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ARS
ano 17
n. 36
Tadeu Chiarelli*
Mário Pedrosa e Portinari: anotações sobre um texto
esquecido.
Mário Pedrosa and Portinari: notes on a forgotten text.
Artigo inédito
Tadeu Chiarelli
0000-0002-5123-7628
palavras-chave:
Mário Pedrosa; Candido
Portinari; Arte Moderna no
Brasil; Murilo Mendes;
Ismael Nery
Este artigo discute o texto “Pintura e Portinari”, de Mário Pedrosa, publicado em
março de 1935, desconhecido por parte significativa dos historiadores da arte
brasileira. Também é seu objetivo situar esse texto no âmbito do debate artístico
do país dos anos 1930, apresentando sua contestação por Murilo Mendes, ainda
no ano de sua publicação.
keywords:
Mário Pedrosa; Candido
Portinari; Modern Art in Brazil;
Murilo Mendes; Ismael Nery
This article discusses the text “Pintura e Portinari” by Mário Pedrosa, published
in March 1935 and still unknown by a significant number of Brazilian art
historians. It also aims to situate this essay in the context of the artistic debate
in Brazil during the 1930s, and to present Murilo Mendes’ response later that
same year.
*Universidade de São Paulo
(USP), Brasil.
DOI: 10.11606/issn.2178-0447.
ars.2019.154765
22
No livro Mário Pedrosa: itinerário crítico, Otília Arantes relata
como Mário Pedrosa encontra, por “obra do acaso”, a produção de
Candido Portinari:
Tadeu Chiarelli
Mário Pedrosa e Portinari:
anotações sobre um texto
esquecido
perseguido pela polícia depois dos acontecimentos da Praça da Sé em 1934,
Mário Pedrosa refugiou-se numa galeria da Barão de Itapetininga, na qual
se realizava a primeira mostra do pintor de Brodósqui em São Paulo. Tempo
suficiente para retomar suas reflexões sobre as artes plásticas.1
Quase de imediato, no entanto, a autora corrige aquela falsa
impressão de casualidade, quando a produção de Portinari teria despertado o interesse de Pedrosa:
Não se deve portanto ao mero acaso que o encerrou numa galeria onde expunha Portinari, a única responsabilidade pela escolha de Mário Pedrosa.
Não foi por acaso, vê-se logo, que se deteve na carreira de um dos nossos
artistas mais identificados (…) com uma pintura de conteúdo social e nacional, justamente num momento de agitação política intensa e de oposição
declarada à matriz europeia, sobretudo num instante de guinada fascista
generalizada. Mas mesmo então, não é apenas essa evidência de conjuntura
o que o atrai em Portinari. Foi sobretudo o antiacademicismo de uma obra
em condições de sobrepujar o quadro estreito da pintura a óleo, o que nela
aparecia como busca obstinada de uma unidade artística, de um domínio das
técnicas apoiado na utilização de materiais e recursos heterogêneos – quase
uma experimentação de linguagem.2
Para escrever sobre Mário Pedrosa e a pintura de Portinari, a
autora baseou-se no artigo “Impressões de Portinari”, escrito pelo primeiro3. É certo que, ao ler esse artigo de Pedrosa, parece que, para
ele, a produção do pintor representava a possibilidade de empreender
no país uma arte moderna, se Portinari superasse certos impasses e
conseguisse acoplar à preocupação com a linguagem o compromisso
com o social.
Como também afirma Arantes com o texto, Mário Pedrosa
trazia para o debate local as ideias que estruturara em seu artigo
dedicado à obra da artista alemã Käthe Kollwitz, “As tendências
sociais da arte e Käthe Kollwitz”4, em que, após longa apresentação
das relações entre arte e sociedade em diversos momentos da história, Pedrosa, ao chegar no século XX, divide a arte moderna em
dois lados: primeiro, aquele em que situa os artistas isolados num
“individualismo egocentrista” (Picasso, por exemplo); o segundo, em
1. ARANTES, Otília. Mário
Pedrosa: itinerário crítico. São
Paulo: Página Aberta, 1991.
p. 19.
2. Ibidem, p. 23. Patrícia
Reinheimer coloca fim à lenda
desse encontro entre Pedrosa
e a pintura de Portinari,
afirmando: “Como crítico de
arte, é ressaltado que seu
encontro com o trabalho de
Portinari se deu pela primeira
vez quando, ao fugir desse
evento [a fuga de Pedrosa da
polícia durante a “Batalha da
Praça da Sé”], se escondeu na
galeria de arte na qual o pintor
expunha. Essa informação,
entretanto, não coincide com
a data da exposição. O evento
na Praça da Sé aconteceu
em outubro e a exposição de
Portinari na galeria Itá em
dezembro, o artigo escrito por
Pedrosa (1934) foi publicado
em 7 de dezembro no Diário
da Noite, um dia antes de
inaugurada a exposição. Além
disso, é difícil imaginar alguém
fugindo da polícia, ferido,
mesmo que se refugiasse
em uma galeria de arte teria
disponibilidade para observar
os quadros cuidadosamente
e depois escrever um ensaio
sobre eles”. REINHEIMER,
Patrícia. Candido Portinari e
Mário Pedrosa: uma leitura
antropológica do embate
entre figuração e abstração
no Brasil. Rio de Janeiro:
Garamond, 2013. p. 123.
3. Publicado originalmente
no Diário da Noite, em 7 de
dezembro de 1934. No livro
em que saiu publicado pela
primeira vez (PEDROSA,
Mário. Arte necessidade vital.
Rio de Janeiro: Casa
23
ARS
ano 17
n. 36
do Estudante do Brasil,
1949) a data do artigo é dada
erroneamente como sendo
“setembro de 1934” (p. 44).
Para muitos pesquisadores,
esse texto, ainda hoje, é tido
como o único texto escrito
por Pedrosa sobre Candido
Portinari durante a primeira
metade dos anos 1930.
4. O artigo, publicado no
periódico antifascista O
Homem Livre, do qual Pedrosa
foi um dos editores (n. 6-9,
em julho de 1933), teve como
base a conferência do autor
ministrada no Clube dos
Artistas Modernos de São
Paulo em junho de 1933,
cujo título foi “Käthe Kollwitz
e o seu modo vermelho
de perceber a vida”. O
texto de O Homem Livre foi
republicado em: PEDROSA,
Mário. As tendências sociais
da arte e Käthe Kollwitz
In: PEDROSA, Mário. Arte:
ensaios. Organizado por
Lorenzo Mammì. São Paulo:
Cosac Naify, 2015. p. 24-47.
A informação sobre o título
da conferência foi retirada do
livro mencionado, organizado
por Lorenzo Mammì. Antes
do início da publicação do
artigo de Pedrosa sobre a
artista alemã, no dia 10 de
junho do mesmo ano, e no
mesmo jornal, Geraldo Ferraz
dedicara um pequeno artigo à
exposição da artista, intitulado
“Käthe Kollwitz: a intérprete
poderosa da revolta dos
miseráveis, dos oprimidos,
das vítimas da guerra”.
5. Embora Pedrosa nada
aprofunde sobre esse último
artista, é importante frisar a
inclusão do nome de Grosz no
que localizaria aqueles que buscavam “se aproximar do proletariado”
(Käthe Kollwitz e também o artista alemão Georg Grosz5).
