro, 3/9/2022). No Brasil recente, ninguém melhor que Damares performou esse papel da mãe conservadora e defensora das crianças dos assédios da esquerda (MIGUEL, 2021). O compromisso com essa agenda ficou claro já no icônico episódio de sua filiação ao partido político Republicanos (REP), ainda 3 de janeiro de 2019, nos primeiros dias do governo Bolsonaro. Damares Alves anunciou uma “nova era” no Brasil, em que “menino veste azul e menina veste rosa”. Temos aqui a manifestação explícita da biopolítica familista da qual fala Andreas Kemper. Não demorou muito para que Damares se tornasse uma das figuras mais emblemáticas do gabinete bolsonarista, sendo frequentemente amplificada pela imprensa em virtude de suas declarações controversas. Colocando-se sempre como a responsável por defender os “valores do governo”, a ministra não se constrangeu em criar crispações até mesmo com seus colegas de gabinete. Podemos visualizar Damares Alves em plena ação na reunião ministerial realizada em 22 de abril de 2020. O vídeo foi publicizado em 22 de maio do mesmo ano por determinação do Supremo Tribunal Federal, na ocasião da crise instaurada pelas denúncias de Sérgio Moro, então ministro da justiça, de que Bolsonaro estaria usando a Polícia Federal para interesses pessoais. Damares Alves roubou a cena em diversos momentos da reunião. Braga Netto, ministro-chefe da Casa Civil, abriu os trabalhos, apresentando um plano para recuperar a economia brasileira depois da pandemia da Covid-19. Dirigindo-se diretamente a Braga Netto, Damares disse: Ministro, parabéns pela ideia, mas eu preciso lembrar, é, e eu preciso fazer sempre isso, para que a gente não perca o foco, a questão de valores, ministro. Esse governo tem o pilar dos valores. Não se pode construir nada nesse governo, sem a gente trazer valores (ALVES, 2020). A ministra faria observação semelhante para mais outros dois colegas. Ao recém-nomeado Nelson Teich, Ministro da Saúde que participava de sua primeira reunião no governo, Damares disse: “O seu ministério, ministro, está lotado de feminista que tem uma pauta única, que é a liberação de aborto. Quero te lembrar, ministro que está chegando agora, que este governo é um governo pró-vida, é um governo pró-família” (ALVES, 2020). Em seguida, Damares confrontou Marcelo Álvaro Antônio, responsável pela pasta do Turismo. Um tanto titubeante, o ministro abordava uma questão que sabia “ser sensível para a ministra Damares”. Tratava-se da regulamentação dos “resorts integrados”. Direcionando-se especificamente para Damares, como quem pede autorização, Marcelo Antônio diz: “não é bingo, não é legalização dos jogos, não é caça-níquel, é só divertimento para turistas adultos”. Damares interrompeu e de modo taxativo disse: “é coisa do diabo!”. Marcelo Antônio pediu a Braga Neto o agendamento de uma reunião para discutir o tema, pois as expectativas de arrecadação seriam na ordem de “27 bilhões por ano”. O presidente Jair Bolsonaro disse: “ok, mas chamem a Damares também”. No gabinete ministerial formado quase exclusivamente por homens (Tereza Cristina, da Agricultura, e Damares eram as únicas mulheres), Bolsonaro deixava claro que sua ministra da mulher, dos direitos humanos e da família era alguém cuja opinião deveria ser considerada. Em entrevista concedida ao programa “Sem Censura”, em 28 de janeiro de 2022, a própria Damares Alves reconheceu ter sido sempre “muito prestigiada pelo presidente Bolsonaro”. Diz ela que, “ali, no meio de tantos homens, sempre fui tratada de igual para igual. (...) O presidente Bolsonaro e eu somos uma bela dupla, ele combate a corrupção na política e eu combato a corrupção dos valores da família” (ALVES, 2020). Combater os políticos profissionais que roubam dinheiro público e confrontar aqueles que atacam os valores da família tradicional seriam partes complementares do mesmo esforço saneador que o bolsonarismo estariam promovendo no Brasil. O próprio Jair Bolsonaro acionou o argumento diversas vezes, como no discurso que fez na Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), em 21 de maio de 2018: Tenho algo a dizer que há algo muito mais grave no nosso Brasil do que a corrupção: é a questão ideológica, com a ideologia de gênero. Isso tem tomado grande parte a nossa juventude. Olha, o PT roubou e gastou o dobro do que vinha gastando anteriormente na questão da educação e a sua qualidade caiu. Grande parte nas universidades e nas nossas escolas não foram profissionais que lá na frente alavancariam a nossa economia. Formam apenas militantes. Bem, como começar a desconstruir isso tudo aí? Bem, a história não é tão complicada assim. Tem que tirar a gasolina deles, tirar o dinheiro, impedindo que eles assaltem os cofres públicos (BOLSONARO, 2018). Bolsonaro havia sido convidado pelo empresariado fluminense para discutir a recuperação econômica do Rio de Janeiro. Praticamente não tocou no assunto e fez um dos discursos mais ideológicos daquela campanha eleitoral. Importante destacar como ele coloca a “corrupção” e a “questão ideológica” como parte da mesma ofensiva corruptora do PT contra a sociedade brasileira. O vínculo entre uma coisa e outra era estabelecido pelo dinheiro que os petistas teriam roubado não apenas para enriquecer seus líderes, mas também para financiar a “doutrinação ideológica” nas escolas e universidades. Se o problema era o mesmo, a solução também precisava ser única: combater a corrupção e, assim, tirar a “gasolina” dos corruptores, ou seja, o dinheiro público roubado que movia a máquina de doutrinação ideológica. Radicalizando a metáfora, Bolsonaro prometeu “entrar no ministério da educação com um lança-chamas para tirar todos os simpatizantes do Paulo Freire de lá, tem que ser assim. Queremos realmente nos salvar” (BOLSONARO, 2018). “Salvação”. Era exatamente isso que o deputado estava prometendo. Salvar as crianças, as famílias e a sociedade brasileira como um todo. Afinal, “com tanta corrupção como o eleitor, o cidadão comum, vai confiar na política, como vai confiar que o político em que ele votou está cuidando de seus interesses?”. Aqui, vemos Jair Bolsonaro formulando o enunciado que nos leva a outro signo de crise constitutivo da imaginação política bolsonarista: a crise da democracia representativa, uma crise, sobretudo, de confiança, pois diante de tanta “corrupção e roubalheira”, o cidadão comum não acreditaria mais na capacidade dos políticos profissionais em representá-lo. A partir dessa crítica, a comunidade moral bolsonarista imaginou um modelo alternativo de democracia. Este é o tema da próxima seção. O signo da crise da democracia representativa Que nesse grupo, a gente tá discutindo uma saída plebiscitária. Seria uma proposta de um plebiscito para dissolver a alta instância do judiciário né.... A.... O STJ e o STF e criar uma nova corte constitucional nos moldes da americana. Sabe?! Que julgue só casos constitucionais. (....) Acho que foi em 2003 ou em 2006 que mudaram e o STJ e o STF passaram a ser instância recursal para tudo no Brasil e virou essa salada e esse extremo poder que eles têm para tudo (FAKHOURY apud BARRETO JR., 2021, p. 182, grifo meu). Em 27 de maio de 2020, a Polícia Federal deflagou uma operação no âmbito do “Inquérito das Fakenews”. Os alvos foram aliados de Jair Bolsonaro, incluindo empresários que participavam de um grupo de Whatsapp onde organizavam seu apoio ao então presidente da Repúlica. Otávio Fakhoury, que na sua página do Instagram se define como “empresário, investidor no mercado financeiro, conservador, anticomunista e antiglobalista”, era um dos participantes mais entusiasmados do grupo. Para Fakhoury, as “instituições da democracia brasileira haviam sido corrompidas pela esquerda em uma lenta guerra cultural de ocupação de território”. O vocabulário acionado está em consonância com as manifestações políticas da extrema direita contemporânea em diversos países do mundo. Steven Forty (2023) demonstra como a noção de “guerra cultural” que as novas direitas buscam em Antonio Gramsci foi estratégica para manter vivo o sentimento anticomunista depois do fim da Guerra Fria. Com o desaparecimento da União Soviética e do muro de Berlim não era mais possível sustentar o anticomunismo na imagem de uma ameaça militar e geopolítica concreta. Restou formular o espectro de uma grande conspiração cultural que estaria sendo coordenada pelo “marxismo global” através seus “aparelhos