Aula 12

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A Velha Guarda da

Metodologia
Econômica
12ª aula de Metodologia da Análise Econômica
O método de Nassau Senior,
Stuart Mill e
John Cairnes
Nassau Senior, Stuart Mill e John
Cairnes
 Em que pese Adam Smith tenha escrito sobre o método científico em sua História da
astronomia e muito embora, ao longo do desenvolvimento da escola clássica,
deparemos com algumas controvérsias metodológicas (como aquelas que
envolveram Ricardo e Malthus), a discussão mais sistemática sobre o método da
economia surge apenas com os trabalhos de Nassau Senior, Stuart Mill e John
Cairnes.

 Nesses trabalhos, seus autores procuram responder a duas perguntas fundamentais:

Qual é o objeto da investigação da economia política?

Qual método é empregado por ela?


Metáfora dos muros que cercam
uma cidade...
 O desenvolvimento tardio da análise desses problemas é explicado, pelo
próprio Mill, com o auxílio de uma bela metáfora, encontrada na introdução
de seu ensaio metodológico: da mesma forma que os muros que cercam uma
cidade são construídos somente após o desenvolvimento da mesma, também
a ciência não segue de um plano pré-estabelecido.

 Apenas quando parte de seus resultados já forem conhecidos temos


condições de buscar uma definição que circunscreva, de forma satisfatória, a
natureza da investigação científica existente.
Teoria econômica pura e a arte
 Sendo assim, nenhum autor é mais indicado para a tarefa de definir o objeto de
investigação e o método da economia do que o próprio Stuart Mill, que, além de
sistematizar o edifício teórico ricardiano, também foi importante filósofo.

 Além de Mill, pouco antes, Nassau Senior também percebera a necessidade de


explicitar o objeto de investigação e o método utilizado pela ciência econômica.

 Como Mill, Senior acreditava que boa parte das críticas dirigidas à economia
clássica seriam derivadas da confusão entre a teoria econômica pura e a arte das
decisões governamentais.

 Esta última, embora leve em conta as relações econômicas, engloba diversas


outras disciplinas, de modo que as incertezas provenientes das limitações de tal
arte não poderiam ser atribuídas àquela ciência.
Ataques empíricos e teóricos
 A despeito dessa linha de defesa, o sistema teórico ricardiano, já maduro, sofria
vários ataques, tanto de natureza empírica (como o fracasso de suas previsões
sobre a taxa declinante de lucro ou aquelas referentes às previsões malthusianas
sobre população) quanto teórica (como a nova teoria do valor surgida na Revolução
Marginalista e as críticas dos historicistas).

 Esses ataques estimularam naturalmente a discussão metodológica e, sob o cerco


dessas críticas, Cairnes, o último dos autores clássicos, sistematizará o
pensamento metodológico de Senior e Mill.

 Embora a escola clássica tenha entrado em declínio desde então, a metodologia


criada por esses autores transcenderá a teoria ricardiana, exercendo significativa
influência no paradigma da ciência econômica que se consolidaria no século XX.

 Vejamos então os principais aspectos dessa tradição metodológica.


Nassau William Senior (1790-1864)
 Assessor do governo inglês ao longo de várias décadas, o advogado Nassau Senior acabou
dedicando-se ao campo da economia.

 Foi aluno de Richard Whately, pensador famoso por sua crítica à teoria do valor-trabalho, com o
qual se manteve ligado por laços de amizade ao longo da vida.

 Senior foi eleito para ocupar a cadeira de economia política na Universidade de Oxford, onde
permaneceu de 1825 a 1830, e novamente de 1847 a 1852. Ele tornou-se um bom amigo de
Alexis de Tocqueville, o famoso autor de Democracia na América.

 Senior escreveu diversos artigos nas mais prestigiadas revistas de economia da época, como
Quarterly Review, Edinburgh Review e London Review. Embora tenha sido um dos economistas
clássicos mais originais, antecipando, em sua obra, vários elementos que iriam se fixar na
teoria moderna, em oposição à ortodoxia ricardiana, Senior é um autor relativamente
negligenciado na história do pensamento econômico.

