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Usuário(a):Cynthia Oliveira/Testes/Alexandre, o Grande na Historiografia

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Alexandre, o Grande é um dos personagens históricos mais lembrados de todos os tempos, desde a Antiguidade inúmeros trabalhos têm sido produzidos a seu respeito, alguns louvando suas qualidades e outros condenando seus defeitos. Independente da abordagem utilizada, é preciso sempre lembrar que a figura histórica de Alexandre foi construída de diferentes maneiras dependendo do lugar e da época que produziu o discurso sobre o rei macedônico e que até hoje esses discursos são reapropriados e modificados dependendo das intenções de quem o produz.

As fontes antigas

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Quinto Cúrcio Rufo

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Quinto Cúrcio Rufo escreveu uma obra composta por dez livros narrando a vida e as ações de Alexandre Magno, contudo, os livros 1 e 2, o inicio do 3, o final do 5, o inicio do 6 e partes do livro 10 estão perdidos, de modo que só temos acesso a uma parte muito fragmentada de sua obra. Não se pode afirmar com precisão a época em que viveu Rufo, ele diz que viveu em um período em que muitos pretendentes ao trono romano lutaram em uma guerra civil que ameaçou o império com o colapso e a ruína, mas que felizmente um homem sobreviveu e, como um verdadeiro monarca, levou o povo romano para uma nova e feliz era. Essa situação corresponde a mais de um período da história romana e, portanto, essas alusões do autor ao seu próprio presente não ajudam muito na datação da obra. Os estudiosos tendem a concordar que essa situação descrita por Rufo corresponde ao ano dos quatro imperadores que se sucedeu à morte de Nero, diante disso, podemos concluir que a História de Alexandre Magno da Macedônia foi escrita na segunda metade do século I d.C.[1]

Seguindo a tradição literária estabelecida por Ptolomeu, Clitarco, Aristóbulo e Timágenes, que escreveram relatos em parte amigáveis, em parte hostis e até certo ponto objetivos sobre Alexandre, Rufo conta sua historia de acordo com os preceitos da historiografia “trágica”: ele pinta cenas, muitas vezes deixando o que é histórico em segundo plano, mudando a cronologia por questões de efeito, transformando a geografia e paisagens reais em locais idílicos de terror dependendo das ações narradas. O retrato de Alexandre construído por este autor é extremamente negativo: o rei macedônio seria, acima de tudo, doentio, viciado na conquista, implacável e sanguinário. Contudo, muito dessa caracterização se relaciona com as associações que o autor faz entre Alexandre e os imperadores romanos (a exemplo do incêndio de Persepólis que é comparado ao de Roma e Alexandre a Nero). Além disso, o autor reproduz um antigo ponto de vista romano de que Alexandre e seu exército eram moralmente degenerados e jamais poderiam ter conquistado os romanos coletivamente valentes e moralmente corretos, o conquistador macedônio seria o anti-herói dos romanos. Essa caracterização de Alexandre serve ao propósito literário de dividir a obra em duas metades: na primeira parte (até o livro 5) Alexandre persegue Dario III, seu inimigo externo que ainda está vivo; na segunda parte ele não tem nenhum oponente real que não seja ele mesmo e mesmo assim continua sua predatória campanha pela Ásia, encontrando sua própria morte.[2] O julgamento que Rufo faz de Alexandre reconhece os talentos do conquistador[3] e faz a separação entre esses talentos e a corrupção causada pela fortuna em um governante tão jovem.

Alexandre cobre o corpo de Dario com seu manto, gravura de Bernhard Rode 1769-1770. Segundo Quinto Cúrcio Rufo, esse foi um ponto de inflexão na vida de Alexandre, a partir do qual o caráter do macedônio se degenerou progressivamente
Edição em latim das Vidas Paralelas (Plutarch: Vitae illustrium virorum), impresso por Ulrich Han (Udalricus Gallus), Roma, 1470