ideológicos” (outra categoria retirada dos escritos de Gramsci), como a grande imprensa e as universidades. No Brasil, Olavo de Carvalho foi grande divulgador desse inusitado “gramscismo de direita”, para utilizarmos as palavras de Forti. O autoproclamado filósofo acreditava que a “esquerda” havia vencido a “guerra cultural” na sociedade civil e tinha conseguido ocupar não apenas os “aparelhos propriamente culturais”, como universidades, imprensa, campo artístico, mas também os “aparelhos diretamente institucionais”, como o poder judiciário, o que na prática significava a corrupção do sistema de justiça e da própria democracia brasileira (ARAUJO; SILVA; SUGAMOSTO, 2021). São essas formulações que inspiram a crítica política elaborada por Otávio Fakhoury. Já que as instituições estavam corrompidas pela esquerda, o “povo”, entendido como a última trincheira da virtude moral, deveria tomar para si o comando da democracia. Por isso, o desejo pelo plebiscito, através do qual seria possível ouvir diretamente a opinião do “povo”, sem a mediação corrompida e corruptora das instituições da democracia representativa. Diversos integrantes da comunidade moral bolsonarista ecoaram esse argumento com a máxima “o supremo é o povo”. Em entrevista concedida ao jornal “Estadão” em setembro de 2021, Onyx Lorenzoni, na época ministro do trabalho e previdência, disse que “vamos levar nossa alma e nosso coração pelas ruas do Brasil para que fique muito claro que supremo é o povo brasileiro” (LORENZONI apud BARRETO JR., 2022, p. 233). A máxima significava um chamado à rebelião popular, pois o “povo”, detentor da verdadeira soberania, seria legítimo para confrontar as instituições que a democracia liberal definiu como mediadoras da vontade popular. Também em setembro de 2021, em entrevista ao site “Metrópoles”, o blogueiro bolsonarista Wellington Macedo falava abertamente que “o povo está vindo a Brasília para tomar o poder e tomar o poder significa invadir a estrutura física, sim, tanto do supremo quanto do Congresso” (MACEDO apud BARRETO JR., 2021, p. 230). A promessa seria cumprida dezesseis meses depois, na tentativa do golpe de 8 de janeiro de 2023. Durante os quatro anos de governo, o próprio presidente Jair Bolsonaro esteve empenhado no constante esforço de agitação de parte da sociedade brasileira no sentido da ruptura com as autoridades instituídas. Esse chamado à rebelião tem seu lugar em um modelo de democracia imaginado como ideal, onde o “povo” manifestaria livremente suas vontades, sem deturpação imposta por instituições corrompidas. Era exatamente esse o argumento mobilizado por Jair Bolsonaro na sua defesa do voto impresso nas eleições presidenciais de 2022. Não podemos admitir que o ministro valide apenas a vontade dele, ele tem que estar subordinado à vontade popular. Pode ter certeza que se o povo assim decidir [pelo voto impresso auditável], que tem que ser dessa maneira, assim será feito. (...) Se o ministro [do STF, Luís Roberto] Barroso (e presidente do TSE] continuar sendo insensível, como parece que está sendo insensível, quer um processo contra mim, se o povo assim desejar – porque eu devo lealdade ao povo brasileiro – uma concentração na paulista para darmos o último recado para aqueles que ousam açoitar a democracia. Repito: o último recado. (...) Se o povo estiver comigo, nós vamos fazer o que a vontade popular seja cumprida (BOLSONARO apud BARRETO JR., 2021, pp. 205-206, grifos meus). Era agosto de 2021 e o presidente estava empenhado em desestabilizar o processo eleitoral que aconteceria somente no ano seguinte. O antagonista na ocasião era Luís Roberto Barroso, ministro do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o TSE. Barroso já tinha vetado a possibilidade de o voto impresso ser adotado nas eleições brasileiras, argumentando que a segurança das urnas eletrônicas já tinha sito atestada por observadores do mundo inteiro. Falando em nome do que dizia ser a “vontade do povo”, Jair Bolsonaro negou ao poder judiciário a possibilidade de exercer a autoridade contra majoritária, que é exatamente sua vocação nas democracias modernas, com demonstrou o próprio Barroso (2018) em texto acadêmico sobre teoria constitucional. Mas na gramática política bolsonarista, a única autoridade reconhecida como legítima, portanto, seria a do próprio “povo”, manifestada plebiscitariamente em consulta direta. Jair Bolsonaro aparentava ter a convicção de que, se fosse consultado, o “povo brasileiro” endossaria a sua reivindicação pelo voto impresso. Segundo Pierre Rosanvallon (2021, p. 75), essa “idealização do referendo pretende privilegiar a democracia direta, imediata e espontânea” caracteriza o discurso político formulado pelas extremas direitas contemporâneas. Nesse sentido, a democracia imaginada como ideal pela extrema direita atribui autoridade moral apenas aos políticos eleitos diretamente pelo “povo”, definindo, assim, como ilegítimas as autoridades não eleitas, como aquelas que ocupam o poder judiciário, alvo prioritário dos ataques. A extrema direita desassociou democracia e liberalismo, trazendo à luz do dia uma espécie de “democracia iliberal”, como formulou Yascha Mounk (2019). Mas quem seria esse “povo” tão evocado na imaginação política bolsonarista? O próprio Jair Bolsonaro esclarece: “Somos um país cristão. Não existe essa história de Estado laico, não. O Estado é cristão (...). As minorias têm que se curvar à maioria. As minorias se adequam ou simplesmente desaparecem” (BOLSONARO apud BARRETO JR., 2021, p. 17). Era final de outubro de 2018, momento mais agudo da corrida eleitoral, e o candidato favorito dizia explicitamente que sua concepção de “povo” não contemplava a totalidade da população brasileira, que ele dividia em duas partes: a maioria e as minorias. As minorias seriam constituídas por grupos heterogêneos, diferentes entre si, sem nenhum tipo de vínculo orgânico com a totalidade da nação. Pessoas LGBTQIAPN+, integrantes do movimento feminista e do movimento negro, todos são tratados como bolhas de identidade isoladas que, em última instância, seriam cidadãos de segunda classe, a quem caberia a submissão ou o desaparecimento. Abraham Weintraub, ministro da educação, também abordou o assunto na reunião de 20 de abril de 2020. Odeio o termo “povos indígenas”, odeio. Povos ciganos. Só tem um povo nesse país, quer, quer, não quer segue ré: é povo brasileiro. Pode ser preto, pode ser branco, pode ser japonês, pode ser descendente de índio, mas tem que ser brasileiro. (...) Só pode ter um povo. (WEINTRAUB, 2020, grifos meus). As palavras de Weintraub expressam total rejeição à diversidade. O “povo” é definido como maioria relativamente homogênea formada por cristãos, pela “família tradicional”, “pelos cidadãos de bem”. Qualquer eventual diferença era perniciosa diante da única identidade legítima: a brasileira. Em encontro com lideranças evangélicas realizado em 13 de outubro de 2021, Jair Bolsonaro reforçou a imagem da homogeneidade do “povo”, fundada em critérios de superioridade moral: “A maioria esmagadora do povo brasileiro são pessoas do bem. Respeitamos as minorias, mas as leis são para que eles se mantenham na linha e não nós, que já estamos na linha” (BOLSONARO apud BARRETO JR., 2021, p. 281). Tratado como ente singular coletivo, o “povo” sequer precisaria das “leis”, consideradas somente na sua função de controle social, pois seria formado por pessoas que essencialmente honestas e moralmente qualificadas. Já os demais, minorias amorfas e potencialmente desviantes, precisavam das leis para serem contidos nos limites da ordem. Pierre Rosanvallon definiu essa idealização do “povo-unidade” como expressão de um “povo-corpo cívico, em referência a um povo social, assimilado a uma parte específica da população” (ROSANVALLON, 2021, p. 63). Segundo o autor, esse é outro elemento central da democracia alternativa imaginada pela extrema direita. O caso brasileiro parece confirmar a conceitualização sugerida pelo politólogo francês, pois ao desenhar o povo como totalidade homogênea detentora da virtude, o bolsonarismo induziu o confronto redentor entre o “povo” e as instituições mediadoras. Trata-se da rejeição radical da democracia liberal, considerada confiscatória da democracia autêntica. Mas como esse modelo de democracia idealizado como superior e autêntico seria possível nas modernas sociedades de massa? A resposta passa pela imaginação