 Mas ele foi considerado por Schumpeter como o primeiro teórico puro da economia, o autor que
buscou cuidadosamente explicitar os axiomas fundamentais a partir dos quais a teoria
econômica seria construída. Ele morreu em Kensington em 1864.
Esboço da teoria econômica
 Seu Esboço da teoria econômica começa com a explicitação do objeto de estudo da
teoria econômica pura e das suas premissas básicas.

 Para Senior, a economia seria a ciência que trata da natureza, produção e distribuição
da riqueza.

 A economia é definida de forma a abarcar todo objeto suscetível de trocas ou,


alternativamente, todo objeto que apresente valor.

 Para que tenha valor e seja passível de trocas, um objeto deve apresentar três
condições:

a) deve ser passível de ter sua propriedade transferida entre indivíduos;

b) deve existir em quantidade limitada e

c) que tenha utilidade, ainda que de forma indireta.


Nova definição de riqueza

 Note que essa definição de riqueza, que enfatiza utilidade e escassez em vez de

custo de produção, como na teoria ricardiana então prevalecente, não se

restringe apenas a bens materiais, mas inclui também os serviços.

 Estes últimos se referem ao caso no qual a nossa atenção não é voltada para o

objeto trocado em si, mas ao ato de modificação dos mesmos.


Definido o objeto da teoria econômica, o autor
explicita seus quatro postulados ou axiomas básicos:

1) Todo homem deseja obter riqueza adicional com o menor sacrifício possível;

2) A população mundial é limitada pelos fatores que influenciam as taxas de


natalidade e mortalidade e pelo temor de redução do padrão de vida ao qual as
pessoas estão acostumadas (redução devida ao maior número de filhos);

3) A produtividade do trabalho pode ser aumentada indefinidamente pelo


aumento do uso de bens de capital;

4) Na agricultura, considerando fixa a tecnologia empregada, o trabalho


apresenta produto marginal declinante (ou seja, com terra constante,
aumentos na quantidade de trabalhadores não geram aumentos proporcionais
na produção).
Os 3 primeiros postulados
 O primeiro postulado diz respeito ao pressuposto comportamental de
maximização de benefícios líquidos (descontados os custos). Senior procura
interpretar o princípio de forma mais abrangente possível, incluindo todo tipo de
motivação no processo de avaliação das escolhas.

 O segundo postulado relativiza o princípio da população de Malthus, enfatizando


os fatores que se contrapõem à previsão sobre o esgotamento dos recursos.

 O terceiro axioma trata do aumento da produtividade do trabalho derivado do


acúmulo de capital e o último expõe o princípio do retorno decrescente do
trabalho que dá base à teoria clássica da renda da terra, salientando, porém, a
existência de progresso técnico que se opõe à essa queda de produtividade,
aspecto esse subestimado por Ricardo e Malthus.
Proposições elementares evidentes
 Para Senior, todos os resultados da teoria econômica pura seriam deduzidos
desses postulados básicos. Assim, a economia científica deve ser caracterizada
como uma disciplina dedutiva.

 Para que suas conclusões sejam verdadeiras, porém, não basta que as
inferências dedutivas sejam válidas, mas é crucial que as premissas estejam
corretas.

 Para Senior, este seria o caso, uma vez que as proposições elementares da
ciência econômica, listadas acima, seriam evidentes, não requerendo provas
adicionais.

 A primeira delas seria obtida por introspecção (todo indivíduo reconhece


imediatamente os fatos básicos da psicologia humana) e as três últimas seriam
resultado da observação.
Senior e a dualidade do método

 Senior foi um defensor da dualidade do método.

 Ao contrário das ciências físicas, que utilizam premissas hipotéticas e


derivadas da observação, a economia, como uma “ciência mental”,
baseia suas conclusões em premissas familiares a todo ser humano.

