CONCILIUM, Vol. 23, Nº 4, 2023
DOI: 10.53660/CLM-987-23C19
ISSN: 0010-5236
How to be a good wife? the amalgam woman-vestuary-domestic space
Como ser uma boa esposa? o amálgama mulher-vestuário-espaço doméstico
Received: 2023-02-10 | Accepted: 2023-03-20 | Published: 2023-03-30
Glauber Soares Junior
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9902-9740
Universidade Feevale, Brasil
E-mail:
[email protected]
Sofia Schemes Prodanov
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2806-1441
Universidade Feevale, Brasil
E-mail:
[email protected]
Claudia Schemes
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-8170-9684
Universidade Feevale, Brasil
E-mail:
[email protected]
Laura Ribero Rueda
ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5675-7721
Universidade Feevale, Brasil
E-mail:
[email protected]
ABSTRACT
This work seeks to reflect on the representation of women in magazines from the 1950s and in
advertisements from the 21st century, highlighting Brazilian cultural products. This theme is justified,
because the media is an important mechanism in the dissemination of an idealized model of women,
propagating norms of behavior related to the female gender. We sought to problematize the stigma of the
woman housewife, portrayed and linked to the home, through a fusion of her body, clothing and ornaments
and domestic objects, in addition to analyzing images extracted from magazines aimed at the female
audience in the years 1955 and an advertising piece from 2015. In methodological terms, it is a basic
research, with a qualitative approach, of the exploratory-descriptive type. We used the triangulation
approach proposed by Ana Mae Barbosa (2014), discussing the results based on bibliographical references
that understand gender as a sociocultural construction.
Keywords: Gender; Domestic space; Magazines; Advertisements.
RESUMO
Este trabalho busca refletir a respeito da representação das mulheres em revistas dos anos 1950 e nas
propagandas do século XXI, destacando produtos culturais brasileiros. Esta temática se justifica, pois, a
mídia é um importante mecanismo na difusão de um modelo idealizado de mulher propagando normas de
comportamento relacionadas ao gênero feminino. Buscou-se problematizar o estigma da mulher dona de
casa, retratada e vinculada ao lar, através de uma fusão de seu corpo, ao vestuário e aos ornamentos e
C O N C I L I U M | 39
objetos domésticos, além de analisar imagens extraídas de revistas destinadas ao público feminino nos anos
de 1955 e uma peça publicitária de 2015. Em termos metodológicos, é uma pesquisa de natureza básica,
com abordagem qualitativa, do tipo exploratório-descritiva. Utilizou-se da abordagem da triangulação
proposta por Ana Mae Barbosa (2014), discutindo os resultados com base em referências bibliográficas que
compreendem o gênero como uma construção sociocultural.
Palavras-chave: Gênero; revistas; Espaço doméstico; Revistas; Propagandas.
INTRODUÇÃO
Nas sociedades moderna e contemporânea, as imagens veiculadas pelas mídias são
importantes mecanismos utilizados para criar e sustentar processos de verdade e poder, sendo
responsáveis, muitas vezes, por estigmatizar povos, culturas e determinados grupos sociais
(WARD, 2021).
Nesse sentido entrelaçado a criação de imagens produzidas para estigmatizar grupos
específicos, esse artigo teve como objetivo central analisar três imagens extraídas de produtos
culturais brasileiros que circulavam na década de 1950, especificamente, de revistas/propagandas
destinadas ao público feminino que tinham como uma das funções ensinar mulheres a serem “boas
esposas”. Para além, utilizou-se também como material analítico, uma imagem extraída de uma
propaganda contemporânea datada de 2015, elucidando que estereótipos associados a figura
feminina ainda permeiam o imaginário social. Essas imagens foram discutidas por meio de
conceitos de autores que compreendem a categoria gênero como uma construção sociocultural
(BADINTER, 1985; SCOTT, 1995; BASSANEZI, 2004; CARVALHO, 2008; SANT’ANNA,
2013; MORGADO, 2017; WOLF, 2018; ENGELS, 2020; FRIEDAN, 2020).
Metodologicamente, essa pesquisa possui natureza básica ao não estipular uma aplicação
prática, focalizando na análise e desenvolvimento de problemáticas anteriormente estudadas.
Quanto à abordagem, é do tipo qualitativa, entendendo que existe uma relação entre o sujeito e o
mundo e que a associação entre o indivíduo subjetivo e o mundo não se traduz em números, assim,
focaliza-se em um processo e nos significados gerados neste; em relação ao objetivo, trata-se de
um estudo exploratório-descritivo, utilizando-se de fontes bibliográficas e documentais,
explorando, conhecendo e descrevendo os resultados oriundos destes materiais (PRODANOV.
