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domingo, 8 de abril de 2018

Jovens, vencidos do catolicismo, mistérios e perplexidades da Páscoa

Crónicas


Ilustração: Cesse d'être incrédule (“Não sejas incrédulo”), de Bernadette Lopéz (Berna), reproduzida daqui 

No Público deste Domingo, frei Bento Domingues escreve acerca da reunião pré-sinodal de jovens no Vaticano, que já aqui foi referida.
Sob o título Evangelho segundo o Papa Francisco, diz:

Um dos fenómenos mais característicos do catolicismo do século XX foram os movimentos da Acção Católica. Paulo Fontes estudou o seu papel na criação de verdadeiras elites, em Portugal[1]. Para a hierarquia eram o seu braço estendido. Chegavam onde ela não conseguia entrar. Os jovens eram desejados, encorajados, mas a sua criatividade estava limitada pelo mandato que os dirigentes recebiam dos bispos. Eram um laicado super controlado. Daí, os mil conflitos que os assistentes eclesiásticos, correias de transmissão, tinham de saber gerir até onde fosse possível. Que Deus sabe escrever direito por linhas tortas é um aforismo português. Teve muito que fazer. Se a hierarquia perdeu os jovens, e muitos se afastaram da prática religiosa oficial, o Papa Francisco não se resignou a essa debandada, aos vencidos do catolicismo.
(texto na íntegra aqui)

 No Domingo anterior, frei Bento escrevia sobre o sentido da Páscoa e da ressurreição, com o título Foi morto mas está cada vez mais vivo:

Quando alguém diz «aquele não é bem acabado», está a falar de si próprio e dos outros, porque o ser humano nunca está bem acabado. Não sabemos quem somos, pois, o que seremos é-nos desconhecido. Não somos só o passado nem só o presente, mas o futuro e esse é filho da esperança. A esperança tem muitos nomes. São frequentes as sondagens de opinião que tentam conhecer os desejos, as espectativas e as esperanças de cada um. Não é novidade nenhuma saber que todos desejam ser felizes. Varia muito, no entanto, o que cada pessoa entende por felicidade. A expressão antiga diz bem a nossa condição animal: «haja saúde e coza o forno». 
(texto na íntegra aqui)


O mesmo tema foi escolhido por Anselmo Borges, na sua crónica do DN de sexta-feira, sob o título O que é ressuscitar? e a partir do exemplo de uma carta ditigida a Jesus por uma criança:  

“Nesta minha carta gostava de te dar uma ideia – espero que não fiques chateado. Se calhar, se falasses um bocadinho mais alto, as pessoas podiam ouvir-te um bocadinho melhor e seguir o teu caminho. Eu acho que assim haveria menos guerra e menos fome. (...) Eu ainda não percebi muito bem como se pode ressuscitar mas, como és infinitamente bom, sei que é possível.”
(texto na íntegra aqui)


sábado, 7 de abril de 2018

Páscoa, hoje de novo: a Oriente e em todas as latitudes, “o perdão brotou do túmulo”



O Salmo 53 termina, dizendo:
“Quem dera que viesse de Sião a salvação de Israel!
Quando Deus reconduzir os cativos do seu povo,
Jacob rejubilará e Israel exultará de alegria.”

