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Economia Donut (modelo econômico)

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Diagrama da Economia Donut que representa as bases sociais (em sua borda interna); e os tetos ecológicos (em sua borda externa). Entre as bordas interna e externa está o espaço justo e seguro onde a humanidade pode prosperar.

A Economia Donut é uma estrutura visual (em forma de uma rosquinha ou boia salva-vidas) para o desenvolvimento sustentável que combina o conceito de limites planetários com o conceito complementar de alicerces sociais.[1] O nome deriva do formato em rosca do diagrama, ou seja, um disco com um buraco no meio. O buraco central no modelo representa a proporção de pessoas que não têm acesso aos bens essenciais à vida (como saúde, educação, equidade e assim por diante), enquanto a borda externa representa os tetos ecológicos (limites planetários) dos quais a vida depende e não devem ser ultrapassados.[2] O diagrama foi desenvolvido pela economista da Universidade de Oxford, Kate Raworth, em seu artigo da Oxfam de 2012, A Safe and Just Space for Humanity. O conceito foi elaborado em seu livro de 2017 Economia Donut: Uma alternativa ao crescimento a qualquer custo e em um artigo publicado no periódico The Lancet Planetary Health.[3]

O diagrama foi proposto para considerar o desempenho de uma economia na medida em que as necessidades das pessoas são atendidas sem ultrapassar os tetos ecológicos da Terra.[4] O principal objetivo do novo modelo é reenquadrar os problemas econômicos e estabelecer novas metas. Nesse modelo, uma economia é considerada próspera quando todos os doze alicerces sociais são atendidos sem ultrapassar nenhum dos nove limites planetários. Essa situação é representada pela área entre os dois anéis, considerada por sua criadora como o espaço seguro e justo para a humanidade.[3]

Kate Raworth observou que o conceito de limites planetários não leva em consideração o bem-estar humano[5] (embora, se os ecossistemas terrestres morrerem, o bem-estar seria irrelevante). Ela sugeriu que os alicerces sociais deveriam ser combinados com a estrutura dos limites planetários. Combinando as métricas de acesso à emprego, educação, alimentação, água, serviços de saúde e energia aos indicadores ambientais dos limites planetários, é possível delimitar um espaço ambientalmente seguro compatível com a erradicação da pobreza e com uma condição de "direitos para todos". No espaço definido entre os limites planetários e os alicerces sociais equitativas, encontra-se uma área em forma de rosquinha onde existe um "espaço seguro e justo para a humanidade prosperar".[6]

Fundamentos sociais

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As fundações sociais são inspiradas nos objetivos sociais dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.[7] Estes são:

Limites Planetários

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Os nove tetos ecológicos são derivados dos limites planetários apresentados por um grupo de pesquisadores das geociências liderados por Johan Rockström e Will Steffen.[7] Estes são:

Crítica à teoria econômica dominante

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O modelo donut é uma coleção de objetivos que podem ser atingidos por meio de diferentes ações de diferentes atores, e não inclui modelos específicos relacionados a mercados ou comportamento humano. O livro Donut Economics consiste em um conjunto de críticas e de perspectivas que sociedade como um todo deve almejar.[7] As críticas encontradas no livro são direcionadas a determinados modelos econômicos e sua base comum.

Os modelos econômicos dominantes do século XX, definidos aqui como os mais ensinados em cursos introdutórios de Economia ao redor do mundo, são neoclássicos. O Fluxo Circular publicado por Paul Samuelson em 1944 e as curvas de oferta e demanda publicadas por William S. Jevons em 1862 são exemplos canônicos de modelos econômicos neoclássicos. Focados nos fluxos de dinheiro dentro de uma unidade administrativa e descrevendo suas preferências matematicamente, esses modelos ignoram os ambientes nos quais estão inseridos: em mentes humanas, na sociedade, na cultura e e no meio ambiente. Essa omissão era viável enquanto a população humana não sobrecarregasse coletivamente os sistemas terrestres, o que não é mais o caso. Além disso, esses modelos foram criados antes que pesquisas e testes estatísticos fossem possíveis. Baseavam-se em pressupostos sobre o comportamento humano convertendo-os em "fatos estilizados". As origens desses pressupostos são filosóficas e pragmáticas. Eles simplificam e distorcem as reflexões de pensadores como Adam Smith, transformando-as em gráficos que se assemelham ao movimento dos corpos na mecânica newtoniana, para que pareçam ser de uso prático para a previsão, por exemplo, da escolha do consumidor.

