domingo, 8 de dezembro de 2024

Lembrança: O erotismo poético de Nelson Padrella

 


Quando comecei a escrever quadrinhos eróticos, ali pelo ano de 1992, eu não queria repetir os chavões de histórias desse tipo, que geralmente se limitavam a monossílabos, interjeições, onomatopeias e palavrões.

Então, minha grande inspiração foi o grande escritor curitibano Nelson Padrella, em especial uma história chamada “Lembrança”. Padrella era um dos principais roteiristas da editora Grafipar e nessa história em específico conseguiu com perfeição o tom poético que eu queria para meu texto.

Há uma curiosidade sobre essa história. Ao assinar a história, o desenhista Rodval Matias colocou o ano de 1986. Acontece que a Grafipar terminou em 1983. Nem o próprio Padrella consegiu explicar essa incoerência. É possível que o desenhista tivesse recebido esse roteiro na época da Grafipar, mas só o desenhou três anos depois do fim da editora. De fato, eu li essa história numa revista da Nova Sampa.

A HQ fala de um encontro de dois adolescentes num dia de chuva.

O rapaz está passando, todo molhado pelo portão de uma casa, quando a moça o chama. O tom é não só poético, mas saudosista, como se alguém mais velho estivesse se recordando de um passado longíncuo e idílico: 

“Chove muito... e a chuva é a mesma daquele dia... era setembro ou outubro, não recordo direito. Ainda o frio do inverno pairava nas tardes e nos jardins de Curitiba. eu encontrei você no portão de sua casa, disse “olá”, com displicência, assim como quem vai embora... você sorriu!”. 

O clima é de saudosismo expresso pela expressão "é a mesma chuva daquele dia". O poético, que já aparecia desde o início, fica explícito no trecho "Ainda o frio pairava nas tardes e nos jardins de Curitiba". O roteirista-poeta brinca com as palaras: o frio se refere ao tempo (tardes), mas também ao local (jardins de Curitiba). 

A distribuição do texto, com apenas a expressão "Você sorriu" no último quadro, transforma essa página numa verdadeira poesia visual ao mesmo tempo em que transmite a solidão e tristeza do personagem, que olha saudoso para o portão aberto da casa vazia. 



A página seguinte mostra a mesma imagem, mas de outro ponto de vista, e agora vemos uma garota no portão convidando com as mãos o rapaz a entrar. 

O texto diz:  

“Era setembro ou outubro, não me lembro bem. Só lembro que depois de tanto tempo passei pelo portão da sua casa e você estava lá... e sem dizer palavras convidou-me com um gesto meigo. Não resisti e disse sim com os olhos. Saímos da chuva para dentro da sua casa que rescendia a aromas raros... cheiro de cravo e açúcares, algo de baunilha e infância...”.
  

O texto aqui é sutil e cheio de insinuações. Ela faz um “gesto meigo” e ele “diz sim com os olhos”. Os aromas da casa remetem ao café que ela está preparando, mas também são simbólicos: o cravo insinua sexualidade e afrodisíaco (vale lembrar que um pouco antes fizera sucesso uma novela chamada Gabriela cravo e canela, que se destacava exatamente pela protagonista sensual interpretada por Sônia Braga). A baunilha, como o próprio texto diz, representa infância, ingenuidade, dando a entender que essa teria sido a primeira relação sexual do garoto.

Padrella brinca novamente com as palavras, fazendo algo que se parece com a sinestesia, em que os sentidos se misturam, mas aqui ele mistura sentidos com idade. 



Na terceira página vemos novamente um texto que surpreende o leitor e remete ao poético: 

“Meus olhos procuravam os teus com frequência. Mas foram nossas bocas que se encontraram primeiro”. 

Uma outra curiosidade sobre essa história: na época em que foi desenhada o mercado já pedia histórias explícitas, de forma que o desenho de Rodval mostra explicitamente toda a relação sexual, em absoluto contraste com o texto intimista de Padrella. Mas mesmo assim, Rodval acerta ao fazer os dois protagonistas com um ar de adolescentes, mantendo, visualmente, a ingenuidade e saudosismo da trama.

Enfim, uma história curta, mas uma verdadeira obra-prima dos quadrinhos nacionais. 

