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Atahualpa Yupanqui

Existe uma música do mítico Atahualpa Yupanqui em que ele fala: Porque no engraso los ejes/ Me llaman abandonao/ Si a mi me gusta que suenen/ Pa que los quiero engrasao (Los Ejes de Mi Carreta): https://www.youtube.com/watch?v=w9g9jvZ4yJ0

Bluesman Atahualpa Existe uma música do mítico Atahualpa Yupanqui em que ele fala: Porque no engraso los ejes/ Me llaman abandonao/ Si a mi me gusta que suenen/ Pa que los quiero engrasao (Los Ejes de Mi Carreta): https://www.youtube.com/watch?v=w9g9jvZ4yJ0 Como todo grande, o maior artista índio argentino deve ser entendido em seus próprios termos – como onde nasceu, onde viveu, o que quis, o que conseguiu, o que restou de si e de sua luta. Mas eu gostaria de fazer mais uma heresia e propor: Yupanqui é blues. Reparem: “No necesito silencio/ Yo no tengo em que pensar/ Tenía pero hace tiempo/ Ahora ya no pienso más” ou “Los ejes de mi carreta/ Nunca los voy a engrasar”. Eu tinha – ainda tenho – um carro (2004). Assim foi ele, não sendo lavado, nem passando por manutenção (como é caro), adiando as trocas de óleo, sendo batido na traseira por bobagem minha, até que finalmente bati forte de frente e pronto, ficou na garagem. Havia a desculpa da (falta de) grana, claro. Mas o fato é que eu não “engrasaba los ejes” e por isso “me llaman abandonao”. Porque eu gostava dele assim. Sujo, abandonado. Um descuido sempre leva a outro. E por detrás do primeiro – e dos outros – sempre há algo maior. Uma espécie de descuido existencial. Uma espécie de foda-se. Um foda-se que com o tempo nos engolfa, nos aproxima dos abandonados, nos torna abandonados, e violá, não é que não assumimos a pecha? Mas aí a existência precede a essência (Sartre). Sei, não é o contexto adequado para a expressão. E? Estou terminando diversos textos para publicação – em revistas e jornais. Um deles fala en passant de perdedores. Fala em como perdedores podem eventualmente vencer – e como, em certos ambientes, são os verdadeiros vencedores da vida. Porque vivemos uma vida compartilhada, em que valores insistem em nos ditar o caminho. Mas por detrás dos valores, violá, os homens, as mulheres, a vida e a morte. O perdedor clássico e maioral da vida não esquece. Não que se lembre. Ele não esquece porque a história torna-se, nele, sangue e morte. Sangue que corre pelas veias e pulsa em suas entranhas. Morte que lhe dita a razão de quando avançar e parar. Tudo é ferida naquele que não tem mais rosto a recortar. Como em “Hurt”, de Cash: https://www.youtube.com/watch?v=McV7pjwVFbE Ainda bem que no mundo há espaço para todos (ainda). Para os afortunados, há até espaço demais. Mas fato é que leva tempo para acharmos o nosso espaço. Pois nenhum espaço é determinado de antemão. E se por um lado a riqueza e a pobreza muitas vezes determinam o caráter de nosso espaço, por outro muitas vezes não o delimitam. Há quem nunca se sinta à vontade em centenas de metros quadrados de caríssimo nada. Outros sentem preferir camas de pregos a colchões Tempur (viscoelásticos originais). O perdedor verdadeiro sente-se à vontade em qualquer lugar e em nenhum. Seu bar preferido é aquele em que está. Seu momento, o atual. Mas sua cadeira predileta, uma feia no canto longe de todos. Sua companhia, quase sempre a malvada. Irrita-se ele com nada, irrita-se ele com tudo. Só quem passa pela via descendente percebe o peso de carregar a ascendente. Só quem mantém um sorriso amargo no rosto sabe realmente gargalhar com alma. Mas para quem ainda não decidiu – ou prefere viver uma vida oscilante – a pedida é saber viver os extremos sem perder a elegância do meio.