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Design estratégico: origens e desdobramentos

2014

Resumo: O artigo apresenta a aproximação entre design e formulação das estratégias, as características do design úteis às estratégias organizacionais e os métodos para projetar essas estratégias, tendo como linha condutora a pesquisas desenvolvidas pela escola italiana Politecnico di Milano. Como resultado, identifica-se o design estratégico como um processo para capaz de ativar os diversos atores envolvidos na formulação das estratégias organizacionais. É uma atividade projetual coletiva desenvolvida a partir da identificação das competências distintivas da organização e da identificação de oportunidades presentes no atual ambiente no qual esta se inserirá. Palavras-chave: design estratégico, estratégias, cenários orientados pelo design.

Blucher Design Proceedings   Novembro de 2014, Número 4, Volume 1 www.proceedings.blucher.com.br/evento/11ped Gramado  –  RS   De  30  de  setembro  a  2  de  outubro  de  2014   DESIGN  ESTRATÉGICO:  ORIGENS  E  DESDOBRAMENTOS       Karine de Mello Freire PPG Design Unisinos [email protected]   Resumo:  O  artigo  apresenta  a  aproximação  entre  design  e  formulação  das   estratégias,   as   características   do   design   úteis   às   estratégias   organizacionais   e  os  métodos  para  projetar  essas  estratégias,  tendo  como  linha  condutora   a  pesquisas  desenvolvidas  pela  escola  italiana  Politecnico  di  Milano.  Como   resultado,  identifica-­‐se  o  design  estratégico  como  um  processo  para  capaz   de   ativar   os   diversos   atores   envolvidos   na   formulação   das   estratégias   organizacionais.  É  uma  atividade  projetual  coletiva  desenvolvida  a  partir  da   identificação   das   competências   distintivas   da   organização   e   da   identificação   de   oportunidades   presentes   no   atual   ambiente   no   qual   esta   se  inserirá.     Palavras-­‐chave:   design   estratégico,   estratégias,   cenários   orientados   pelo   design.       Abstract:   The   paper   presents   the   approach   of   design   to   strategies’   formulation,   the   design   characteristics   useful   to   organizational   strategies   and   methods   to   design   such   strategies,   having   as   conductive   research   guideline  Italian’s  the  work  developed  at  Politecnico  di  Milano.  As  a  result,   we   identify   strategic   design   as   a   process   able   to   activate   the   various   actors   involved   in   the   formulation   of   organizational   strategies.   It   is   a   collective   design   activity   developed   from   the   identification   of   organization’s   distinctive   competencies   and   identifying   opportunities   presented   in   the   current  environment  in  which  it  will  be  inserted.     Keywords:  strategic  design,  strategy,  design-­‐oriented  scenarios     1. INTRODUÇÃO   Desde   os   primórdios,   a   área   de   design   intermedia   a   relação   entre   o   sistema   sociocultural   e   o   sistema   produtivo.   Utilizando   os   conhecimentos   de   tecnologias,   materiais,  estética  e  processos  –  criativos,  de  produção  e  de  distribuição  –  o  design  é   capaz   de   criar   ofertas   para   atender   às   demandas   desse   sistema   sociocultural   em   constante   transformação.   A   partir   desses   conhecimentos,   estabelecia-­‐se   a   forma,   a   função,   o   significado   e   o   valor   das   ofertas,   cuja   característica   predominante   era   a   materialidade.   Neste   período,   a   atividade   de   design   era   reconhecida   por   2 pesquisadores   da   área   da   Administração   como   um   instrumento   que   podia   ser   usado   para   diferenciar   os   produtos   dos   concorrentes,   garantindo   uma   vantagem   competitiva   para  a  organização  (Kotler  e  Rath,  1984).  Essa  leitura  instrumental  da  atividade,  feita   por  pesquisadores  externos  a  área,  estava  atrelada  ao  entendimento  de  design  como   ‘estilo’,   capaz   de   agregar   valor   ao   final   do   processo   de   desenvolvimento   de   novos   produtos.   A   partir   dos   desdobramentos   da   chamada   terceira   revolução   industrial,   ao   final  dos  anos  90,  pesquisadores  do  campo  do  design  vislumbraram  outra  contribuição   da   atividade   para   organizações:   um   processo   capaz   de   impulsionar   a   aprendizagem   organizacional   e   de   guiar   o   processo   de   desenvolvimento   de   estratégias   organizacionais  (Zurlo,1999).     Pesquisadores  como  Rachel  Cooper  (Reino  Unido),  Kathryn  Best  (Reino  Unido),   Thomas   Lockwood   (Estados   Unidos),   Brigite   Borja   de   Mozota   (França)   apresentam   reflexões  importantes  sobre  o  papel  estratégico  do  design  para  as  empresas,  mas  de   uma  matriz  de  pensamento  cultura  da  gestão  do  processo  de  design.  A  escola  italiana   do   Politecnico   di   Milano,   pelos   pesquisadores   Francesco   Mauri,   Ezio   Manzini   e   Francesco   Zurlo   abordou   esse   mesmo   papel   do   design   da   matriz   de   pensamento   da   cultura   de   projeto.   No   Brasil,   Claudio   Magalhaes   pesquisa   a   aproximação   do   design   industrial   a   estratégia   das   próprias   industrias,   a   partir   do   pensamento   da   gestão   (Cooper  e  Press,  1995;  Best,  2006;  Mozota,  2003;  Magalhaes,  1997).     O   presente   artigo   busca   por   meio   de   uma   revisão   de   literatura   discutir   o   conceito   de   design   estratégico,   a   partir   da   matriz   de   pensamento   da   cultura   de   projeto.  Por  isso,  parte  dos  estudos  de  Zurlo  (1999;  2010;  2012)  e  Meroni  (2008)  para   identificar  tais  origens  do  conceito.  