Está a ser complicadíssimo escrever pois a rede está sempre a saltar, além de não conseguir escrever uma linha seguida sem chorar (é muito bom conseguir chorar, como tenho chorado!)...Vou insistir pois tenho tanto para vos contar e tão pouco tempo para desperdiçar aqui a escrever, apenas me resta o dia de hoje menos de 24 horas para disfrutar destas crianças, deste ambiente saudável e desta alegria que me invade de uma forma arrebatadora... Parece que só cá estou à uma semana. Recordo imensas vezes o meu amigo, Nuno Silvestre, que me dizia na véspera da minha partida, que no final iria sentir saudades de Portugal, de tudo o que fizesse lembrar a minha casa, no entanto tenho que ser franca estou muito bem e ainda não senti saudades de nada, é como digo, passou muito depressa, nem tive tempo para respirar, não me apetece voltar já!
Sinto-me feliz, pois neste tempo que aqui estive, entendi muita coisa que não encontrava explicação, ou que talvez não queria perceber e aceitar. Se fizer sentido, quando estiver em Portugal calmamente vou escrever o que passei aqui.
Na Casa Emanuel (orfanato) como já tiveram oportunidade de ler, alguns casos, há muitas histórias tristes que "apertam" o coração de uma forma agressiva, deixando qualquer ser humano sensibilizado e solidário a apoiar estes meninos. Contudo é muito importante que fique a ideia clara que todos juntos formam uma família, sendo a Isabel e a Eugénia as responsáveis da casa, cada uma com a sua personalidade e tão diferentes!! Estão também duas famílias que estão em Missão, por sentirem um chamamento de Deus, optando por dar a sua vida por estes meninos. Todos eles deixaram para trás uma vida pessoal estável, cómoda, de bem-estar nas suas casas, profissões, amizades, família entre outras coisas. Com objectivo de ajudar a educar, a criar, a ensinar todos estes meninos que estariam na rua perdidos, abandonados ou muitos já sem vida! Como é natural, existem dificuldades e nem tudo é perfeito. Cada um tem os seus problemas, no entanto senti ao longo deste tempo que apoiam-se, que se ajudam mutuamente conseguindo ultrapassar as crises que se levantam conseguindo ter uma casa organizada, alimento, higiene, escola, entre outras bons costumes que lá fora não se vê (ex: lavar dentes várias vezes ao dia, tomar mais do que um banho diário!!).
Nestes últimos dias "saltei" os muros do orfanato e encontrei a realidade do país de uma forma nua e crua.
Há uma grande aproximação daquilo que nos é transmitido todos os dias através dos meios de comunicação, das histórias e testemunhos, no entanto, falta a parte que não nos mostram: o cheiro no ar, o choro das crianças mal tratadas, a miséria nas ruas e nas casas que não existem, o desânimo e falta de confiança na vida o próprio Amor pela vida... O verdadeiro sentido da vida, creio que nem lhes interessa e. de facto a nós também não..Vivemos muito preocupados com os bens materiais e pouco mais, cada um à sua dimensão!! Não é nada fácil presenciar toda esta forma de estar e viver, a realidade é muito fria e nada se consegue fazer em “dois dias”, apenas assistir. É uma sensação de incapacidade de pequenez tão grande que me reduzo à insignificância humana que sou! E a dificuldade de lidar é porque custa aceitar esta pobreza, a simplicidade de tudo o que os rodeia, o facto de não saber como agir, o que dizer, a quem dizer... É de facto de louvar a quem dá a sua vida por este povo, mais uma vez tive consciência que sou egoísta, vivo instalada, confortada e mimada no meu dia-a-dia, não valorizando tudo o que tenho, a riqueza que me envolve, sim, riqueza material, sentimental e mesmo psicológica, se é que isto existe.
