Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, 2024
Este artigo pretende lançar luz sobre a noção de biopolítica a partir sobretudo do tratamento con... more Este artigo pretende lançar luz sobre a noção de biopolítica a partir sobretudo do tratamento conferido ao tema por Maria Muhle em sua tese de doutorado, que se intitula Eine Genealogie der Biopolitik-Zum Begriff des Lebens bei Foucault und Canguilhem (2008). Muhle evidencia uma articulação possível entre o conceito de vida em Canguilhem e Foucault por meio da qual se revela um deslocamento crucial para uma interpretação precisa do conceito de biopolítica. A passagem das técnicas disciplinares àquelas biopolíticas não deve ser compreendida teleologicamente, aponta antes para os deslocamentos genealógicos no interior das modalidades de poder e entre elas, os quais elucidam a relação indissolúvel entre poder e vida, que não conduz à dissolução de um ou outro, mas sim à sua inescapável imbricação.
Numa arqueologia da vida em Michel Foucault, encontram-se implicados não apenas o tratamento arqu... more Numa arqueologia da vida em Michel Foucault, encontram-se implicados não apenas o tratamento arqueológico que Foucault confere à noção de vida na década de 1960 como também os efeitos de uma reflexão acerca da vida tomada como marcador epistemológico apto a iluminar certa cristalização da ordem do discurso. A noção de vida que Foucault considera aflorar na transição epistêmica que inaugura a modernidade está em jogo não apenas no surgimento da biologia mas também nos discursos e práticas político-econômicos que resultam numa biopolítica. O conceito de vida em Foucault revela-se, portanto, como determinável, aberto a determinações pelo exterior, em constante transformação pelas tecnologias de poder e de saber. Foucault, dessa forma, não define vida, não institui um estatuto ontológico para essa noção, não está em questão, para Foucault, uma definição da vida de tipo vitalista, mas sim uma opção metodológica cuja contribuição para a argúcia das reflexões de Foucault acerca do biopoder é central.
Resumo: Apoiando-nos sobretudo em dois textos de Maria Muhle, sua tese de doutorado intitulada Ei... more Resumo: Apoiando-nos sobretudo em dois textos de Maria Muhle, sua tese de doutorado intitulada Eine Genealogie der Biopolitik-zum Begriff des Lebens bei Foucault und Canguilhem (2008) e seu artigo "Bio-Politik versus Lagerparadigma-Eine Diskussion anhand des Lebensbegriffs bei Agamben und Foucault" (2007), lançamos luz sobre uma possível distinção entre as leituras agambeniana e foucaultiana da noção de biopolítica. Essa diferenciação, como veremos, funda-se acima de tudo num entendimento diverso da noção de vida por cada um dos filósofos. Ao passo que Agamben supõe a vida nua como ponto oculto de interseccionalidade entre o paradigma jurídico-institucional e o paradigma biopolítico de poder, Foucault se abstém de definir a noção de vida e a toma como correlato de técnicas e estratégias de poder e de saber.
Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar alguns importantes passos de uma pesquisa inicial ac... more Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar alguns importantes passos de uma pesquisa inicial acerca da noção de vida na obra de Michel Foucault. Numa breve exposição do tema, buscou-se sobretudo evidenciar alguns eixos de desenvolvimento do tema da vida em Foucault. Para realizar essa tarefa, apoiamo-nos especialmente nos escritos de Maria Muhle, cuja tese de doutorado leva a cabo uma genealogia da noção de vida em Foucault. Tanto Maria Muhle quanto Manuel Mauer e Gustavo Romero, que também se voltam para a noção de vida em Foucault, utilizam esse conceito como uma espécie de fio de Ariadne capaz de orientar uma investigação sobre o pensamento elusivo de Foucault. Como veremos, esses autores confluem no que diz respeito à hipótese fundamental de que Foucault não define a noção de vida não por um descuido, mas antes por considerá-la como correlato de técnicas e estratégias de poder e de saber. Para os três comentadores mencionados, é válida a suposição explicitada primeiro por Muhle de que a indeterminabilidade da noção de vida em Foucault contraria as recentes interpretações da biopolítica que ou convertem a vida em mero objeto de uma política de morte ou tomam a vida como fundamento de uma possível resistência ao biopoder.
