Tratados de Cateau-Cambrésis
A paz de Cateau-Cambrésis designa os tratados de paz assinados a 2 e 3 de abril de 1559 que colocam termo ao conflito entre o Reino de França por um lado, e a Espanha e o Sacro Império Romano-Germânico por outro.
É considerado como o mais importante tratado europeu do século XVI e as suas disposições ficaram em vigor durante mais de um século, dando início a nova situação geopolítica internacional, marcada pelo fim da ingerência da França na Itália, e terminando definitivamente com as guerras italianas e ao início da predominância espanhola na península italiana.
Os dois tratados então celebrados devem o seu nome à comuna de Le Cateau-Cambrésis, situada a 20 km a leste de Cambrai. As negociações iniciaram-se na Abadia de Cercamps, sendo concluídas no castelo de Cateau-Cambrésis.
Os tratados
[editar | editar código-fonte]Primeiro tratado (França/Inglaterra)
[editar | editar código-fonte]O primeiro tratado foi assinado a 2 de abril de 1559, entre os plenipotenciários do rei Henrique II da França e da rainha Isabel I de Inglaterra. A jovem Isabel I, que, em janeiro desse ano sucedera à sua meia irmã católica, Maria I de Inglaterra,[1] impusera uma nova religião ao seu país e procurava afirmar-se quer a nível interno, quer internacional. Assim:
- Inglaterra abandona Calais à França, tendo como contrapartida um pagamento de 500 000 escudos de ouro (Calais fora tomada de surpresa aos ingleses a 8 de janeiro de 1558, após um cerco de apenas oito dias.[2]
Segundo tratado (França/Espanha)
[editar | editar código-fonte]O segundo tratado, igualmente chamado paz de Cateau-Cambrésis, foi negociado na abadia de Cercamps (próxima de Arras), e assinada a 3 de abril de 1559 entre os plenipotenciários dos reis de França e de Espanha, Henrique II e Filipe II, respectivamente, colocando um fim às Guerras Italianas, e às intervenções francesas na península.[3] Mas este tratado é sobretudo notável pela longevidade dos acordos ali atingidos, que previam:
- Os Três-Bispados (Metz, Toul e Verdun), apesar de formalmente fazerem parte do Sacro Império, embora não referidos no tratado, permanecem de facto ligados à França que os havia conquistado e ocupado desde 1552.[4]
- A França devolve o ducado de Saboia e as principais praças do Piemonte, o Charolais, le Bugey e Bresse ao duque de Saboia Emanuel Felisberto, aliado de Espanha.
- A França devolve ainda a Córsega à República de Génova, e o Monferrato ao Duque de Mântua;
- Por fim, a França renuncia às suas pretensões sobre o ducado de Milão e sobre o Franco Condado.
- Apesar de desocupar as praças da Flandres, a França mantém o domínio das cidades piemontesa de Turim, Pinerolo, Savigliano, Chivas, Chieri e o marquesado de Saluzzo;
- Na Picardia a França recupera algumas praças forte, como Saint-Quentin, Ham e Le Catelet.
Contexto político
[editar | editar código-fonte]Esta paz tornou-se essencial uma vez que todas as partes estavam financeiramente esgotadas, ao ponto de arriscarem a bancarrota: os seus financiadores (nomeadamente os banqueiros de Antuérpia) ficaram arruinados por uma crise económica (1557-1559) sem precedentes. A França, já afetada economicamente pelas derrotas de Saint-Quentin (1557) e Gravelines (1558), estava a ser afetada pelas convulsões religiosas. Henrique II esperava aproveitar a paz para acabar com a reforma protestante.[5] Após três anos, o protestantismo não cessava de se desenvolver apesar dos éditos repressivos.
Mas o protestantismo também não deixava de crescer nos territórios espanhóis, como a Flandres. Desde Valladolid, que na altura acolhia o seu governo, Filipe II pretendia esmagar os seus opositores através da Inquisição. A Espanha viu, então, crescer a sua vocação colonial e evangelizadora no Novo Mundo, procurando fazer da França uma aliada na luta contra a Reforma, pelo que as cláusulas do tratado não foram tão desfavoráveis aos franceses como a situação militar poderia fazer crer.