 Essa vantagem, porém, deve ser contrastada com a desvantagem dada


pela profusão de causas atuando simultaneamente sobre os fenômenos
econômicos e a impossibilidade de realizarem-se experimentos
controlados.
John Stuart Mill (1806-1873)
 Stuart Mill tornou-se o mais influente economista clássico após Ricardo.

 Filho de James Mill, notável economista, ele seguiu as influências do pai na formulação de suas

ideias.

 O desenvolvimento pessoal de Mill, desde a infância, deve-se a um cuidadoso projeto pedagógico.

 Até os 28 anos de idade, manteve-se inteiramente imerso na visão da economia política e na

doutrina ética do utilitarismo. Depois, sua vida conhece um período conturbado, no qual as

crenças e os valores passados são revistos e parcialmente alterados.

 Paralelamente ao emprego estável na carreira do serviço público, manteve-se em intensa

atividade intelectual, atraído tanto pela lógica, em que procurou conciliar a lógica indutiva com a

experimentação, quanto pela economia política.

 Na primeira área, publica em 1843 o livro Sistema de lógica e na outra área, cinco anos depois,

sua obra máxima em economia, os Princípios de economia política.


Mais do que um economista...
 Exerceu influência marcante, em sua na trajetória intelectual, a figura feminina de Harriet Taylor, seu
amor platônico com o qual acabou se casando depois que ela ficou viúva.

 A esposa intensificou nele o interesse pela bandeira do feminismo e também pelas causas humanitárias.

 Mill tornou-se membro do Parlamento Britânico, onde pôde promover algumas das medidas que
advogava.

 Mill não se destacou apenas como economista, seus escritos cobrem diversas áreas ligadas ao estudo
da filosofia moral, na qual faz uma revisão do utilitarismo ético, à discussão do conceito de liberdade e
de representatividade no sistema democrático etc.

 Ao contrário da crença popular, que o retrata como mero expositor das ideias ricardianas, podemos
encontrar, em seu tratado de economia, vários aspectos que antecipam a teoria moderna, como a
percepção da demanda e da oferta como funções dependentes dos preços.

 Suas teses sobre o método da economia científica, além disso, fornecem a base do pensamento
metodológico que permanece bem além do declínio da economia clássica, obtendo o apoio de adeptos
até o presente.
“Da definição de economia política e do método
de investigação próprio a ela” (1836) e
“Um sistema de lógica” (1843)

 Teses semelhantes a de Senior são defendidas por John Stuart Mill

 Mill afigura-se a principal autoridade em metodologia da economia no

período clássico

 A fama deve-se a seu artigo Da definição de economia política e do método

de investigação próprio a ela e na sexta e última parte do livro Um sistema

de lógica.
Sobre o célebre ensaio
metodológico
Na primeira parte se seu artigo, dedicada à definição do objeto de estudo da economia,
Mill trabalha por aproximações.

 Em primeiro lugar, o autor rejeita as definições que incluam conjuntos de regras práticas
para a condução de políticas públicas que levem ao enriquecimento de uma nação, pois
estas fazem parte de disciplina mais bem classificada como arte, em contraposição às
ciências puras, que procuram explicar classes particulares de fenômenos existentes no
mundo.

 A segunda aproximação, que sugere definir a economia como a ciência que trata da
produção, distribuição e consumo de riqueza, é rejeitada por ser muito ampla, pois
incluiria, entre outras disciplinas, a engenharia.

 Deve-se então separar as ciências físicas das psicológicas ou morais, sendo a economia
pertencente ao segundo grupo. Mill restringe ainda mais a definição, considerando
apenas a atividade produtiva em seu aspecto social.
Definição da economia política

 Levando em conta essas considerações, Mill propõe sua definição final da


economia política, que reflete a preocupação clássica com a produção e a
distribuição de riqueza material:

“A ciência que traça as leis daqueles fenômenos da sociedade que se


originam das operações combinadas da humanidade para a produção da
riqueza, na medida em que aqueles fenômenos não sejam modificados pela
procura de qualquer outro objeto.”
Homo economicus
 Mill restringe os estudos econômicos a uma classe particular de atividades –
aquelas associadas ao comportamento motivado pela busca de riqueza material.