A hipótese canguilhemiana de uma polaridade vital que se define em contraste com o paradigma de u... more A hipótese canguilhemiana de uma polaridade vital que se define em contraste com o paradigma de uma vida homogênea retoma o elo estabelecido por Nietzsche entre vida e valor. Para ambos, não é na conservação que visa ao domínio do objeto, mas na abertura ao acontecimento, à possibilidade do novo, que reside em última instância a saúde. A confrontação entre uma verdade estabilizadora e a pluralidade das normas recupera o programa nietzschiano de um filósofo-médico, apto a mediar o confronto dos valores instituídos pela vida desde que incorpore o princípio da valorização vital. Sotoposto à filosofia e à ciência do vivente, o critério da saúde e da boa terapêutica, e não a abstenção de domínio sobre a vida, aproxima Nietzsche de Canguilhem.
Todos os trechos da obra de Vanessa Lemm citados nesta resenha são traduções minhas. É de se acre... more Todos os trechos da obra de Vanessa Lemm citados nesta resenha são traduções minhas. É de se acreditar que em breve teremos publicada uma tradução dessa obra.
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, 2023
Davi de Conti * Resumo: Uma investigação acerca do conceito da vida na obra de Michel Foucault le... more Davi de Conti * Resumo: Uma investigação acerca do conceito da vida na obra de Michel Foucault leva tanto a um entendimento mais preciso do desenvolvimento de sua obra quanto à elaboração de um olhar crítico a respeito de interpretações recentes de seu pensamento, crítico sobretudo em relação às leituras do conceito de biopolítica que oscilam entre uma interpretação positiva e uma interpretação negativa desse conceito. As análises desse termo, que proliferaram entre as recentes leituras da obra de Foucault, parecem ressentir-se de uma compreensão mais apurada do problema da vida, de que resulta em larga medida a própria acuidade das reflexões foucaultianas acerca do biopoder. O que sobretudo orienta esta breve e incipiente reflexão a respeito da noção de vida em Foucault é tanto a constatação de Muhle (2021) de que Foucault não atribui um estatuto ontológico para a noção de vida e de que essa vida é tanto objeto (Gegenstand) quanto modelo de funcionamento do biopoder (Funktionsmodell), quanto a suposição de Mauer (2015) de que Foucault se volta para a noção de vida para, assim, desviar-se do conceito de homem, i.e., do humanismo. Essas duas hipóteses nos auxiliam não somente a lançar a luz sobre a elaboração do conjunto do pensamento de Foucault, particularmente a respeito do biopoder, como também sobre as recentes leituras relativas à noção de biopolítica.
Homo natura: Nietzsche, Philosophical Anthropology and Biopolitics é uma obra ao mesmo tempo conc... more Homo natura: Nietzsche, Philosophical Anthropology and Biopolitics é uma obra ao mesmo tempo concisa e de grande fôlego. Em seus quatro capítulos, seguidos por uma conclusão provocativa, Vanessa Lemm discorre sobre temas essenciais para qualquer um que queira pensar sobre pós-humanismo e biopolítica. Fundamentalmente, como a própria autora afirma, sua obra "oferece uma nova interpretação da ideia nietzschiana de homo natura como uma resposta à questão kantiana [o que é o ser humano?] que busca evitar um naturalismo reducionista ou cientificista" (LEMM, 2020, p. 3) 1. Voltar-se para o
Nosso interesse neste trabalho é sobretudo anunciar a importância da realização de um exame da no... more Nosso interesse neste trabalho é sobretudo anunciar a importância da realização de um exame da noção de fenomenotécnica para uma compreensão mais aguçada da epistemologia de Gaston Bachelard (1884-1962). Por meio de uma investigação a respeito desse termo, lançamos luz sobre algumas das hipóteses de Bachelard a respeito da ciência e do conhecimento objetivo. A ideia de uma fenomenotécnica acompanha Bachelard desde seus primeiros escritos e explicita o cerne de sua epistemologia histórica, isto é, o caráter construído da realidade, que é forjada por uma ciência plural desenvolvida numa relação de mútua instrução entre cientista e objeto científico.