Do texto sobre Kollwitz para “Impressões sobre Portinari”,
teria se passado em torno de um ano e, quando o autor retoma
suas inquietações visíveis no artigo sobre a artista para aplicá-las ao
contexto brasileiro, é na obra do pintor de Brodósqui que Pedrosa
encontra a possibilidade de uma arte moderna e engajada, e não mais
tributária de uma estética do século XIX, visível nas formulações
de Kollwitz.
Concordando com Otília Arantes, não resta dúvida de que o
olhar de Mário Pedrosa sobre a produção de Portinari não era fruto
do acaso: o autor parecia ver nas pinturas do artista uma transformação proteica, conduzindo-o à produção de afrescos. No entanto,
falta ao artigo de Pedrosa uma contextualização mais generosa, colocando o leitor em contato com a cena artística do período. Mesmo
que fosse de forma tão maniqueísta quanto aquela que, no texto
sobre Kollwitz, situava a artista como contraponto positivo à dimensão negativa da produção de Picasso – marcado, segundo o crítico,
“por um latente subjetivismo”6 –, teria sido importante que Pedrosa
empreendesse aquela avaliação da produção de Portinari, situando-a
no ambiente maior da cena brasileira e internacional de então.
Ainda, e entre outras lacunas, falta, em “Impressões”, aquilo
que fundamentará suas reflexões a respeito de Portinari: justamente
o aprofundamento sobre a fase que viria logo após o “ciclo brodosquiano” do artista, e que antecederia a pintura Café (1934) que, para
o crítico, sinalizaria o início de um novo momento na obra do pintor7.
Parte significativa dessas lacunas presentes em “Impressões”
está contemplada ou complementada no outro texto que Mário Pedrosa
dedicou à produção de Candido Portinari, publicado em março de
1935: “Pintura e Portinari”, em Espelho: revista da vida moderna8.
***
Raras vezes citado em estudos sobre Candido Portinari ou
sobre Mário Pedrosa, e, até o momento, ausente das coletâneas dedicadas ao crítico9, “Pintura e Portinari”, ao que foi dado encontrar,
só foi objeto de interesse de Patrícia Reinheimer, no livro Candido
Portinari e Mário Pedrosa: uma leitura antropológica do embate entre
figuração e abstração no Brasil, e de Marcelo Ribeiro Vasconcelos, no
artigo “A relação entre artes plásticas e marxismo na crítica de Mário
Pedrosa à obra de Portinari”10.
24
Ambos, Reinheimer e Vasconcelos, discutem o texto dentro da
cronologia dada: em primeiro lugar, “Impressões de Portinari” e, em
seguida, “Pintura e Portinari”. Porém, a análise do conteúdo dos artigos sugere a possibilidade de pensá-los seguindo a ordem inversa pelas
seguintes razões: embora publicado em 1935, “Pintura e Portinari” traz
a questão da arte comprometida com o social (discutida, no plano internacional, no artigo sobre Käthe Kollwitz) para o ambiente brasileiro, ao
mesmo tempo em que introduz Candido Portinari ao leitor dentro dessa
mesma preocupação.
Em contrapartida, se no artigo sobre a artista alemã Pedrosa
usou a obra de Picasso como seu contraponto negativo, no texto de
1935, o crítico escolherá a produção de Ismael Nery para opor àquela
de Portinari. A comparação entre as produções dos dois artistas brasileiros (ainda a ser discutida aqui) expande a compreensão sobre a arte do
período, permitindo a percepção de um panorama traçado pelo crítico
para situar seus argumentos e seu artista.
Por último, “Pintura e Portinari” terminará após uma alentada
discussão sobre a produção de Portinari sem, no entanto, tocar a fundo
na questão do afresco, uma “vocação” que o crítico só examinará em
“Impressões de Portinari”, tornando-o, assim, uma espécie de complemento, ou finalização do artigo de 1935, mesmo tendo sido publicado
antes.
Essa discrepância entre as datas de publicação dos dois textos
e seus respectivos conteúdos pode levar a crer que o artigo publicado
em 1935 foi escrito antes daquele publicado em 1934, ou que ambos
faziam parte de um mesmo ensaio posteriormente dividido em dois segmentos e publicados inversamente. Tais possibilidades revelam-se mais
plausíveis quando, ao ler o livro de Patrícia Reinheimer, a autora relata
que esse “segundo” artigo de Pedrosa sobre o pintor brasileiro (“Pintura
e Portinari”):
foi escrito por insistência de Rodrigo Melo Franco de Andrade, que pediu
sua contribuição para o periódico Folha de Minas, do qual era diretor. Tendo deixado a direção do periódico quando o artigo foi apresentado, este foi
rejeitado com a alegação de que “era pouco jornalístico”. Assim, o próprio
Rodrigo Melo Franco de Andrade se encarregou de procurar outro jornal que
o publicasse.11
Para tal informação, a autora se baseia em um cartão de Melo
Franco a Pedrosa, datado de 15 de janeiro de 1935, o que reitera a
impressão de que o texto foi escrito no ano anterior, levando em
Tadeu Chiarelli
Mário Pedrosa e Portinari:
anotações sobre um texto
esquecido
texto sobre a artista alemã.
Tal incorporação sinaliza
que o crítico, em 1934, não
estava interessado apenas nas
relações mais óbvias entre arte
e proletariado, percebidas em
poéticas ainda devedoras do
realismo e do naturalismo do
século XIX (caso da produção
de Käthe Kollwitz), mas
também àquelas ligadas aos
debates da arte das primeiras
décadas do século XX. É este
o trecho em que Pedrosa
cita Georg Grosz: “À tentativa
histórica de Kollwitz, a primeira
cronologicamente surgida,
outras formas dessa expressão
vieram juntar-se. Entre estas, a
violência cerebral e consciente
da sátira de Grosz, em que o
ódio da classe exploradora já
é a fonte de inspiração para os
seus desenhos e aquarelas.
Enquanto Kollwitz exprime
o sofrimento das massas
exploradas, Grosz escalpela
a alma dos exploradores,
rasgando aos olhos de todos
os tumores daquelas cabeças
de suínos e daquelas faces
esclerosadas de mulheres”
(Ibidem, p. 46). Outro dado
sobre a “presença” de Georg
Grozs dentro das referências
de Mário Pedrosa encontra-se
em sua resenha do livro de
poemas História do Brasil, de
Murilo Mendes, publicada em
1933, em O Homem Livre. Na
resenha, Pedrosa compara
“a sátira e o achincalhe” de
certos trechos do poema de
Mendes a “uma simplificação
verista que lembra George
Gross (sic) sem naturalmente a
violência interessada e o ódio”.
PEDROSA, Mário. História do
Brasil. O Homem Livre, São
Paulo, 14 ago. 1933.
25
ARS
ano 17
n. 36
6. PEDROSA, Mário. As
tendências sociais da arte e
Käthe Kollwitz. In: PEDROSA,
Mário. Arte: ensaios.
Organizado por Lorenzo
Mammì. São Paulo: Cosac
Naify, 2015. p. 37.