de um líder que não se restringe a representar o povo. Sua função deveria ser a exata projeção do povo no poder. Esse líder, obviamente, seira o próprio Jair Bolsonaro, que já em 2016 dizia “não falo o que o povo quer, eu sou o que o povo quer porque eu sou o povo” (BOSLONARO apud BARRETO JR., 2021, p. 17). O então deputado federal estava implodindo o princípio da diferença entre representante e representado que está no fundamento das democracias modernas. Trata-se, segundo Robert Dahl, da “transcendência republicana, que afirma a distância entre o cidadão comum que delega sua soberania no rito eleitoral e o político de ofício, o destinatário dessa delegação” (DAHL, 1999, p. 43). Essa “transcendência” demanda um gesto cognitivo de natureza abstrata baseado na confiança na eficiência política da alteridade. Depois de concluído o “rito eleitoral”, o cidadão precisa confiar que outra pessoa, o político de ofício que foi eleito, representará de fato seus interesses no plano do poder. Essa abstração sempre esteve sujeita às tensões e às crises, pois a história da democracia é a história de sua crise, de sua “indeterminação”, para usarmos as palavras de Pierre Rosanvallon. Nesse sentido, a disrupção operada pela extrema direita pode ser inserida na história da “indeterminação democrática”, que “ao longo dos dois últimos séculos despertou tanto expectativas em relação ao seu aperfeiçoamento como desencantamentos”, na medida em que “o sujeito da democracia, seu objeto e seus procedimentos serem estruturalmente ligados a tensões, ambiguidades, paradoxos, aporias, assimetrias e a sobreposições que tornam sua definição e concepção problemáticas” (ROSANVALLON, 2021, pp. 26-27). No entanto, e o próprio Rosanvallon admite, o século XXI levou a indeterminação democrática a um nível tão estrutural que o próprio sistema está em crise, e no mundo inteiro. Essa crise é potencializada pela desconfiança na real capacidade do “político de ofício” em representar os interesses do cidadão comum. Mas há, também, outro elemento que precisa ser levado em consideração: a demanda por igualitarismo em contraposição ao primado da diferença que funda a concepção moderna e liberal de representação política. No recorte cronológico analisado neste artigo, Jair Bolsonaro foi quem melhor se apropriou tanto da desconfiança geral com a classe política como da demanda social por igualitarismo. É emblemático o embate entre Bolsonaro e o historiador Marco Antonio Vila no contexto da campanha eleitoral de 2018. O senhor demonstra profundo desconhecimento das atribuições do poder executivo. Sendo muito sincero, o senhor parece um cidadão comum e não um candidato a presidente da República de uma das maiores economias do mundo. Então, atribuições que muitas vezes são dos estados, o senhor acha que é do executivo federal, o que o senhor acha que é do senhor, é do congresso, então, o senhor sequer sabe quais são as atribuições (VILA, 2018, grifos meus). Vila, em nenhum momento eu falei que vou fazer isso, ou aquilo. Eu acho que 90% da ação de qualquer presidente passa pelo parlamento. Eu me indigno, Vila, continuo sendo cidadão, de carne e osso, se eu morrer aqui agora eu vou cheirar tão mal quanto o cara que não tem nada e morreu no dia de ontem, então não acho um defeito parecer um cidadão comum, Vila, acho isso uma qualidade. (...) Vila, mas eu sou assim. Não vou sofrer uma metamorfose aqui, algumas coisas eu corrijo, mas eu sou isso mesmo, autêntico, uma pessoa comum (BOLSONARO, 2018, grifos meus). Já no fim da entrevista, mostrando impaciência com as respostas do presidenciável que considerava serem insatisfatórias, Vila sugeriu que Jair Bolsonaro não estava pronto para ser presidente da República. Para o historiador, o candidato parecia um “cidadão comum”, o que o desqualificaria para ocupar o cargo que pleiteava. Ao formular a crítica nestes termos, Vila mobilizou o princípio da representação política moderna, que como já sabemos afirma a diferença entre representante e representado. O político eleito não poderia se confundir com o cidadão comum, deveria ser melhor, mais preparado, fazendo jus, nas palavras de Alexis Tocqueville, ao “princípio transitório e contraditório da desigualdade democrática, pois a democracia precisa acionar a distinção e a desigualdade, ainda que de forma temporária e consensuada, para que fosse possível constituir uma elite política apta a governar” (TOCQUEVILLE, 1977, p. 78). Ao ouvir Jair Bolsonaro responder perguntas sobre economia, política-externa, segurança pública, Vila se convenceu de que estava diante de um homem comum e, portanto, despreparado para governar. Na resposta, sem nenhum constrangimento, Bolsonaro se assumiu como “cidadão comum”. Era a própria ideia de “democracia” que estava em disputa. Se Vila pensou a democracia na chave da representação liberal, Bolsonaro o fez na dimensão daquilo que Dominique Schnaper (2002) chamou de “democracia providencial”, fundada em três pilares: o “fetiche eleitoral”, segundo o qual a via eleitoral é a única forma de acesso legítimo ao poder; o “culto ao poder executivo”, definido como o mais próximo dos anseios populares; a denúncia da desigualdade entre representantes e representados como elemento de falseamento da própria democracia, com “o homo democraticus convencido de que somente pode ser representado por ele mesmo” (SCHNAPER, 2002, p. 52). Os três elementos podem ser identificados na democracia alternativa imaginada pela comunidade moral bolsonarista. Não à toa, o próprio Jair Bolsonaro fez do voto impresso uma prioridade, principalmente nas eleições de 2022, quando no cargo de presidente da República ele teve mais condições de tensionar com as autoridades eleitorais. O “voto impresso e auditável”, portanto, seria a única forma de garantir a confiabilidade das eleições, tratadas como o rito que praticamente esgota a experiência democrática. Essa exigência de transparência analógica era direcionada apenas às eleições para o poder executivo federal. As eleições para os executivos municipais e estaduais e as eleições para o poder legislativo não são objeto de tensionamento. O que está em questão é a disputa para a Presidência da República, considerada o cargo mais importante e legítimo, como a força de regeneração da própria democracia. Uma de minhas prioridades é proteger e revigorar a democracia brasileira, trabalhando arduamente para que ela deixe de ser apenas uma promessa formal e distante e passe a ser um componente substancial e tangível da vida política brasileira (BOLSONARO, 2019). Ao prometer “revigorar a democracia brasileira” no seu discurso de posse, o presidente recém-eleito elaborou também um diagnóstico sobre a situação política brasileira: a democracia teria sido reduzida à condição de mera formalidade, sendo urgente regenerá-la para que, de fato, pudesse se tornar “tangível” para a população. A ideia de “tangibilidade” é fundamental, pois nos leva diretamente ao terceiro aspecto da teoria da “democracia providencial” elaborada por Dominique Schnaper. O líder não deseja representar o povo, pois “representação” sugere que representante e representado sejam diferentes, que estejam em lugares diferentes. Na imaginação política bolsonarista, o líder deve ser o reflexo perfeito do povo no poder, um homem comum, para o arrepio de observadores como Marco Antonio Vila. Foi exatamente essa pretensão que Paulo Guedes captou ao ser perguntado, em setembro de 2021, se o comportamento de Jair Bolsonaro não poderia prejudicar a estabilidade da economia brasileira. Há pouca compreensão com o desprendimento do presidente, de querer ajudar a avançar com as coisas. Mas, também, estilo pessoal é estilo pessoal. Às vezes recebe críticas de um lado, aí reage à crítica também. Às vezes, não tão bem. Mas acho que o presidente é um fruto dessa democracia autêntica que estamos tentando construir (GUEDES, 2021). Os eventuais desvios comportamentais do presidente da República se justificariam pelo seu pertencimento ao “povo autêntico”. Bolsonaro seria o homem comum no poder e isso significava, para Guedes, a radicalização da própria democracia. Então, os possíveis excessos não seriam defeitos, mas sim virtudes, uma espécie de reconciliação da política brasileira com o povo real. O ministro da fazenda vocalizou a concepção de democracia imaginada pela comunidade moral bolsonarista, colocando a si mesmo como colaborador para