FREITAS, 2013).
No que tange ao material analítico, optou-se por analisar imagens buscadas em duas
diferentes fontes: três imagens da revista brasileira O Cruzeiro (1954), produzida no Rio de
Janeiro e que circulou entre os anos de 1928 e 1975; e uma imagem/propaganda brasileira de um
produto de limpeza (2015).
C O N C I L I U M | 40
A escolha por analisar tais produtos culturais que tiveram circulação na década de 1950
foi estimulada pelo contexto vivenciado pelo período pós Segunda Guerra Mundial, em que,
conforme Azambuja (2006), com surgimento de tecnologias comunicativas – como as revistas –
temáticas importantes passaram a ser abordadas de maneiras diferenciadas. As revistas passam a
ilustrarem a vida cotidiana, sobretudo, destacando e incentivando o consumo de itens vendidos
como essenciais para a vida moderna. Através de manuais que visavam instruir mulheres a serem
boas donas de casa e esposas e de propagandas de itens domésticos, teve-se uma tentativa de
renaturalizar os papéis ditos femininos no âmbito do lar, seguindo um padrão vitoriano no que
tange a conservação de valores familiares, em uma tentativa de descontinuar os avanços e as
modificações sociais que estavam ocorrendo.
Dessa forma, como constata Badinter (1985), esses produtos culturais auxiliaram na
construção/difusão da ideia de uma mística feminina que atrelava mulheres ao espaço doméstico.
Azambuja (2006) auxilia nessa discussão ao trazer o contexto brasileiro do mesmo período,
indicando que por intermédio das propagandas voltadas ao público feminino na revista O
Cruzeiro, ouve uma tentativa de americanização de padrões comportamentais. Assim, por meio
de imagens consegue-se analisar os papéis sociais de gênero – sobretudo os engendrados para as
mulheres – ao longo dos anos, e como observa Ferreira (2018), os discursos difundidos pelas
mídias – no caso desse artigo por revistas e manuais femininos – deixa permanências e influências
para o contexto contemporâneo. Dessa maneira esses produtos podem ser compreendidos como
artefatos que criaram memórias que ainda reverberam. Memórias que abrangem elementos
correlacionados com a construção de identidades, práticas e representações socioculturais.
Em relação aos procedimentos técnicos, apoiou-se metodologicamente na Abordagem
Triangular sistematizada por Barbosa (2014), cuja finalidade consiste em estabelecer um
cruzamento entre experimentar, codificar e informar. Esse processo foi aplicado na análise de
cinco imagens, descrevendo-as, contextualizando-as historicamente e a interpretando-as com
bases em conceitos teóricos.
O guia de como ser uma “boa esposa” e as propagandas de eletrodomésticos: gênero como
construção sociocultural
Antes de adentrar na temática específica do artigo, é importante situar o que se entende
por gênero enquanto uma categoria de análise. Apoiada em uma perspectiva pós estruturalista,
Scott (1995, p. 86) compreende gênero através de duas conceituações que se complementam. Para
a autora “(1) o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseadas nas diferenças
percebidas entre os sexos e (2) o gênero é uma forma primária de dar significado às relações de
poder”. É importante, entretanto, salientar que a análise da categoria gênero precisa ser efetivada
C O N C I L I U M | 41
de maneira interseccional, pois, existem diversas mulheres que possuem classes sociais, etnias,
sexualidades e vivências distintas, logo, as problemáticas destas não serão as mesmas.
Essas definições parecem ser apropriadas quando se investigam elementos que apregoam
funções bifurcadas em relação aos gêneros feminino e masculino. Nesse sentido, os papéis sociais
de gênero que evidenciam os homens como provedores e controladores do trabalho produtivo e
social, e as mulheres enquanto realizadoras do trabalho dito reprodutivo e doméstico
(BADINTER, 1985; ENGELS, 2020), foram e são reverberados pelas mídias, sobretudo por
imagens. Importante salientar, que essas imagens, ao serem divulgadas em revistas pertencentes
ao contexto abordado, não chegavam diretamente ao alcance de todas as camadas da sociedade e
de acordo com Serpa (2006), representava o pensamento da elite política, socioeconômica e
religiosa.
Interessante salientar que, assim como Carvalho (2008, p. 80) observou ao analisar
imagens de revistas como ‘A Cigarra’ (1914 - 1975) e a ‘Revista Feminina’ (1914 – 1936), os
elementos que constituem o vestuário das mulheres são também notados nos ornamentos e
acessórios da casa. À vista disso, “[...] o conjunto harmonioso inclui sempre a protagonista que
se funde ao cenário no momento do evento por meio de uma cenografia corporal devidamente
prescrita para a ocasião [...]”. Esses elementos são também constatados nas imagens
posteriormente analisadas.