7. Em seu livro, Patrícia
Reinheimer (op. cit., p. 126)
afirma que a tela Café, de 1934
(Col. Particular, RJ), referida
por Mário Pedrosa no texto,
embora homônima, não é a
mesma de 1935, com a qual
Portinari ganhou o prêmio no
Carnegie Institute naquele
ano e que hoje pertence ao
acervo do Museu Nacional
de Belas Artes (MNBA). Se
compararmos as imagens
das duas obras apresentadas
no livro de Reinheimer (op.
cit., p. 127) e as cotejarmos
com a descrição feita por
Pedrosa, veremos que, de
fato, a autora parece certa
em sua afirmação. Pedrosa,
ao descrever a obra, afirma
o seguinte: “A unidade
metódica já é profundamente
complexa. Dentro da
pequena tela superpovoada
e atravancada de coisas (…)
Ligando as figuras e os céus
entre si, e os integrando na
mesma materialidade luminosa
(…)” (PEDROSA, Mário.
Acadêmicos e modernos.
Organizado por Otília Arantes.
São Paulo: Edusp, 1998a. p.
157-158, grifos meus). As
palavras em itálico foram
assim transcritas por mim
para salientar dois aspectos
fundamentais: Pedrosa fala
sobre uma pequena tela. Café,
do MNBA, mede 130 x 195 cm,
não sendo, portanto, “uma
pequena tela”. Já a tela
consideração que não seria possível, nos primeiros 15 dias daquele ano,
ter ocorrido o convite de Andrade para Pedrosa colaborar com a Folha
de Minas, a produção do texto, sua recusa pelo jornal mineiro e sua
posterior decisão de publicar o artigo em Espelho. Por outro lado, a data
de publicação de “Impressões de Portinari” – 7 de dezembro de 1934
– demonstra o quanto os dois artigos, se não foram concebidos originalmente como um único texto, foram produzidos em concomitância.
Seja como for, “Pintura e Portinari” é um artigo fundamental
para compreender a produção inicial de Mário Pedrosa como crítico de
arte e, justamente por isso, crucial para os estudos sobre a história da
crítica de arte no Brasil. É nesse sentido que, daqui em diante, buscarei
refletir sobre algumas questões nele presentes e que ainda aguardam
maiores esclarecimentos.
***
Como mencionado, com “Pintura e Portinari”, Mário Pedrosa
conduz para a cena brasileira o debate entre arte “social” e arte “desinteressada”. Tal deslocamento, no entanto, não deve ser entendido como
literal. É certo que, no texto sobre Käthe Kollwitz, Pedrosa trouxe para o
debate sobre a arte no Brasil da década de 1930 sua consciência de que
a arte, mesmo com todo o seu compromisso com o social, não deveria
desprezar o respeito à linguagem e à técnica, às quais o artista necessitaria associar sua preocupação com o assunto da obra. Não é demais
lembrar o principal trecho do texto em que o autor, ao mencionar as
xilogravuras de Kollwitz, atende a esse problema:
Entretanto a artista tem, dentro do próprio proletariado, a sua preferência. É
que, além de sua classe, ela é do seu sexo. É a artista da mulher proletária.
A força popular instintiva profunda desta, sua imensa capacidade de afeição
e de sofrimento, aquela jovialidade e simpatia apesar de tudo diante da vida,
tudo isso ela gravou na simplificação comovente da madeira, com uma rispidez quase hostil mas realçando pelo contraste a violência e a profundeza
do sentimento expresso. A intensidade dramática que a madeira violentada
revela é de tal ordem que a obra de arte atinge aqui a unidade e a integração
ideal entre a vontade e o sentimento do artista e a capacidade interior de
expressão do próprio material.12
Porém, é igualmente correto que, pelo menos no texto referido, acima desse respeito à forma, está o compromisso que, segundo
Pedrosa, o artista deveria possuir para com o problema social. Para ele,
26
o artista precisava entender o trabalho de arte como uma arma de ataque à burguesia, e é assim que finaliza o artigo sobre a artista:
Tadeu Chiarelli
Mário Pedrosa e Portinari:
anotações sobre um texto
A arte social hoje em dia não é, de fato, um passatempo delicioso: é uma
esquecido
arma. A obra de Kollwitz concorre assim para dividir ainda mais os homens.
A dialética da dinâmica social, que as leis da lógica e da psicologia individual não decifram, faz com que uma obra destas, tão profundamente inspirada de amor e de fraternidade humana, sirva, entretanto, para alimentar
o ódio de classe mais implacável. E com isto está realizada a sua generosa
missão social.13
Esse posicionamento ativista, belicoso mesmo, é nuançado
quando o crítico o reapresenta ao público brasileiro, como uma introdução à pintura moderna e à pintura de Candido Portinari:
O esforço todo da arte moderna tem se reduzido afinal a dar tradição às
novas tarefas materiais, aos novos materiais e novos sistemas técnicos que
o modo de produção dominante derrama incessantemente, como uma fonte
inesgotável. Constituir não uma tradição, isto é, uma seleção de materiais,
peneirando, descobrindo o que é constante nestes materiais e técnicas, mas
com esta técnica e com esta tradição construir uma nova arte integral, síntese necessária do conteúdo e da forma, só caberá aos artistas modernos revolucionários, inspirados socialmente pelo proletariado e guiados pelo sentido
do materialismo dialético no manejo da matéria, das formas e do ritmo.14
Antes de citar Portinari pela primeira vez, Pedrosa evoca o nome
do pintor mexicano Diego Rivera que, segundo ele, era o artista que
mais se aproximava daquela “síntese necessária do conteúdo e da
forma”. Lembrando que o último texto crítico de Pedrosa havia sido
dedicado a Käthe Kollwitz, é de estranhar a ausência do nome da artista
no texto dedicado a Portinari e sua substituição pelo de Rivera. Porém,
se atentarmos para algumas circunstâncias que envolveram a exposição
da artista em São Paulo, em 1933, essa substituição talvez possa ser
mais bem compreendida.
Não são totalmente claros os motivos que levaram o Clube dos
Artistas Modernos a realizar a exposição de obras de Käthe Kollwitz, em
junho de 1933, que teria ensejado a conferência de Mário Pedrosa e, na
sequência, seu artigo aqui comentado. Porém, tudo indica que, além da
admiração pela obra da artista, havia um movimento de solidariedade
para com ela, que suportava os revezes da perseguição que então sofria
em seu país natal15.
homônima, ainda segundo
Reinheimer, mede 43 x 49 cm.
Por último, em Café, do MNBA,
não existe céu e muito menos
“materialidade luminosa”,
presente na outra pintura.
(As medidas das obras, assim
como as referências de datas
e coleções foram conferidas
no site organizado pelo
Projeto Portinari: http://www.
portinari.org.br/#/acervo/
obra. Acesso em: 6 fev. 2019).
8. PEDROSA, Mário. Pintura e
Portinari. Espelho: revista da
vida moderna, Rio de Janeiro,
mar. 1935. p. 62.
9. Foram consultadas as
seguintes coletâneas:
PEDROSA, 1949; PEDROSA,
Mário. Mundo, homem, arte
em crise. Organizado por
Aracy Amaral. São Paulo:
Perspectiva, 1975; PEDROSA,
Mário. Dos murais de Portinari
aos espaços de Brasília.
Organizado por Aracy Amaral.