RESUMO O objetivo deste trabalho é apresentar de forma introdutória aquilo que chamaremos de insu... more RESUMO O objetivo deste trabalho é apresentar de forma introdutória aquilo que chamaremos de insuperável oscilação do conceito de biopolítica. Essa oscilação reside no interior do próprio conceito de biopolítica que, na conjunção de vida (bíos) e política, carrega uma intransponível dualidade entre uma interpretação que submete a vida à política (poder sobre a vida), tornando-a mero objeto de um poder negativo, e uma outra interpretação que percebe na vida uma força afirmativa capaz de resistir ao biopoder (poder da vida). Palavras-chave: Vida; Biopolítica; Michel Foucault.
O risco de que o termo biopolítica se torne enigma se deve, em grande
medida, ao fato de que esse... more O risco de que o termo biopolítica se torne enigma se deve, em grande medida, ao fato de que esse conceito conjuga os termos vida e política, os quais, pensados conjuntamente, geram uma espécie de indefinição, que leva, por vezes, a priorizar o termo política em detrimento da noção de vida ou o contrário. A vida, dessa forma, acaba por oscilar entre a completa submissão ao poder político e a imposição de sua força sobre esse poder. Ao pensar a vida e a política como campos distintos, perdese de vista sua imbricação. A vida não é apenas alvo do poder, mas também modelo de seu funcionamento. Compreender a noção de biopolítica em Foucault requer considerar a noção de vida que orienta suas elaborações acerca dessa modalidade de poder. Foucault não define a noção de vida, que se revela como um correlato de técnicas e estratégias de poder-saber. Uma breve apresentação acerca da noção de biopolítica em Foucault encaminha-nos para algumas considerações a respeito da pandemia atual.
Biopolítica: um conceito polêmico Em 1976, no primeiro volume de História da Sexualidade, Michel ... more Biopolítica: um conceito polêmico Em 1976, no primeiro volume de História da Sexualidade, Michel Foucault apresenta o que iria tornar-se um conceito polêmico em sua obra, bem como para seus intérpretes: a "bio-política da população" (com um hífen que é deixado de lado nos anos seguintes). Essa noção tem desde então polarizado as leituras da teoria de poder de Foucault e talvez haja desempenhado um papel bem mais importante do que ele jamais pretendeu. Atualmente, a leitura mais proeminente e popular da biopolítica pode muito bem ser a interpretação "ética" em termos de bioética. A biopolítica seria, portanto, a administração "política" das mudanças e novas possibilidades das ciências da vida, predominantemente da biologia e da genética 1. Essa a Esse artigo foi originalmente publicado como "
Voluntas - revista internacional de filosofia, 2020
This article is divided into four parts. In the first part, we briefly introduce the concept of b... more This article is divided into four parts. In the first part, we briefly introduce the concept of biopolitics, considering above all the relationship between sovereign power and biopower. We then turn to Foucault's elaboration of the concept in order to clarify meaning in general lines. This brief analysis of the notion of biopolitics leads us to the idea of thanatopolitics, which emerges, in the second part of the text, as the epithet of the mortal derivation of biopolitics. In the third part, from a biopolitical perspective, we shed light on the crisis we face. It is an effort to highlight the biopolitical meaning of the current crisis, considering the content of Foucault's reflections. Finally, in the fourth part, we update the debate about biopolitics through an analysis of the notion of immunity formulated by Esposito, which provides an important interpretive key of the current pandemic.