Passar por aqui, tem sido uma vivência muito mais rica do que imaginava, na verdade pensava imenso em tudo isto e sabia que existia este “mundo”, mas viver com eles dá para perceber que o valor do ser humano ultrapassa qualquer barreira, que cada pessoa pode contribuir para um sorriso, para uma ajuda...E isto não é apenas com crianças.
Tive oportunidade de relacionar-me com cerca de 30 senhoras aqui no orfanato, pois cada grupo de meninos tem uma responsável por eles.
Estas senhoras num primeiro contacto mantiveram distância e olhavam-me de uma forma bastante desconfiada, nada fiz para me aproximar apenas fui fazendo o que havia para fazer (dar papa, mudar fralda, brincar, dar banho, cozinhar, vestir os meninos, passear, reunir, etc..). Sempre falei com elas, mesmo sabendo que a língua poderia representar uma barreira, no entanto muitas delas percebem bem o português e as senegalesas falam todas francês, os primeiros dias deixei andar e não acusei que sabia falar francês mas num primeiro episódio que sucedeu, uma criança caiu de cadeira e presenciei tive que falar directamente com uma delas e foi em francês, ficaram todas a olhar para mim de uma forma espantada, fui percebendo que estava a ser bastante observada por cada uma delas e muitas vezes senti que falavam nas minhas costas, mas nada me incomodou, sabia que ia mudar pois estou aqui pelas mesmas razões que elas, amar e cuidar destes meninos. Neste momento, já todas chamam pelo meu nome e dizem que vão sentir a minha falta pois já estavam habituadas!! Creio que acima de tudo é fundamental as pessoas daqui sentirem que não estou aqui para cobrar nem tirar nada mas sim para poder ajudr a viver melhor estas crianças e a elas no que poder.
Tenho falado com todas elas e transmitido que elas são muito importantes aqui, pois são “Guineenses” e conhecem cada menino melhor que ninguém! E um dia mais tarde cada criança vai recordá-las com carinho, satisfação e agradecimento. Assim, é muito importanto todo o trabalho que desenvolvem e acredito que mesmo não sendo o trabalho mais bem remunerado um dia receberão tudo aquilo a que têm direito! Acredito que Deus dá 100 por 1. Inclusivamente fazem questão de me convidar para ir a casa delas, fui a duas! Ofereceram-me a ajuda e apoio durante os meus dias aqui, como lavar roupa, arrumar quarto, pentear, ofereceram-me coisas como cajú, amendoím, fizeram-me papas, riram e fizeram-me rir com gosto e sem medo... Sinto mesmo que deixo aqui boas amigas e que acima de tudo confiam em mim!!
é bom sentir que se pode ter amizades verdadeiras! Não queria ir já embora, não gostava de as deixar já, depois do tempo que levámos a conquistar umas às outras e escrevo isto com as lágrimas nos olhos porque estas mulheres são fantásticas e vou ter saudades de todas elas...
Outra situação que quero contar e que já deu para estes meninos gozarem comigo... Um dos meus maiores receios e medos quando vim, era maginar que podia cruzar-me com uma cobra!!! Socorro que pânico, nõa passa pela a cabeça de ninguém como ficava ao escurecer, sair à rua sem lanterna, só pode ser piada! Passei uma noite em branco e com uma respiração acelarada com esse pânico, foi terrível. Arrepiava-me e de facto ainda tenho pavor, acho que é mesmo fobia. Penso que psicológicamente já estou preparada para a hipótese de me cruzar, apesar de saber que devo gritar que nem uma “louca” até a cobra ficar surda!
E por hoje não vou contar mais nada pois as horas voam e preciso de “roubar” mais destes meninos...
Estou a sentir que estou a deixar algo muito importante para fazer, no entanto, estou certa que se assim for... eu volto... preparada para responder seja ao que for. Sozinha nada consigo e por isso preciso dos meus amigos TODOS!...Escrevo isto, com a maior das simplicidades certa e segura que não tenho ideia do que está à minha espera.