a construção dessa “democracia autêntica” no Brasil. A seguir, concentro minha atenção em Paulo Guedes, especialmente no modo como ele transformou o signo da crise econômica em elemento fundamental para a imaginação política bolsonarista. O signo da crise econômica Na entrevista concedida à “Revista Veja” em 27 de novembro de 2017, Jair Bolsonaro anunciou pela primeira vez que, caso eleito, o economista Paulo Guedes seria seu ministro da fazenda. Guedes era citado com frequência, sempre na posição de consultor da campanha, já que o pré-candidato admitia ser um “leigo no tocante à economia”. “Minha relação com Guedes é de namoro, mas pode evoluir para um noivado caso eu vença a eleição” (BOLSONARO, 2017, s/p.). No editorial que introduz a entrevista, a própria “Revista Veja” questiona o real compromisso de Bolsonaro com o “liberalismo econômico”, sugerindo que o anúncio do nome de Paulo Guedes fazia parte de uma estratégia para conquistar o apoio do “mercado”. A trajetória política de Jair Bolsonaro justificava a desconfiança. Basta lembrar a entrevista que ele concedeu ao apresentador Jô Soares em 1999, quando disse que o então presidente Fernando Henrique Cardoso deveria ser fuzilado por conta das privatizações das empresas estatais que tinha promovido. Ainda na campanha eleitoral de 2018, Bolsonaro tinha dúvidas em relação à pauta das privatizações. Na já mencionada entrevista à rádio “Jovem Pan”, quando a jornalista Vera Magalhães o confrontou com sua trajetória de críticas ao liberalismo econômico, o candidato respondeu: “Mas é isso, a gente evolui, em muita coisa, independente até do Paulo Guedes. Temos consciência de que precisamos nos aproximar muito das propostas do Paulo Guedes, talvez não 100%, mas talvez 95%” (BOLSONARO, 2018). Bolsonaro reconhece que por anos foi contrário à agenda econômica liberal e tenta convencer seus interlocutores de que mudou de opinião. Porém, mesmo assim, diz não concordar “100%” com as ideias de Paulo Guedes. A ressalva tinha sido feita no dia anterior, em 21 de maio, na também já mencionada palestra na ACRJ. Depois de “pedir perdão antecipadamente” a Paulo Guedes, Bolsonaro elaborou uma curiosa metáfora: Uma coisa é eu chegar na chácara do colega aqui toda semana e comprar lá uma galinha e uma dúzia de ovos. Outra coisa é eu comprar o galinheiro dele. No dia seguinte, ele não vai ter certeza se vai poder botar no almoço de sua família um ovo cozido. Temos que nos preocupar com isso. Sou favorável, sim, às privatizações. As questões estratégicas, temos que olhar o modelo, para que no futuro não sejamos inquilinos de nós mesmos (BOLSONARO, 2018, grifos meus). Nas palavras ditas explicitamente, o deputado garantia seu compromisso com Paulo Guedes, reconhecido como um economista liberal ortodoxo e radical (BRESSER-PEREIRA, 2018). Porém, nas “franjas do discurso”, tomando de empréstimo a expressão formulada por Michel de Certeau (1982), Bolsonaro indicava que sua conversão ainda não estava completa. Então, de fato, o ceticismo dos entusiastas do neoliberalismo econômico posicionados no mainstream midiático tinha razão de existir. Mesmo desconfiados, esses setores da imprensa celebraram a escolha, tratando Guedes como a “reserva técnica” no gabinete bolsonarista, o fiador daquele que poderia ser o futuro governo, alguém capaz de conter os arroubos ideológicos de Jair Bolsonaro. Era como se de um lado estivesse o bolsonarismo ideológico, disruptivo, e do outro lado estivesse a “equipe técnica” de Paulo Guedes Seria possível citar vários exemplos, mas por limitação de espaço destaco aqueles que me parecem mais emblemáticos: as colunas de Joel Pinheiro no Jornal “Folha de São Paulo”, sobretudo entre 2019 e final de 2020. Por diversas vezes, o articulista prometia que “Guedes vai surpreender”, tratando o ministro como parte do núcleo técnico do governo. Destaco, também, a edição de dezembro de 2020 da “Revista Veja”, que trazia uma foto de Paulo Guedes estampada na capa, com a legenda “O ano da virada”. Na reportagem principal, Guedes é tratado como a “ancora técnica” do governo, como alguém capaz de conter a agitação ideológica promovida pelo presidente. Em junho de 2018, o site “Infomoney” publicou um resumo da biografia de Paulo Guedes, onde o economista é apresentado como “fiador de Bolsonaro”, aquele que conseguiria manter o deputado na linha da responsabilidade fiscal e política.. Será mesmo? Acredito que a reunião ministerial realizada no dia 22 de abril de 2020 nos permite problematizar essa imagem. Como já comentei antes, Braga Netto, ministro-chefe da casa civil, iniciou a reunião anunciando um “plano de retomada econômica” para quando acabasse a pandemia da Covid-19, um “plano Marshal brasileiro”. O objetivo era “a retomada do crescimento socioeconômico em resposta aos impactos do coronavírus, com foco na redução das desigualdades regionais”. Em seguida, o presidente Bolsonaro passou a palavra para Paulo Guedes, que definiu como o “ministro mais importante”. Não chamem de plano Marshall porque revela um despreparo enorme. (...) Os EUA podem fazer um plano Marshall para nos ajudar. A China deveria financiar um plano Marshall para ajudar todo mundo que foi atingido. (...) É super bem-vinda essa iniciativa, para todos nos integrarmos. Agora, não vamos nos iludir. A retomada do crescimento vem pelos investimentos privados, pelo turismo, pela abertura da economia. O Estado está quebrado, nas três esferas. Esqueçam o Estado não contem com o Estado. Nós já estávamos crescendo. Voltar a uma agenda de 30 anos atrás é burrice. Investimentos públicos, financiados pelo governo. Isso é o que a Dilma fez (GUEDES, 2020, grifos meus). Para Guedes, o “plano” lembrava o desenvolvimentismo que já tinha fracassado nos governos petistas. O economista interpretou esse “retrocesso desenvolvimentista” como resultado de uma articulação política organizada por Rogério Marinho, ministro do desenvolvimento regional. “Isso é coisa do Marinho, tem as digitais dele, que só pensa nas eleições municipais”. Rogério Marinho respondeu, argumentando que a situação imposta pela pandemia era excepcional e que “no mundo inteiro, o papel do Estado estava sendo reavaliado e que era necessário discutir a questão sem nenhum tipo de dogma” (MARINHO, 2020). Guedes reagiu, dizendo que tinha lido sete livros sobre recuperação econômica nos EUA, na Alemanha, na Europa ocidental e que sua posição estava sustentada em conhecimento e não em dogmas. Jair Bolsonaro ouviu em silêncio a peleja travada entre seus ministros. Falando diretamente ao presidente, Guedes afirmou sua posição: ó Presidente, esses valores e esses princípios, e o alerta do Weintraub e da Damares é válido também, sua evocação é realmente porque nós estamos todos aqui por esses valores e nós não podemos nos esquecer disso. Nós podemos conversar com todo mundo aqui, porque é um establishment, porque nós precisamos dele pra aprovar coisas, mas nós sabemos que nós somos diferentes. Nós temos noção que nós somos diferentes deles. E quando eles cruzam a linha, a gente solta a mão e sai andando sozinho. Enquanto eles estiverem no trilho conosco, no caminho, fazendo as reformas que nós prometemos, nós estamos juntos. Na hora que o cara soltou a mão e passou pro lado de lá, a gente deixa o cara ir sozinho, continua sozinho, e vai procurar outra conversa, em outro lugar (GUEDES, 2020, grifos meus). Paulo Guedes se colocou no mesmo grupo de Abraham Weintraub e Damares Alves, dois entre os mais ideológicos integrantes do governo Bolsonaro. Segundo o ministro da economia, era fundamental defender os “valores do governo” que delimitavam a distância entre “nós” e “eles”. A comunidade moral bolsonarista “se estrutura na crença compartilhada em códigos binários, que divide o mundo em bem e mal, sagrado e profano, gente de família e indecentes, cidadãos de bem e bandidos, éticos e corruptos” (ALONSO, 2019, p. 52). É possível acrescentar outra dicotomia: os revolucionários versus o establishment, pois a comunidade moral bolsonarista estava convencida de que fazia parte de uma revolução em curso, entendida como ruptura drástica e total com um establishment corrupto, imoral e ineficiente. Paulo Guedes se apresentava como membro dessa comunidade, como revolucionário e defensor dos “valores da ruptura”, colocando sua doutrina econômica no mesmo campo ideológico do anticomunismo de Weintraub e do familismo de