quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

Lançamento: ANTES QUE VOCÊ ACABE

Neste ano de 2024, voltei a escrever, depois de mais de sete anos sem conseguir terminar um livro. Os motivos desse hiato não são o assunto para este momento. Acontece que esse retorno, marcado por muitos surtos de hiperfoco, foi bastante produtivo. Concluí a escrita de três romances, sendo um inteiramente do zero. Também me aventurei em textos menores, como “A Cadeira da Vingança”, inspirado pelo histórico embate entre Datena e Marçal na eleição municipal de São Paulo; “Alerta de Gatilho”, suscitado por discussões inócuas no ainda mais inócuo Threads; e, no último mês do ano, “Quem Matou a Cisne Branca?”, inspirado em uma lembrança nebulosa da minha infância e que me tomou três dias de escrita surtada.

Essa minha volta à escrita foi acompanhada pelo meu grande amigo e excelente escritor Alec Silva, que acabou revertendo sua aposentadoria precoce dos livros e também produziu bastante. Certamente pensou: “Se até o Samuel tá escrevendo, alguém tem que salvar a literatura moderna.” Acontece que Alec, além de acompanhar minha escrita por meio de conversas e ajudar na edição de parte dos textos, também criou a péssima mania de me enviar todo tipo de edital para seleções e concursos literários, me incentivando a sair da minha zona de conforto e acumular projetos como um doido varrido.

Entre essas seleções, surgiu a segunda edição do Prêmio Amazon de Literatura Jovem. A princípio, descartei a ideia. Não sou familiarizado com o gênero, mesmo tendo escrito “O Menino que Tinha um Demônio”, uma subversão supostamente destinada a um público mais infantil. Eu havia publicado “O Fazedor de Anjos”, uma história pesada, adulta, com muita violência, sexo, palavrões, heresias e também coisas ruins. Como eu sairia disso para uma história juvenil?

Porém, alguns dias depois, em uma manhã de setembro, enquanto levava dois dos meus cães para um passeio antes de sair para o trabalho, esta ideia simplesmente fluiu na minha mente — provavelmente algum coágulo se rompeu no meu cérebro. Assim, no curtíssimo período de três meses, nasceu a história que será (e precisa ser) publicada nos próximos dias, antes que o ano termine.




ANTES QUE VOCÊ ACABE

Foi assim que começou a saga de Gisele. Antes que você acabe acompanha uma adolescente de 14 anos, uma menina negra que acaba de perder a mãe e a irmã mais nova em um acidente de carro. Ela precisa lidar não apenas com o luto, mas também com o alcoolismo e a depressão do pai, provocados pela perda.

Claro que foi um desafio escrever uma protagonista feminina e adolescente. Eu já passei há muito dos trinta, sou um jovem senhor amargo e pessimista, e foi difícil manter um tom adequado ao gênero sem perder a essência sombria que me acompanha. Alec me indicou leituras na faixa etária, e me aproveitei muito de uma história de Pedro Bandeira, que me ajudou a balizar os limites, mas sem deixar de fora alguma malícia e subversão.

Com um toque suave de ficção científica, passando-se em um futuro indefinido, porém muito próximo, Antes que você acabe equilibra o drama do luto, do alcoolismo e do bullying com as aventuras do mundo dos videogames e da tecnologia. Como não podia deixar de ser, Alec Silva, meu maior incentivador nessa empreitada, escreveu um belo prefácio, que reproduzo a seguir. Minha amiga Addie Gouvvea ilustrou a capa com essa arte lindíssima que permite o início da imersão na história antes mesmo de se abrir o livro.

Espero que jovens de todas as idades leiam e se apaixonem pela sensibilidade, determinação e o espírito impetuoso de Gisele.




O PREFÁCIO

por Alec Silva

 

Ler um livro do Samuel é quase sempre um risco. Você jamais sabe em que página uma piada vai surgir, uma situação absurda vai acontecer ou o que seus protagonistas vão aprontar. Outro risco é você terminar o livro querendo saber mais, e se conformar que não terá mais. Há algumas histórias que eu sugeri que tivesse uma sequência, qualquer vestígio de continuação ou mais um pouco, pois Samuel cria personagens que são, ao mesmo tempo, tão insólitos quanto reais.

É o caso de Gisele, protagonista de Antes que Você Acabe, uma novela de ficção científica que marca sua estreia para o público infantojuvenil. Desde a primeira página, que já começa com uma tragédia, você vai se simpatizar com uma jovem guerreira tendo que segurar as pontas. É delicioso demais acompanhá-la em suas aventuras, entre dois mundos, um mais perigoso que o outro. E você será cúmplice de cada ato infrator de Gisele — e estará sorrindo.