São Paulo: Perspectiva, 1981;
PEDROSA, Mário. Política das
artes. Organizado por Otília
Arantes. São Paulo: Edusp,
1995; PEDROSA, 1998a;
PEDROSA, Mário. Modernidade
cá e lá. Organizado por Otília
Arantes. São Paulo: Edusp,
2000; PEDROSA, 2015.
10. REINHEIMER. Op. cit.;
VASCONCELOS, Marcelo
Ribeiro. A relação entre artes
plásticas e marxismo na
crítica de Mário Pedrosa à
obra de Portinari. Enfoques,
Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, p.
152-181, 2013. Disponível
em: https://revistas.ufrj.br/
index.php/enfoques/article/
view/12653/8856. Acesso em:
17 jan. 2019.
27
ARS
ano 17
n. 36
11. REINHEIMER, Patrícia. Op.
cit., p. 133.
12. PEDROSA, 2015, p. 44.
13. Ibidem, p. 47. Existe um
debate sobre se Mário Pedrosa,
em seu artigo sobre Käthe
Kollwitz e aqueles sobre
Portinari, escritos ainda na
primeira metade da década
de 1930, proporia algum tipo
de respeito, por parte do
artista, às especificidades da
arte em relação ao assunto.
Otília Arantes, em alguns de
seus textos sobre o crítico
sustentará que ele, com maior
ou menor ênfase, possuía a
consciência dessa necessidade,
o que é acompanhada por
Marcelo Mari em seu estudo
sobre Pedrosa (MARI,
Marcelo. Estética e política
em Mário Pedrosa (19301950). 2006. Tese (Doutorado
em Filosofia) – Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 2006). Já a
estudiosa Patrícia Reinheimer
(op. cit.) argumenta que tal
preocupação apenas surgirá
ao crítico a partir dos anos
1940. Pelo trecho que citei
do texto em que Pedrosa se
manifesta a respeito das xilos
de Kollwitz e na análise que
empreenderei sobre os dois
textos sobre Candido Portinari
escritos por ele, creio que
ficará claro que tendo a apoiar
os dois colegas citados em
primeiro lugar, o que não retira
meu reconhecimento para a
importante contribuição de
Reinheimer para os estudos
sobre a crítica de arte de
Pedrosa.
14. PEDROSA, 1935, p. 62.
Esse sentimento de solidariedade talvez explique o envolvimento
de Mário Pedrosa na recepção positiva da obra de Käthe Kollwitz em
São Paulo naquele ano: tal adesão pode ter ocorrido em função do
reconhecimento pela carreira da gravadora e, sobretudo, como um
gesto de respaldo pelo momento vivido pela artista, e não propriamente uma adesão incondicional aos postulados estéticos e políticos
de sua obra.
Outra circunstância talvez o levasse a concentrar sua atenção em
artistas mais próximos de suas inquietações naquela época, como Georg
Grosz e Diego Rivera, por exemplo, artistas de fato conectados com os
desafios que a arte engajada do período colocava ao artista moderno,
imerso nas contradições da luta de classes do período, em que a arte
se via cada vez mais engolfada pela alienação provocada pela sociedade
capitalista em contraposição às propostas socialistas.
É nesse contexto que deve ser entendido o fato de Pedrosa ter
evocado o artista mexicano, e não a artista alemã, ao introduzir suas
considerações sobre a pintura de Portinari. Rivera, de maneira mais
radical do que Kollwitz, soubera encontrar aquela “síntese” entre conteúdo e forma que, segundo o crítico, era o grande desafio da arte
moderna comprometida. Rivera, neste sentido, era a arte do século XX,
enquanto Kollwitz, frente a ele, parecia o ocaso trágico do realismo de
Courbet, Millet e outros artistas engajados do século XIX.
Junto a isso, Rivera, como artista latino-americano, estava mais
próximo de Portinari e do leitor. Mais próximo e supostamente trazendo
em sua produção a síntese entre engajamento social e respeito à integridade formal da obra. Essa questão que, como visto, estava presente
de forma discreta no artigo sobre a obra de Kollwitz, será ainda mais
evidenciada tanto em “Pintura e Portinari” quanto em “Impressões de
Portinari”.
O interesse pela busca de síntese entre forma e conteúdo ganha
destaque em “Pintura e Portinari”, quando o crítico, ao se referir à tela
produzida pelo pintor brasileiro, Sorveteiro, assim se posiciona:
Nos últimos quadros, ou por outra, naqueles em que domina o problema
da composição, isto é, aquilo em que mais intervém a vontade criadora e
a lucidez intelectual do artista, não é a inspiração subjetiva, o conteúdo
a priori, idealístico, que impulsiona a sua mão. Sorveteiro é a mais convincente ilustração disso. Aqui foi a própria alma, a lei interna estrutural da composição e das formas materiais do próprio objeto sensível que
avassalou o espírito do criador. As sombras mitológicas (Vênus, Madona) entram aí pela porta do subconsciente e se amoldam, subordinadas,
28
como andaimes, às necessidades interiores da própria obra. Os problemas
Tadeu Chiarelli
amadurecem na mão de Portinari. A cabeça fantasista, é tantas vezes,
Mário Pedrosa e Portinari:
aí, enraizadamente idealista, obedece, disciplinada, à mão materialista, e
anotações sobre um texto
por ela espera. Essa oposição dialética, entre a cabeça e a mão, escolho
esquecido
onde esbarra a maioria dos artistas brasileiros, resolve-se neste no plano
realmente necessário.16
Sorveteiro é uma das melhores obras produzidas por Portinari
naqueles anos, porque nela o pintor demonstrava entender e participar com suas obras das discussões sobre a pintura durante os anos
entreguerras. Para muitos naquele período, a arte, por um lado, não
podia continuar no denuncismo dramático de poéticas como aquelas de
Käthe Kollwitz mas, por outro – e da mesma forma –, não devia voltar-se apenas para a busca das especificidades de linguagem e nem para o
“individualismo estéril” das vanguardas.
A busca por equilíbrio entre forma e conteúdo havia desaguado
em várias estratégias que seriam reunidas sob o rótulo geral de “retorno
à ordem internacional”17. Se, em determinados países, o “retorno à
ordem” ganhou predicados mais formalistas (como em alguns exemplos franceses), em outros, essa corrente esteve mais sujeita a matizes
ideológicos diversos – caso, por exemplo, da Itália, União Soviética e
Alemanha. Nesse último país, não é possível esquecer que essa vertente – conhecida como Nova Objetividade – era uma espécie de síntese entre a dimensão experimental do expressionismo e o “assunto”
realista.
Já no México, o muralismo explicitava ter sido forjado sob o signo
do retorno à ordem, como é possível atestar tanto a partir da visualização de sua produção, quanto pela leitura de textos escritos por alguns
de seus protagonistas18.
Se, com Sorveteiro, Portinari demonstrava participar dessa nova
situação, do mesmo modo, o último trecho do texto citado de Pedrosa
atestava sua familiaridade com ela. O crítico conseguira entender que
tudo em Sorveteiro estava submetido “às necessidades internas da própria obra” porque, naquele momento, percebia os procedimentos técnicos/estéticos de Portinari como única estratégia para uma arte que, não
negando sua estrutura formal/visual, mantinha seu compromisso com
o “assunto”19.