A  partir  disso,  apresenta  as  capacidades  do  design   úteis   a   atividade   estratégica   e   os   métodos   projetuais   usados   para   a   formulação   das   estratégias.     2. Origens     Francesco  Zurlo  (1999)  dedica-­‐se  em  sua  pesquisa  de  doutorado  a  sistematizar   o   discurso   de   pesquisadores   que   abordam   o   tema   das   estratégias   organizacionais   associados  ao  design.  Como  resultado,  o  autor  apresenta  as  competências  da  cultura   de  projeto  úteis  ao  desenvolvimento  das  estratégias  organizacionais  e  identifica  uma   abordagem   metodológica   para   esse   tipo   de   projeto.   Essa   maneira   específica   de   entender   a   contribuição   do   design   para   as   organizações   é   nomeada   de   design   estratégico.     O   ponto   de   partida   de   Zurlo   (1999)   para   a   definição   do   conceito   de   design   estratégico  é  o  entendimento  da  comunidade  científica  do  Politecnico  di  Milano,  dos   pesquisadores  Francesco  Mauri  e  Ezio  Manzini:   “o   design   estratégico   é   uma   atividade   de   projetação   na   qual   o   objeto   de   projeto   é   o   conjunto   integrado   de   produto,   serviço   e   comunicação   (sistema-­‐ produto)   com   a   qual   uma   empresa   se   apresenta   ao   mercado,   se   coloca   na   sociedade  e  dá  forma  a  própria  estratégia”  (Mauri,  1997  apud  Zurlo,  1999;   p.  9).     “O   design   estratégico   é   uma   atividade   projetual   na   qual   o   objeto   é   a   interface   empresa-­‐cliente-­‐sociedade   e   no   qual   o   objetivo   é   a   convergência   3 do   ponto   de   vista   da   empresa,   do   cliente,   dos   outros   skakeholders   em   um   único   processo   de   coprodução   de   valor.   Isto   significa   uma   inovação   do   sistema   produto,   que   envolve   uma   reconfiguração   da   interface   entre   empresa,  mercado  e  sociedade”  (Manzini,  1999  apud  Zurlo,  1999;  p.10).     Zurlo   (1999)   estabelece   que,   no   contexto   da   complexidade   e   das   redes   de   coprodução   de   valor,   as   estratégias   organizacionais   precisam   ser   definidas   à   luz   de   conceitos  que  não  estejam  associados  a  lógica  da  competição  e  da  guerra  (p.189):  “se   estratégia  permite  a  empresa  definir  sua  identidade,  através  de  um  processo  que  ativa   a  sua  arquitetura  na  criação  de  sentido,  não  é  mais  sustentável  usar  a  analogia  com  a   guerra”.   Assim,   para   discutir   a   atuação   estratégica   do   design   o   autor   parte   da   compreensão   da   teoria   dos   jogos   e   das   formas   organizacionais   cooperativas.   Zurlo   (1999)   se   vale   dos   autores:   John   Kay   (1993)   para   definir   o   conceito   de   estratégia;   Normann   e   Ramires   (1993)   para   operacionalizar   esse   conceito   a   partir   das   novas   formas  organizacionais  de  produzir  valor;  e  Karl  Weick  (1995)  para  definir  a  atividade   de  organizar.     Kay  (1993)  caracteriza  a  estratégia  como  resultado  de  um  mix  de  capacidades   distintivas   (inovação,   arquitetura   e   reputação)   que   podem   levar   a   empresa   construir   estratégias   competitivas   e   alcançar   uma   vantagem   competitiva   sustentável.   O   autor   identifica  que  o  sucesso  corporativo  é  resultado  de  uma  cuidadosa  avaliação  das  forças   da  firma  e  do  ambiente  econômico  que  ela  enfrenta  e  por  isso,  sua  estratégia  deve  ser   adaptativa  e  oportunista.  Para  tanto,  a  firma  deve  constantemente  buscar  informações   do   ambiente,   reavaliar   seu   sistema   organizacional   e   gerar   conhecimento.   Desta   compreensão   do   processo   de   definição   de   estratégias   como   resultado   de   aprendizagem  organizacional,  Zurlo  (2010)  identifica  uma  capacidade  do  design  útil  a   criação  das  estratégias:  a  sua  capacidade  de  leitura  dos  ambientes.   “O   design,   por   sua   natureza,   sabe   interpretar   a   complexidade,   capturando   dela   estruturas   de   sentido;   sabe   indicar   um   caminho,   tornando-­‐o   visível;   e   sabe   comunicar   e   gerir  os   processos   de   compartilhamento   das   escolhas   dentro  da  organização”     Kay   (1993)   ressalta   que   vantagens   competitivas   devem   ser   sustentáveis   e   apropriadas.  Ou  seja,  a  capacidade  distintiva  deve  derivar  de  uma  característica  que  a   firma  possui  e  seus  competidores  não,  capaz  de  trazer  benefícios  para  a  firma  ao  longo   do   tempo.   Por   exemplo,   o   autor   propõe   que   a   inovação   por   si   mesma   não   necessariamente   é   uma   vantagem   competitiva   apropriada.   Ela   está   associada   a   capacidade   da   empresa   de   gerar   novos   produtos   ou   processos   e   dificilmente   se   sustenta   nos   casos   em   que   a   proteção   da   inovação   por   patentes   não   é   possível.   O   autor   aponta   que   a   maneira   mais   efetiva   de   transformar   inovação   em   vantagem   competitiva   é   aliá-­‐la   a   outras   alavancas   estratégicas   como   a   arquitetura   ou   a   reputação.   Sendo   a   arquitetura   definida   como   o   conjunto   de   contratos   relacionais   entre   as   diversas   partes   –   cadeia   produtiva   e   sistema   de   usuários   –   que   contribuem   para   a   construção   de   valor   da   oferta.   É   o   componente   estratégico   que   reavalia   o   relacionamento,   a   confiança,   a   cooperação   e   que   delineia   a   empresa   como   uma   entidade  integrada  ao  ambiente  e  identificável  como  comunidade.  E  reputação  são  os   signos,  símbolos  e  processos  que  contribuem  para  construir  a  integridade  da  empresa   e   a   criação   de   confiança,   ou   seja,   ligados   à   identidade   da   empresa.   