Para ler a história completa, clique aqui

terça-feira, 17 de maio de 2022

Livro Jornalismo em Quadrinhos

 

Em Jornalismo em Quadrinhos, Gian Danton não apenas traça um histórico dessa área, mas também analisa as principais obras publicadas no Brasil e no mundo. Além do conteúdo servir como uma generosa introdução ao tema, o autor ainda traz os bastidores de diversas produções de Jornalismo em Quadrinhos feitas por ele mesmo.

Valor: 25 reais (frete incluso)

Pedidos: [email protected] 

quinta-feira, 12 de maio de 2022

Congresso discutirá quadrinhos e cultura pop


 

Acontece, de 24 a 25 de junho, na Universidade Federal do Amapá, o IV Aspas Norte. O evento, que tem como tema “Cultura pop e quadrinhos”,  será híbrido, com atividades presenciais e online.

O Aspas Norte surgiu em 2018 com o objetivo de estimular a pesquisa sobre quadrinhos e cultura pop na região Amazônica. Ele nasceu da percepção de que muitas pessoas faziam pesquisas na área, mas não tinham condições de se apresentar nos congressos nacionais focados nesses temas – como, por exemplo, os que são anualmente realizados pela ASPAS (Associação de pesquisadores em arte sequencial).

Realizado na cidade de Macapá em 2018 e 2019, o evento contou com apresentações de trabalhos, palestras e oficinas. Os artigos produzidos pelos apresentadores foram reunidos em dois livros, um sobre Linguagem dos quadrinhos e outro sobre Cultura Pop. Em 2020, em decorrência da pandemia, o evento aconteceu de forma totalmente remota.

Para apresentar trabalhos no IV Aspas Norte é necessário produzir apenas um resumo e se inscrever no link https://www.even3.com.br/aspasnorte2022 até o dia 5 de junho. Os trabalhos podem ser sobre quadrinhos ou cultura pop em geral. O edital com todas as informações sobre as apresentações de trabalhos encontra-se no blog do evento: https://aspasnorte.wordpress.com.

Para o público geral as inscrições vão até o dia 20 de junho. O valor, tanto para quem vai apresentar trabalho quanto para ouvintes, é de 10 reais.

Além das apresentações de trabalhos, o Aspas Norte contará com palestras com especialistas na área e oficinas. Também haverá feira geek e lançamento de livros.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022

Livro O roteiro nas histórias em quadrinhos - pré-venda

 

Pré venda da segunda edição revisada do meu livro O roteiro nas histórias em quadrinhos. 16 reais já com frete impresso sem registro. Preço válido apenas para o mês de fevereiro (a partir de março o valor será de 25 reais). Pedidos: [email protected]

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

O Texto como caracterização dos personagens

 

Os diálogos ajudam a caracterizar os personagens. 

Antes de escrever seja um texto sobre ou uma fala de um personagem, é importante entender quem é ele. O diálogo do personagem é reflexo de sua personalidade, de sua história de vida, do ambiente em que foi criado. Dois exemplos extremos: o Hulk e o Thor têm falas completamente diferentes. A maneira como cada um se expressa nos diz muito sobre eles.

Antes de escrever para o personagem, é importante pensar quem é ele, quais são suas motivações, qual a sua história de vida, quantos anos ele tem, qual a sua profissão, se ele tem algum medo, se tem uma  história de vida que poderia ser lembrada nesse momento, se ele tem família, o que ele está sentindo ou pensando. 

Quanto mais detalhes tiver sobre o personagem, melhor conseguirá caracterizá-lo através da fala ou do texto. Mesmo para personagens secundários o ideal é ter uma noção de sua personalidade e sua história de vida. Algo inclusive que se pode fazer é colocar ganchos sobre esse histórico nos diálogos.

A série Exploradores do Desconhecido, com roteiro meu e arte de Jean Okada mostra exploradores espaciais, cada um com um poder ou habilidade especial, que acabam indo parar em outra realidade através de um salto quântico. Os personagens não são apresentados como detentores dessas habilidades. Elas são indicadas aos leitores através de pequenos ganchos nos diálogos, pequenos detalhes que irão contribuir para que o leitor, posteriormente aceite os poderes. Ou seja: os diálogos também pode ser elementos importantes no pacto de verossimilhança que se estabelece com o leitor.

Exploradores do Desconhecido: Os diálogos dão pistas sobre as características dos personagens.