Portinari demonstrara saber atuar como artista dentro desse
debate; Pedrosa, por sua vez, percebeu a capacidade do pintor em fazê-lo, e essa consciência do crítico leva a indagar sobre onde, quando e
como ele obteve tal capacitação.
15. Sobre o assunto, ler: MARI,
Marcelo. Op. cit.
16. PEDROSA, 1935, p. 62.
17. Existe hoje uma
alentada bibliografia sobre
o fenômeno do retorno à
ordem internacional e suas
características nacionais.
Dela, destaco os seguintes
itens: Europa: ADES, Dawn;
BENTON, Tim; ELLIOTT, David;
WHYTE, Iain Boyd (org.). Art
and power: Europe under the
dictators 1930-45. Londres:
Thames and Hudson, 1966;
FORMAGGIO, D.; BOSSAGLIA,
R.; PICA, A.; DE GRADA, R.;
GIAN FERRARI, C.; LARANDI,
M; MOLA, P. Il Novecento
italiano: 1923/1933. Milão:
Mazzotta, 1983; LLORENS,
Tomàs. Mimesis: realismos
modernos: 1918-1945. Madrid:
Thyssen-Bornemisza, 2005;
SILVER, Kenneth E. Esprit de
corps: the art and the Parisian
avant-garde and the First World
War: 1914-1925. Princeton:
Princeton University Press,
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2000. p. 143-189; América do
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29
ARS
***
ano 17
n. 36
L’Italia è qui: una
presentazione. In: CHIARELLI,
Tadeu (org.). Novecento
sudamericano: relazioni
artistiche tra Italia e
Argentina, Brasile, Uruguay.
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relazioni artistiche tra
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Uruguay. Milão: Skira, 2003.
p. 27-35; CHIARELLI, Tadeu.
Pintura não é só beleza: a
crítica de arte de Mário de
Andrade. Florianópolis: Letras
Contemporâneas, 2007.
18. Neste sentido, recomendo
a leitura, entre outros, de:
SIQUEIROS, David Alfaro.
Op. cit.
19. Em “Impressões de
Portinari”, como será
visto, Pedrosa, atenuando
seu entusiasmo para com
Sorveteiro, aponta para o fato
de que, com aquela pintura,
Portinari teria chegado a um
impasse.
20. PEDROSO, Franklin
(org.). Mário Pedrosa: arte,
revolução, reflexão (catálogo
da exposição). Rio de Janeiro:
Centro Cultural Banco do
Brasil, 1991. p. 52-53.
21. “Isso não significa, no
entanto, que a passagem
por esse movimento [o
surrealismo] não tenha deixado
marcas na formação e na obra
de Mário Pedrosa. Podemos
Os estudos sobre o período de formação de Mário Pedrosa, até o
momento, têm se dedicado à sua formação política, deixando de lado,
ou em segundo plano, seu preparo no campo da arte do início do século
XX. Ainda não existe nenhum estudo que reflita sobre sua formação em
estética e em história da arte durante os anos que passou na Suíça, entre
1913 e 1916, e em Berlim e Paris, durante 1927 e 1928. Na cronologia de
sua vida, publicada no catálogo Mário Pedrosa: arte, revolução, reflexão20,
é mencionado que, na capital alemã, Pedrosa, além de estudar filosofia,
sociologia e estética na Faculdade de Filosofia da Universidade daquela
cidade, teria entrado em contato “com o expressionismo alemão através
de Piscator, Grosz e Sterheim”. Em Paris, teria conhecido “Pierre Naville,
André Breton, Yves Tanguy, Joan Miró e escritores do grupo surrealista
como Aragon e Paul Éluard, ligando-se a este movimento”.
Com exceção do livro de Martha D’Angelo, Educação estética
e crítica de arte na obra de Mário Pedrosa, que relata as relações de
Pedrosa com alguns surrealistas em Paris e a importância daquele movimento para determinadas singularidades do pensamento do crítico21,
em nenhum outro texto foi encontrado um aprofundamento sobre esses
“contatos” e “encontros”, uma lacuna importante sobre esse período
ainda de formação do crítico. De qualquer maneira, essas são pistas
importantes e ainda inexploradas sobre como Pedrosa se informou e
possivelmente tomou parte no complexo debate sobre arte, suas especificidades e compromisso social, assuntos que permeavam as discussões tanto dos grupos ligados ao “expressionismo alemão” em Berlim
– à época, na verdade, totalmente tomados pela mencionada Nova
Objetividade Alemã, diga-se de passagem –, quanto das vertentes surrealistas de Paris.
Apesar de não se conhecer ainda praticamente nada sobre a formação estética de Pedrosa, pela leitura de “Pintura e Portinari” fica evidente que o crítico possuía alguma intimidade com as principais questões que insuflavam o debate artístico europeu e suas ressonâncias nas
Américas e no Brasil.
Parece nítido esse conhecimento quando ele opõe, por exemplo, a
arte engajada de Portinari à produção de Ismael Nery, falecido em 1934.
Para Pedrosa, existiria, na produção do primeiro, a justa medida, o equilíbrio entre forma e conteúdo. Para o crítico, o artista “sabe encontrar
para eles [os objetos representados em suas pinturas] a sua verdadeira
posição no universo”, enquanto outros pintores “dão a impressão de que
seus objetos estão em posição incômoda, só esperando o momento do
30
espectador virar as costas para dar o fora”. Como exemplo, Pedrosa cita
a produção de Nery:
Tadeu Chiarelli
Mário Pedrosa e Portinari:
anotações sobre um texto
Em Ismael Nery isso era comum. Ele não tinha a compreensão extrapes-
esquecido
soal deles, de suas leis estático-dinâmicas próprias, de sua sincronização à
fatalidade da gravitação universal. Queria comandar-lhes como um senhor
onipotente. Portinari tem o senso da densidade dos corpos. Ismael Nery
perdia-se no seu individualismo transcendente, e a sua inspiração plástica
evaporava-se de repente nas brumas de sua fatalidade abstraente. Esse artista tão profundamente dotado não pôde vencer praticamente esse dualismo,
e não chegou à verdadeira realização. Preferiu idealizar sua obra com uma
lucidez vertiginosa. E pensou que a realizava assim. Preferiu ao sacrifício a
esta, o hermetismo egocentrista e sistematizado de sua própria individualística, grandeza obstinada.22
É claro como Pedrosa não abraça a adesão de Ismael Nery a certas formulações vindas sobretudo do surrealismo, em que supostamente
o artista não submete sua individualidade (seu “inconsciente”) aos valores da plástica e da tradição, capazes de estabelecer o equilíbrio desejável entre forma a conteúdo23.
Ele demonstrará como, com Portinari, ocorreu o contrário. Para
Pedrosa, o pintor nascido no interior do estado de São Paulo, em vez
de dar vazão apenas ao individualismo, “recorreu ao mundo exterior, à
tradição do passado e à tradição do presente, modestamente, pacientemente. Trabalhou como um modesto artesão obscuro, atento às regras,
obediente ao mestre, das corporações medievais”24.