Plutarco foi um historiador grego que escreveu no primeiro século da era cristã. Autor das Vidas Paralelas - que constituem-se numa série de comparações biográficas entre homens ilustres da Grécia e de Roma - Plutarco trás à tona as lições morais que a vida e as ações de cada um dos heróis biografados podem oferecer ao seu público.[5] Este autor optou por escrever uma obra dentro do gênero biográfico e não da historiografia[6] e por isso as Vidas estão estruturadas em um modelo que segue as regras impostas pelo gênero escolhido, que dividem a biografia em três partes: a origem, o caráter e a educação do biografado.[7] Dentre às inúmeras biografias escritas por Plutarco, encontramos a Vida de Alexandre que, juntamente com o tratado Sobre o destino e a excelência de Alexandre (De Alexandri Magni Fortuna aut Virtue) encontrado em sua obra Moralia, constitui-se numa das principais fontes antigas sobre Alexandre, o Grande.

O primeiro elemento a ser valorizado na obra de Plutarco é o ascendente mítico de Alexandre: este macedônio estaria destinado a construir uma carreira militar de excelência e a fundar um grande império, pois ele seria descendente de Hércules.[8] Plutarco rodeia o nascimento do futuro rei macedônico pelo maravilhoso: sonhos e sinais revelam a natureza divina do filho de Filipe e Olímpia. Essa aura do maravilhoso estará presente não só no nascimento, mas em vários pontos do texto em que Plutarco, em uma interpretação retrospectiva dos fatos, enxerga o 'conquistador da Ásia' em todas as ações de Alexandre.[9] Outro ponto levantado pelo autor é sobre a paternidade de Alexandre, este supostamente seria filho de um deus: Filipe teria visto esse ser superior em forma de serpente no leito de sua esposa, por isso ele teria perdido um olho - esse foi o castigo divino por Filipe ter espiado o encontro do deus com Olímpia.[10] Ainda em relação ao divino, Plutarco destaca a influência de Dionísio na vida de Alexandre e conjuga isso com o hábito macedônico de consumir o vinho sem mistura alguma, destacando que o consumo excessivo de álcool era capaz de transformar um "verdadeiro príncipe num militar viciado em grosserias de caserna"[11] - excesso de vinho revela a cólera de um Alexandre que sempre se mostra precoce, sensato, racional e apto para governar.[12]

Segundo Plutarco, a marcha ascendente de Alexandre tem como ponto alto o cumprimento de seu primeiro objetivo militar - que era a vingança contra os persas pela invasão da Grécia - e a partir de então tem início um movimento de decadência na vida do conquistador, cujo principal sinal foram as graves divergências entre o rei e seus companheiros mais próximos, que culminaram no assassinato de Clito em um momento de fúria e embriagues de Alexandre. Mas Plutarco ressalta que este homicídio não foi planejado algo planejado, sendo uma ação do destino: o pior acontece apesar dos esforços humanos para evitá-lo[13], mas é preciso reconhecer que o vinho - e, portanto, a influência de Dionísio - não só quebra a imagem organizada e eficaz do exército de Alexandre, destruindo a disciplina e o sucesso que ela garante, como também transforma o rei num assassino.[14]

Plutarco constrói o caráter de Alexandre a partir de um referencial psicossomático, ou seja, ele tenta estabelecer a personalidade do rei levando em consideração tantos os aspectos físicos como os aspectos psicológicos (corpo e alma). Alexandre era dono de uma compleição quente que instigava nele o hábito da bebida e o espírito colérico[15], mas essa natureza era contrabalanceada por um autocontrole e moderação, que tinham como objetivo conquistar a glória - esse desejo estimula em Alexandre uma determinação e um bom senso admiráveis e são essas características que se mantêm constantes em seu espírito, definindo, para o bem ou para o mal, a sua trajetória.[16] Plutarco procede também uma comparação entre o caráter excepcional de Alexandre em contraste com o de seu pai, tomando a precocidade do primeiro como sinal de seu futuro poder. Alexandre teria herdado de Filipe o impulso de busca pela fama, mas ele estabelece um grau de exigência mais elevado e um ideal a ser alcançado. Alexandre se mostra extremamente habilidoso no que diz respeito à diplomacia e aos projetos políticos, como ficou demonstrado na ocasião em que ele recepcionou a embaixada persa na corte macedônica enquanto Filipe estava ausente. "Alexandre excede as expectativas, apesar de jovem, enquanto Filipe, já maduro fracassa em as alcançar"[17]. Plutarco volta ao tema do caráter de Alexandre quando este está prestes a concretizar seu grande sucesso como conquistador: em sua vida cotidiana ele agia com moderação e sensatez quando o assunto era sexo e alimentação, na tentativa de superar os limites impostos pela natureza humana. Para este autor, o ambiente luxuoso da Ásia contribuiu para que as atitudes de Alexandre se tornassem excessivas e até mesmo imprudentes, transformando assim a virtude em vício.[18]