Damares. Portanto, o neoliberalismo de Paulo Guedes se revelou perfeitamente compatível com a ideologia bolsonarista. Naquela altura, as dúvidas que Jair Bolsonaro manifestou durante a campanha já pareciam ter sido sanadas. Após esgotado o embate entre Marinho e Guedes, o presidente assumiu um lado, dizendo sucintamente: “quem decide é o Paulo Guedes, o ministério dele é o único em que não me meto” (BOLSONARO, 2020). Para Paulo Guedes, a causa da crise econômica brasileira era o “gigantismo estatal” construído ao longo das décadas em que a social-democracia teria sido dominante no país, deixando como herança um Estado “pesado, corrupto e ineficiente” (GUEDES, 2018). A solução não poderia ser outra a não ser reduzir o Estado ao mínimo possível. Nas palavras do próprio Paulo Guedes: “tem que privatizar a porra toda” (GUEDES, 2020). Era mais do que simplesmente um plano econômico. Tratava-se, sobretudo, de um projeto político, ideológico e moral que propunha Estado mínimo e família máxima. O Estado tinha que ser mínimo para que a família pudesse ser máxima. As duas coisas estavam umbilicalmente relacionadas. Sim, “Estado mínimo” significava a não intervenção do poder público na macroeconomia, mas também no espaço doméstico, na casa, na propriedade privada e na educação dos filhos. Algo perfeitamente alinhado com a defesa contundente que Damares Alves fez do homeschooling na reunião ministerial, solicitando ao presidente uma medida provisória para tratar do assunto. Essa dimensão moral do neoliberalismo não era novidade, como mostra a passagem de Friedrich Hayek pelo Chile de Augusto Pinochet no começo da década de 1980: “Os ataques contra os valores da civilização têm sido dirigidos pelo autoritarismo do Estado contra dois aspectos: a propriedade e a família” (HAYEK, 1981, p. 67). Quando jovem, Paulo Guedes esteve no Chile e viu de perto a ação dos economistas de Chicago no país sul-americano. Em diversas ocasiões, ele elogiou os “caras de Chicago” que teriam “salvado o Chile”. Segundo Roberto Guerra (1998, p. 72), esse “neoliberalismo” seria melhor conceituado como “liberalismo conservador”, pois integra o “conjunto das doutrinas políticas que ao atacarem o Estado reforçam a importância da família como principal esfera de solidariedade social”. O encontro político/ideológico entre Jair Bolsonaro e Paulo Guedes, foi, de fato, um casamento perfeito. Não faltou reciprocidade nessa relação. “Nunca tive problema nenhum com Guedes” (BOLSONARO, 2020). Realmente, com tal alinhamento ideológico não havia motivos para problemas. Na superlive promovida pela família Bolsonaro em janeiro de 2024, já fora do governo, o ex-presidente voltou a elogiar aquele que por quatro anos tinha sido seu ministro da economia: “quando jovem, eu era estatizante, mas o Paulo Guedes me converteu ao capitalismo” (AÇÃO CONSERVADORA BRASILEIRA, palavras de Jair Bolsonaro na Superlive). Como líder de um movimento político de massa, Bolsonaro incorporou diversos repertórios para constituir aquilo que hoje chamamos de bolsonarismo. A aproximação com o neoliberalismo de Paulo Guedes não foi apenas instrumental, visando conquistar o apoio do “mercado”. Com o tempo, mostrou-se, também, doutrinária. O próprio Guedes reconheceu isso ainda em maio de 2018, quando foi entrevistado pelo jornal “Infomoney”. O economista analisou não apenas a conjuntura política daquele momento, mas também interpretou a história recente brasileira. É nesta interpretação que é possível identificar os elementos que sustentam a afinidade ideológica entre Paulo Guedes e Jair Bolsonaro. No Brasil, só houve governo social-democrata nos últimos 30 anos: teve o social-democrata de chão de fábrica com o PT, social-democrata de imposto de renda com o PSDB, até o próprio PMDB do Sarney era social-democrata. E o saldo final é um governo totalmente disfuncional. Algo muito errado foi feito nesses últimos 30 anos (GUEDES, 2018). Tal como Bolsonaro, Guedes não crítica apenas o PT, mas sim os “últimos 30 anos” da história brasileira. Para ele, a despeito de diferenças superficiais, depois do fim da ditadura militar, os sucessivos governos teriam sido todos adeptos da “social-democracia”, e essa era a origem da crise econômica que tinha explodido no governo de Dilma Rousseff (2011-2016). “Não adianta dizer “foi o PT”, na verdade foi a social-democracia, que está há 30 anos no governo, desde José Sarney, passando pelos dois mandatos do FHC e pelos quatro mandatos do PT”. Ao contar a história recente brasileira a partir do signo da crise, Paulo Guedes performa o crítico ao establishment social-democrata, apresentando-se como o economista outsider que sempre tinha sido rejeitado pelo sistema. O saldo desses “30 anos de social-democracia foi degeneração da política, a política foi corrompida. E junto com isso tivemos um crescimento econômico medíocre” (GUEDES, 2018). Quanto mais a social-democracia inflava o Estado, mais espaço ficada disponível para a corrupção. O mesmo argumento foi incansavelmente usado por Jair Bolsonaro. Por isso, garanto os senhores: com a ajuda do Paulo Guedes vou privatizar tudo, não apenas para estimular a economia, mas também para combater a corrupção.  (...) O ministro vai ser um só: fazenda e planejamento. Essa pessoa tem que ter a porteira fechada. Porteira fechada não para partido político. Nós temos ao todo 148 estatais, muitas terão que ser privatizadas, extintas, pois é cabide de emprego e incubadora de corrupção (BOLSONARO, 2018, grifos meus). Diante de uma plateia formada pela elite empresarial fluminense, o candidato explicitava sua sintonia com aquele que já estava indicado para ser seu ministro da fazenda e do planejamento. O saneamento político e econômica consistia na ofensiva que o deputado e o economista prometiam mover, juntos, contra o “sistema”. Diminuir o Estado, privatizando empresas estatais, significava, também, combater a corrupção, que é compreendida como mal que se manifesta exclusivamente da administração pública, como se não pudesse existir no meio privado. O argumento já tinha sido usado na história política brasileira na década de 1990, durante os governos de Fernando Henrique Cardoso, exatamente para justificar a privatização de empresas públicas (PEREZ, 2018). A diferença é que com Bolsonaro e Paulo Guedes, a crítica econômica e a crítica política se fundiram de tal modo a ponto de se tornarem indiferenciáveis, constituindo uma moral política disruptiva que prometia implodir o sistema político criado na redemocratização. Paulo Guedes e Jair Bolsonaro, portanto, compartilham a mesma semântica política, baseada em três aspectos centrais: a interpretação da história da “Nova República” a partir do signo da crise; a performance como outsiders do sistema e, por isso, como lideranças capazes de romper como establishment ineficiente e corrupto; a promessa da ruptura revolucionária, com a utopia consistindo em uma nova realidade social e política onde o Estado não tutelaria o processo econômico e não interviria na propriedade privada, no espaço doméstico e na educação dos filhos das “famílias de bem”. O batismo de Paulo Guedes na revolução bolsonarista aconteceu em 18 de março de 2019, na ocasião de um jantar oferecido na embaixada brasileira em Washington, EUA. Entre os convidados estavam Steve Bannon, estrategista e conselheiro de Donald Trump, Jair Bolsonaro e Olavo de Carvalho. Depois de ouvir o presidente falar “nós temos é que destruir muita coisa”, Guedes pegou o mote, apontou para Olavo de Carvalho e disse “você é o líder da revolução” (GUEDES apud BARRETO JR., 2021, p. 36). Era apenas o terceiro mês de governo e o economista que muitos incensaram como a “reserva técnica” do gabinete ministerial mostrava-se disposto a participar da revolução imaginada pela extrema direita. Mas que revolução seria essa? Hannah Arendt analisou como o significado do conceito moderno “revolução” foi inscrito no século XVIII como a “transformação total das sociedades humanas, possível de ser viabilizada apenas pela violência política, através das armas” (ARENDT, 1988, p. 28). A comunidade moral bolsonarista estava ciente de que não existe revolução sem armas e tentou armar a sociedade civil, mobilizando o signo da crise da segurança pública. Analiso essa operação discursiva na próxima, e última, seção. O signo da crise da segurança pública Estou propondo aqui o fim do estatuto do desarmamento (...). O porte de arma