Resumo: Neste artigo buscamos lançar luz sobre o debate político-filosófico acerca da pandemia oc... more Resumo: Neste artigo buscamos lançar luz sobre o debate político-filosófico acerca da pandemia ocasionada pelo COVID-19. Partindo dos textos de consagrados autores, como Girogio Agamben, Slavoj Žižek, Byung-Chul Han e Emanuelle Coccia, esforçamo-nos em apresentar um panorama da questão. Para isso partimos de uma análise acerca dos efeitos da pandemia sobre a sociedade, considerando as estratégias políticas por trás da contenção do vírus. Em seguida, avançamos em direção a um tratamento metafísico da questão: a pandemia reforça a necessidade de um novo olhar sobre a tese da exceção humana, que estabelece uma hierarquia rígida entre as espécies e alça o homem ao topo dessa hierarquia. Abstract: In this article we seek to shed light on the political-philosophical debate about the pandemic caused by COVID-19. Considering the texts of renowned authors, such as Girogio Agamben, Slavoj Žižek, Byung-Chul Han, and Emanuelle Coccia, we try to present an overview of the issue. For that purpose, we start from an analysis about the effects of the pandemic on society, considering the political strategies behind the containment of the virus. Then, we move towards a metaphysical treatment of the issue: the pandemic reinforces the need for a new look at the thesis of human exception, which establishes a rigid hierarchy between species and raises man to the top of that hierarchy. A pandemia provocada pelo COVID-19 evidencia a importância do conceito de biopolítica para compreendermos o modo como somos governados. O controle que ora se estabelece de modo evidente sobre a população tomada como corpo coletivo alude à característica central da noção de biopolítica. Não demora para que se obtenha dados a
Reiteramos nossos os agradecimentos pelos esforços da comunidade acadêmica, tanto no sentido da p... more Reiteramos nossos os agradecimentos pelos esforços da comunidade acadêmica, tanto no sentido da publicação das pesquisas em filosofia que são realizadas atualmente no Brasil, quanto pela conjugação de esforços para que, apesar do gigantesco trabalho, realizarmos da maneira mais colegiada possível nossas atividades.
Resumo: Discuto a possibilidade de superar a dominação por meio de uma diferenciação entre duas d... more Resumo: Discuto a possibilidade de superar a dominação por meio de uma diferenciação entre duas distintas abordagens econômicas da animalidade do ser humano, as quais correspondem aos modos contrastantes de politizar a vida na cultura e na civilização. Ao passo que a economia da civilização representa um tratamento exploratório da animalidade, cujo objetivo é a autopreservação do grupo ao preço de normalizar o indivíduo, a economia da cultura denota uma abordagem não exploratória da animalidade, dirigida para a pluralização de formas de vida inerentemente singulares. Uma análise dessas economias revela que a cultura não pode ser alcançada por meio de uma política de dominação e exploração.
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, 2024
Este artigo pretende lançar luz sobre a noção de biopolítica a partir sobretudo do tratamento con... more Este artigo pretende lançar luz sobre a noção de biopolítica a partir sobretudo do tratamento conferido ao tema por Maria Muhle em sua tese de doutorado, que se intitula Eine Genealogie der Biopolitik-Zum Begriff des Lebens bei Foucault und Canguilhem (2008). Muhle evidencia uma articulação possível entre o conceito de vida em Canguilhem e Foucault por meio da qual se revela um deslocamento crucial para uma interpretação precisa do conceito de biopolítica. A passagem das técnicas disciplinares àquelas biopolíticas não deve ser compreendida teleologicamente, aponta antes para os deslocamentos genealógicos no interior das modalidades de poder e entre elas, os quais elucidam a relação indissolúvel entre poder e vida, que não conduz à dissolução de um ou outro, mas sim à sua inescapável imbricação.