As Figuras seguintes (1, 2 e 3) foram extraídas de edições da revista O Cruzeiro que
tiveram circulação no ano de 1954. Revistas como a O Cruzeiro (1928-1975) no Brasil, serviram
como guias de grande circulação, que difundiam e saturavam a imagem que uma mulher deveria
ter.
Em comum, esse conjunto de imagens apresentam propagandas de eletrodomésticos e de
facilitadores cotidianos relacionados ao espaço doméstico, sempre voltadas ao público feminino.
Essas imagens criam e reforçam arquétipos socioculturais que amalgamam as mulheres a
manutenção da casa.
C O N C I L I U M | 42
Figura 1 - A mulher e o trabalho na cozinha
Fonte: Revista O Cruzeiro de 06 de novembro de 1954, São Paulo (Acervo Feevale).
Efetivando os passos metodológicos supramencionados, em termos de descrição da
imagem, na figura 1 tem-se a representação de uma mulher branca, com cabelos penteados,
maquiada, com roupa alinhada e usando avental com acabamento em babado. Ela está
centralizada na cozinha, tendo como plano de fundo um fogão e uma panela saindo fumaça. A
mulher estaria então cozinhando. No topo da imagem nota-se a frase: “trabalhar na cozinha é um
prazer...” e a mulher é representada sorrindo. A mulher é representada no âmago da cozinha,
realizando uma tarefa doméstica.
Essa questão é discutida por Carvalho (2008) ao analisar o contexto das casas paulistas
de famílias abastadas no período de 1870 a 1920. Ainda que não compreenda exatamente a década
da qual as imagens foram produzidas, a autora salienta o funcionamento do sistema doméstico
ressaltando que os cômodos de uma casa são espaços de representação de gêneros. Na casa são
demarcados locais de repertórios masculinos e femininos. A autora conceitua os repertórios
masculinos como ação centrípeta em que “[...] os objetos “buscam” o centro, no qual se encontra
a figura substantiva do homem. Há, portanto, uma hierarquia centralizadora entre pessoa e
objetos, na qual os atributos dos objetos nunca sobrepujam o homem [...]”. Um dos espaços que
demarcam esse aspecto é o escritório, onde a individualização masculina pode ser assimilada. De
maneira contrária, os repertórios femininos seriam ações centrífugas que despersonalizam a
mulher, mas tratando-se de uma [...] ação irradiadora, que cobre cada objeto da casa com um véu
de feminilidade [...]” (CARVALHO, 2008, p. 43, 68). Entre os espaços de “domínio” feminino,
destacam-se a sala de jantar e a cozinha, sendo uma questão que foi observada nas imagens até
então investigadas.
C O N C I L I U M | 43
Figura 2 - A mulher e "a alegria" de lavar roupas
Fonte: Revista O Cruzeiro de 01 de dezembro de 1954, São Paulo (Acervo Feevale).
Na figura 2, a imagem da mulher da presente na anterior se repete. Aqui, encontra-se de
forma similar a exibição da alegria de estar executando uma tarefa doméstica, mas dessa vez, no
ato de lavar roupas. Prosseguida da frase “sinta a alegria de lavar com Rinso”, a mulher é figurada
segurando a caixa do produto de limpeza. No fundo, vê-se um varal com tecidos limpos e
brilhantes estendidos. Na parte superior da imagem, tem-se novamente a figuração dessa mulher
lavando roupas em um tanque, entretanto, ela parece estar jogando as roupas para cima, em um
processo que remete a uma dança, propiciando a ideia de satisfação com a atividade
desempenhada.
Um fenômeno que pode ser analisado nas três imagens até então supramencionadas diz
respeito a questão da beleza. Ainda que essas mulheres estivessem executando atividades
domésticas, elas são representadas sempre bem-vestidas, maquiadas e com os cabelos bem
penteados. A esse aspecto, consegue-se recorrer ao que Wolf (2018) conceitua como mito da
beleza, salientando como as imagens de beleza – mas aqui, não apenas essas em específico – são
utilizadas contra e para controle dos corpos das mulheres.
Esse mito da beleza circunda as imagens que são construídas com a finalidade de
controlar socialmente as mulheres por meio da manipulação e da violência sob seus corpos. Dessa
forma, são produzidos ideais que naturalizam o sofrimento em prol da beleza estética difundida.