Sobre o diálogo como característica da personalidade do personagem, observe esse diálogo do Rei na série a queda de Matt Murdock:

Faça o iate voltar a nova York. Localize todos que tocaram neste envelope... Ou que falaram com quem tocou... e aguarde a ordem para matar.

O texto é todo no imperativo, representando alguém que está acostumado a dar ordens e que não admite contestação. A fala também revela alguém objetivo, prático.

Os diálogos demonstram a nobreza do Surfista Prateado. 


Em contraste, observe esse diálogo do Surfista Prateado, na graphic novel Parábola, com roteiro de Stan Lee e arte de Moebius:

Se desistirmos da luta só porque as chances de vitória são pequenas, onde fica o nosso valor? Que nossa motivação seja sempre o que nos leva em frente, e não as chances de sucesso.

Essa fala nos revela um personagem filosófico, poético, mais preocupado com ideais do que com a praticidade da vida.

Veja agora a fala do Monstro do Pântano na fase escrita por Alan Moore:

Não, Arcane. Esta é a nossa primeira batalha... você e eu... nunca nos encontramos... e também nossa última. Você reclama... o planeta para si... Arcane. Mas sem ter... um décimo do poder da terra.

A primeira coisa que chama atenção são as reticências. Elas dão a ideia de alguém que fala de maneira arrastada,  como de fato falaria uma planta tentando se comunicar como humano. Apesar disso, o diálogo demonstra grande auto-confiança. Vale lembrar que nessa fase do personagem ele está descobrindo poderes que não sabia ter, como a capacidade de regenerar o próprio corpo e esse empoderamento do personagem se reflete em sua fala.

Monstro do Pântano: uma planta tentando falar como um humano. 


Aliás, uma forma ideal de escrever diálogos de um personagem é se imaginar sendo ele. Alan Moore conta que andava pela casa como um corcunda quando estava escrevendo as falas de Etrigan no Monstro do Pântano. O resultado foi isso:

A graciosa dama e seu monstro coberto de raízes chegaram para salvar os inocentes de tal crime e do medonho banquete macacal poupar os petizes. Que alma nobre a deles! Que arrojo sublime! E mirem as crianças, com tanto alarido, acordam seus guardiões, raça tão dedicada! Embora ele traia a esposa, e ela o marido, ambos só querem tirar a criança da enrascada.

O diálogo é escrito de forma a mostrar que se trata de alguém diverso dos seres humanos comuns (Etrigan faz parte do grupo de demônio rimadores) e extremamente cínico.

Os vilões, aliás, funcionam melhor quando são bem caracterizados. Ao criar o principal vilão do Capitão Gralha, o Doutor Destruição, imaginei-o como alguém muito letrado, mas enlouquecido. Mas o Doutor não o tipo vilão maluco, desvairado. Ao contrário, é alguém que a todo momento procura mostrar seu refinamento (ele é filho de uma família aristocrática). Devido a um trauma de infância, ele é fascinado pela letra D. Tudo isso se reflete nas falas do personagem:

Débil demagogo, seus desejos defenestraram!  Destruirei Curitiba e depois o mundo. E você descansará desolado a dez palmos sem poder desbaratar meus planos descontrolados!

A bíblia do roteiro de quadrinhos


 

Há algum tempo, os roteiristas Alexandre Lobão e Leonardo Santana me convidaram para escrever a seis mãos um livro sobre roteiro para quadrinhos.

Na época eu não poderia imaginar a proporção que isso iria ganhar. O projeto foi aumentando, aumentando, até se transformar no que é, provavelmente, o mais completo livro sobre roteiro já publicado no Brasil.
A obra tem praticamente tudo que um roteirista precisaria saber para escrever boas histórias para qualquer mídia.
Alguns assuntos foram tratados no Brasil apenas nesse livro. Já outros assuntos é a primeira vez que são tratados num livro de roteiro provavelmente no mundo, como a verossimilhança hiper-real.
É uma obra de peso (340 páginas!), tanto que decidimos chamar de A bíblia do roteirio de quadrinhos. Essa obra teve seu lançamento oficial em Curitiba sexta-feira passada e já está vendida no site da editora.
Quem quiser comprar comigo, o valor é 60 reais (frete incluso). Pedidos: [email protected]

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