Todos os anos é o mesmo choradinho, de como foi um parto difícil e como temeram pela minha vida e sanidade mental. Lamentam-se para logo recordar como fui um amor de bebé, que dormia o dia inteiro e tinha de ser acordada para comer e confirmar se ainda respirava.
Passados todos estes anos ainda se lembram como o anjinho se tornou numa menina determinada que quando dizia "não!" não mudava o sentido da sentença nem um bocadinho, de como praticamente não brincava com bonecas e mal aprendi a ler troquei todos pelo meu mundo.
E recordam-se do meu regresso, de como timidamente voltei a partilhar os meus pensamentos, mágoas, gritos de revolta, com a compreensão e empatia ensinada pela leitura e a observar o mundo na terceira pessoa.
Hoje sei que tive uma infância feliz e descansada, com pais atentos mas descontraídos, em que me deixaram ser criança enquanto quis, embora tivesse muita, muita pressa em crescer.
E todos os anos é a mesma coisa: enchem-me a casa de bolachas, bolachinhas, chocolates, prendinhas, flores (camélias e orquídeas do jardim) e tupperwares cheios de comida, não vá a filhota emagrecer fora do seio materno.
E eu continuo a mesma menina de sempre, ergo os olhos e digo "Não!", e metade das bolachas vai pelo mesmo caminho por onde veio, com a diferença que agora secundo com um "obrigado".
E repetem-se os abraços, e os "temos muito orgulho em ti" e "ainda me lembro de como eras quando nasceste, como se fosse ontem".