O   autor   ressalta   que  um  importante  elemento  da  estratégia  de  muitas  firmas  tem  sido  a  transformação   4 de   uma   capacidade   distintiva   inicial   baseada   na   inovação   ou   arquitetura   para   uma   mais  duradoura  derivada  da  reputação  (Kay,  1993).   Partindo   desse   filtro   para   a   leitura   de   estratégia,   Zurlo   (1999)   identifica   no   sistema   milanês,   a   alavanca   estratégica   das   empresas   que   possuem   vantagens   competitivas  sustentáveis:  a  arquitetura.  E  consegue  identificar  o  potencial  do  design   estratégico  nesse  tipo  de  organização:  “  o  design  estratégico  encontra  plena  expressão   nas  empresas  em  que  dentre  as  estratégias  possíveis  implementam  a  que  alavanca  a   arquitetura”  (Zurlo,  1999;  p.150).  A  importância  da  arquitetura  para  o  sucesso  dessas   empresas   é   reforçada   por   Verganti   (2009)   quando   apresenta   as   inovações   dirigidas   pelo   design   estudando   o   mesmo   sistema   de   design   milanês.   O   autor   denomina   essa   relação  entre  os  atores  da  constelação  de  valor  (componente  arquitetura)  de  “design   discourse”.     E   mais,   essas   empresas   contam   também   com   a   alavanca   da   reputação   como   fontes   de   vantagens   competitivas.   Zurlo   (1999;   p   186)   declara   que   na   empresa   contemporânea   a   estratégia   é   “um   processo   coletivo   de   construção   de   sentido”.   O   autor   explica   que   a   estratégia   global   ativa   o   ambiente   em   que   vive   o   sistema   de   usuários   para   conferir   sentido   e   construir   valor,   por   meio   de   um   processo   interativo   (comunicativo   e   relacional),   sobre   a   base   de   uma   plataforma   comum   composta   de   valores   e   normas   compartilhadas.   Esse   pensamento   também   é   compartilhado   por   Meroni   (2008).   Para   a   autora,   a   atividade   de   design   estratégico   confere   as   organizações   sociais   e   de   mercado   um   sistema   de   regras,   crenças,   valores   e   ferramentas   para   lidar   com   o   ambiente   externo   e   ser   apto   a   evoluir   (e   dessa   forma   sobreviver)  bem  como  manter  e  desenvolver  sua  própria  identidade.     “A  estratégia  é  diálogo  e  confronto,  conversa  e  negociação  entre  múltiplos   atores,   e   visa   alcançar   alguma   forma   de   sucesso   (um   resultado   que   tem   sentido  para  alguém)”.  Zurlo  (2010)     “o  dialogo  estratégico  é  uma  constante  nessa  abordagem  do  design  em  todo   o   projeto:   do   problem   setting   ao   problem   solving.   O   contrabriefing   é   uma   questão   de   diálogo   estratégico;   co-­‐design   é   uma   questão   de   diálogo   estratégico;   visões   compartilhadas   são   questões   de   diálogo   estratégico”.   Meroni  (2008,  p.36)   Zurlo   (1999)   aproxima   o   processo   de   criação   de   estratégias   da   proposição   do   modelo   de   constelação   de   valor   de   Normann   e   Ramires   (1993).   Nesse   modelo,   os   autores  presumem  que  o  valor  de  uma  oferta  seja  coproduzido  por  diferentes  atores   (fornecedores,   parceiros   de   negócio,   consumidores)   em   um   conjunto   não-­‐linear   de   atividades,   desenvolvidas   em   ações   recíprocas   desses   atores.   O   cliente   também   é   envolvido   neste   sistema,   pois   suas   respostas   em   relação   ao   uso   das   ofertas,   são   retroalimentadas   para   a   constelação   de   atores,   podendo   gerar   modificações   nas   mesmas.  Zurlo  (1999;  p  65)  aponta  que  “o  sistema  de  valor  que  diferencia  a  oferta  da   empresa  possui  um  forte  componente  projetual”   ou  seja,  está  associado  ao  projeto  da   alavanca  estratégica  arquitetura.   Ainda,   o   autor   propõe   que   o   foco   de   estudo   do   design   estratégico   é   a   ação   estratégica  desencadeada  pelo  design:     O   design   estratégico   manifesta-­‐se,   mesmo   em   diversas   formas,   como   uma   atividade  de  projeto,  com  o  objetivo  de  ativar  a  ação  estratégica  dentro  de   5 estruturas   organizacionais.   Se,   como   visto,   a   estratégia   é   processo   de   criação   de   sentido,   então   esta   capacidade   é   ligada   substancialmente   à   habilidade  de  design  no  criar  efeitos  de  sentido.  (Zurlo,  2010)   Ao  considerar  as  organizações  como  espaços  de  criação  de  efeitos  de  sentido,  o   autor   delimita   esses   espaços   pelo   conjunto   de   vínculos   que   precisa   ser   estabelecido   pelas   organizações   para   condicionar   e   limitar   as   atividades   dos   sujeitos   que   nelas   operam.   Assim,   um   desdobramento   importante   da   ação   estratégica   é   a   atividade   de   organizar   os   recursos.   Zurlo   fundamenta   no   autor   Weick   (1995)   a   definição   dessa   atividade.   Weick   (1995)   estabelece   que   organizar   significa   criar   um   sentido,   um   contexto,   uma   plataforma   que   seja   válida   para   todos   os   sujeito   envolvidos   na   produção  de  valor.  Portanto,  ao  constituir  essa  plataforma,  se  constrói  o  sentido  que   irá  apoiar  a  tomada  de  decisão  de  todos  os  atores  de  uma  constelação  de  valor.   Dessas   reflexões,   destaca-­‐se   que   o   design   estratégico   considera   que   o   agir   projetual  do  design  é  a  base  para  conformar  as  três  alavancas  estratégicas  capazes  de   garantir  vantagens  competitivas  sustentáveis  para  as  organizações.     Figura  1:  Relação  das  alavancas  estratégicas  na  configuração  de  vantagens  competitivas  sustentáveis.   