Numa arqueologia da vida em Michel Foucault, encontram-se implicados não apenas o tratamento arqu... more Numa arqueologia da vida em Michel Foucault, encontram-se implicados não apenas o tratamento arqueológico que Foucault confere à noção de vida na década de 1960 como também os efeitos de uma reflexão acerca da vida tomada como marcador epistemológico apto a iluminar certa cristalização da ordem do discurso. A noção de vida que Foucault considera aflorar na transição epistêmica que inaugura a modernidade está em jogo não apenas no surgimento da biologia mas também nos discursos e práticas político-econômicos que resultam numa biopolítica. O conceito de vida em Foucault revela-se, portanto, como determinável, aberto a determinações pelo exterior, em constante transformação pelas tecnologias de poder e de saber. Foucault, dessa forma, não define vida, não institui um estatuto ontológico para essa noção, não está em questão, para Foucault, uma definição da vida de tipo vitalista, mas sim uma opção metodológica cuja contribuição para a argúcia das reflexões de Foucault acerca do biopoder é central.
Resumo: Apoiando-nos sobretudo em dois textos de Maria Muhle, sua tese de doutorado intitulada Ei... more Resumo: Apoiando-nos sobretudo em dois textos de Maria Muhle, sua tese de doutorado intitulada Eine Genealogie der Biopolitik-zum Begriff des Lebens bei Foucault und Canguilhem (2008) e seu artigo "Bio-Politik versus Lagerparadigma-Eine Diskussion anhand des Lebensbegriffs bei Agamben und Foucault" (2007), lançamos luz sobre uma possível distinção entre as leituras agambeniana e foucaultiana da noção de biopolítica. Essa diferenciação, como veremos, funda-se acima de tudo num entendimento diverso da noção de vida por cada um dos filósofos. Ao passo que Agamben supõe a vida nua como ponto oculto de interseccionalidade entre o paradigma jurídico-institucional e o paradigma biopolítico de poder, Foucault se abstém de definir a noção de vida e a toma como correlato de técnicas e estratégias de poder e de saber.
Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar alguns importantes passos de uma pesquisa inicial ac... more Resumo: O objetivo deste artigo é apresentar alguns importantes passos de uma pesquisa inicial acerca da noção de vida na obra de Michel Foucault. Numa breve exposição do tema, buscou-se sobretudo evidenciar alguns eixos de desenvolvimento do tema da vida em Foucault. Para realizar essa tarefa, apoiamo-nos especialmente nos escritos de Maria Muhle, cuja tese de doutorado leva a cabo uma genealogia da noção de vida em Foucault. Tanto Maria Muhle quanto Manuel Mauer e Gustavo Romero, que também se voltam para a noção de vida em Foucault, utilizam esse conceito como uma espécie de fio de Ariadne capaz de orientar uma investigação sobre o pensamento elusivo de Foucault. Como veremos, esses autores confluem no que diz respeito à hipótese fundamental de que Foucault não define a noção de vida não por um descuido, mas antes por considerá-la como correlato de técnicas e estratégias de poder e de saber. Para os três comentadores mencionados, é válida a suposição explicitada primeiro por Muhle de que a indeterminabilidade da noção de vida em Foucault contraria as recentes interpretações da biopolítica que ou convertem a vida em mero objeto de uma política de morte ou tomam a vida como fundamento de uma possível resistência ao biopoder.
A hipótese canguilhemiana de uma polaridade vital que se define em contraste com o paradigma de u... more A hipótese canguilhemiana de uma polaridade vital que se define em contraste com o paradigma de uma vida homogênea retoma o elo estabelecido por Nietzsche entre vida e valor. Para ambos, não é na conservação que visa ao domínio do objeto, mas na abertura ao acontecimento, à possibilidade do novo, que reside em última instância a saúde. A confrontação entre uma verdade estabilizadora e a pluralidade das normas recupera o programa nietzschiano de um filósofo-médico, apto a mediar o confronto dos valores instituídos pela vida desde que incorpore o princípio da valorização vital. Sotoposto à filosofia e à ciência do vivente, o critério da saúde e da boa terapêutica, e não a abstenção de domínio sobre a vida, aproxima Nietzsche de Canguilhem.
Todos os trechos da obra de Vanessa Lemm citados nesta resenha são traduções minhas. É de se acre... more Todos os trechos da obra de Vanessa Lemm citados nesta resenha são traduções minhas. É de se acreditar que em breve teremos publicada uma tradução dessa obra.
Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, 2023
Davi de Conti * Resumo: Uma investigação acerca do conceito da vida na obra de Michel Foucault le... more Davi de Conti * Resumo: Uma investigação acerca do conceito da vida na obra de Michel Foucault leva tanto a um entendimento mais preciso do desenvolvimento de sua obra quanto à elaboração de um olhar crítico a respeito de interpretações recentes de seu pensamento, crítico sobretudo em relação às leituras do conceito de biopolítica que oscilam entre uma interpretação positiva e uma interpretação negativa desse conceito. As análises desse termo, que proliferaram entre as recentes leituras da obra de Foucault, parecem ressentir-se de uma compreensão mais apurada do problema da vida, de que resulta em larga medida a própria acuidade das reflexões foucaultianas acerca do biopoder. O que sobretudo orienta esta breve e incipiente reflexão a respeito da noção de vida em Foucault é tanto a constatação de Muhle (2021) de que Foucault não atribui um estatuto ontológico para a noção de vida e de que essa vida é tanto objeto (Gegenstand) quanto modelo de funcionamento do biopoder (Funktionsmodell), quanto a suposição de Mauer (2015) de que Foucault se volta para a noção de vida para, assim, desviar-se do conceito de homem, i.e., do humanismo. Essas duas hipóteses nos auxiliam não somente a lançar a luz sobre a elaboração do conjunto do pensamento de Foucault, particularmente a respeito do biopoder, como também sobre as recentes leituras relativas à noção de biopolítica.
Homo natura: Nietzsche, Philosophical Anthropology and Biopolitics é uma obra ao mesmo tempo conc... more Homo natura: Nietzsche, Philosophical Anthropology and Biopolitics é uma obra ao mesmo tempo concisa e de grande fôlego. Em seus quatro capítulos, seguidos por uma conclusão provocativa, Vanessa Lemm discorre sobre temas essenciais para qualquer um que queira pensar sobre pós-humanismo e biopolítica. Fundamentalmente, como a própria autora afirma, sua obra "oferece uma nova interpretação da ideia nietzschiana de homo natura como uma resposta à questão kantiana [o que é o ser humano?] que busca evitar um naturalismo reducionista ou cientificista" (LEMM, 2020, p. 3) 1. Voltar-se para o
Nosso interesse neste trabalho é sobretudo anunciar a importância da realização de um exame da no... more Nosso interesse neste trabalho é sobretudo anunciar a importância da realização de um exame da noção de fenomenotécnica para uma compreensão mais aguçada da epistemologia de Gaston Bachelard (1884-1962). Por meio de uma investigação a respeito desse termo, lançamos luz sobre algumas das hipóteses de Bachelard a respeito da ciência e do conhecimento objetivo. A ideia de uma fenomenotécnica acompanha Bachelard desde seus primeiros escritos e explicita o cerne de sua epistemologia histórica, isto é, o caráter construído da realidade, que é forjada por uma ciência plural desenvolvida numa relação de mútua instrução entre cientista e objeto científico.
RESUMO O objetivo deste trabalho é apresentar de forma introdutória aquilo que chamaremos de insu... more RESUMO O objetivo deste trabalho é apresentar de forma introdutória aquilo que chamaremos de insuperável oscilação do conceito de biopolítica. Essa oscilação reside no interior do próprio conceito de biopolítica que, na conjunção de vida (bíos) e política, carrega uma intransponível dualidade entre uma interpretação que submete a vida à política (poder sobre a vida), tornando-a mero objeto de um poder negativo, e uma outra interpretação que percebe na vida uma força afirmativa capaz de resistir ao biopoder (poder da vida). Palavras-chave: Vida; Biopolítica; Michel Foucault.