 Em contraste com Senior, que procura interpretar o comportamento econômico de


forma mais ampla, Mill confina a análise à busca de riqueza em sentido estrito.

 Surge assim o conceito de Homo economicus, embora essa expressão apareça


apenas mais tarde: o indivíduo motivado exclusivamente pelo ganho.

 Como tal conceito foi (e ainda é) alvo de críticas, é necessário atentarmos para o
significado que o autor lhe dá.

 Mill não nega a existência ou a importância de outro tipo de motivação que não a
estritamente econômica – restrita na definição milliana à busca de riqueza.
Tampouco advoga a tese de que os indivíduos são ou deveriam ser egoístas.
Vale a pena citar o próprio autor:

“Não há talvez uma única ação na vida de um homem em que ele não
esteja sob a influência, imediata ou remota, de algum impulso que não seja
o simples desejo de riqueza. Sobre esses atos a economia política nada tem
a dizer. Mas há também certos departamentos dos afazeres humanos nos
quais a obtenção de riqueza é o fim principal e reconhecido. A economia
política leva em conta unicamente estes últimos.”
Isolar uma motivação particular

 Diante da profusão de fatores que afetam o comportamento humano, o


que Mill pretende é isolar uma motivação particular com o propósito de
traçar, de forma clara, quais consequências poderiam ser deduzidas desse
único fator, do mesmo modo que um físico, que trabalha inicialmente com
modelo de mecânica sem atrito para somente depois considerar os efeitos
desse fator ou da resistência do ar.
O papel do fator isolado

 Mill não afirma que o fator isolado constitua uma motivação mais ou menos nobre,
mas apenas um fator importante: em geral, apenas depois de satisfazer necessidades
mais básicas pode-se dedicar a tarefas mais sutis.

 Dito isso, a definição milliana, de fato, restringe desnecessariamente a economia


científica ao estudo de um tipo particular de motivação.

 No desenvolvimento subsequente da teoria econômica, esse procedimento será


abandonado em favor de uma definição que se abstém de especificar um tipo
particular de motivação em favor de uma análise que requer apenas que os indivíduos
possuam propósitos concorrentes, não importando a natureza dos mesmos.
Aversão ao trabalho e desejo da
satisfação
 Para Mill, a economia deve ainda considerar duas forças que se opõem à
motivação original por ganho material: aversão ao trabalho e “o desejo da
satisfação presente de indulgências dispendiosas”.

 De posse desse conjunto de motivação, o analista é capaz de asseverar o


comportamento do agente econômico diante de diferentes alterações nos
incentivos impostos pelo ambiente econômico em que vive.

 Em termos concretos, o economista poderia, por exemplo, prever que tipo de


efeito se segue de uma mudança na estrutura tributária do país, dada a
hipótese de que seus habitantes procuram maximizar seu ganho.
O método praticado na economia
científica
 Depois de estudar a delimitação milliana do campo de atuação da teoria
econômica pura, examinemos a opinião do autor sobre o método
praticado por essa ciência.

 Como Senior, Mill acredita que a economia segue um método particular.

 Antes de considerar-se tal método, consideremos, por um instante, suas


crenças metodológicas gerais.
Mill e a tradição filosófica empirista

 Mill é um importante membro da tradição filosófica empirista predominante


na Inglaterra e, como tal, é um defensor do programa baconiano: a ciência
deve partir da observação dos fatos livres de distorções e suas leis são
obtidas por indução a partir desse material empírico.

 Em Um sistema de lógica, Mill procura sistematizar em cinco métodos as


formas de inferência indutiva disponível para a justificação do
conhecimento.
O método da concordância

 Imagine que os fatores A, B, C, ... sejam apontados como possíveis


causas dos fenômenos a, b, c, ...