No que tange à educação do conquistador, Plutarco destaca a influência que Aristóteles teve sobre a formação de Alexandre e a importância da Ilíada, da qual o rei teria feito um verdadeiro manual de informações práticas. [19] Alexandre não foi apenas um entusiasta do saber, mas também um difusor da cultura, a exemplo dos festivais realizados na Fenícia[20] e dos contatos que Alexandre travou com filósofos de diversas partes do mundo.[21]

Arriano de Nicomédia foi um filósofo e historiador grego, nascido na província romana da , que escreveu no século II d.C. e sua Anábase de Alexandre Magno é considerada o relato mais completo sobre a campanha de Alexandre e seus objetivos.

A Anábase de Alexandre Magno foi composta num período de retomada dos modelos da tradição grega pelo mundo imperial romano.[22] Mais do que narrar as conquistas de Alexandre, o Grande, a obra de Arriano trás em si as características do período em que foi composta, um momento em que ameaças no campo político e militar ameaçavam a estabilidade do Império Romano. Nesse sentido, a história de Alexandre ofereceria exemplos de ações bem sucedidas no passado que poderiam legitimar e orientar atitudes tomadas no presente.[23]

A obra de Arriano ressalta os aspectos políticos e militares da vida de Alexandre e isso é consequência, em parte, das fontes que o autor tinha à sua disposição e que permitiam reconstruir um quadro desta maneira. No prefácio de sua Anábase, Arriano diz os relatos de Ptolomeu e Aristóbulo, duas figuras muito próximas ao conquistador.

Arriano retrata Alexandre como um líder exemplar, um líder militar que retira do exército sua força e seu apoio[24], a guerra é um estado constante na narrativa, pois ela forneceria legitimidade para o poder do conquistador.[25] Em relação a expedição à Ásia, o autor destaca a prudência de Alexandre, como uma virtude que destaca sua liderança e o legitima no poder, conjugada com a sua capacidade de tomar decisões rápidas e confiantes, "ou seja, ao mesmo tempo que é prudente, é um líder que também não exita - calcula seus movimentos frente às dificuldades.[26]

O relato de Arriano constitui-se numa reflexão sobre a política e os empreendimentos de Alexandre Magno, que exalta o comportamento estratégico do macedônio, elegendo-o como exemplo do passado válido para o presente.

As interpretações dos séculos XX e XXI

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O debate historiográfico desenvolvido no decorrer do século XX e nessas primeiras décadas do século XXI produziu interpretações variadas sobre a vida, as conquistas e o legado daquele que é considerado o mais bem sucedido general de todos os tempos. [27] Existem autores que defendem que se Alexandre entrou para a história como

  • A banda britânica Iron Maiden lançou em seu sexto álbum de estúdio (Somewhere in Time) uma canção intitulada "Alexander the Great", que reúne em seus pouco mais de oito minutos de duração todas as principais teses tradicionalmente postuladas pela historiografia sobre Alexandre. Os versos iniciais da canção - My son, ask for thyself another kingdom, For that which I leave is too small for thee - são uma citação de Plutarco, retirado do momento em que o autor narra o episódio da domesticação de Bucéfalo, no qual Alexandre demonstrou agilidade, perspicácia e inteligência e por isso recebeu um elogio de seu pai,que numa espécie de presságio, disse "Meu filho, arranja pra ti outro reino, pois a Macedônia é pequena demais para ti".[28] A partir daí, a canção segue narrando as conquistas militares de Alexandre pintando-o como o grande conquistador, um deus entre os mortais, que inspira medo e admiração no coração dos homens, reproduzindo a ideia de que Alexandre foi responsável pela helenização dos territórios conquistados, tendo preparado o mundo para o cristianismo.
  • ALEXANDRE COMO MODELO PARA OS IMPERADORES ROMANOS