O risco de que o termo biopolítica se torne enigma se deve, em grande
medida, ao fato de que esse... more O risco de que o termo biopolítica se torne enigma se deve, em grande medida, ao fato de que esse conceito conjuga os termos vida e política, os quais, pensados conjuntamente, geram uma espécie de indefinição, que leva, por vezes, a priorizar o termo política em detrimento da noção de vida ou o contrário. A vida, dessa forma, acaba por oscilar entre a completa submissão ao poder político e a imposição de sua força sobre esse poder. Ao pensar a vida e a política como campos distintos, perdese de vista sua imbricação. A vida não é apenas alvo do poder, mas também modelo de seu funcionamento. Compreender a noção de biopolítica em Foucault requer considerar a noção de vida que orienta suas elaborações acerca dessa modalidade de poder. Foucault não define a noção de vida, que se revela como um correlato de técnicas e estratégias de poder-saber. Uma breve apresentação acerca da noção de biopolítica em Foucault encaminha-nos para algumas considerações a respeito da pandemia atual.
Biopolítica: um conceito polêmico Em 1976, no primeiro volume de História da Sexualidade, Michel ... more Biopolítica: um conceito polêmico Em 1976, no primeiro volume de História da Sexualidade, Michel Foucault apresenta o que iria tornar-se um conceito polêmico em sua obra, bem como para seus intérpretes: a "bio-política da população" (com um hífen que é deixado de lado nos anos seguintes). Essa noção tem desde então polarizado as leituras da teoria de poder de Foucault e talvez haja desempenhado um papel bem mais importante do que ele jamais pretendeu. Atualmente, a leitura mais proeminente e popular da biopolítica pode muito bem ser a interpretação "ética" em termos de bioética. A biopolítica seria, portanto, a administração "política" das mudanças e novas possibilidades das ciências da vida, predominantemente da biologia e da genética 1. Essa a Esse artigo foi originalmente publicado como "
Voluntas - revista internacional de filosofia, 2020
This article is divided into four parts. In the first part, we briefly introduce the concept of b... more This article is divided into four parts. In the first part, we briefly introduce the concept of biopolitics, considering above all the relationship between sovereign power and biopower. We then turn to Foucault's elaboration of the concept in order to clarify meaning in general lines. This brief analysis of the notion of biopolitics leads us to the idea of thanatopolitics, which emerges, in the second part of the text, as the epithet of the mortal derivation of biopolitics. In the third part, from a biopolitical perspective, we shed light on the crisis we face. It is an effort to highlight the biopolitical meaning of the current crisis, considering the content of Foucault's reflections. Finally, in the fourth part, we update the debate about biopolitics through an analysis of the notion of immunity formulated by Esposito, which provides an important interpretive key of the current pandemic.
Resumo: Neste artigo buscamos lançar luz sobre o debate político-filosófico acerca da pandemia oc... more Resumo: Neste artigo buscamos lançar luz sobre o debate político-filosófico acerca da pandemia ocasionada pelo COVID-19. Partindo dos textos de consagrados autores, como Girogio Agamben, Slavoj Žižek, Byung-Chul Han e Emanuelle Coccia, esforçamo-nos em apresentar um panorama da questão. Para isso partimos de uma análise acerca dos efeitos da pandemia sobre a sociedade, considerando as estratégias políticas por trás da contenção do vírus. Em seguida, avançamos em direção a um tratamento metafísico da questão: a pandemia reforça a necessidade de um novo olhar sobre a tese da exceção humana, que estabelece uma hierarquia rígida entre as espécies e alça o homem ao topo dessa hierarquia. Abstract: In this article we seek to shed light on the political-philosophical debate about the pandemic caused by COVID-19. Considering the texts of renowned authors, such as Girogio Agamben, Slavoj Žižek, Byung-Chul Han, and Emanuelle Coccia, we try to present an overview of the issue. For that purpose, we start from an analysis about the effects of the pandemic on society, considering the political strategies behind the containment of the virus. Then, we move towards a metaphysical treatment of the issue: the pandemic reinforces the need for a new look at the thesis of human exception, which establishes a rigid hierarchy between species and raises man to the top of that hierarchy. A pandemia provocada pelo COVID-19 evidencia a importância do conceito de biopolítica para compreendermos o modo como somos governados. O controle que ora se estabelece de modo evidente sobre a população tomada como corpo coletivo alude à característica central da noção de biopolítica. Não demora para que se obtenha dados a
Reiteramos nossos os agradecimentos pelos esforços da comunidade acadêmica, tanto no sentido da p... more Reiteramos nossos os agradecimentos pelos esforços da comunidade acadêmica, tanto no sentido da publicação das pesquisas em filosofia que são realizadas atualmente no Brasil, quanto pela conjugação de esforços para que, apesar do gigantesco trabalho, realizarmos da maneira mais colegiada possível nossas atividades.