 Como ilustração, os primeiros podem ser substâncias testadas como


remédios e os últimos sintomas apresentados por diversos pacientes.

 O primeiro método, o método da concordância, afirma que a causa


possível de um fenômeno é o único antecedente comum a todos os
casos.
caso 1: ABCD ..............abc
caso 2: AEF ...............afg
O método das diferenças, por sua vez, afirma que a ausência de
um fator acompanhada pela desaparecimento do fenômeno
estudado indica que tal fator é sua causa:

caso 1: ABCD ..............abcd


caso 2: BCD ................bcd
O método conjunto da concordância e diferença, por sua vez,
combina os dois procedimentos anteriores, estabelecendo
novamente A como causa possível de a:

caso 1: ABC .........abc


caso 2: ADE ........afg
caso 3: BC .............bc
O método dos resíduos elimina fatores gerados por induções
prévias. Se já sabemos que B causa b, então o caso abaixo
permite concluir que A e “a” estão relacionados:

caso 1: AB ..........ab
Finalmente, temos o método das variações
concomitantes, no qual percebemos que
variações na quantidade (ou intensidade) do
fator A é acompanhado pela variação
proporcional de “a”, permitindo a suspeita de
relação de causação entre A e “a”:

caso 1: AABC.........aaaBC
caso 2: ABC ...........abc
O método a priori

 Para Mill, embora a observação seja seguida de generalização indutiva, o


que o autor denomina método a posteriori, seja a base para a expansão
do conhecimento científico, a economia apresentaria peculiaridades que
tornam tal método inaplicável, de modo que em seu lugar usa-se o
método a priori, que parte da postulação de hipóteses básicas, a partir das
quais são realizadas inferências dedutivas.
Quais são essas peculiaridades da
economia científica?
 É central, no pensamento de Mill, o reconhecimento da complexidade dos
assuntos tratados por essa disciplina.
 Em uma ciência que trata de fenômenos complexos, operam
simultaneamente uma infinidade de fatores, inviabilizando a aplicação dos
métodos indutivos listados acima.
 Os fenômenos econômicos, por exemplo, supõem fenômenos de origem
mental. Estes, por sua vez, dependem de leis biológicas, que por sua vez
dependem de aspectos químicos e físicos, de modo que o mais simples dos
fenômenos da economia é sempre sujeito a uma composição de
inumeráveis fatores, os quais, em conjunto, determinam o fenômeno
econômico estudado.
Implicações da complexidade
 A complexidade derivada dessa profusão de causas, nota Mill, conspira contra
a detecção de experimentos cruciais que permitam ao economista avaliar uma
teoria com base na observação.

 Mill toma como exemplo a teoria das vantagens comparativas de Ricardo. Para
testá-la empiricamente, precisaríamos encontrar dois países idênticos em tudo
(língua, leis, crenças, história, instituições políticas, etc.) a não ser por sua
política comercial: sendo um desses países praticante do livre-comércio e o
outro protecionista.

 Assim, poderíamos atribuir a esse fator a observada diferença de prosperidade


observada a partir da adoção de uma dessas políticas comerciais alternativas.
Experimentos controláveis em
economia
Algumas dificuldades se impõem a essa possibilidade: ao contrário de boa
parte das ciências físicas (com a exceção de áreas como a astronomia), não é
possível realizar experimentos controláveis: se a resistência do ar influenciar
a queda dos corpos, poderíamos isolar seu efeito através de um experimento
realizado em um tubo com ar rarefeito, ao passo que não podemos alterar as
leis de um país ao bel prazer do analista.

 Como não é possível realizar experimentos controláveis, não temos


experimentos cruciais que decidam as controvérsias.

 Note que estamos apenas reproduzindo o que seria o raciocínio de Mill. Pois,
experimentos cruciais podem ser feitos em economia, por exemplo, em
clínicas de laboratório em que as pessoas são submetidas a um experimento
econômico.
Variáveis verdadeiramente
independentes

 Mas, mesmo que isso fosse possível, ainda assim logicamente seria

impossível realizar o teste, pois se dois países fossem idênticos em tudo, suas

políticas comerciais também deveriam ser idênticas, a menos que estas não

possuam causas.