Ao “individualismo transcendente” de Nery, Pedrosa opunha
Portinari, “modesto artesão obscuro”, capaz de subjugar sua individualidade à tradição:
Ele bateu em todas as portas antigas e modernas. Aos velhos clássicos italianos, para a fatura dos retratos das damas da alta sociedade. Dos mestres antigos holandeses aprendeu a pastosidade das tintas, utilizou-se de grande parte
dos componentes do ideal pictórico deles: elementos de atmosfera, elementos
cósmicos, elementos de paisagem e com isto tudo fez também um tema sentimental repousante. Correu a Chirico, apanhou-lhe certos tons claros, certo
desembaraço de fatura, certos jogos de sombras produzidas para dar a distância, formular o espaço, isolar as coisas. Chegou-se a Picasso e assimilou o
segredo de seu modelado ciclópico. Rivera, e a amplidão para o afresco. Etc.
Não é imitação, não é cópia. Influências, sim, mas assimiláveis, assimiladas.
Não é falta de personalidade (que vem a ser isso concretamente?). É o contrá-
apontar seu interesse pela
arte das crianças, dos doentes
mentais, dos povos primitivos,
e dos índios brasileiros, e
também seu internacionalismo,
como profundamente afins com
os interesses dos surrealistas.
Esta abertura propiciou um
alargamento das fronteiras
da arte, que deixou de ser
considerada um assunto que
diz respeito apenas ao artista
profissional e ao circuito
em torno do qual ele gira”.
D’ANGELO, Martha. Educação
estética e crítica de arte na
obra de Mário Pedrosa. Rio de
Janeiro: Nau, 2011. p. 43.
22. PEDROSA, 1935, p. 62.
23. Sobre Ismael Nery e o
surrealismo, consultar: GIL,
Thiago. Uma brecha para
o surrealismo. São Paulo:
Alameda, 2014.
24. PEDROSA, 1935, p. 62.
31
ARS
rio: é desenvolvimento orgânico da personalidade. De tudo isto é que nascem
ano 17
as condições técnicas propícias à unidade metódica para o estilo e a criação.25
n. 36
25. Ibidem.
26. Esta expressão foi cunhada
a partir de um artigo escrito por
Mário de Andrade para situar a
produção de Candido Portinari,
em que o crítico asseverava
que o experimentalismo
portinariano teria vindo depois
das principais vertentes do
modernismo histórico. O texto,
escrito entre 1943 e 1944, para
uma editora argentina (que
não chega a publicá-lo), só foi
divulgado no Brasil depois de
quarenta anos (GUIDO, Maria
Christina. Portinari segundo
Mário. Revista do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional,
Rio de Janeiro, n. 20, p. 64-89,
1984). Pensar a poética de
Portinari como tendo vindo
“depois” da efusão modernista
do início do século passado
me levou a nomear um dos
capítulos de meus estudos
sobre a crítica de arte de
Mário de Andrade como “Um
modernismo que vem… depois”
(CHIARELLI, 2007, p. 187). Mais
tarde, por extensão, passei a
enxergar todo o modernismo
brasileiro como um
modernismo que também veio
“depois” e tal posicionamento
me levou a intitular uma
coletânea de textos por mim
escritos sobre arte brasileira
da primeira metade do século
passado como Um modernismo
que veio depois (CHIARELLI,
Tadeu. Um modernismo
que veio depois. São Paulo:
Alameda, 2012).Voltei a usar a
expressão neste texto porque
penso que Mário Pedrosa
dividia algumas posturas com
Mário de Andrade no que diz
respeito à produção de Candido
Portinari, um assunto a ser
tratado em outro artigo.
Pedrosa está longe de apoiar o experimentalismo que caracterizara as vanguardas do início do século passado, atento às prerrogativas
desse “modernismo que veio depois”26, tão presente na obra de Candido
Portinari, comprometido em manter a tradição da pintura e o conhecimento técnico do fazer pictórico como elementos primordiais do artista,
elementos estruturais de submissão do individualismo do artista (como
se acreditava, na época, ser a característica do artista de vanguarda)
frente às demandas da arte do período entreguerras.
Para Pedrosa, o verdadeiro desenvolvimento do artista, o
“desenvolvimento orgânico” de sua personalidade deveria estar calcado na absorção dos influxos encontrados em toda a arte que o antecedeu (incluindo aqui a própria arte moderna), como fazia Portinari.
Entretanto, mesmo esse desenvolvimento não o colocaria totalmente
a salvo, porque sua personalidade será sempre submetida, no final do
processo, à sua “vontade criadora”, uma espécie de armadilha que lhe é
colocada pela arte burguesa:
Em face do dualismo tremendo que corrói a arte moderna burguesa entre o
conteúdo e a forma, a realidade natural e a realidade social, o homem e a natureza, o ser e consciência, e que nenhuma ideologia (filosofia, religião, arte)
consegue dominar, mesmo o artista mais dotado impacienta-se, e, em último
recurso, impõe a sua vontade despótica para desempatar a contenda. A lei dos
contrastes domina nas obras mais representativas dos artistas modernos. É uma
lei de nossa época. Picasso, antes de mais ninguém. E por isso nenhum artista
moderno já ultrapassou esse ponto: realismo idealista ou idealismo realizante.27
Nessa complexa reflexão sobre as contradições da arte burguesa
(ou de determinada parte dessa produção, aquela que buscava, mas que
não alcançava a síntese desejada), Pedrosa culparia justamente a “vontade criadora” do artista que, ao buscar tal síntese, acabava por isolar
um ou outro elemento de sua arte:
O mal está na vontade criadora. O mal está em que esta vontade, no artista,
quando se realiza, provém de um cansaço, de uma concepção. E ele isola as
antinomias, e as situa autônomas, paradas, uma frente a outra, ligadas mecanicamente pelo espírito conciliador, eclético do artista. Acentue o seu ecletismo mais de um lado, ou mais de outro, o resultado é sempre o mesmo: idealismo abstrato; materialismo abstrato; unidade mecânica, unidade estática.28
32
Na tentativa de esmiuçar os entraves que impediriam a arte
burguesa de encontrar o equilíbrio desejável entre forma e conteúdo,
Pedrosa tenta caracterizá-los de maneira ainda mais detalhada:
Tadeu Chiarelli
Mário Pedrosa e Portinari:
anotações sobre um texto
esquecido
O equilíbrio abstrato formal é dado pela composição que concretiza a
vontade criadora. Para chegar a este equilíbrio, o artista atual, represen-
27. PEDROSA, 1935, p. 62.
tativo da ideologia das classes dominantes, vê-se obrigado a fazer uma
28. Ibidem.
seleção eclética dos meios, do material, das realidades, dos contrastes
de que dispõe e de que é vítima. Super-rico do formidável novo mundo
material que lhe foi conquistado pela produção industrial, ele chegou a
compreender que há autonomia também neste domínio; há leis internas
formais que precisam ser desvendadas e respeitadas. Foi um grande passo.