Fonte:  elaborado  pela  autora   Deste   ponto,   Zurlo   (1999)   retoma   a   definição   de   Mauri   (1996)   sobre   o   agir   projetual  na  ação  estratégica  dirigida  pelo  design.  Mauri  (1996)  assume  que  o  projeto   da   estratégia   é   concebido   por   meio   de   um   agir   projetual   transdisciplinar   capaz   de   conectar   pontos   de   vista   diferentes   e   de   tecer   competências   e   funções   interdependentes.   Ainda,   o   autor   indica   que   usar   o   atributo   estratégico   para   a   atividade   de   design   traz   duas   implicações:   apontar   a   contribuição   disciplinar   específica   e   assumir   uma   abordagem   complexa,   reconhecendo   ser   parte   de   um   sistema   de   interrelações  com  outros  âmbitos  cognitivos  e  funcionais.  Assumindo  essa  abordagem,     “o   projeto   é   pensado,   como   saber   transformador   do   sentido   do   mundo,   fundado   sob   a   capacidade   de   uma   nova   visão,   não   a   que   vê   pela   primeira   vez   as   coisas,   mas   que   as   enxerga   e   trata   de   um   outro   modo,   como   se   fosse   pela   primeira   vez,   descobrindo-­‐as   diferentes   e   novas.   O   projeto,   cujo   elemento  constituidor  é  a  abertura  ao  possível,  deve  ser  visto  como  evento   aberto  a  uma  nova  ordem  de  conexões.  (p.28)   “pensar   em   termos   não   lineares   não   significa,   portanto,   construir   planos   para   o   futuro,   mas   identificar   problemas,   questões,   ver   oportunidades   no   presente.   Sem   querer   desvalorizar   a   criatividade   nos   seus   aspectos   adaptativos   de   problem   solving,   pensamos   que   o   coração   da   inovação   6 comece   a   bater   antes   da   busca   por   soluções,   no   próprio   momento   da   descoberta  e  do  reconhecimento  do  problema”  (p.35)     Para  esses  autores,  o  design  passa  a  ser  visto  não  como  função  organizacional,   mas   como   um   processo   integrado   dentro   de   uma   comunidade   organizada   capaz   de   gerar  e  transformar  conhecimento  dentro  dinâmicas  complexas  que  envolvem  toda  a   organização.   Disso,   Zurlo   (1999;   p.   214)   afirma   que   “em   nível   teórico,   a   principal   característica  do  design  estratégico  é  contribuir  para  a  definição  do  desenho  principal   da  comunidade1.  Além  disso,  cria  as  condições  para  construir  relações  instituindo  um   ambiente  dotado  de  sentido”.    Atuando  no  âmbito  coletivo,  o  design  estratégico  tem  o   papel   de   ativar   o   processo   de   criatividade   nas   organizações   catalizando   novos   conhecimentos  para  gerar  inovação  e  a  disponibilidade  de  troca.  E  considerando  que  a   organização   está   inserida   em   redes   de   coprodução   de   valor,   o   design   estratégico   ativa   a  rede  de  stakeholders,  funcionários  e  cidadãos  para  cocriarem  o  valor.   O  design  estratégico  é  conectado  a  ideia  de  uma  capacidade  transcendente  do   projeto   tradicional,   de   uma   atitude   de   ir   além   do   que   são   os   “objetos”   de   projeto   para   afetar   os   rumos   estratégicos   de   uma   empresa   (Cautela,   2007).   O   design   assume   um   papel   estratégico   quando   dialoga   diretamente   com   quem   toma   decisões   e   contribui   para   a   “a   construção   da   identidade   empresarial,   isto   é,   da   interface   que   a   empresa   possui   com   a   sociedade   e   o   mercado”   (Zurlo,   1999;   p.   211).   Está   nesse   sistema   porque   tem   capacidades   integrativas   e   de   apoio   a   atividade   estratégica   do   gestor   e   do   empreendedor.  E  mais,  a  atividade  de  design  estratégico:    “se   configura   como   um   processo   social   dentro   da   organização,   não   existe   um  indivíduo  que  faz  o  design  estratégico,  mas  existe  um  grupo  que,  graças   as   capacidades   da   projetualidade,   configuram   uma   atividade   de   design   estratégico”  (p.215)     E  como  resultado,  a  atividade  de  design  estratégico:    “gera   um   efeito   de   sentido   (que   é   a   dimensão   de   valor   para   alguém),   concretizando   este   resultado   em   sistemas   de   oferta,   mais   do   que   em   soluções   pontuais,   em   um   produto-­‐serviço   mais   do   que   em   um   simples   produto,  que  é  a  representação  visível  da  estratégia”  Zurlo  (2010)     Ainda,  o  autor  acrescenta  que  o  design  estratégico  ao  gerar  efeitos  de  sentido:      “intervém   em   outros   aspectos   que   incidem   nos   comportamentos   e   na   motivação   dos   indivíduos.   Tratam-­‐se   de   aspectos   culturais   ligados   a   elementos   materiais   e   imateriais,   a   símbolos,   a   rituais   específicos,   que   são   próprios   de   qualquer   atividade   humana   e   que   se   concretizam   no   estilo   interior  que  a  organização  decide  ser”  (Zurlo,  2010).     Assim,  podemos  afirmar  que  os  objetos  de  projeto  no  qual  o  design  estratégico   opera   são   os   ambientes   culturais,   físicos   e   relacionais   nos   quais   uma   organização   apresenta   o   sentido   (a   sua   razão   de   existir)   e   entrega   seu   valor   para   os   diversos   públicos.     1 A comunidade é composta pelos atores que fazem parte do ambiente de referencia de uma organização, que extrapola os limites tradicionais desta. (p.213) 7 Considerando   o   processo   de   formulação   das   estratégias   como   um   processo   social   da   organização,   na   qual   a   empresa   define   suas   interfaces   de   interação   com   a   sociedade   e   o   mercado,   a   partir   de   uma   análise   do   ambiente   externo,   das   forças   internas   da   organização   e   de   uma   forma   de   raciocínio   que   busca   minimizar   as   incertezas   e   reduzir   os   riscos   implícitos   nestas,   pode-­‐se   identificar   uma   forte   aproximação   do   pensamento   projetual   e   do   pensamento   estratégico.   