Referências

  1. MEHL, 2011, p. 179
  2. MEHL, 2011, p. 179-180
  3. O autor também esconde sua admiração pelo rei macedônio e conquistador de um império universal (MEHL, 2011, p. 180).
  4. Quinto Cúrcio Rufo, 6.2.1 (tradução livre)
  5. BURROW, 2013, p. 144.
  6. No primeiro parágrafo da Vida de Alexandre, Plutarco diz que não se propôs a "escrever hitórias, mas vidas somente; e as mais altas e gloriosas proezas nem sempre são aquelas que mostram melhor o vício e a virtude do homem". Ele diz que sua intenção é captar os sinais da alma e construir um retrato natural da vida e dos costumes do biografado, "deixando que os historiadores descrevam as guerras, batalhas e outras grandezas tais."
  7. SILVA, 2012, p. 1.
  8. "É coisa tida como inteiramente certa que Alexandre, o Grande, pelo lado paterno, descendia da raça de Hércules" (Plut. Alex. 2.1)
  9. SILVA, 2012, p. 1.
  10. SILVA, 2012, p. 2
  11. Plut. Alex. 23.7.
  12. SILVA, 2012, p. 3
  13. "A autoflagelação que Alexandre se aplicou, arrependido de seu excesso, é reveladora do sentido deste golpe; ao vitimar um companheiro, agastado com a simpatia insultuosa que o rei parecia dedicar agora ao inimigo, o soberano revelava a quebra de tato político, incapacidade de consolidar um verdadeiro império pela harmonia intercultural, por efeito de uma cólera que Dionísio nele insuflava" (SILVA, 2012, p. 3).
  14. SILVA, 2012, pp. 3-4.
  15. Plut. Alex. 4.4.
  16. SILVA, 2012, p. 4
  17. SILVA, 2012, p. 4.
  18. SILVA, 2012, p. 7.
  19. SILVA, 2012, p. 8
  20. Plut. Alex. 29.1.
  21. É interessante a passagem em que Alexandre se encontra com Diógenes, o Cínico e, depois de ser ignorado pelo filósofo, o rei macedônio declara: "Se eu não fosse Alexandre, eu seria Diógenes" (Plut. Alex. 14.1-3), mostrando a importância que a sabedoria e a austeridade tinham para Alexandre.
  22. LEME, 2008, p.11.
  23. LEME, 2008, p. 13
  24. "Qualquer tentativa de se realizar um paralelo Adriano/Alexandre não é acidental nessa narrativa. (...) a obra de Arriano aponta para uma tendência, presente no Império Romano, à exigência de líderes com respaldo e base militar no seu comando. Isso reflete, na época do autor, o processo de dependência crescente em relação à essa instituição (LEME, 2008, pp. 17-18).
  25. LEME, 2008, p. 18
  26. LEME, 2008, p. 20
  27. ALLEN, 2005, págs. 227-228. Neste artigo, a autora chama a atenção para o fato de que, se é verdade que Alexandre nunca sofreu uma derrota militar, é igualmente verdadeiro o fato de que isso se deve à sua morte prematura: ele não teve tempo de sofrer uma grande derrota.
  28. Plut. Alex. 6.5

ALLEN, Brooke. Alexander the Great – or the Terrible?. The Hudson Review, vol. 58, nº. 2, 2005, pp. 220-230.

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LEME, André Luiz. Ascensão e Legitimação de Alexandre, o Grande, na Anábase de Alexandre Magno de Arriano de Nicomédia. Revista Vernáculo, nº 21/22, 2008, pp. 9-27.

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SILVA, Maria de Fátima. Alexandre da Macedônia: um paradigma de excelência. Imagens da Educação, vol. 2, nº. 3, 2012.

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Ligações Externas

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