Correspondido, aliás, à atual fase imperialista em que o próprio capitalismo pretende ser “orgânico”, e a teoria dominante da arte de hoje toma de
fato uma forma de idealismo orgânico. Cada sistema se “organiza”, mas à
custa de um isolamento estático, metafísico. A arte se exprime em formas
organizadas mas abstratas. Nada, porém, pode isolar-se, senão como uma
etapa, uma relação. E a realidade não respeita nenhuma seleção abstrata,
eclética ou formal.29
29. Ibidem.
Contra essa situação da produção moderna, o crítico possui uma
solução, para ele inquestionável:
É preciso arriscar-se tudo no jogo dialético dos contrários – elementos e
composição, figuras e objetos, perspectivas e planos, espaço e fundo, conteúdo e forma, natureza e sociedade – para se atingir a síntese artística necessária, e não apriorística. Este é o método do materialismo dialético.30
30. Ibidem.
Mário Pedrosa teria finalizado seu artigo justamente nessa apologia do materialismo dialético aplicado à arte, se não se sentisse obrigado
a voltar à figura de Candido Portinari, reapresentando-o ao leitor, agora,
como um dos “artistas da revolução”:
O maior elogio que posso fazer a Portinari é constatar que a evolução de sua
pintura já chegou, por si mesma, diante deste problema que constituiu não
só o drama de Picasso, como o de toda a sua geração de artistas. Não pode
resolvê-lo o gênio do maior dos artistas burgueses [leia-se, o próprio Picasso], mas armou-o. Aos artistas da revolução cabe resolvê-lo.31
***
31. Ibidem.
33
ARS
ano 17
n. 36
32. PEDROSA, Mário.
Impressões de Portinari. In:
PEDROSA, Mário. Acadêmicos
e modernos. Organizado por
Otília Arantes. São Paulo:
Edusp, 1998b. p. 161.
Pedrosa, tendo com “Pintura e Portinari” apresentado o pintor,
seu contexto e, sobretudo, sua conexão com uma poética moderna que
se nutria tanto de um saber artesanal, quanto da própria história da arte
que o antecedeu, poderá, em “Impressões de Portinari”, então, efetuar
o desenlace que pretendia dar às suas reflexões sobre a produção do
pintor.
Antes, no entanto, ele reapresenta o artista, sintetizando sua
trajetória até a obra Sorveteiro. Se, no artigo anteriormente analisado,
Pedrosa considerou aquela obra como o ponto máximo da carreira do
artista até aquele momento, em “Impressões” ele cobrará daquela pintura a falta de um compromisso com o “conteúdo material (e social)”,
ainda submetido à preocupação com a “forma”.
Essa revisão, na verdade, prepara o leitor para onde esse artigo
quer chegar: a trajetória de Portinari o conduzia ao afresco; caberia ao
artista aceitar essa proposição e voltar “à grande arte sintética, presidida
pela arquitetura, que foi perdida com o início da era capitalista”32. Se
se deixasse levar pelo afresco, como sua produção queria conduzi-lo,
Portinari, então, em vez de permanecer no impasse, estaria diante de
um “futuro” a percorrer.
Interessante que direcionar sua obra para o futuro significava
voltar a uma tradição anterior à arte burguesa. Pedrosa, à época, parecia não ver contradição nessa possibilidade aventada para o pintor, por
acreditar que, somente no âmbito do afresco, o artista poderia dar um
sentido de fato social para a sua arte que, por sua vez, parecia pedir para
que assim o artista a dirigisse.
Vários autores citados neste texto analisaram com acuidade
“Impressões de Portinari” e, portanto, não vejo necessidade de aqui
também nele me debruçar, uma vez que pouco poderia contribuir para
outras possibilidades de leitura. Mas, de qualquer forma, gostaria de
reiterar o quanto a análise de “Impressões de Portinari” ganha em complexidade, se a ela for acoplado o exame de “Pintura e Portinari”.
***
Para finalizar estes comentários sobre “Pintura e Portinari” e suas
conexões com “Impressões de Portinari” e o universo de ideias que regiam
o debate da arte no início dos anos 1930, é importante deixar marcado
que o primeiro artigo – hoje, como mencionado, praticamente desconhecido – recebeu uma resposta significativa ainda no ano de sua publicação.
O poeta Murilo Mendes, certamente motivado pela oposição entre as produções de Candido Portinari e Ismael Nery, proposta por Mário Pedrosa
34
em “Pintura e Portinari”, daria uma resposta ao crítico que merece ser
melhor conhecida e detalhada, à guisa de conclusão deste estudo33.
Apesar de contundente, perpassa-o uma grande consideração
para com Mário Pedrosa, com quem Murilo Mendes com certeza mantinha ou mantivera relações34. Tal consideração, no entanto, não retira
do texto, aqui e ali, alguma ironia em relação às ideias de Pedrosa, muito
distantes daquela de Mendes.
O poeta inicia refutando, não sem veemência, aquilo que considera o principal defeito do texto analisado: o materialismo dialético aplicado à análise de uma obra de arte. Para o autor, seria contraproducente
aplicar a uma obra de arte os mesmos critérios usados para a análise
de fatos econômicos quando, segundo ele, a arte é infinitamente mais
complexa do que o fato econômico. Por outro lado, Mendes não acredita que uma nova arte integral surgiria quando o proletariado chegasse
ao poder e, isso porque, para ele, não era a classe operária a possuidora
do espírito revolucionário, mas “a própria vida, o movimento”35.
Buscando ainda desvencilhar-se dos pressupostos de Pedrosa,
Mendes contestará a crença do primeiro de que nenhuma ideologia
(filosofia, arte, religião) poderia resolver o dualismo entre o homem e a
natureza. E rebate:
É que ele vê na religião (…) um agente empregado pelas classes dominantes
a fim de explorarem a massa. Entretanto o homem vence, pela disciplina
religiosa, a sua natureza, destruindo o individualismo e fazendo refluir sobre
a coletividade inúmeros benefícios de toda a ordem.36
A partir desse trecho é que Mendes passa a contrariar as posições
de Pedrosa em relação à produção de Ismael Nery, atacando, em primeiro lugar, o argumento usado pelo crítico quando este afirmara que
os objetos, nas obras do artista, encontravam-se fora do lugar, ao contrário do que acontecia nas pinturas de Portinari. Contra a afirmação
de Pedrosa, que escrevera que Nery comandava os objetos como “um
senhor onipotente”, Mendes escreve:
Tadeu Chiarelli
Mário Pedrosa e Portinari:
anotações sobre um texto
esquecido
33. MENDES, Murilo apud
BARBOSA, Leila Maria F.;
RODRIGUES, Marisa T. P.
Ismael Nery e Murilo Mendes:
reflexos. Juiz de Fora: UFJF:
MAMM, 2009, p. 72.
34. É sabido que tanto Murilo
Mendes quanto Mário Pedrosa
frequentavam o círculo mais
íntimo de amigos de Ismael
Nery durante os últimos anos
de vida do artista. É certo que
o convívio de Pedrosa com
Nery foi mais esporádico do
que aquele que o segundo
mantinha com Mendes
(de quem foi amigo muito
próximo). No entanto, faz
falta na historiografia da arte
brasileira um estudo que
analise mais de perto esse
círculo, não apenas para se
ter uma ideia mais clara sobre
as relações de Pedrosa com o
artista, mas pela importância
dos nomes que compunham
aquele grupo (além dos três
citados, lembraria aqui o
nome de Alberto da Veiga
Guignard, para ficar apenas
no campo mais circunscrito
das artes visuais). São os
seguintes os principais livros
que mencionam o círculo
de amigos de Ismael Nery:
BARBOSA, Leila; RODRIGUES,
Marisa. Op. cit.; e MENDES,
Murilo. Recordações de Ismael
Nery. São Paulo: Edusp, 1996.
a submissão dócil à inspiração deve se equilibrar com o domínio da técnica,
35. MENDES, Murilo apud
BARBOSA, Leila Maria F.;
RODRIGUES, Marisa T. P.