Nesse processo, o corpo é objetificado e as mulheres são ensinadas, incentivadas e compelidas a
buscarem por dietas, medicamentos, produtos estéticos e cirurgias plásticas (WOLF, 2018).
Sant'anna (2013) ao analisar especificamente o contexto brasileiro das imagens criadas
para ditar a beleza feminina salienta que o corpo, especialmente o das mulheres, está no centro de
C O N C I L I U M | 44
combates permanentes que se renovam. Ao analisar produtos culturais – cinema, propagandas,
imagens de revistas – a autora aborda como a imagem do corpo feminino é construída e
representada ao longo das décadas do século XX. Na década de 1950, como exemplificado nas
figuras elencadas nesse artigo, as mulheres eram impelidas a serem encantadoras como flores –
essa associação da figura feminina a elementos da natureza é também é observada por Carvalho
(2008) – e essas imagens estabeleciam que elas precisavam ser boas donas de casa, mães e esposas
fiéis. Assim, as mulheres precisavam sempre cuidarem de seus encantos e da beleza, até mesmo
enquanto executavam atividades de limpeza do lar. As revistas, a partir dessa época, passam a
expor dicas que educavam o corpo e a ação feminina. Essas “dicas”, na verdade eram “[...] um
aviso, um alerta, algo que mudaria o modo de ser feminino. Menos do que um dom, glamour e
beleza, mostrava a imprensa, são os resultados de uma conquista individual e de um trabalho que
não tem hora para acabar [...]” (SANT’ANNA, 2013, p. 57).
Figura 3 - A mulher não precisa aparecer
Fonte: Revista O Cruzeiro de 30 de outubro de 1954, São Paulo (Acervo Feevale).
A descrição da figura 3 possui algumas particularidades. Embora seja direcionada ao
público feminino, a mulher não aparece em totalidade e a figura central é a masculina. Trata-se
de uma propaganda de um produto doméstico, um liquidificador, prosseguida das frases: “quando
a empregada está de folga, meu liquidificador Walita fica de plantão”; “O meu Walita vale por 2
empregadas”; “Quem tem Walita tem tudo”. Na imagem, tem-se em destaque a figura de um
homem, trajando camisa social e gravata, sentado em uma poltrona, lendo um jornal. De pé,
aparece as mãos de uma mulher – com unhas pintadas e utilizando uma pulseira como acessório
C O N C I L I U M | 45
– segurando uma bandeja com alimentos que foram preparados por ela. Aqui há um fenômeno
que invisibiliza as mulheres, mesmo sendo uma propaganda direcionada para elas.
Figura 4 - Propaganda contemporânea de um produto de limpeza
Fonte: https://revistaforum.com.br/direitos/2015/3/25/as-10-propagandas-mais-machistas-racistas-doultimo-ano-11959.html
Embora o conjunto selecionado, de forma geral, represente um imaginário de mulher dona
de casa que pairava na sociedade da década de 1950, a figura 4 é contemporânea, tratando-se de
uma propaganda do ano de 2015. Ao analisar também uma imagem atual, consegue-se perceber
como esse imaginário ainda pode ser percebido no contexto presente. Nessa figura, é representada
a imagem de duas mulheres dormindo. A figura compara como seria a vida da mulher que utiliza
o produto comercializado com a que não utiliza. Prosseguida dos dizeres “com Mr. Músculo”, na
parte superior, tem-se a representação de uma mulher deitada em sua cama trajada com uma
camiseta branca. Abaixo, com a frase “sem Mr. Músculo”, a mulher está deitada no chão, vestindo
um avental e uma luva de limpeza, cercada de produtos domésticos – vassoura, sabão e bucha.
Seguindo a ideia das imagens da década de 1950, essa figura expõe como o material de limpeza
facilitaria a vida cotidiana das mulheres, que ainda são representadas como as donas e
mantenedoras dos lares.
O que se consegue assimilar é que esse conjunto de imagens representa e reforça de
maneira direta qual seria o papel que a mulher deveria assumir na época mencionada e que ainda
permeia o imaginário social da atualidade, sendo então dona de casa, destinada ao cuidado dos
filhos e sujeita a se dedicar exclusivamente à família, precisando ainda se preocupar com a beleza,
estando sempre maquiada, bem penteada e vestida. Esses papéis ainda são fortemente associados
as mulheres, quando de acordo com a PNAD Contínua (2019), as mulheres dedicam
semanalmente, em média, 10,5 horas a mais que os homens na realização de tarefas associadas
ao espaço doméstico (limpeza e cuidado). Ainda, de acordo com essa pesquisa, no que tange ao
C O N C I L I U M | 46
trabalho doméstico realizado fora do próprio domicilio (enquanto profissão), dos 5,7 milhões de
pessoas ocupadas com essa função, 92% eram mulheres, e destas, 65% eram negras.
