quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Viagens e ancoradouros

 



Fotos de M

Entre as viagens que tive a sorte de fazer, escolho a última: um passeio ao Alentejo em maio de 2023, três dias em boa companhia, apreciando aquela paisagem belíssima quase sem limites. Mostro-vos parte do Ancoradouro da Amieira. Tão bonita a quietude do ambiente, a convivência entre tons, luz e sombras, céu, água e terra. O ancoradouro e a corda que o prende à margem é uma imagem cheia de significado para mim. Lembram-me os lugares onde fui pousando nas diversas viagens que fiz e aos quais fiquei ligada por várias razões. Abarcam parte do meu mundo: o que viaja e me leva consigo e o que me acompanha no regresso a casa e se recolhe no meu Ancoradouro da Memória.

M

quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Outono / Primavera (*)

 Pormenor do quadro La Primavera, de Botticelli. Retirado da Internet.

 

Foto de M

Duas estações do ano de que gosto muito. Pela beleza e pelo contraste entre ambas. Numa, a luminosidade, a vivacidade das cores, na outra, a luz pensativa, a aceitação serena dos limites sazonais nos tons e nas perdas. Cada uma delas dando lugar a outra que se lhe segue. Para de novo voltar ao início do ciclo no seu tempo de vida. Assim a Natureza. E os seres humanos? À semelhança das estações do ano, as etapas das várias idades desde o nascimento tomam conta da nossa existência. Mas seguem-se umas às outras sem retorno possível, apenas deixam traços da sua presença no nosso corpo e na nossa memória. Nas pessoas que fazem ou fizeram parte do caminho, nos objectos, nas fotografias que tirámos ou nos tiraram, nos livros que lemos, nos filmes que vimos, nas músicas que ouvimos, nos lugares que conhecemos ou sonhámos visitar, nos espelhos onde nos perscrutamos. E tanta coisa fica por concretizar, sentir, compreender! Perante a realidade da finitude, sermos capazes de nos renovarmos interiormente será talvez um escape redentor.

M

(*) Tema a desenvolver esta semana no desafio proposto pela Justine no Palavra Puxa Palavra.

quinta-feira, 21 de novembro de 2024

Duas figuras desengraçadas, coitadas

 

Foto de M

Uma fotografia sem graça nenhuma, eu sei, mas elas também são desengraçadas, coitadas. Têm direito ao descanso em sofá mole e baixo, o que não têm é estrutura física para se dobrarem e nele se aconchegarem. Ao contrário de mim que me lembro como era bom executar esse movimento articulado mas, ai!, de momento é-me proibido exemplificá-lo. Bem, de futuro também não é recomendável sentar-me ali, deverei utilizar cadeiras altas de assento rijo. Pois é, falo destas duas figuras hirtas, esqueléticas, porque têm sido o meu transporte privado nos últimos tempos. Identificadas com as iniciais do meu nome, não vá dar-se o caso de fugirem ao meu controle e eu ficar completamente apeada. Pacientes, sensíveis às dificuldades de mobilidade alheias, estão sempre presentes em lugares estratégicos, embora com direito a períodos de repouso. No entanto, da sua experiência de auxiliares de seres humanos em crise, e pelo que vão observando em mim, sabem que brevemente serão dispensadas do serviço para o qual as requisitei e voltarão a residir na arrecadação onde existem os mais diversos habitantes com histórias para contar. Adormecidas algumas no Tempo que passa e deixa rasto.

M

quarta-feira, 20 de novembro de 2024

Infância (*)

 

Foto de M

Há quem chame anjos às crianças, mas a mim parece-me que às vezes são uns diabretes a precisar de anjos da guarda que os protejam de aventuras arriscadas. E pelos vistos, como no caso desta fotografia que tirei ao passar numa rua de Coimbra já lá vão muitos anos, até foi necessário acrescentar uma pala extra de cariz mais terreno. À cautela, «Não vá o Diabo tecê-las», terão dito… O que me leva a pensar se tanto resguardo não cortou as asas da infância a este jovem que foi criança e o impediu de voar para lá daquela janela acanhada. Mas talvez esteja enganada. Sei lá se ele não está apenas atento a um horizonte vasto que lhe é familiar e que a minha fotografia não abarca. Porque, se repararmos bem, o anjo-criança e o jovem parecem olhar na mesma direcção com expressões curiosas semelhantes, reveladoras de que a essência comum a ambos se terá mantido ao longo da vida.

M

(*) Tema a desenvolver esta semana no desafio proposto pela Bettips no Palavra Puxa Palavra