PORTOCENTRISMO

Porto, Gaia e Matosinhos resolveram criar uma liga de cidades, esquecendo o passado dividido, por vezes conflituoso. Procuram uma Frente Atlântica, que poderá mesmo dar origem a uma associação de municípios, para perseguir interesses comuns. Aquilo que, em abstrato, seria uma boa ideia tem todas as condições para se transformar num movimento divisionário típico do pior portocentrismo.

A forma mais benigna de olhar para esta nova liga é considerá-la um exercício exploratório de um objetivo de união mais amplo. Vale aqui recordar que Rui Moreira defendia há 10 anos a criação de uma única cidade, unindo o Porto, Gaia e Matosinhos, invocando a mais óbvia de todas as razões: não existe fronteira real entre as três. É bom de perceber que não é aceitável que três presidentes recém-eleitos coloquem sobre a mesa a fusão dos respetivos municípios, sobretudo quando tal não estava explícito nos seus manifestos eleitorais.

Assim, iniciar um processo de aproximação mais técnico e menos político permitiria ir, paulatinamente, entranhando a ideia da cidade única. A verdade é que os três autarcas emprestaram à iniciativa um simbolismo político mais amplo do que um simples processo incremental de aproximação.

Abre-se, assim, espaço para uma leitura menos prosaica, que é a de que o Porto vira costas à região. A história recente da região Norte revela um espaço geográfico, administrativo e político muito dividido e muito desequilibrado, que entrou numa deriva de empobrecimento verdadeiramente vergonhosa. E, por muito que o Norte grite contra o centralismo de Lisboa, quase sempre com razão, a suposta liderança desta região tem também sérias responsabilidades nesta rota de insucesso.

O Porto, sempre mais preocupado com o seu umbigo, não tem sabido nem querido liderar. Satisfaz-se com o exercício do controlo dos fundos do Programa Operacional Regional, capturando por completo as estruturas de decisão, esquecendo que, com isso, enfraquece toda uma região e, por maioria de razão, definha ele próprio.

A prova acabada desta visão curta é a declaração que os autarcas do Porto, de Gaia e de Matosinhos vão assinar contra "o reforço centralista" da RTP. É claro que o Centro de Produção da estação de televisão pública em Vila Nova de Gaia tem de ser preservado, e sobre isto sou insuspeito pois já o defendi neste mesmo espaço, mas o que estes três autarcas parecem ignorar é que esta é uma infraestrutura que serve e interessa a toda a região Norte. A lista de subscritores de tal documento teria de ser mais regional e menos portocêntrica.

Mas é ao nível da Área Metropolitana do Porto (AMP) que a nova Frente Atlântica causa mais engulho. A AMP foi recentemente redesenhada, num exercício cínico de lhe conferir uma massa crítica esmagadora face às restantes NUT3 do Norte. Foram assim considerados metropolitanos municípios como Arouca, Oliveira de Azeméis e Vale de Cambra, o que não deixa de ser surpreendente. A razão reside, naturalmente, na perspetiva de este ser um nível territorial supramunicipal privilegiado na atribuição de fundos europeus.

Tal facto faria supor um aguçado apetite pelo controlo do Conselho Metropolitano. Surpresa das surpresas, assim não foi. Os municípios de maior peso mostraram-se muito desinteressados no processo, acabando por ser eleito presidente Hermínio Loureiro, um autarca muito competente que, todavia, representa um município de menor peso.

Percebe-se agora que havia já uma estratégia autónoma para a captação de fundos por parte de Porto, Gaia e Matosinhos, a qual será, quer queiramos, quer não, conflituosa com a estratégia que estava já a ser iniciada pelo Conselho Metropolitano do Porto. O facto de este órgão não ter tido conhecimento da nova liga de cidades é bem elucidativo.

O desconforto está instalado a todos os níveis. Na capital, o que me preocupa pouco, mas também na CCDRN, na AMP e em muitas das mais importantes cidades e municípios da região.

Não escondi o meu ceticismo quando, no seu discurso de tomada de posse, Rui Moreira se referiu a uma liga de cidades. Achei a ideia demasiado vaga para merecer uma referência explícita. Esperei. Confesso hoje que o meu ceticismo, ao invés de se diluir, se intensificou. Temo que possamos ter mais do mesmo.

@JN

Comentários

claudio disse…
eu votei no rui . gosto dele . mas tenho que admitir que é estranho o facto de serem sempre as 3 cidades a serem unidas . e gondomar ali tao perto? e maia e valongo?

nao sei porque mas ha uma especie de falha de memoria que ja existe uma liga de cidades: chama se grande porto . lol. e que tal trabalhar nisso?

acho isso de unir cidades a coisa mais estupida : city e westminster tambem nao tem fronteiras faceis e nao deixam de ser city e westminster com fronteiras deliniadas . esta gente tem que aprender a interpretar o portugues: cidade ja ha: o grande porto é a cidade do porto . o que é diferente de municipio! o mesmo se passa com a greater london (grande londres)