É este poema que se pode ouvir no vídeo acima. No salmo, um dos versos também diz “Não há razão para tremer”. Mas, ao escutar estas (poucas) vozes, que cantam o Salmo 53 em aramaico – a língua que Jesus falava –, há todas as razões para tremer, pela intensidade e beleza que é colocada na interpretação desta oração bíblica (a gravação foi feita durante a visita do Papa Francisco à catedral patriarcal Svietyskhoveli, em Mtskheta, na Geórgia, a 1 de Outubro de 2016).
Hoje, a Oriente, tendo em conta a diferença de calendário, a maior parte das igrejas ortodoxas, católicas orientais, coptas, caldeias, sírias e arménias celebram o Sábado de Páscoa – coincidindo, aliás, com o Sábado da Pessah judaica, celebração final que culmina uma semana de memória da saída do cativeiro doEgipto.
No hino de Sábado Santo da tradição oriental, reza-se: “Tu desceste à terra para salvar Adão, mas não o encontrando na terra, oh Senhor, foste buscá-lo aos infernos.” É por isso que muitos ícones da ressurreição representam, na tradição oriental, Cristo descendo aos infernos. (Uma pequena polémica mediática envolveu de novo o Papa Francisco, dias antes da Páscoa, por ele alegadamente ter dito que o Inferno não existeuma ideia, aliás, que já João Paulo II tinha assumido, nas suas catequeses de quarta-feira, no Verão de 1999, o inferno não é um lugar físico mas a “situação de quem se afasta de Deus”, e que seria depois contraditada por Bento XVI.)
Diz a homilia de São João Crisóstomo, que se lê na Divina Liturgia ortodoxa da noite de Páscoa: “Saciai-vos todos no banquete da fé, vinde servir-vos do tesouro da misericórdia. Que ninguém lamente a sua pobreza, porque o Reino chegou para todos; que ninguém chore as suas faltas, porque o perdão brotou do túmulo; que ninguém receie a morte, porque a morte do Salvador dela nos libertou.” (o texto completo da homilia pode ser lido aqui, em português)
No seu Prado Espiritual, Aleksej Remizov escreve: “A santa mãe, a Ressurreição do Tríduo, purificada no orvalho de Primavera, acende a aurora, e no final da liturgia, resplandecente a conduz sobre o monte mais alto.”
A linguagem de uma profunda poética de interioridade, fortemente ancorada nas celebrações pascais, marca a linguagem do cristianismo oriental. Tal como a tradição do acolhimento e a “intensa procura da comunhão com Deus”, como escreve o dominicano fr. José Luís de Almeida Monteiro, na apresentação da edição portuguesa dos Relatos de um Peregrino Russo ao seu Pai Espiritual.
E, na Pequena Filocaliapode ler-se, num dos Quatrocentos textos sobre o amor, de São Máximo, o Confessor: “Bem-aventurado o homem que não fica cativo do que é finito, transitório, corruptível.”

(Sobre outras tradições pascais, podem ouvir-se duas reportagens de Manuel Vilas Boas na TSF. Uma, que conta a Páscoa judaico-cristã de Castelo de Vide, que passa pelas matracas de Quinta-feira Santa, a bênção dos cordeiros no Sábado, o ensurdecedor toque nocturno das campainhas e chocalhos no interior da igreja e pelas ruas desta vila medieval até à procissão da Ressurreição, no Domingo de Páscoa. Para ouvir aqui
A outra, sobre as tradições minhotas do Compasso ou Visita Pascal, que inclui cortejos de cruzes floridas, bênção das casas e a travessia do rio Minho, entre Portugal e a Galiza. Para escutar aqui.)

Ilustração: Ícone O Anjo e as Mulheres junto do túmulo de Jesus, Museu de São Petersburgo

sábado, 31 de março de 2018

Jorge Luís Borges: um traço da cara crucificada a espreitar em cada espelho




Luiz Cunha, Jesus Cristo Crucificado, escultura em espelhos 
na Igreja de Nossa Senhora de Fátima, Póvoa do Valado/Mamodeiro, Aveiro (1967) 
(Foto reproduzida daqui)

Diodoro Sícolo refere a história de um deus despedaçado e disperso. Quem, ao andar pelo crepúsculo ou ao traçar uma data do seu passado, não sentiu alguma vez que se tinha perdido uma coisa infinita?
Os homens perderam uma cara, uma cara irrecuperável, e todos queriam ser aquele peregrino (sonhado no empíreo, sob a Rosa) que em Roma vê o sudário de Verónica e murmura com fé: Jesus Cristo, Deus meu, Deus verdadeiro, era assim, pois, a tua cara?
Há uma cara de pedra num caminho e uma inscrição que diz O verdadeiro Retrato da Santa Cara do Deus de Jáen; se realmente soubéssemos como foi, seria nossa a chave das parábolas e saberíamos se o filho do carpinteiro foi também o Filho de Deus.
Paulo viu-a como uma luz que o derrubou; João, como o Sol quando resplandece na Sua força; Teresa de Jesus, muitas vezes, banhada em luz tranquila, e não pôde nunca precisar a cor dos olhos.
Perdemos esses traços, como pode perder-se um número mágico, feito de cifras habituais; como se perde para sempre uma imagem no caleidoscópio. Podemos vê-los e ignorá-los. O perfil de um judeu num subterrâneo é talvez o de Cristo; as mãos que nos dão umas moedas num postigo talvez repitam as que uns soldados, um dia, cravaram na cruz.
Talvez um traço da cara crucificada espreite em cada espelho; talvez a cara tenha morrido, se tenha apagado, para que Deus fosse todos.
Quem sabe se esta noite não a veremos nos labirintos do sonho e não o saberemos amanhã.