de fogo é um direito a ser exercido por quem tem real necessidade e sem exigências demasiadamente restritivas. (...) Se os criminosos estão armados, o cidadão de bem precisa estar também (BOLSONARO, 2014). O Luiz Lima teve a esposa e a filha de catorze anos presas ontem, em um camburão, só porque estavam nadando na piscina. Se fosse eu, eu ia pegar minhas 15 armas... eu ia morrer... se a minha filha fosse pro camburão eu ia matar ou morrer (GUIMARÃES, 2020). Seis anos separam as duas citações. Na primeira, o deputado federal Jair Bolsonaro defende o Projeto de Lei 7282/14, de sua autoria. O texto propunha a “concessão de porte de arma de fogo para pessoas que justificarem a necessidade para sua segurança pessoal ou de seu patrimônio” (BOLSONARO, 2014), reforçando a tese, há muito tempo defendida pelo então deputado, de que o armamento da sociedade civil deveria ser adotado como política de segurança pública. Na segunda citação, retorno à reunião ministerial de abril de 2020. Pedro Guimarães, presidente da Caixa Econômica Federal, afirmou sua disposição de pegar em armas para resistir às medidas de isolamento social decretadas pelas autoridades sanitárias durante a pandemia da Covid-19. Pouco antes, o próprio presidente Bolsonaro havia defendido o armamento da população como forma de resistência ao que acreditava ser a implementação de uma “ditatura” por parte do poder judiciário. O povo tá dentro de casa. Por isso, que eu quero, ministro da justiça e ministro da defesa, que o povo se arme. Qual a garantia vai ter que um filho da puta não vai aparecer para impor uma ditadura aqui. É fácil impor uma ditadura, facílimo. Um bosta de um prefeito faz um bosta de um decreto, algema e deixa todo mundo dentro de casa. Se tivesse armado, ia pra rua. Se eu fosse ditador, né, eu queria desarmar a população, como todos fizeram no passado antes de impor a sua respectiva ditadura. Aí , quero uma demonstração nossa, e peço ao Fernando [ministro da defesa] e ao Moro [ministro da justiça] que assinem essa portaria hoje. Por que eu to armando o povo? Porque eu não quero uma ditadura (BOLSONARO, 2020). A pauta do armamento da sociedade civil marca a trajetória política de Jair Bolsonaro desde o final da década de 1990, quando começou a polarizar com o “Estatuto do Desarmamento”, aprovado pela Lei 10826, de 2003. Porém, a agenda foi sendo modificada conforme o bolsonarismo se constituía como imaginação política disruptiva e pretensamente revolucionária. Aquilo que no início era resposta simplificada ao problema crônico da segurança pública, passou a ser o chamado à rebelião armada do “povo” contra as autoridades instituídas naquilo que a comunidade moral bolsonarista imaginava ser a regeneração da democracia brasileira. Reconstruir essa história é importante para que sejamos capazes de compreender como o bolsonarismo se alimenta do acúmulo discursivo produzido durante os vinte e oito anos em que Jair Bolsonaro atuou no Congresso Nacional. Nesse longo período, ele construiu sua imagem “como outsider não da política, mas da democracia” (PINHA, 2020, p. 338), ao utilizar o púlpito da Câmara dos Deputados para forjar uma memória saudosista da ditadura, ao mesmo tempo em que criticava e deslegitimava o regime político criado na redemocratização (CARVALHO, 2022; BAUER, 2020). Quando esse regime colapsou estruturalmente em meados da década de 2010, Bolsonaro tinha a seu favor certa “autoridade moral” de quem já possuía no repertório a negação da democracia, tratada como ineficiente, corrupta e leniente com os criminosos. O signo da crise da segurança pública foi fundamental para essa formulação discursiva. Acompanhado de outros parlamentares, Jair Bolsonaro se opôs ao “Estatuto do desarmamento”, que começou a tramitar no poder legislativo em 1997. Eles formavam uma minoria constantemente derrotada pelo consenso pró-desarmamento formado nas duas casas do Congresso Nacional (ESTEVES, 2007; CARVALHO; ESPÍNDULA, 2016). Foi com esse grupo de parlamentares que teve início a organização política que anos mais tarde resultaria naquilo que ficou conhecido como “bancada de bala”, caracterizada pela intervenção no debate público no sentido de cobrar soluções violentas para o problema da segurança pública. Esses parlamentares “relativizaram do monopólio estatal sobre o emprego da violência física, a partir da constatação de que a sociedade se encontra dividida em uma guerra que opõe cidadãos de bem e bandidos” (BENETTI, 2022, p. 861). Apesar de naquela altura ainda não apresentarem a identidade política e a coesão partidária que teriam posteriormente, esses congressistas já demonstravam algum alinhamento ideológico (FAGANELO, 2015). É nesse alinhamento que é possível buscar a matriz de alguns dos valores que se tornariam constitutivos da imaginação política bolsonarista. Em setembro de 2003, o deputado Vicente Cascione, do Partido Socialista Brasileiro, o PSB, de São Paulo, dizia que o debate a respeito do desarmamento era irrelevante diante daquela que na sua opinião era a raiz do problema da criminalidade no Brasil: “a erotização da criança brasileira é a maior do mundo. Por que o Brasil está incluído entre os países com altos índices de mortes, onde as crianças matam mais e os jovens são mais erotizados precocemente? (CASCIONE apud BENETTI, 2022, p. 870). Para Cascione, as famílias estavam “desagregadas”, com as crianças sendo “precocemente erotizadas nas escolas e pela televisão”. Ainda não vemos formulados os espectros da “ideologia de gênero” e do “marxismo cultural”, mas já é possível observar os fundamentos do familismo que, como já sabemos, seria mobilizado por Damares Alves e pelo próprio Jair Bolsonaro alguns anos mais tarde. A “desagregação da família” significava o colapso da sociedade, pois a família patriarcal baseada na autoridade masculina é tratada como a unidade elementar da harmonia coletiva. Em setembro de 2018, Hamilton Mourão, vice-presidente durante o governo Bolsonaro, revisitou o argumento: “a partir do momento em que a família é dissociada, surgem os problemas sociais. Atacam eminentemente nas áreas carentes, onde não há pai e avô, é mães e avós. Por isso, torna-se realmente uma fábrica de elementos desajustados que tendem a ingressar nessas narco-quadrilhas” (MOURÃO apud BARRETO JR., 2021, p. 28). O próprio bolsonarismo, a partir de Damares Alves e da ex-primeira-dama Michele Bolsonaro, está elaborando um discurso para as mulheres um tanto diferente deste que foi enunciado por Mourão. Já demonstrei na primeira seção como a mulher/mãe vem sendo empoderada no discurso bolsonarista como a responsável por proteger os filhos das influências corruptoras da sociedade, sobretudo dos partidos políticos e movimentos sociais de esquerda. Porém, isso não exclui o fato de que a moralidade patriarcal se tornou um dos elementos mais importantes do bolsonarismo, como deixou claro Hamilton Mourão ao definir como “desajustadas” as famílias que não contam com a presença da autoridade masculina. Em outubro de 2003, o tema foi mobilizado pelo deputado Olavo Colares, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, o PMDB, do estado de Alagoas. “Há pouco tempo ouvimos a notícia de que um criminoso invadiu uma casa e obrigou uma mulher a praticar sexo oral com ele diante do marido”. Essa seria uma situação de extrema ofensa à honra masculina, pois caberia ao “homem da casa” defender a integridade física das mulheres que estão sob sua responsabilidade. “Ora, o cidadão, num caso como esse, tem de ter pelo menos o direito de morrer lutando para defender sua família. Mas tiram-lhe a arma!” (COLARES apud BENETTI, 2022, p. 871). Há aqui uma relação estreita entre autoridade masculina e armamento, segundo a qual o homem deveria ter o direito de ter armas para, se necessário for, matar e morrer defendendo sua família (ACIOLI; AMORIM; SILVA, 2023). Foi exatamente esse direito que o economista Pedro Guimarães reivindicou na reunião de abril de 2020, ao se dizer disposto a usar seu arsenal de quinze armas para evitar que sua filha e esposa fossem parar em um “camburão” caso descumprissem alguma restrição sanitária. Em julho de 2003, o deputado Gerson Peres, do Partido Progressista Brasileiro, o PPB, do Pará, reforçou a relação entre o armamento do pai de família e a defesa da “casa”, mas trouxe um elemento novo para a discussão. Ao definir como “violência institucional”, a proibição de “um