O corpo da teoria econômica neoclássica cresceu e se tornou mais sofisticado ao longo do tempo. Na década de 1930, o paradigma econômico estava vinculado à teoria keynesiana mas, após a década de 1960, o monetarismo ganhou proeminência. Apesar desse desvio, mesmo com a mudança das recomendações políticas, um elemento permaneceu: o homo economicus (homem econômico racional), a persona na qual as teorias foram baseadas. Raworth, a criadora da Economia Donut, denuncia essa invenção literária como perversa, por conta dos seus efeitos no comportamento dos estudantes de economia que, ao internalizarem essas suposições sobre a natureza humana, passam a agir de maneira mais egoísta. Exemplos desse fenômeno em ação foram documentados em diversas pesquisas,[8][9][10] assim como os efeitos na erosão da confiança e da comunidade no bem-estar humano.[11]

Economias reais na perspectiva do Donut

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Diagrama da Economia Donut que, em sua borda interna, representa as bases sociais (das quais nenhuma foi atingida); e, em sua borda externa, os tetos ecológicos (dos quais quatro já foram ultrapassados).

Kate Raworth explica que a economia donut se baseia na premissa de que "o desafio da humanidade no século XXI é atender às necessidades de todos dentro das possibilidades do planeta. Em outras palavras, assegurar que ninguém fique aquém do essencial para a vida (de alimentação e moradia a saúde e voz política), ao mesmo tempo em que devemos garantir que, coletivamente, não excedamos nossa pressão sobre os sistemas de suporte à vida na Terra, dos quais dependemos fundamentalmente - tais como um clima estável, solos férteis e uma camada protetora de ozônio. O Donut das fronteiras sociais e planetárias é uma nova maneira de enxergar esse desafio e atua como uma bússola para o progresso humano neste século."[12]Apoiando-se nos estudos das geociências e da economia, Raworth mapeia as deficiências sociais[13] e sobrecargas dos sistemas terrestres.[14][15][16]

Raworth afirma que "um crescimento significativo do PIB é muito necessário" para que os países de baixa e média renda possam atingir as metas dos alicerces sociais para seus cidadãos.[17]


A estrutura Donut foi usada para mapear o desempenho socioambiental localizado na Bacia do Lago Erhai (China),[18] na Escócia,[19] no País de Gales,[20] no Reino Unido,[21] na África do Sul,[22] na Holanda,[23] na Índia,[24][25][26] globalmente[27][28][29] e muitos outros.[30]

Em abril de 2020, Kate Raworth foi convidada a participar do planejamento econômico pós-pandemia na cidade de Amsterdã.[31]

Um estudo empírico que aplicou o modelo donut em várias economias mostrou que em 2018 nenhum dos 150 países avaliados foi capaz de, simultaneamente, satisfazer as necessidades básicas de seus cidadãos e manter um nível sustentável de uso de recursos.[32]

O economista sérvio-americano Branko Milanovic afirmou que, para economia donut se tornar popular, as pessoas teriam que "magicamente" se tornar "indiferentes à nossa qualidade de vida em comparação com os outros, e realmente não se importar com riqueza e renda." [17]