Os papéis sociais destinados a homens e mulheres – que são construções sociais e culturas
– ao longo do século XX, eram fortemente demarcados, em que cabia à mulher a manutenção e
desenvolvimento de trabalhos domésticos, cuidado com a família, filhos e tudo aquilo que
estivesse relacionado com o âmbito do lar, do privado, o trabalho dito reprodutivo, enquanto o
homem provia o trabalho produtivo no âmbito público. Papéis em uma sociedade patriarcal, que
segregam espaços e demarcam relações de poder, sobretudo, do homem sobre a mulher
(BADINTER, 1985; ENGELS, 2020).
Uma das funções destes papéis sociais construídos está associada ao campo econômico.
Wolf (2018) auxilia na compreensão de que o trabalho doméstico não remunerado foi um dos
pilares estruturantes do sistema capitalista. A autora salienta que o trabalho doméstico (nas
décadas de 1980 e 1990) chegou a consumir 40 bilhões de horas de força de trabalho na França e
esta atividade atingiria 18 bilhões de dólares anualmente nos Estados Unidos. Se os ofícios
domésticos fossem remunerados, a economia dos países industrializados dificilmente alcançaria
o status que atingiu.
Outra focalização desses papeis estaria relacionada ao controle e manutenção do poder
masculino. Bassanezi (2004), ao analisar as representações femininas em revistas dos anos
dourados (década de 1950) evidencia que a expectativa social em relação as mulheres – em
específico as de classe média: deveriam ser donas de casa, boas esposas e mães. Assim, o
casamento deveria ser a maior objetivação das mulheres, e a felicidade destas estaria condicionada
a se esforçar para manter a família unida, a casa organizada e o marido saciado; sua satisfação
pessoal seria indissociável da manutenção familiar.
Mesmo em um contesto de aceleração no desenvolvimento urbano, onde a maneira de
consumir muda e se intensifica, e a democracia se torna um importante discurso político, as
barreiras que condicionavam mulheres e homens a se portarem, executarem tarefas, e se vestirem
de formas distintas continuavam bem definidas: as mulheres sempre trabalharam, mas a sua
ocupação era tida como inferior e um complemento para a dos homens (BASSANEZI, 2004).
O Brasil possui como forte característica o fato de ser influenciado e acompanhar
tendências advindas de outros países, sobretudo europeus. Assim como no exterior, no país, nesse
período pós-guerra, as mulheres abastadas foram instruídas a voltarem para o espaço doméstico,
local onde exerceria tudo o que estaria intrínseco a sua feminilidade e que formava a essência de
ser feminina: ser dotada de doçura, possuir instinto materno, ser pura e sexualmente restrita
(BASSANEZI, 2004). E esse ideal feminino era representado em revistas voltadas para esse
público:
C O N C I L I U M | 47
As páginas das revistas que tratavam de “assuntos femininos” nos levam ao
encontro das ideias sobre a diferença sexual predominantes nessa sociedade.
Jornal das Moças, Querida, Vida Doméstica, Você, as seções para mulher de
O Cruzeiro traziam imagens femininas e masculinas, o modelo de família –
branca, de classe média, nuclear, hierárquica, com papéis definidos – regras de
comportamento e opiniões sobre sexualidade, casamento, juventude, trabalho
feminino e felicidade conjugal. Essas imagens, mais do que refletir um
aparente consenso social sobre a moral e os bons costumes, promoviam os
valores de classe, raça e gênero dominantes de sua época. Como conselheiras,
fonte importante de informação e companheiras de lazer – a TV ainda era
incipiente no país –, as revistas influenciaram a realidade das mulheres de
classe média de seu tempo assim como sofreram influências das mudanças
sociais vividas – e algumas, também promovidas – por essas mulheres
(BASSANEZI, 2014, p. 509).
Essa tentativa de (re)naturalização dos papéis de mulheres que ressurgiu no período pósguerra – Segunda Guerra Mundial (1939-1945) – buscou por fortalecer a ideia da Mística
Feminina, em que, através de imagens, as revistas difundiam de forma romantizada, científica e
aventureira a realização de atividades domésticas e a prosperidade da vida familiar. Contudo, a
partir da década de 1960, com a segunda onda do movimento feminista1 essa idealização da
mulher dona de casa passa a ser fortemente desmantelada, na medida em que muitas mulheres de
classe média passam a ocupar o espaço público. Essa entrada massiva no mercado de trabalho
acarretou em novas problemáticas: as mulheres se ocupavam com atribuições remuneradas, mas
ainda assim desempenhavam funções de cuidado da casa, possuindo dupla – e até tripla – jornadas
de trabalho (WOLF, 2018).