Jorge Luís Borges, Paraíso, XXXI, 108, in O Fazedor

Filosofia da Eucaristia, dívidas às vítimas, fogo e novidade da Páscoa – textos para um dia de silêncio



Ilustração: Bernadette Lopez (Berna), reproduzida daqui

Os cristãos vivem neste Sábado Santo o dia do grande silêncio. Referem-se aqui quatro textos sobre o sentido destes dias de Páscoa.

No seu blogue, Domingos Faria escrevia sobre Um modelo da Eucaristia filosoficamente inteligível:

O que estou a defender é o seguinte: a presença de Cristo na Eucaristia, nos elementos do pão e do vinho, é um facto institucional que se obtém em virtude da sua instituição na última ceia pela declaração (...) do próprio Cristo. E isso é um evento novo que não ocorria antes dessa declaração. Ou seja, só passou a haver presença de Cristo na Eucaristia nos elementos do pão e do vinho depois dessa convenção institucional. (...)
Com esta argumentação, se for plausível, temos um modelo filosoficamente inteligível da Eucaristia e evitamos compromissos com teorias metafísicas muito controversas. O objectivo é ter um modelo filosófica e religiosamente adequado, bem como ontologicamente minimalista. Mas será isto plausível?

Sexta, no DN, sob o título Sexta-Feira Santa, Anselmo Borges reflectia acerca do sentido da Páscoa de Jesus:
Há uma dívida incomensurável para com as vítimas inocentes, aqueles e aquelas que não viveram, multidões de homens, mulheres, crianças, talvez a maioria, cuja existência foi esmagada pelo opróbrio, a miséria, a ignomínia, o esquecimento mortal. Elas clamam por justiça. Mas quem fará justiça? A Escola Crítica de Frankfurt foi decisivamente marcada por esta pergunta. Por isso, M. Horkheimer ansiava pelo "totalmente Outro"; W. Benjamin declarou que não é possível pensar a história sem teologia; Jürgen Habermas, neste contexto, escreveu, citando J. Glebe-Möller: "Se desejarmos manter a solidariedade com todos os outros, incluindo os mortos, temos de reclamar uma realidade que esteja para lá do aqui e do agora e que possa vincular-nos também para lá da nossa morte com aqueles que, apesar da sua inocência, foram destruídos antes de nós. E a esta realidade a tradição cristã chama Deus." Aquele que tudo pode recriar, a partir do nada, para a Vida.

No jornal Voz da Verdade, Vítor Gonçalves escreve sobre Ver e acreditar, tomando o Domingo da Ressurreição:
Vemos a generosidade dos que amam e servem com alegria,
e acreditamos que o Ressuscitado nos recorda como o Pai não desiste de ninguém.
Vemos a maravilha de inventores e criadores de beleza,
e acreditamos que o Ressuscitado leva o fogo do Espírito onde ainda é noite e faz frio.
Vemos os lentos passos para a justiça e para a paz,
e acreditamos que o Ressuscitado multiplica o nosso dom total. 

Também no mesmo jornal, Alexandre Palma escreve sobre a Novidade da Páscoa:
A Páscoa oferece-se, precisamente, como novidade. Assim a apresenta o próprio Ressuscitado: «Eis que faço novas todas as coisas» (Ap 21, 5)! Sendo passagem, ela é-o para uma «nova Jerusalém», para «odres novos», para uma «nova Aliança», para uma «nova humanidade», para uma «vida nova». Ela é profecia plena de uma novidade possível, porque simultaneamente seu anúncio e realidade. E é-o, ainda, na forma como o novo não é nela uma revolução, mas recriação. Nela se consolida, sim, essa confiança de que algo novo é desejável, de que algo de bom é possível. Mas também que tal se alcança pela transformação do que existe e não pela sua destruição ou, sequer, pela sua substituição. A vida nova do Ressuscitado é a transformação em Deus de toda a sua história precedente. Não é a sua anulação, mas a sua definitiva renovação.