Referências

  1. Raworth, Kate (2012). A Safe and Just Space for Humanity: Can We Live within the Doughnut? (PDF). Col: Oxfam Discussion Papers. [S.l.: s.n.] 
  2. Monbiot, George (12 de abril de 2017). «Finally, a breakthrough alternative to growth economics – the doughnut». The Guardian. ISSN 0261-3077. Consultado em 5 de janeiro de 2019 
  3. a b Raworth, Kate (1 de maio de 2017). «A Doughnut for the Anthropocene: humanity's compass in the 21st century». The Lancet Planetary Health (em inglês). 1 (2): e48–e49. ISSN 2542-5196. PMID 29851576. doi:10.1016/S2542-5196(17)30028-1 
  4. Raworth, Kate (28 de abril de 2017). «Meet the doughnut: the new economic model that could help end inequality». World Economic Forum. Consultado em 4 de janeiro de 2019 
  5. Raworth, Kate (2012). A Safe and Just Space for Humanity: Can We Live within the Doughnut? (PDF). Col: Oxfam Discussion Papers. [S.l.: s.n.] Consultado em 22 de abril de 2021. Cópia arquivada (PDF) em 23 de maio de 2021 
  6. Climate change: Understanding Rio+20 Arquivado em 4 abril 2012 no Wayback Machine UN Office for the Coordination of Humanitarian Affairs, ITIN, 3 April 2012.
  7. a b c Raworth, Kate (2017). Doughnut Economics: Seven Ways to Think Like a 21st Century Economist. Vermont: White River Junction. ISBN 9781603586740. OCLC 961205457 
  8. Molinsky, Andrew L.; Grant, Adam M.; Margolis, Joshua D. (setembro de 2012). «The bedside manner of homo economicus: How and why priming an economic schema reduces compassion». Organizational Behavior and Human Decision Processes. 119 (1): 27–37. ISSN 0749-5978. doi:10.1016/j.obhdp.2012.05.001 
  9. Frank, Robert H. (2014). «Does studying economics inhibit cooperation?». What Price the Moral High Ground?. [S.l.]: Princeton University Press. pp. 155–178. ISBN 978-1-4008-3391-7. doi:10.1515/9781400833917.155 
  10. Frank, Björn; Schulze, Günther G (setembro de 2000). «Does economics make citizens corrupt?». Journal of Economic Behavior & Organization. 43 (1): 101–113. ISSN 0167-2681. doi:10.1016/s0167-2681(00)00111-6 
  11. Bauer, Monika A.; Wilkie, James E. B.; Kim, Jung K.; Bodenhausen, Galen V. (16 de março de 2012). «Cuing Consumerism». Psychological Science. 23 (5): 517–523. ISSN 0956-7976. PMID 22427388. doi:10.1177/0956797611429579 
  12. Raworth, Kate (28 de abril de 2013). «What on Earth is the Doughnut?…». Kate Raworth 
  13. Stiglitz, Joseph E. (c. 2009). Report by the Commission on the Measurement of Economic Performance and Social Progress. [S.l.: s.n.] OCLC 837677596 
  14. World Wide Fund for Nature. Living planet report. [S.l.]: WWF-World Wildlife Fund for Nature. OCLC 271397636 
  15. Berger, A. (23 de agosto de 2002). «Climate: An Exceptionally Long Interglacial Ahead?». Science. 297 (5585): 1287–1288. ISSN 0036-8075. PMID 12193773. doi:10.1126/science.1076120 
  16. Young, Oran R.; Steffen, Will (2009), «The Earth System: Sustaining Planetary Life-Support Systems», ISBN 978-0-387-73032-5, Springer New York, Principles of Ecosystem Stewardship: 295–315, doi:10.1007/978-0-387-73033-2_14 
  17. a b Nugent, Ciara. «Amsterdam Is Embracing a Radical New Economic Theory to Help Save the Environment. Could It Also Replace Capitalism?». Time 