O pleno funcionamento da casa como local de educação dos filhos e de descanso dos
maridos era atribuído como tarefa feminina. Assim, as mulheres foram levadas a acreditar que
eram rainhas do lar. Nessa circunstância, as mulheres, desde crianças eram educadas a seguirem
os passos da mãe para serem felizes: precisavam ser prendadas para casar. O casamento, a
maternidade e a despersonalização em prol do cuidado da família despontavam como destino
natural de ser mulher (BADINTER, 1985; BASSANEZI, 2004).
Corroborando com as ideias ora apresentadas, Friedan (2020), analisa o contexto norte
Americano da década de 1950, trazendo em seu escopo contribuições significativas sobre o papel
da mulher no cuidado com o lar, filhos e com a vida privada de modo geral – questões percebidas
na imagem analisada. A autora questiona a presença – ou melhor a ausência – de mulheres no
âmbito público, sob o prisma da “mística” enfatizando o reducionismo dado a vida de milhares
de mulheres no que tange ao lugar que foram condicionadas ao longo de suas vidas, ou seja, como
1
Compreende-se que o movimento feminista possui quatro ondas que demarcam as lutas por direitos
sociais, tais quais: o voto, o trabalho, o estudo, a libertação da sexualidade, ao saneamento, ao aborto seguro,
entre muitas outras reinvindicações, abordando contextos que permeiam os campos da raça/etnia, classe
social e sexualidade. Esses movimentos ocorreram em períodos temporais e geográficos específicos, e cada
qual possui marcos essenciais (ZIRBEL, 2021).
C O N C I L I U M | 48
a vida privada – cuidado com a casa, filhos, maridos, a serem tidas como “esposas de fulanos” –
impactava [e impacta] de forma significativa a vida pública dessas mulheres, ou seja, a realização
de um trabalho remunerado, participação na vida universitária, entre outros espaços. Essa mística
atrelada as mulheres, faz com que sua presença no espaço doméstico seja indispensável para o
funcionamento do lar, tornando-as rainhas da casa, fundindo-as a esse espaço.
Esses elementos são ainda mais evidenciados e questionados por Carvalho (2008) quando
analisa as representações de gênero dentro do espaço. Enquanto a masculinidade possuía como
característica a individualização, a feminilidade detinha como atributo a despersonalização, em
que a mulher era unida ao ambiente doméstico e seus objetos – como nas imagens aqui analisadas,
que conectam a mulher, ao seu vestuário e ao espaço que ela ocupa. Assim, em uma ação como
centrifuga a feminilidade da mulher se espalha pela casa, sendo “uma forma abrangente e difusa
de produção de representações femininas no espaço doméstico, [que] inclui ativamente o corpo
na constituição de sua identidade. O resultado disso é uma continuidade entre corpo, objeto e
espaço da casa [...]” (CARVALHO, 2008, p. 224).
Nesse sentido, ainda de acordo com a autora supracitada, essa fusão da mulher com a
casa, foi resultante de uma tentativa de elevar as diferenciações entre homens e mulheres – que
estavam se extinguindo por meio da industrialização. Nesse processo, o corpo feminino era
adornado com roupas concebidas em tecidos e cores que também ornamentavam a casa. As roupas
femininas passaram a ser construídas com elementos que foram tradicionalmente associados à
mulher, possuindo desenhos de flores, cores e outros motivos ligados à natureza.
Esses itens que atribuem funções bifurcadas através de gêneros fomentam, ao longo da
história social, outros meios comunicacionais como obras literárias. Tomando como
exemplificação a literatura brasileira, especificamente o clássico de José de Alencar (2020 [1875])
‘Senhora’, romance que se passa no século XIX, retratando o casamento por interesse em uma
sociedade constituída por aparências. A mulher nesta obra é representada como uma figura quase
indissociável da casa, através de passagens como “não lhe sobrava tempo para chegar à janela; à
exceção de algum domingo, em que a mãe podia arrastar-se até a igreja à hora da missa e de
alguma volta à noite acompanhada pelo irmão, não saía de casa” (ALENCAR, 2020, p. 97). Nisso,
a mulher no espaço doméstico seria responsável por todos os cuidados, quando o autor ilustrava
que “os arranjos domésticos [...] o cuidado da roupa, a conta das compras diárias, as contas do
Emílio e outros misteres tomavam-lhe uma parte do dia; a outra parte ia-se em trabalhos de
costura” (ALENCAR, 2020, p. 97). Ademais, como elucidado por Carvalho (2008) e percebido
na imagem analisado, na literatura citada, a mulher fora representada fisicamente por meio de
uma ligação e comparação de suas características com elementos associados a natureza, quando
o autor escreve que "fechada a porta por dentro, a moça em um instante operou a sua metamorfose.