cidadão que saiba atirar e que preencha os requisitos legais tenha uma arma em sua casa”, o parlamentar também demonstrou preocupação com interferência da política na casa do “cidadão de bem”. “A polícia tem que proteger o espaço público. A casa é um espaço privado. A polícia não pode estar dentro da casa” (PERES, apud BENETTI, 2022, p. 873). A casa não deveria ser protegida apenas dos criminosos, mas também do próprio Estado. O “cidadão de bem” necessitava do direito de portar armas porque assim seria capaz de defender sua casa com meios próprios, sem correr risco de ver o poder público interferindo no seu espaço privado. De um lado, estava o Estado, tratado como risco potencial para a intimidade do lar. Do outro lado, estava a casa, território sagrado onde estão a propriedade e a família, as riquezas que devem ser protegidas pela autoridade masculina. O Estado versus a casa, uma dicotomia que, como já sabemos, é estruturante da imaginação política bolsonarista. Nas críticas ao “Estatuto do Desarmamento” encontramos, também, Onyx Lorenzoni, então deputado federal pelo Partido da Frente Liberal, o PFL, do Rio Grande do Sul. Sim, ele mesmo, aquele que no final de 2018 seria nomeado ministro-chefe da casa civil do governo recém-eleito de Jair Bolsonaro. Em outubro de 2003, o deputado gaúcho cogitava a possibilidade do cidadão armado se rebelar contra as autoridades do Estado. Em nome da legítima defesa, quer nas constituições, quer no ordenamento jurídico, legal e penal, o cidadão pode recorrer às últimas consequências na defesa da vida. Isso está legitimado. Vamos deslegitimar isso? Com o quê? Sob que argumento? De um Estado incapaz de prover justiça? De um Estado incompetente de controlar o contrabando? A palavra mágica é desarmar o cidadão de bem (LORENZONI apud BENETTI, 2022: 873). O mesmo Estado que estava querendo desarmar o “cidadão de bem” era aquele que se mostrava incapaz de combater a criminalidade. A legislação antiarmas incorreria em duplo ataque do Estado contra as “pessoas de bem”: ao mesmo tempo era ineficiente e impedia a sociedade de se defender por si mesma. O deputado Silvio Torres, do Partido da Social-Democracia Brasileira, o PSDB, de São Paulo, reforçou a crítica de Lorenzoni, ao dizer que, uma vez desarmados e abandonados pelo poder público, restaria aos cidadãos apenas uma opção: “a de mover-se ao encontro da ilegalidade, buscando junto aos traficantes de armas os meios para garantir sua segurança e a de suas famílias” (TORRES apud BENETTI, 2022, p. 873). O desarmamento seria responsável por lançar cidadãos honestos na ilegalidade. Nesse caso, em nada mudaria a natureza virtuosa dessas pessoas, pois o delito não era responsabilidade delas, mas sim do poder público, que estaria negando o direito à autodefesa. Naquele momento, as manifestações de Lorenzoni e de Torres não tinham o mesmo propósito da incitação à luta armada feita pela comunidade moral bolsonarista entre 2019 e 2022. A democracia estava relativamente consolidada e estabilizada. Mas é possível perceber como os embates contra o “Estatuto do desarmamento” desenharam a moldura discursiva que serviria ao bolsonarismo: a relação entre armamento e autoridade masculina no universo da moralidade patriarcal, a não aceitação da ingerência do poder público na esfera da vida privada e a divisão da sociedade entre “bandidos” e “cidadãos de bem”. Apesar de ser fruto da experiência de crise institucional aberta em junho de 2013, a imaginação política bolsonarista possui ancestralidade localizada na normalidade democrática, nas “fendas autoritárias” (PINHA, 2020) que aparentavam ser inofensivas e, talvez por isso, foram ignoradas pelas autoridades responsáveis por zelar pela institucionalidade da democracia brasileira. Em outubro de 2003, o próprio Jair Bolsonaro, na época deputado federal pelo PPB do Rio de Janeiro, ganhou destaque nesses debates parlamentares ao se apresentar como “porta voz” dessa parcela ordeira e honesta da sociedade que exigia ter seu direito à autodefesa respeitado. Agora há pouco, li o relatório do nobre deputado Luiz Eduardo Greenhalgh, dizendo que as armas de fogo fazem aproximadamente 40 mil vítimas por ano. É mais uma mentira que se joga na mídia. Desses 40 mil, sr. presidente, pelo menos 30 mil tinham de ter morrido há muito tempo. São marginais que enfrentaram a Polícia Militar, a Polícia Civil, a Polícia Federal, marginais que morreram tentando assaltar banco, sequestrar etc. E jogam para a população como se fossem 40 mil inocentes que faleceram nesses embates. Nesses 40 mil, estão aqueles 111 canalhas de Carandiru e eu gostaria que tivesse passado para 41 mil, mais mil lá dentro. Teríamos aberto mais vagas nas penitenciárias. Ninguém chorou por aqueles marginais. Esses números são tendenciosos (BOLSONARO apud BENETTI 2022: 874). O deputado não se limitou a, apenas, defender o armamento da parcela da sociedade que considerava justa e virtuosa. Ele foi mais longe e defendeu o extermínio em massa daqueles que chamou de “vagabundos”, “canalhas”, “marginais”. Para Bolsonaro, o governo era tolerante com os bandidos enquanto cassava os direitos dos “cidadãos de bem”, que não necessitavam da lei para se manterem dentro da legalidade, pois seriam essencialmente honestos. Já aos “bandidos” não bastava apenas o tratamento dispensado pela legislação, sendo necessária a própria ação extrajudicial, na forma da execução sumária. Esse discurso radicalmente positivista em matéria de segurança pública tornou-se um dos principais capitais políticos de Jair Bolsonaro, mesmo antes de o parlamentar se tornar líder de um movimento político de massa no contexto de crise institucional inaugurada em 2013. No embate com o “Estatuto do Desarmamento”, Jair Bolsonaro construiu o discurso que pavimentou sua aproximação com as milícias em atuação no Rio de Janeiro. A própria definição do conceito “milícia” permitia sua positivação semântica junto à opinião pública. Palavra de perfil mais neutro ou levemente positivado, o termo é usado para designar os componentes do exército que não são militares profissionais, isto é, combatentes do povo. Essa linha semântica encaixa perfeitamente na tentativa de apresentar a milícia como um grupo de pessoas que se une para se defender contra uma ameaça externa (CANO, 2008, p. 59). Foi no âmbito dessa “positivação semântica” que Bolsonaro estendeu os argumentos usados nas críticas ao “Estatuto do Desarmamento” para a defesa das milícias. Do direito do cidadão comum ao porte de armas ao princípio da “autoproteção comunitária” o salto não foi grande. O argumento era o mesmo, baseado em dois pressupostos: a ineficiência do Estado na proteção das “famílias” e a constante situação de guerra civil entre os “cidadãos de bem” e os “bandidos”. Se individualmente, os “cidadãos de bem” tinham o direito de portar armas e defender sua família e propriedade, as comunidades também poderiam se organizar para se protegerem do tráfico de drogas. Em agosto de 2003, o deputado declarou apoio a um grupo de extermínio que atuava na Bahia: “enquanto o Estado não tiver coragem de adotar a pena de morte, o crime de extermínio no meu entender será muito bem-vindo” (BOLSONARO, 2003). Dois anos depois, em outubro de 2005, também na tribuna da Câmara dos Deputados, Jair Bolsonaro defendeu Adriano da Nóbrega, na época tenente da Polícia Militar do Rio de Janeiro, a PMERJ. Nóbrega acabava de ser condenado por ter executado um homem em uma favela carioca. Para Bolsonaro, o tenente era um “brilhante oficial” que estava sendo perseguido pelo alto comando da PMERJ e pelos “defensores dos direitos humanos que estão na imprensa”. Pouco semanas antes, Nóbrega tinha sido condecorado por Flavio Bolsonaro, então deputado estadual no Rio de Janeiro, com a medalha Tiradentes. Investigações posteriores mostraram que Nóbrega era um dos milicianos mais poderosos no ecossistema do crime no Rio de Janeiro desde meado da década de 2000, exatamente quando foi defendido por Jair Bolsonaro e condecorado por Flávio Bolsonaro. As relações do clã Bolsonaro com as milícias foram analisadas por Bruno Paes Manso no livro “A República das Milícias” (2020). Para minhas reflexões nesta seção, interessa explorar o percurso discursivo iniciado nas críticas ao “Estatuto do Desarmamento” e que chegou à incitação da rebelião armada popular, já nos termos da imaginação política bolsonarista. Esse percurso não foi uma