  18. Cooper, Gregory S.; Dearing, John A. (fevereiro de 2019). «Modelling future safe and just operating spaces in regional social-ecological systems». Science of the Total Environment. 651 (Pt 2): 2105–2117. Bibcode:2019ScTEn.651.2105C. ISSN 0048-9697. PMID 30321732. doi:10.1016/j.scitotenv.2018.10.118Acessível livremente 
  19. Sayers, M. and Trebeck, K. (2014) The Scottish Doughnut: a safe and just operating space for Scotland. Oxford: Oxfam GB.
  20. Sayers, M. and Trebeck, K. (2015) The Welsh Doughnut: a framework for environmental sustainability and social justice. Oxford: Oxfam GB.
  21. Sayers, M. and Trebeck, K. (2015) The UK Doughnut: a framework for environmental sustainability and social justice. Oxford: Oxfam GB.
  22. Cole, M. (2015) Is South Africa Operating in a Safe and Just Space? Using the Doughnut model to explore environmental sustainability and social justice. Oxford: Oxfam GB.
  23. «The Amsterdam City Donut: a tool for transformative action.» (PDF). kateraworth.com. 2020 
  24. Roy, Ajishnu; Pramanick, Kousik (2020), Hussain, Chaudhery Mustansar, ed., «Safe and Just Operating Space for India», ISBN 978-3-319-58538-3, Cham: Springer International Publishing, Handbook of Environmental Materials Management (em inglês): 1–32, doi:10.1007/978-3-319-58538-3_210-1, consultado em 17 de abril de 2022 
  25. Roy, Ajishnu; Pramanick, Kousik (15 de fevereiro de 2019). «Analysing progress of sustainable development goal 6 in India: Past, present, and future». Journal of Environmental Management (em inglês). 232: 1049–1065. ISSN 0301-4797. PMID 33395757. doi:10.1016/j.jenvman.2018.11.060 
  26. Cooper, Gregory S.; Dearing, John A. (15 de fevereiro de 2019). «Modelling future safe and just operating spaces in regional social-ecological systems». Science of the Total Environment (em inglês). 651 (Pt 2): 2105–2117. Bibcode:2019ScTEn.651.2105C. ISSN 0048-9697. PMID 30321732. doi:10.1016/j.scitotenv.2018.10.118 
  27. Roy, Ajishnu; Basu, Aman; Dong, Xuhui (janeiro de 2021). «Achieving Socioeconomic Development Fuelled by Globalization: An Analysis of 146 Countries». Sustainability (em inglês). 13 (9). 4913 páginas. ISSN 2071-1050. doi:10.3390/su13094913Acessível livremente 
  28. Fanning, Andrew L.; O’Neill, Daniel W.; Hickel, Jason; Roux, Nicolas (janeiro de 2022). «The social shortfall and ecological overshoot of nations». Nature Sustainability (em inglês). 5 (1): 26–36. ISSN 2398-9629. doi:10.1038/s41893-021-00799-z. Cópia arquivada em 25 de novembro de 2021 
  29. O’Neill, Daniel W.; Fanning, Andrew L.; Lamb, William F.; Steinberger, Julia K. (fevereiro de 2018). «A good life for all within planetary boundaries». Nature Sustainability (em inglês). 1 (2): 88–95. ISSN 2398-9629. doi:10.1038/s41893-018-0021-4 
  30. Fang, Xuening; Wu, Jianguo; He, Chunyang (1 de fevereiro de 2021). «Assessing human-environment system sustainability based on Regional Safe and Just Operating Space: The case of the Inner Mongolia Grassland». Environmental Science & Policy (em inglês). 116: 276–286. ISSN 1462-9011. doi:10.1016/j.envsci.2020.12.007 
  31. Raworth, Kate (8 de abril de 2020). «Introducing the Amsterdam City Doughnut». Kate Raworth 
  32. Daniel W. O’Neill; Andrew L. Fanning; William F. Lamb; Julia Steinberger (2018). «A good life for all within planetary boundaries» (PDF). Nature Sustainability. 1 (2): 88–95. ISSN 2398-9629. doi:10.1038/s41893-018-0021-4. Consultado em 13 de setembro de 2020. Cópia arquivada (PDF) em 28 de abril de 2019