O traje de baile ficou sobre o tapete, defronte do espelho, como as asas da borboleta que se finou
no seio da flor” (ALENCAR, 2020, p. 239). Assim,
C O N C I L I U M | 49
A aderência do corpo feminino no cenário da casa, como podemos observar
nas descrições literárias, mas na própria percepção social que se tem dos
objetos domésticos presentes nos conselhos de decoração, nas matérias
publicitárias, de moda, de etiqueta, e também na produção tanto do corpo como
do objeto, indica-nos uma característica fundamental desse fenômeno de fusão,
a saber, a produção de uma ação centrifuga, irradiadora. As consequências
desse modo de ser feminino são várias. Uma delas é a baixa capacidade de
individualização da mulher (CARVALHO, 2008, p. 86).
Então, a cozinha, a decoração e a moda permeavam as representações da feminilidade no
lar. As revistas voltadas ao público feminino aconselhavam as mulheres ensinando-as as funções
que deveriam ser realizadas enquanto donas de casa. Dessa forma, por meio de propagandas,
aconselhamentos, da moda, de celebridades, entre outras questões, as mulheres eram ensinadas a
se comportarem. Desse modo, “[...] as “rainhas do lar”, nome com o qual eram condecoradas,
possuíam então um leque de possibilidades para fazer mais e melhor das atividades que eram
consideradas suas [...]” (MORGADO, 2017, p 134). Trata-se de um processo complexo
fomentado pela indústria de eletrodomésticos, de cosméticos e da moda, que juntas, auxiliaram
na construção da imagem da mulher ideal, precisando ser bela, obediente, recatada e cuidadora
do lar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio das imagens analisadas, bem como pelas discussões estabelecidas com bases
em autores das ciências humanas, mas também em elementos presentes em obras literárias,
compreende-se que na formação da sociedade, sobretudo, na contemporaneidade, o gênero é uma
construção histórica, cultural e social, em que, homens e mulheres foram e são estimulados a
desenvolverem papéis distintos. Em tal contexto, as particularidades e os padrões
comportamentais atribuídos, especialmente no que diz respeito aos papéis engendrados para as
mulheres, passam a ser representados nas artes, nas mídias, e em guias específicos para o público
feminino, que as ensinava como se portar para serem consideradas “boas esposas”.
Dessa forma, pondera-se que imagens são como um reflexo da sociedade, construídas –
na análise aqui suscitada – especificamente como forma de produzir, demarcar e acentuar
distinções de gênero. Nesse processo, os artefatos possuem um papel na produção de padrões
sociais, unindo e separando indivíduos ou grupos através das trocas simbólicas que intermediam
essas relações sociais (BOURDIEU, 2007). Assim, tem-se propiciado por meio dos elementos
analisados uma compreensão acerca da história e das dinâmicas sociais femininas,
contextualizado através de propagandas e manuais que as ensinavam a se portar, sendo
componentes que intercedem as relações entre os indivíduos, comunicando status, produzindo e
C O N C I L I U M | 50
refletindo ideias que circundam e que são fabricadas por uma sociedade, sobretudo por quem
possui poder.
É importante ressaltar que na atualidade as mulheres deixam de ser representadas apenas
como complemento do outro – seja filha, esposa ou mãe. No caso do Brasil, por um longo período,
os valores ditos tradicionais que rememoravam o período colonial foi referência e utilizado pelo
patriarcado no que diz respeito ao imaginário da família – algo que voltou a ser percebido
fortemente nas décadas de 2010 e 2020. O modelo familiar tinha na figura masculina a idealização
do chefe da casa, enquanto na feminina, eram engendradas características que as amalgamava em
seus lares. As mulheres eram rainhas de seus domicílios, mas deviam obediência a seus maridos
(SCOTT, 2013).
Por intermédio dos movimentos feministas as mulheres lutam e alcançam muitas
conquistas ao longo da história – sufrágio, trabalho, estudo, controle da gravidez, democratização
no campo da família, entre muitos outros. Em contrapartida, quanto mais são superados
empecilhos que foram colocados em seus caminhos, “[...] mais rígidas, pesadas e cruéis foram [e
ainda são] as imagens da beleza feminina [...]” (WOLF, 2018, p. 11). E não apenas as imagens
diretamente associadas a beleza, mas também, as propagandas destinadas ao público feminino
como ora discutido, sejam elas da década de 1950 ou da contemporaneidade.