Consequências do tratado
[editar | editar código-fonte]A Espanha guardará, daqui em diante, até finais do século XVII, um domínio (direta e indiretamente) sobre o mosaico dos pequenos estados da península italiana, excepto sobre as repúblicas de Génova e de Veneza, e a Saboia-Piemonte. O general das tropas espanholas, o duque de Alba chegou a obrigar o Papa Paulo IV, aliados dos franceses, a capitular formalmente em 1557; os Papas seguintes serão aliados da Espanha na luta contra a Reforma. O tratado de Cateau-Cambrésis, fez com que a Itália entrasse num longo período de estagnação económico e intelectual, que marca o fim do Renascimento italiano.
O tratado previa a consolidação da paz através de dois casamentos reais:
- Isabel de Valois, filha de Henrique II, com Filipe II de Espanha;[6]
- Margarida de Valois, Duquesa de Berry, irmã de Henrique II, com o duque de Saboia Emanuel-Felisberto.[7]
É durante as festividades organizadas para estes casamentos reais que o rei Henrique II viria a ser mortalmente ferido.[8] A sua morte deixará a França nas mãos da sua viúva, Catarina de Médici e dos seus numerosos filhos, envolvidos nas guerras de religião, favorecidas pela desmobilização da nobreza francesa na sequência destes tratados: as convulsões internas sucedem às guerras exteriores.[9]
Notas e referências
[editar | editar código-fonte]- ↑ que fora casada com Filipe II de Espanha
- ↑ Eduardo III de Inglaterra levara onze meses para tomar a cidade em 1347
- ↑ fora em 1494, sessenta e cinco ano antes, que Carlos VIII de França entrara em Florença
- ↑ O imperador Fernando I, tio de Filipe II, não se encontrava representado nas negociações
- ↑ Kermina, Françoise - Jeann d'Albret, la mère passionnée d'Henri IV, Edições Perrin, 1998, pág. 118.
- ↑ já viúvo pela segunda vez pela morte de Maria Tudor
- ↑ casamento que dará origem à dinastia real da Itália no século XIX
- ↑ durante um torneio
- ↑ Claude Michaud, Entre croisade et révolutions, Publicação da Sorbonne, 2010.
Notas
[editar | editar código-fonte]- Este artigo foi inicialmente traduzido, total ou parcialmente, do artigo da Wikipédia em francês cujo título é «Traités du Cateau-Cambrésis».
Bibliografia
[editar | editar código-fonte]- Lestocquoy, Jean - De la prise de Calais au traité de Cateau-Cambrésis (d'après les Archives de la nonciature de France au Vatican), Revue du Nord, Tomo 40, n.º 157, janeiro de 1958, pág. 39-47, http://www.persee.fr/doc/rnord_0035-2624_1958_num_40_157_2256.
- Romier, Lucien - Les guerres d'Henri II et le traité du Cateau-Cambrésis (1554-1559), Mélanges d'archéologie et d'histoire, Tomo 30, 1910, pág. 3-50, http://www.persee.fr/doc/mefr_0223-4874_1910_num_30_1_8373.
- Romier, Lucien - La mort de Henri II, Revue du seizième siècle, Paris, Édouard Champion, Publications de la société des études rabelaisiennes, Tomo I, 1913, pág. 99-152. Reimpressão, Genebra, Slatkine Reprints, 1974. http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k15457f.image.f105.
- Romier, Lucien - Les origines politiques des guerres de religion, Paris, Perrin, 1914, Tomo II, Volume: La fin de la magnificence extérieure, le roi contre les protestants (1555-1559). Reimpressão: Genebra, Slatkine Reprints, 1974. http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k25953n/f1, http://www.persee.fr/doc/rhmc_0996-2743_1914_num_19_2_4699_t1_0156_0000_1 e http://www.persee.fr/doc/rhmc_0996-2743_1913_num_18_5_4692_t1_0382_0000_2, http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k182119/f368.image.
- de Ruble, Alphonse - Le traité de Cateau-Cambrésis (2 et 3 avril 1559), Paris, Éditions Labitte & Émile-Paul, 1889 https://archive.org/stream/letraitdecateau01rublgoog#page/n7/mode/2up, http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k122513/f143.image.
- Turrel, Denise - Une représentation italienne du traité de Cateau-Cambrésis : Les écharpes rouges et blanches de la "biccherna" de Sienne (1559) », Cahiers Brantôme, volume 3, « La Diplomatie au temps de Brantôme », Presses universitaires de Bordeaux, Éditions du Centre Montaigne da Universidade de Bordéus 3, maio-junho de 2007, pág. 9-26.
- Haan, Bertrand - Une paix pour l'éternité. La négociation du traité du Cateau-Cambrésis, Madrid, Casa de Velázquez, 2010.
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