Resumo: Discuto a possibilidade de superar a dominação por meio de uma diferenciação entre duas d... more Resumo: Discuto a possibilidade de superar a dominação por meio de uma diferenciação entre duas distintas abordagens econômicas da animalidade do ser humano, as quais correspondem aos modos contrastantes de politizar a vida na cultura e na civilização. Ao passo que a economia da civilização representa um tratamento exploratório da animalidade, cujo objetivo é a autopreservação do grupo ao preço de normalizar o indivíduo, a economia da cultura denota uma abordagem não exploratória da animalidade, dirigida para a pluralização de formas de vida inerentemente singulares. Uma análise dessas economias revela que a cultura não pode ser alcançada por meio de uma política de dominação e exploração.
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medida, ao fato de que esse conceito conjuga os termos vida e política,
os quais, pensados conjuntamente, geram uma espécie de indefinição,
que leva, por vezes, a priorizar o termo política em detrimento da noção
de vida ou o contrário. A vida, dessa forma, acaba por oscilar entre a
completa submissão ao poder político e a imposição de sua força sobre
esse poder. Ao pensar a vida e a política como campos distintos, perdese de vista sua imbricação. A vida não é apenas alvo do poder, mas
também modelo de seu funcionamento. Compreender a noção de
biopolítica em Foucault requer considerar a noção de vida que orienta
suas elaborações acerca dessa modalidade de poder. Foucault não
define a noção de vida, que se revela como um correlato de técnicas e
estratégias de poder-saber. Uma breve apresentação acerca da noção
de biopolítica em Foucault encaminha-nos para algumas considerações
a respeito da pandemia atual.
thanatopolitics, which emerges, in the second part of the text, as the epithet of the mortal derivation of biopolitics. In the third part, from a biopolitical perspective, we shed light on the crisis we face. It is an effort to highlight the biopolitical meaning of the current crisis, considering the content of Foucault's reflections. Finally, in the fourth part, we update the
debate about biopolitics through an analysis of the notion of immunity formulated by Esposito, which provides an important interpretive key of the current pandemic.
medida, ao fato de que esse conceito conjuga os termos vida e política,
os quais, pensados conjuntamente, geram uma espécie de indefinição,
que leva, por vezes, a priorizar o termo política em detrimento da noção
de vida ou o contrário. A vida, dessa forma, acaba por oscilar entre a
completa submissão ao poder político e a imposição de sua força sobre
esse poder. Ao pensar a vida e a política como campos distintos, perdese de vista sua imbricação. A vida não é apenas alvo do poder, mas
também modelo de seu funcionamento. Compreender a noção de
biopolítica em Foucault requer considerar a noção de vida que orienta
suas elaborações acerca dessa modalidade de poder. Foucault não
define a noção de vida, que se revela como um correlato de técnicas e
estratégias de poder-saber. Uma breve apresentação acerca da noção
de biopolítica em Foucault encaminha-nos para algumas considerações
a respeito da pandemia atual.
thanatopolitics, which emerges, in the second part of the text, as the epithet of the mortal derivation of biopolitics. In the third part, from a biopolitical perspective, we shed light on the crisis we face. It is an effort to highlight the biopolitical meaning of the current crisis, considering the content of Foucault's reflections. Finally, in the fourth part, we update the
debate about biopolitics through an analysis of the notion of immunity formulated by Esposito, which provides an important interpretive key of the current pandemic.