REFERÊNCIAS
ALENCAR, J. de. Senhora. Porto Alegre, RS: L&PM, 2020.
AZAMBUJA, C. S. O papel social da mulher brasileira nas décadas de 30 a 60, retratada através
das propagandas veiculadas na revista O Cruzeiro. Revista Gestão e Desenvolvimento, [S. l.],
v. 3, n. 1, 2006. DOI: http://dx.doi.org/10.25112/rgd.v3i1.834. Disponível em:
https://periodicos.feevale.br/seer/index.php/revistagestaoedesenvolvimento/article/view/834.
Acesso em: 13 nov. 2022.
BADINTER, E. Um Amor conquistado: o mito do amor materno. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1985.
BASSANEZI, C. Mulheres dos anos dourados. In: PRIORE, Mary Del (org.); BASSANEZI,
Carla (coord. de textos). História das Mulheres no Brasil. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2004.
BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp, 2007.
BARBOSA, A. M. A imagem no ensino da arte. São Paulo: Perspectiva, 2014.
CARVALHO, V. C. de. Gênero e artefato: o sistema doméstico na perspectiva da cultura
material – São Paulo, 1870-1920. São Paulo: Edusp, 2008.
ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. São Paulo: Lafonte,
2020.
C O N C I L I U M | 51
FERREIRA, B. B. Gênero e memória: as representações do feminino e a enciclopédia da mulher
(1950-1970). História e Cultura, [S.L.], v. 7, n. 1, p. 134-159, 30 jun. 2018. Revista História e
Cultura.
http://dx.doi.org/10.18223/hiscult.v7i1.2339.
Disponível
em:
https://periodicos.franca.unesp.br/index.php/historiaecultura/article/view/2339. Acesso em: 13
nov. 2022.
FRIEDAN, B. Mística Feminina. Rio de Janeiro: Rosa dos tempos, 2020.
MORGADO, D. P. Cozinhar e decorar: mulheres entre panos, objetos e comidas (1967-1972).
2017. 149 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Programa de Pós-Graduação em História,
Universidade Estadual de Maringá – Uem, Maringá, 2017. Disponível em:
http://repositorio.uem.br:8080/jspui/bitstream/1/4593/2/Disserta%c3%a7%c3%a3o%20D%c3%
a9bora%20Morgado.pdf. Acesso em: 14 out. 2022.
PNAD CONTINUA. Indicadores mensais produzidos com informações do trimestre móvel
terminado em dezembro de 2019. Rio de Janeiro: IBGE, 2019. Disponível em:
https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/0649bf9319de9f6b0f3f
75e26dbce06d.pdf. Acesso em: 9 set. 2022.
SANT'ANNA, D. B. de. Corpo e Beleza: "sempre bela". In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO,
Joana Maria (org.). Nova história das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013. p. 53-62.
SCOT, A. S. Família: o caleidoscópio dos arranjos familiares. In: PINSKY, Carla Bassanezi;
PEDRO, Joana Maria (org.). Nova história das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2013.
p. 9-22.
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade, [S. l.], v. 20,
n.
2,
1995.
Disponível
em:
https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/71721. Acesso em: 23 ago. 2022.
SERPA, L. A Máscara da modernidade: a mulher na revista o cruzeiro (1928-1945). Revista
Pj:br: Jornalismo Brasileiro, [s. l], v. 1, n. 7, [n. p], 2006. Disponível em:
http://www2.eca.usp.br/pjbr/arquivos/artigos7_b.htm. Acesso em: 11 out. 2022.
ZIRBEL, I. Ondas do Feminismo. Blog Mulheres na Filosofia, [s. l], v. 7, n. 2, p. 10-31, 2021.
Disponível
em:
https://www.blogs.unicamp.br/mulheresnafilosofia/wpcontent/uploads/sites/178/2021/03/Ondas-do-Feminismo.pdf. Acesso em: 15 out. 2022.
WARD, R. Da fotografia documental à artística. Ars (São Paulo), [S.L.], v. 19, n. 41, p. 102-165,
30 abr. 2021. Universidade de São Paulo, Agencia USP de Gestão da Informação Acadêmica
(AGUIA). http://dx.doi.org/10.11606/issn.2178-0447.ars.2021.169675. Disponível
em:
https://www.revistas.usp.br/ars/article/view/169675. Acesso em: 04 jun. 2022.
WOLF, N. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Rio de
Janeiro: Rosa dos Tempos, 2018.