Op. cit., p. 72.
sendo, portanto, justificada essa atitude imperialista que Pedrosa censura a
36. Ibidem, p. 73.
o crítico se contradiz, pois que prega, aliás com razão, a necessidade de
contínua disciplina e de domínio da técnica que tem o artista. Cremos que
Ismael. E é desse equilíbrio consciente que resultará a saída para o conflito
entre a natureza exterior e a vontade criadora e não… da tomada do poder
pelo proletariado (…).
35
ARS
Lendo-se o estudo de Pedrosa, de resto muito fecundo em sugestões, ficamos a
ano 17
meditar como a aceitação integral do materialismo dialético conduz a uns tantos
n. 36
desvios, de apreciação, e mesmo a muitas omissões, no exame da obra de arte.37
37. Ibidem.
38. Ibidem, p. 74.
O autor continua a crítica ao texto de Mário Pedrosa reafirmando
sua contrariedade frente ao método utilizado por esse último para refletir sobre a produção de Portinari:
quem desconhecer Portinari e quiser se informar a respeito,
lendo essa página de Pedrosa, ficará na mesma! Pedrosa ajunta fórmulas sobre fórmulas cobrindo a realidade da pintura de Portinari de uma
simbologia tão espessa, que faria inveja a um amigo crítico espiritualista. A função do crítico materialista de arte é… despistar o público,
subtraindo-o do plano artístico para o plano político.38
Mendes será cada vez mais incisivo, afirmando que o “quadro”
– a pintura de cavalete – é mais do que uma mercadoria e que, se é
inegável o quanto a sociedade influi na formação e na realização da obra
de arte, não menos inegável seria a influência que o artista “transborda
sobre a sociedade” e:
Quanto à finalidade da arte, durante séculos se tem discutido este tema. (…)
Citaremos aqui apenas o testemunho da insuspeita Rosa de Luxemburgo:
o fim da arte é agitar a alma humana – a seja o artista revolucionário ou
39. Ibidem, p. 75.
reacionário.39
Após citar uma das pensadoras e ativistas mais significativas das
primeiras décadas do século, Mendes encaminha seu texto para o final.
Antes, porém, atenta para mais duas questões presentes no artigo de
Pedrosa: a relevância que ele concedia ao muralismo e a comparação
que fizera entre Portinari e Ismael Nery, colocando o primeiro como um
artista que conseguia responder aos desafios da arte moderna engajada
e o segundo, como um artista que falhara ao deixar-se levar por sua individualidade. Sobre o muralismo, Mendes assim se posiciona:
É claro que a crítica materialista se interessa pela pintura como meio de
propaganda de uma doutrinação política. É por isso que se tem feito tanto
barulho em torno da pintura mural. Ao contrário do que se afirma, a pintura
mural não se impõe nas grandes épocas de insurreição popular, pois que corresponde a um estado de repouso da civilização, e se processa lentamente.
O cartaz é um meio de propaganda muito mais eficiente. Não se pode deixar
de filiá-lo às artes plásticas. E é de execução muito mais rápida e muito mais
40. Ibidem.
fácil de ser escondido da polícia, pois que pode ser enrolado.40
36
Não é demais pontuar a ironia de Mendes propondo a produção de cartazes em contraposição aos murais, demonstrando
uma argúcia bem-humorada no sentido de contrapor, à solenidade
do mural, a dimensão agitprop do cartaz, o que não parece pouca
coisa, se considerarmos que se trata de um intelectual católico como
Mendes criticando os posicionamentos de um crítico socialista como
Pedrosa.
Sobre Portinari e Nery, Mendes assim se posiciona:
Tadeu Chiarelli
Mário Pedrosa e Portinari:
anotações sobre um texto
esquecido
O paralelo entre os dois pintores não se impõe. Portinari e Ismael, embora nascido na mesma classe, são duas mentalidades diferentes, duas direções diferentes, duas concepções do mundo diferentes, duas fisiologias
diferentes, duas psicologias diferentes (…)
Não criticamos o que Ismael pensou em fazer – e sim o que ele fez.
Imagine-se se os críticos tivessem que tomar conhecimento de todos os
projetos que passam pela cabeça dos artistas. Mas cerca de 200 quadros
e 1.300 desenhos não são uma fantasmagoria; são uma realidade. A obra
de Ismael ainda não pôde ser mostrada ao público, senão fragmentadamente (…)
Pedrosa tem inteira razão quando se refere aos grandes progressos feitos
por Portinari. Desde já a obra de Portinari se reveste de uma importância
capital na história da pintura brasileira (…). Tais progressos, entretanto,
ele os realizou, não por ter encontrado uma técnica em correspondência
com o “formidável mundo material que lhe foi conquistado pela produção industrial”, mas sim porque observou, meditou, comparou, mudou de
meio, trabalho.41
Caminhando para o fim do texto, Mendes não deixará de ser mais
uma vez sutilmente irônico com Pedrosa, chamando a atenção para a
má qualidade dos materiais de pintura produzidos industrialmente e
para o real interesse do artista moderno que seria, segundo ele, continuar pintando:
Notemos que a maior parte do que se fabrica industrialmente adiantado no campo dos materiais para pintura só tem desservido os pintores.
As tintas fornecidas pelos grandes fabricantes são péssimas, tornando-se
mesmo isto um problema muito mais importante para o pintor atual, do
que se revoltar contra a tirania das classes dominantes. O pintor moderno consciente inveja um Giotto ou um Masaccio, que tinham receitas,
tempo, ambiente e discípulos para prepararem suas tintas que resistem
aos séculos.
41. Ibidem, p. 78-79.
37
ARS
Somos capazes de apostar que Portinari antipatiza muito mais com Mr.
ano 17
Lefranc42 do que com o banqueiro Rothschild. O que ele quer é ficar no
n. 36
seu canto quietinho, sob qualquer regime, embora talvez torça mais por
aquele do que por este. Com sua boa companheira, algum pão e um razoável estoque de tintas e de telas, cuja qualidade certamente melhorará se
42. Provavelmente uma
referência aos fabricantes de
materiais de pintura franceses
Lefranc Bourgeois.
43. MENDES, Murilo apud
BARBOSA, Leila; RODRIGUES,
Marisa. Op. cit., p. 79.
o proletariado tomar o poder.43
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Tadeu Chiarelli
Mário Pedrosa e Portinari:
anotações sobre um texto
esquecido
Tadeu Chiarelli é professor titular no Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais da
Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (PPGAV ECA USP). Entre
1983 e 2019, atuou como professor responsável pela disciplina História da Arte no Brasil
(sécs. XIX e XX) junto ao Departamento de Artes Plásticas, ECA USP. Curador-chefe do
MAM SP (1996-2000); diretor do MAC USP (2010-2014); diretor geral da Pinacoteca de
São Paulo (2015-2017). Possui publicações nas áreas de História da Arte e História da
Crítica de Arte no Brasil. Atua como curador e crítico de arte. Responsável pela coluna
“Conversa de Bar(r)” no site da revista ARTE!Brasileiros https://artebras
Artigo recebido em 14 de
fevereiro de 2019 e aceito em
12 de junho de 2019.