evolução sistematicamente calculada, mas mostrou-se perfeitamente possível, através da constante mobilização do signo da crise da segurança pública. Primeiro, veio a defesa do direito individual ao porte de armas. Em seguida, aconteceu a aproximação de Jair Bolsonaro com os grupos de extermínio que ganhavam espaço no crime organizado no Rio de Janeiro. A defesa do porte de arma de fogo foi estendida, então, à “comunidade”, que tratada como coletividade ameaçada pelo tráfico de drogas deveria ter reconhecido o seu direito à auto-organização, no sentido de se defender dos criminosos. Até aqui, podemos falar em “idealismo punitivista”, ou em respostas simplificadas para complexo problema da segurança pública (MESSEMBERG; PAULA, 2023). Depois de 2014, com a constituição do “bolsonarismo” como movimento político de massa, a questão do armamento da sociedade civil foi ganhando outra dimensão. No poder executivo, o bolsonarismo enfrentou resistência das instituições da República, sobretudo do Supremo Tribunal Federal. Foi no calor desses conflitos que o horizonte da ruptura, intrínseco ao bolsonarismo, foi se tornando cada vez mais o objetivo prioritário do governo. Basta lembrarmos de Eduardo Bolsonaro vaticinando em maio de 2020 que a “ruptura institucional não é mais uma opinião de se, mas de quando isso vai ocorrer” (EDUARDO BOLSONARO apud BARRETO JR, 2021, p. 81). Ou mesmo do próprio presidente Jair Bolsonaro em 7 de setembro de 2021, diante de uma multidão aglomerada na Avenida Paulista: “Se tem alguém que ousa continuar agindo fora das quatro linhas da constituição, o poder tem que chamar aquela pessoa e enquadrá-la. Se assim não ocorrer, qualquer um dos três poderes.... A tendência é acontecer uma ruptura” (BOLSONARO apud BARRETO JR, 2021, p. 31). Como não existe ruptura negociada, a comunidade moral bolsonarista se preparou para o confronto final. Entre 2019 e 2022, o governo Bolsonaro editou mais de quarenta decretos para facilitar o acesso da população civil às armas, sempre enfraquecendo a autoridade técnica das forças armadas em definir qual tipo de armamento poderia ser comprado e portado pelos cidadãos comuns. Segundo o relatório do “Instituto Sou da Paz” (BRASIL DE FATO, 2022), em 2018 havia 350 mil armas de fogo registradas em nome de colecionadores, atiradores e caçadores, os CACs. Em 2022, o número já passava de 1 milhão. O decreto n° 9.785, de 7 de maio de 2019, liberou o porte e a posse de fuzis para cidadãos comuns (CONGRESSO EM FOCO, 2019). No discurso oficial, o governo continuava justificando o armamento da sociedade civil com o argumento do direito à autodefesa. Porém, nos bastidores, a real intenção era dita sem constrangimentos, como podemos perceber na reunião ministerial de abril de 2020, feita às portas fechadas e cuja publicização não era esperada. “É escancarar a questão do armamento aqui. Eu quero todo mundo armado. Que povo armado jamais será escravizado. E cada um exerça o teu papel, se exponha” (BOLSONARO, 2020). Aos berros, o presidente Jair Bolsonaro exigia que seus ministros encampassem a pauta do armamento da sociedade civil. Mas de toda sociedade? Creio que não. Dos “cidadãos de bem” como ele vinha defendendo desde o final da década de 1990? Ainda seria impreciso formular assim. Era o militante iniciado nos valores do bolsonarismo que Jair Bolsonaro desejava ver armado. Era com essa tropa ideológica que o presidente estava contando para romper de vez com o contrato social firmado em 1988 e implementar no país o tipo de regime político que a comunidade moral bolsonarista imaginava ser a “democracia autêntica”. Sobre a dignidade analítica do bolsonarismo Do outro lado tem o capeta em pessoa, com tudo que esse cara já fez contra o Brasil, essas corrupções deslavadas, a questão ideológica. (...) Somos um país de cristãos, politicamente não tem como a gente dá errado. Eu não sou bom não, mas pega esse bosta que está do outro lado, eu sou o máximo, porra! (BOLSONARO, 2022). 5 de julho de 2022. O presidente Jair Bolsonaro conduzia uma reunião de governo. Aproximadamente, trinta pessoas estavam presentes, entre ministros, secretários e assessores. Aos berros, o mandatário tentava convencer seu gabinete de que uma fraude eleitoral estava em curso e que a vitória de Lula nas eleições que seriam realizadas em 2 de outubro já estava decidida. Para Bolsonaro, era hora de agir, de “dar soco na mesa e virar a mesa”, nas palavras de Augusto Heleno, chefe do gabinete de segurança institucional da Presidência da República. Tratava-se de uma convocação à ruptura institucional, de um chamado ao golpe de Estado. Ao que tudo indica, os participantes não sabiam que a reunião estava sendo gravada. O vídeo foi encontrado pela Polícia Federal no computador pessoal do tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro. Em 9 de fevereiro de 2024, Alexandre de Moraes, ministro do STF, retirou o sigilo do material e a gravação se tornou pública. No esforço de engajar seus subordinados na movimentação golpista, o presidente mobilizou a clivagem moral que funda a comunidade bolsonarista. De um lado, estaria a “banda podre” da sociedade, os “criminosos”, os “corruptos”, representados por Lula. Do outro lado, estava a parte virtuosa, liderada pelo próprio Bolsonaro, que mesmo não sendo perfeito, deveria continuar governando o país, ainda que o resultado oficial das eleições dissesse o contrário. O reconhecimento da imperfeição faz parte daquilo que alguns estudiosos das relações entre religião e política vêm chamando de “teologia do domínio”, que baseada na figura bíblica do rei Davi, defende que o pecador regenerado pela fé deve ser ungido com o poder político. Homem bruto, de hábitos rústicos e inadequados, com vocabulário repleto de palavrões, Bolsonaro seria uma versão de Davi. Imperfeito e, por isso, suscetível à ação divina e legitimo para governar (PEREIRA, 2023). Reconheço que a primeira tentação é fazer troça, é interpretar esse tipo de manifestação discursiva na chave da caricatura e da ausência. Ausência de inteligência, de ética, de bom senso. Bolsonaro seria bufão, mentiroso, burro e insano. A comunidade moral bolsonarista seria resultado de uma dissonância cognitiva coletiva alimentada pela máquina de desinformação em operação na internet (ROCHA, 2021). Porém, há dez anos que o bolsonarismo é força relevante no ambiente político brasileiro. Governou o país, desestabilizou as instituições e tanto mal fez à sociedade durante a pandemia da Covid-19. Ainda assim, continua sendo apoiado por milhões de brasileiros e brasileiras. Existe algo aqui que precisa ser compreendido, pois sua importância é proporcional a seu poder de destruição. No momento em que concluo o texto, as autoridades policiais e judiciais estão empenhadas em apurar responsabilidades e denunciar os crimes cometidos pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e por seus apoiadores. Não foi meu interesse, portanto, escrever uma peça de acusação, pois outros podem fazê-lo com mais competência e impacto. Meu compromisso foi com a compreensão. Tentei analisar a imaginação política bolsonarista nos seus próprios termos. Ao ler a história recente brasileira a partir de quatro signos de crise articulados uns aos outros, a comunidade moral bolsonarista construiu sentido para a realidade nacional e conseguiu convencer uma parcela nada irrelevante da sociedade de que suas teses estão corretas. Essas pessoas não estão loucas, não são essencialmente pervertidas e nem padecem de um déficit cognitivo coletivo. Elas estão convencidas porque acreditam que os argumentos bolsonaristas fazem sentido. Se esses argumentos são simplificadores ou se são eticamente legítimos, é embate a ser travado no plano das disputas políticas. Essa luta será tão melhor empreendida quanto melhor a semântica política bolsonarista for compreendida, quanto mais esse difícil objeto for tratado com dignidade analítica. Referências Fontes primárias AÇÃO CONSERVADORA BRASILEIRA. Super live com Jair Bolsonaro, formação de candidatos e lideranças. https://www.youtube.com/watch?v=E5Hl7OUzjkA. Acesso em 13/3/2024. ACRJ. Almoço do empresariado da ACRJ com Jair Bolsonaro, 18/05/2018. https://www.youtube.com/watch?v=x8NECc2GFw8. Acesso em 29/02/2024. ALERJ. Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito das Milícias no Rio de Janeiro, 2008. BANDNEWS. 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