A   partir   dessa   compreensão   do   processo   de   formulação   das   estratégias,   discutiremos   as   características  da  cultura  de  design  úteis  a  esse  processo.     2.1 Cultura  de  design  e  formulação  de  estratégias     Diferentes   pontos   de   vista   aproximam   a   cultura   de   design   das   estratégias   organizacionais.   Se   entendermos   estratégias   como   comportamento   inovador   das   organizações,   identificamos   em   Maldonado   (1971)   uma   das   primeiras   aproximações   entre   as   culturas.   O   autor   aponta   que   as   semelhanças   do   agir   projetual   e   inovador   seriam:   a   probabilização   do   risco   implícito   em   cada   incerteza,   a   identificação   do   maior   risco  que  se  possa  imaginar.     Para   Mauri   (1996)   a   transdisciplinaridade   como   instrumento   para   enfrentar   a   multidimensionalidade   caracteriza   a   estratégia   como   projeto   coletivo.   A   participação   em   um   projeto   coletivo   começa   com   uma   abertura   do   sujeito   à   alteridade.   Isso   se   traduz   em   uma   disposição   ao   envolvimento   ativo   e   consciente   nas   relações   estabelecidas   e   que   assume   a   forma   de   aprendizagem,   descoberta   do   outro   como   diferente  de  si.     Bonsiepe   (2011;   p.25)   afirma   que   projetar   “significa   expor-­‐se   e   viver   com   paradoxos  e  contradições,  mas  nunca  camuflá-­‐los  sob  o  manto  de  harmonizações”.  O   ato   de   projetar   deve   assumir   e   desvendar   essas   contradições,   com   uma   consciência   crítica,  que  é  um  passo  indispensável  para  a  prática  projetual.   A  consciência  crítica  é   apontada  por  Maldonado  (1971)  como  o  motor  fundamental  da  práxis  que  antecipa  o   futuro,   ou   seja,   da   práxis   projetual.   Maldonado   (1971)   aponta   que   nem   sempre   o   comportamento  projetual  leva  a  inovação    “se   o   comportamento   projetual   está   sempre   orientado   para   a   avaliação   crítica   do   problema   que   encara,   isso   não   se   verifica   sempre   para   o   comportamento   inovador.   E,   por   outro   lado,   mesmo   o   comportamento   projetual,  apesar  de  todos  os  seus  estrategemas  de  informação  e  decisão,  só   raramente  atinge  a  inovação.  Deste  modo  escapa-­‐se  à  tentação  deleitosa  de   imaginar   que   tal   comportamento   é   o   caminho   real   que   nos   leva   infalivelmente  à  inovação.  (Maldonado,  1971;  p.73)”   No   entanto,   autores   como   Celaschi   (2007)   e   Verganti   (2009)   associam   o   agir   projetual,   no   nível   estratégico,   ao   processo   de   inovação.   Para   eles,   o   agir   projetual   governa  o  processo  de  inovação.     Para  Zurlo  (2010)  o  elo  de  aproximação  da  cultura  de  design  da  formulação  das   estratégias   é   a   dimensão   da   criação   de   sentido.   O   design,   por   seu   caráter   transdisciplinar,  é  capaz  de  conectar  pontos  de  vista  diferentes,  tecendo  competências   e   funções   interdependentes.   (Mauri,   1996;   Cautela   e   Zurlo,   2006;   Zurlo,   2010).   E   reforça   o   componente   crítico   da   práxis   projetual,   como   um   aspecto   importante   da   atividade  de  design  estratégico:   8 O   contrabrief   coloca-­‐se   em   modo   interlocutório   e   crítico   em   relação   aos   pedidos  da  empresa  para  analisar  e  compreender  as  razões  que  o  geraram.   É   a   tentativa   de   conhecer   as   razões   do   brief   (a   reason   why)   e   dar   uma   contribuição,   estratégica.   É   a   abordagem   [...]   para   levar   uma   própria   contribuição   específica,   uma   visão   pessoal   própria.   Mesmo   se   não   for   convidado.  Esta   capacidade   crítica   deriva   muitas   vezes   de   um   posicionamento   em   continuidade   e   familiaridade   com   a   organização,   mas   externo  a  esta.   O   projeto   coletivo   da   estratégia,   baseado   na   diversidade   dos   saberes   e   competências,   requer   uma   figura   que   desempenhe   o   papel   de   catalizador   e   organizador   do   projeto.   E   o   design   por   sua   cultura   projetual   capaz   de   articular   diferentes   saberes   e   dar   forma   as   ideias   pode   ser   essa   figura.   Mauri   (1996)   sugere   que   o   design   pode   assumir   esse   papel,   por   conta   de   suas   competências   peculiares:   uma   disposição   à   intuição   e   à   sensibilidade   perceptiva   e   estética;   uma   capacidade   de   escuta,   de   imaginação,   de   pesquisa   da   inovação   e   de   recusa   pela   solução   óbvia.  E   pela   sua  habilidade  de  tornar  o  pensamento  visível.  Zurlo  (1999)  também  identifica  o  design   líder   desse   projeto   coletivo   pelas   capacidades:   de   leitura   e   interpretação   da   realidade,   de   projetação   de   caminhos   possíveis   a   partir   dessa   interpretação   e   de   tornar   visíveis   e   compartilháveis  essas  visões  de  mundo,  de  forma  que  todos  atores  responsáveis  pela   criação   de   estratégias   partilhem   dessa   visão.   