Nas páginas a seguir, há uma história de luto. E luta. É piegas dizer isso e provocar o trocadilho, mas não há forma de dizer isso. Disfarçada de uma aventura sobre realidade simulada, Samuel nos entrega um drama que dialoga com as vidas de muitos leitores, crianças, adolescentes e adultos. As duas tramas — a da garota desperta tendo que lidar com o alcoolismo do pai, as dívidas que se acumulam, um ambiente escolar que quase ninguém a trata bem e tantos outros problemas, e a da combatente enfrentando monstros, corridas insanas, desafios extraídos de jogos e tentando resgatar o que sobrou da mente conturbada do pai — são gostosas de acompanhar, e cada fim de capítulo te puxa ao seguinte, até que, ao perceber, você está diante do chefe final. E que final!

Recordo-me da insegurança de Samuel ao começar o projeto. Foram dias e dias de indicações de leituras, aconselhamentos e incentivos, e o resultado está aqui, em sua mão, e só posso desejar que se divirta com Gisele lutando com todas as artimanhas para salvar quem ama enquanto lida, também, com um mundo cruel, onde outros jovens não medem esforços em serem babacas, adultos não são tão confiáveis e gentis e algumas leis podem — e devem — ser quebradas, em nome do que se acredita.

Antes que Você Acabe é um livro que encanta e encontra o leitor. E me sinto orgulhoso de tê-lo visto nascer. E de ser amigo de um autor tão irreverente, mas com um olhar tão sensível para certos aspectos da vida — ainda que ele às vezes duvide disso.


quarta-feira, 16 de outubro de 2024

Quentin Must Die

Quentin Must Die








Pages: 213
ISBN: 9781667475424



Quentin is an ordinary young man with an ordinary job and an ordinary life. His days in the doldrums come to an end when, leaving work to go to a movie, he is followed by two armed men. From then on, he is plunged into a whirlwind of events, amid chases, shoot-outs and strip clubs, and has to do everything he can to stay alive. With a few allies and many enemies, Quentin knows they want his blood, but he has no idea why. All he knows is that he's not ready to die.

Inspired by the life and work of Quentin Tarantino, “Quentin Must Die” is a fun and violent adventure, an unpretentious homage to the filmmaker's work.

domingo, 16 de junho de 2024

[RESENHA] O Santo de Amarante - Lacerda Guerra



Gonçalo não escolheu ser padre. Nascido em um convento no interior da Bahia, e encaminhado para um internato beneditino aos dez anos de idade, tornar-se um religioso era como um evento fisiológico, tão natural quanto nascer, envelhecer e morrer. Recém-ordenado, é encaminhado para Amarante, no sertão de Pernambuco. Um jovem inexperiente deveria cumprir quietinho o seu papel: assegurar o poder da Igreja e oferecer apoio político ao prefeito, Francisco Sousa.

A ordem social de Amarante era simples: as terras eram de Sousão. Os desvalidos que nelas moravam tinham por obrigação primeira cultivar o algodão do coronel. Em troca, ganhavam o direito de construir sua casinha e manter um roçado.

Essa ordem é rompida quando o forasteiro Gonçalo descobre uma furna de água perene naquele rincão esturricado. Água o ano inteiro, verdadeiro milagre! Gonçalo só podia ser santo! Os camponeses deixavam a lida nas roças de Sousão e iam-se arranchar ao redor da fonte d’água milagrosa. O coronel perdia os braços para cultivar o algodão e via seu poder político ameaçado.

Gonçalo é obrigado a lidar com a brutalidade do prefeito, o despeito do bispo, a adoração do povo, e o alvoroço no próprio peito toda vez que avista Pia, moça bonita, agregada da casa-grande do coronel.




Da primeira vez que li esta obra prima, fiquei impactado, passei um domingo inteiro mergulhado na narrativa até chegar ao fim. Na releitura que conclui nos últimos dias, consegui ter as mesmas sensações, talvez até mais intensas, e terminar com o mesmo gosto agridoce na garganta.

O Santo de Amarante nasce, para mim, já como um clássico. A escrita da autora, que conheço há um bom tempo, mantém as qualidades de sempre. Um português impecável, personagens dolorosamente humanos e realistas e uma sensibilidade aguçada que vai muito além da técnica literária. 

Aqui temos um verdadeiro romance de formação, onde acompanhamos Gonçalo desde o nascimento, e vivemos essas experiências com ele, a descoberta da vida, e perda da inocência, o despertar do senso de justiça e todas as dores e delícias de enxergar o melhor e o pior do ser humano.

Além da construção primorosa dos personagens, temos toda a trama que, embora fictícia, é inspirada nos episódios do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, no Ceará, e das Ligas Camponesas, em Pernambuco e na Paraíba. Tudo costurado com uma percepção apurada dos costumes e práticas de uma região em determinada época. As descrições são precisas e fluídas, sem aquele ar de reportagem em que muitos autores acabam se perdendo. E os personagens se tornam reais para o leitor, pois suas ações são consonantes a sua construção, com diálogos escritos com maestria, cada personagem com sua voz, linguagem e maneira de falar.

Um livro incrível que eu espero e confio que alçará grandes voos, porque não é só uma delícia de se ler (entre sorrisos e lágrimas), é necessário.