Outras   competências   apontadas   pelos   autores  são  (Mauri,  1996;  Cautela  e  Zurlo,  2006;  Zurlo,  2010):   -­‐ a  sensibilidade  para  interpretação  dos  sinais  fortes  e  fracos  provenientes  seja  do   mundo   do   consumo,   sociocultural,   seja   do   mundo   produtivo   e   organizacional,   interpretando  a  complexidade  e  capturando  dela  estruturas  de  sentido;     -­‐ capacidade  de  coordenação  do  conhecimento  entre  uma  empresa  e  a  rede;   -­‐ a  criatividade,  ou  seja,  capacidade  combinar  o  conhecimento  em  formas  diversas;   -­‐ a  competência  morfológica  que  estabelece  a  estrutura  e  a  função  das  coisas;   -­‐ a  capacidade  de  visualizar  (capacidade  técnica,  comunicativa  e  relacional);   -­‐ a   tradução   dos   sinais   representativos   da   contemporaneidade   em   cenários   de   intervenção  projetual,  tornando  visíveis  os    caminhos  estratégicos  possíveis   -­‐ capacidade   de   subverter   –   eliminar   a   inércia   cultural   ao   ver   as   coisas   a   partir   de   um  ponto  de  vista  não  convencional,  vislumbrando  o  novo  e  o  conveniente  (para  a   empresa,   sociedade   e   ambiente)   de   diferentes   horizontes,   resultando   em   uma   visão  crítica  da  realidade   -­‐ sabe  comunicar  e  gerir  os  processos  de  compartilhamento  das  escolhas  dentro  da   organização).     A   partir   da   compreensão   das   competências   do   design   úteis   ao   design   estratégico,   Zurlo   (1999)   aponta   alguns   métodos   de   design   úteis   a   esse   projeto   coletivo.   A   seguir,   abordaremos   os   métodos   relacionados   a   capacidade   de   leitura   do   ambiente,  e  a  capacidade  de  definição  de  cenários  de  intervenção  projetual.     2.2 Métodos  do  design  estratégico     Zurlo   (1999)   identifica   o   método   “experience-­‐based   design”   de   John   Cain   (1998)  como  uma  forma  de  organizar  a  capacidade  de  leitura  dos  sinais  do  ambiente   no  qual  o  design  estratégico  opera,  no  tempo  presente.   9 “O   experience-­‐based   design   é   um   método   para   examinar,   interpretar   e   organizar  a  experiência  cotidiana  das  pessoas  de  uma  maneira  que  seja  útil   para  os  envolvidos  no  processo  de  desenvolvimento  de  produtos  e  serviços   –   estrategistas,   gestores   de   produtos,   designers,   gestores   de   marketing,   engenheiros  e  tecnólogos”  (Cain,  1998;  p12).   Cain   (1998),   ao   propor   o   método   experience-­‐based-­‐design,   sugere   uma   reorganização  do  processo  de  design  em  torno  da  compreensão  das  empresas,  de  seus   produtos   e   serviços,   e   das   experiências   das   pessoas   que   com   elas   interagem.   Sua   definição   do   método   é:   “um   processo   que   emprega   uma   profunda   compreensão   do   uso   e   experiência   cotidiana   das   pessoas   com   os   produtos   e   os   serviços,   aplicando-­‐o   para  informar  e  moldar  os  objetivos  do  negócio”  (Cain,  1998;  p.  11).   O  autor  defende  que  esse  método  melhora  os  resultados  de  design,  visto  que   integra   o   processo   em   torno   de   um   princípio   orientador:   a   ação   das   pessoas   nas   situações  reais  de  uso  ou  das  experiências.  São  as  experiências  das  pessoas,  o  cerne  do   projeto,   que   devem   moldar   e   direcionar   a   estratégia,   o   desenvolvimento   e   a   implementação   de   novos   produtos   e   serviços.   O   autor   enumera   os   componentes   da   experiência   como:   (1)   os   sistemas   socioculturais,   que   informam   ideias,   crenças,   atitudes  e  expectativas  dos  usuários  (think);  (2)  os  padrões  e  as  rotinas  de  ação,  com   significados  e  identidade  (do);  (3)  as  coisas  que  as  pessoas  usam  e  o  impacto  que  estas   têm  naquilo  que  os  indivíduos  pensam  e  fazem  (use).     Por   meio   desses   três   componentes,   é   possível   descrever   as   relações   entre   objetos,   ambientes   e   pessoas   e   construir   frameworks   de   como   as   pessoas   se   relacionam   e   experienciam   alguns   aspectos   do   seu   mundo.   Para   tanto,   Cain   (1998)   propõe   que   sejam   usadas   técnicas   de   pesquisa   etnográficas   capazes   de   observar,   descrever   e   sintetizar   essas   relações.   Porém,   diferentemente   de   antropólogos,   que   buscam  apenas  entender  as  experiências,  os  designers  buscam  conhecê-­‐las  para  “ter   condições   de   mudá-­‐la,   melhorá-­‐la”   (Cain,   1998,   p.   13).   Designers   buscam   sempre   identificar   oportunidades   de   transformar   as   realidades   existentes   em   outras   mais   desejáveis   para   os   agentes   sociais   que   (con)vivem   nas   sociedades.   Para   o   autor,   a   construção   de   frameworks   é   essencial   para   a   inovação,   pois   estes   são   a   síntese   que   serve   como   uma   ponte   entre   o   existente   e   o   desejável.   Os   frameworks   devem   ser   o   fundamento  que  guia  os  dois  primeiros  objetivos  do  método  que  será  apresentado  a   seguir.   E,   ainda,   servem   para   identificar   os   aspectos   relevantes   que   podem   afetar   positiva  ou  negativamente  a  experiência  e  auxiliar  a  etapa  de  concepção  de  soluções.   O   método   experience   based   design   é   composto   por   quatro   objetivos,   que   servem   para   guiar   a   equipe   do   problema   a   forma   final,   quais   sejam:   (1)   definir   e   estruturar   o   problema   em   termos   da   experiência   dos   usuários;   (2)   identificar   oportunidades   de   mudar   as   experiências   atuais;   (3)   inventar   as   soluções;   (4)   criar   personificação  da  solução,  formas  tangíveis  que  dão  vida  e  expressão  às  soluções.   Zurlo  (1999)  indica  que  o  design  estratégico  pode  propor  caminhos  de  inovação   por  meio  do  planejamento  por  cenários,  mas  não  apresenta  um  método  que  articula  a   capacidade  de  leitura  do  ambiente  e  a  proposição  de  cenários  futuros.   “o  design  estratégico  permite  propor  inovação  hipotizando  novos  contextos   de   uso   e   de   comportamento   por   meio   da   técnica   de   planejamento   por   cenários.  O  planejamento  de  cenários  permite  focar  alguns  futuros  possíveis   e   os   fatores   que   podem   influenciá-­‐lo.   Isto   é   um   pensamento   estratégico”   (Zurlo,  1999;  p.72).   10 A   partir   dessa   compreensão,   propomos   que   os   frameworks   das   experiências   de   Cain   (1998)   podem   ser   a   base   a   construção   de   cenários   projetuais,   na   medida   que   conectam   os   contextos   de   uso   existentes   aos   futuros   desejáveis.   São   as   constantes   culturais  do  passado  e  do  presente  que  devem  permanecer  no  futuro.     Os  cenários  projetuais  são  construídos  a  partir  da  leitura  qualitativa  dos  sinais   da  contemporaneidade,  que  podem  ser  capazes  de  moldar  o  futuro  (Manzini  e  Jegou,   2003):   "não  importa  quantas  pessoas  estão  fazendo  algo  hoje,  se  nós  formos  bons   o  suficiente  para  torná-­‐lo  atraente  e  potencialmente  viável,  ele  pode  moldar   o  futuro.  O  futuro  será  o  resultado  do  que  produzirmos  de  agora  em  diante   a  partir  das  premissas  que  encontramos  nos  sinais  do  presente”     Embora   existam   outros   autores   que   proponham   o   metaprojeto   como   método   para   construção   de   cenários   para   a   inovação   (Celaschi   ,2007),   a   proposta   de   Manzini   e   Jegou  (2006)  foi  escolhida  por  estar  alinhada  ao  que  Zurlo  (1999;  2010;  2012)  propõe   em  seus  trabalhos.   Manzini   e   Jegou   (2006)   partem   do   principio   que   as   organizações   produtivas   e   sociais   de   tempo   em   tempo   precisam   reconfigurar   suas   próprias   atividades.  E   para   tal,   devem  operar  de  forma  sistêmica,  envolvendo  múltiplos  atores  internos  e  externos  à   organização.   A   maneira   apontada   pelos   autores   para   promover   o   diálogo   estratégico   entre   esses   atores   é   a   produção   de   cenários,   pois   permite   desenvolver   uma   visão   compartilhada   e   motivada   comum   a   todos   os   envolvidos.   É   uma   metodologia   que   apoia   a   tomada   de   decisão   estratégica   e   que   fornece   insumos   para   promover   a   inovação  do  sistema  em  contextos  turbulentos  e  complexos.   Os   autores   caracterizam   os   cenários   como   uma   visão   plausível   e   passível   de   discussão   de   um   estado   hipotético   das   coisas,   descritas   de   modo   compreensível   comunicável.  É  uma  simulação  projetual  no  qual  se  inserem  artefatos  inexistentes,  mas   possíveis,   de   modo   a   favorecer   a   discussão   e   a   avaliação   dos   seus   pressupostos   e   implicações,  pelos  atores  envolvidos  no  diálogo  estratégico,  para  se  chegar  a  um  ponto   convergente  de  opiniões.  Uma  visão  de  futuro  que  não  promova  esse  tipo  de  diálogo   entre  os  atores  sociais  não  é  um  cenário.  Um  cenário  orientado  pelo  design  (Design-­‐ orienting   scenarios   –   DOS)   é   definido   como   uma   visão   motivada   e   articulada   com   a   finalidade  de  catalisar  a  energia  dos  diversos  atores  envolvidos  no  processo  projetual,   de  forma  que  seus  esforços  sejam  direcionados  a  essa  visão  comum.     Os  cenários  se  configuram  como  um  mundo  de  referência  possível  em  termos   de  contexto  e  situações  de  uso.  É  uma  narrativa  visual  e  textual  que  organiza  todo  o   material   coletado   e   inspira   o   percurso   de   inovação   da   organização.   São   visões   compartilháveis  que  traduzem  informações  e  intuições  em  conhecimento  perceptível   (Meroni,  2008).     Em   síntese,   Manzini   (2003)   aponta   como   características   do   cenário   orientado   pelo   design:   a   pluralidade,   exequibilidade,   microescala,   expressão   visual   e   participação.   Ou   seja,   na   sua   construção,   são   considerados   os   contextos   alternativos   nos   quais   os   aspectos   ambientais,   socioculturais   e   econômicos   possam   ser   avaliados,   baseados   em   tecnologias   existentes   ou   oportunidades   socioculturais   identificadas.   São   definidos   pela   escala   do   contexto   de   vida   das   pessoas,   expressando   visualmente   os   contextos   e   as   propostas,   para   que   um   conjunto   de   atores   participe   de   um   projeto   coletivo  a  partir  de  um  ponto  de  vista  compartilhado.     11 Por  isso,  um  cenário  deve  ser  composto  por  três  elementos:  visão,  motivação  e   proposta.   A   visão   de   um   cenário   deve   responder   a   questão   “como   seria   o   mundo   se...?”  por  meio  de  uma  narrativa,  apresentando  uma  imagem  sintética  de  como  seria   o   estado   das   coisas   se   uma   sequencia   de   eventos   acontecesse.   A   imagem   apresenta   como  o  contexto  pode  se  configurar  se  certos  comportamentos  fossem  introduzidos,   certas   ações   acontecessem   e   certas   propostas   de   produtos   e   serviços   fossem   adotadas.   Ou   seja,   apresenta   um   espaço   físico   e   sociocultural   no   qual   um   grupo   de   pessoas   e   seus   comportamentos   poderão   ser   coerentemente   imaginados   com   um   conjunto  de  artefatos  e  ações.  A  motivação  é  o  componente  que  legitima  a  existência   do   cenário   e   lhe   confere   significado.   Na   construção   dos   cenários,   a   motivação   apresentada  pela  explicitação  das  premissas  e  das  condições  do  entorno  adotadas  para   a  sua  construção  e  com  quais  critérios  e  instrumentos  as  diversas  alternativas  poderão   ser  avaliadas.  A  proposta  é  o  componente  que  dá  consistência  a  essa  visão.  Responde   a  questão  “como  se  articula  visão  conjunta?  De  que  coisas  é  composta?  Como  se  pode   implementá-­‐la?.   A   proposta   apresenta   a   indicação   de   um   conjunto   de   produtos,   serviços,   sistemas   ou   soluções   complexas,   que   possuem   um   traço   comum,   caracterizante  do  cenário.   Os  cenários  resultantes  da  atividade  de  design  devem  ser  artefatos  conceituais   capazes  de  ajustar-­‐se  as  mudanças  do  ambiente,  como  sistemas  adaptativos,  que  são   abertos   e   interativos,   e   de   apreender   eventos   que   acontecem   e   com   base   nesse   aprendizado,   se   reorganizar.   E   por   isso   se   alinham   a   compreensão   de   estratégia   proposta   por   Kay   (1993).   Os   cenários   podem   ser   a   base   para   o   alinhamento   da   comunidade   situada   no   entorno   da   oferta   de   uma   empresa,   propondo   um   conjunto   compartilhado   de   valores   capazes   de   sedimentar   as   relações   entre   os   múltiplos   atores   do   sistema.   Assim,   o   projeto   por   cenários   estaria   associado   a   duas   alavancas   estratégicas:  inovação  e  arquitetura,  que  são  a  base  para  a  construção  da  reputação.   A   figura   2   sintetiza   essa   processualidade   dinâmica,   que   se   adaptar   e   se   reorganizar  continuamente  as  mudanças  ambientais,  que  serve  como  direcionador  da   formulação  das  estratégias  organizacionais.       Figura  2:  processualidade  do  projeto  da  estratégia   Fonte:  elaborado  pela  autora     3. Considerações  finais   Após   apresentar   as   principais   características   do   design   estratégico   seus   métodos  de  abordagem,  podemos  propor  que  o  design  estratégico  é  um  processo  para   capaz   de   ativar   os   diversos   atores   envolvidos   na   formulação   das   estratégias   organizacionais.   É   uma   atividade   projetual   coletiva   desenvolvida   a   partir   da   identificação   das   competências   distintivas   da   organização   e   da   identificação   de   12 oportunidades   existentes  no  atual  ambiente.  A  cultura  de  design  possui   capacidade  de   leitura  e  intepretação  dos  sinais  do  presente,  fundamentada   em  pesquisas  qualitativas   ligadas  a  etnografia  e  linguagens,  sendo  capaz  de  tornar  visíveis  os  espaços  nos  quais  a   organização  pode  operar  para  obter  vantagens  com  suas  capacidades  distintivas.     Esse   conhecimento   é   compartilhado   para   que   os   atores   possam   criar   coletivamente   o   sentido   e   o   valor   da   oferta   da   organização.   Neste   projeto   coletivo   são   expostas   as   contradições   e   conflitos   que   a   comunidade   enfrentará   para   que   se   chegue   a  uma  visão  comum,  valorizada  por  todos  os  envolvidos.  Esse  diálogo  é  mediado  pelo   projeto   de   cenários   construídos   pelo   design,   que   pela   característica   da   expressão   visual,   facilita   a   visualização   dos   caminhos   possíveis.   A   partir   dessa   visão   será   desenvolvido   o   conceito   (estratégia   de   contextualização)   que   guiará   os   desdobramentos  da  estratégia  em  termos  da  configuração  das  interfaces  da  empresa   com   a   sociedade   e   o   mercado.   Esses   aspectos   envolvem   o   estilo   de   relação   que   a   empresa   quer   ter   com   essas   entidades,   incluindo   o   ambiente   físico,   que   confere   a   identidade   da   organização   e   os   rituais   de   troca   entre   os   atores.   É   o   projeto   do   sistema   de   trocas   entre   os   atores   de   uma   comunidade   estabelecida   a   partir   de   valores   e   normas   compartilhadas,   cujos   resultados   podem   ser   materializados   em   produtos,   processos  e  comunicações.     REFERÊNCIAS     Best,   K.   Design   Management:   managing   design   strategy,   process   and   implementation.  New  York:  AVA  Publishing.  2006   Cain,   John.   Experience   based   design:   toward   a   Science   of   Artful   Business   Innovation.   Design  Management  Journal,  v.9,  n.4,  Aug  24,  1998.  p.10-­‐16.   Cautela,  Cabirio.  Strumenti  di  design  management.  Roma:  Franco  Angeli,2007.  142p.   Celaschi.   Flaviano   Dentro   al   progetto:   appunti   di   merceologia   contemporanea.   In:   F.   Celaschi  e  A.  Deserti  (Ed.).  Design  e  Innovazione.  Roma:  Carocci,  2007.    p.15-­‐56   Cooper,  Rachel;  Press,  Mike.  The  Design  Agenda:  a  guide  to  successful  Design   Management.  Chichester:  Wiley,  1995   Kay  J.,  Foundations  of  corporate  success:  how  business  strategies  add  value.  Oxford:   Oxford  University  Press,  1993   Kotler,  Philip.  Rath,  Alexander.  Design:  a  powerful  but  neglected  strategic  tool.  Journal   of  Business  Strategy,  1984.  Vol.  5  Iss:  2,  pp.16  -­‐  21   Lockwood,   Thomas.   Design   Thinking:   Integrating   Innovation,   Customer   Experience,   and  Brand  Value.  New  York:  Allworth  Press,  2010.     Magalhães,   Cláudio   Freitas   de.  Design   Estratégico.  Rio   de   Janeiro:   CNI/Senai-­‐Cetiqt,   1997.   Maldonado,  Tomas.  Meio  Ambiente  e  Ideologia.  Lisboa:  Socicultur,  1971   Manzini,   Ezio.   Scenarios   of   sustainable   wellbeing.   Design   philosophy   papers,   v.   1,   n.   1,   2003.  Disponível  em:  http://www.desphilosophy.com/dpp/dpp_index.html   13 Manzini,   Ezio.;   Jégou,   François.   Design   degli   scenari.   In:   BERTOLA,   P.;   MANZINI,   E.   Design   Multiverso   |   Notas   de   fenomenologia   do   design.   Milano:   Edizioni   POLI.design,   2006,  pp.  189-­‐207   Manzini,  Ezio.;  Jégou,  François.  Sustainable  Everyday.  Scenarios  of  Urban  Life,  Milano   2003   Mauri,  Francesco.  Progettare  progettando  strategia.  Milano:  Masson  S.p.A,  1996   Meroni,  Anna.  Strategic  design:  where  are  we  now? 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