 Em outros termos, nesse nível de generalidade não seria possível encontrar

conjunto de variáveis verdadeiramente independentes entre si.


Economia como geometria

 Vedado o método a posteriori, resta ao economista partir de hipóteses


simplificadas e deduzir delas seus resultados.

 Em vez de partir do caos da realidade observável, o analista parte de um


conjunto pequeno de hipóteses fundamentais.

 A economia seria, desse modo, composta por teoremas deduzidos dessas


hipóteses, como os teoremas da geometria, que se seguem das noções
fundamentais dessa disciplina.
Homo economicus

 Assim como a geometria parte de hipóteses iniciais que não são

derivadas da observação, como pontos e retas (os triângulos do mundo

real raramente se parecem com os triângulos ideais supostos pela

geometria), também a economia científica partiria de hipóteses e não de

fatos, como a ficção do Homo economicus.


Causas perturbadoras

 Assim, além de a priori, a economia é caracterizada por Mill como uma ciência abstrata.

 Seus resultados são sempre certos se os fatores salientados pela análise forem os únicos

atuantes.

 Nos casos concretos, por outro lado, isso nunca ocorre. Sempre teremos a coexistência de

causas perturbadoras atuando simultaneamente sobre o fenômeno.

 Estas, em conjunto, podem gerar um efeito contrário àquele previsto pela teoria abstrata.
Teste de aplicabilidade

 Nesse caso, a teoria não é invalidada: apenas a aplicabilidade da mesma

ao caso concreto é verificada.

 O papel da história seria então o de verificar a aplicabilidade dos

pressupostos básicos ao caso em pauta.


Leis de tendências
 As previsões realizadas por uma teoria abstrata, por sua vez, devem ser entendidas
apenas como leis de tendências e não como algo que possa ser utilizado para testar
a teoria.
 As previsões do sistema ricardiano, relativas ao declínio da taxa de lucro e ao
aumento da renda da terra, seriam rigorosamente verdadeiras desde que outros
fatores não atuem simultaneamente, como variações na produtividade da
agricultura derivadas de progresso tecnológico.
 Na moderna teoria dos preços, de forma análoga, a proposição de que imposições
governamentais de preços máximos em mercados competitivos geram excessos de
demanda não pode ser rejeitada pela observação de um controle que não gerou
filas, pois, as curvas de demanda ou de oferta podem ter se deslocado, sob a
influência dos inúmeros fatores que determinam essas curvas, como renda,
preferências, tecnologias e assim por diante, de modo que o novo equilíbrio se situe
abaixo do preço máximo permitido. As leis da economia, devido à ação conjunta das
causas perturbadoras, deveriam sempre ser enunciadas como leis de tendência:
Um sistema de lógica

 As teses sobre a metodologia da economia de Mill são retomadas na sexta


parte de seu Um sistema de lógica, na qual são discutidas as
peculiaridades metodológicas das ciências sociais em geral, não apenas da
economia.

 O esquema explanatório do autor concebe certa hierarquia de ciências


segundo um progressivo grau de complexidade, das ciências físicas até as
ciências sociais, passando pelas disciplinas psicológicas.
Leis e livre-arbítrio
 Mill inicia sua discussão criticando a tese de que o livre-arbítrio do
homem impede que se concebam leis as quais os seres humanos
estariam sujeitos, pois, se isso ocorresse não seria possível a existência
de ciências sociais diferentes da história pura, que trataria cada conjunto
de eventos como algo único, não sujeito a regularidades.
 Para Mill, as ciências sociais são possíveis, mas suas leis não teriam um
caráter exato, dada a confluência de múltiplas causas.
 Elas seriam como a ciência das marés, que é capaz de identificar forças
principais, como a atração da Lua, mas não é ciência exata, pois a forma
do fundo do oceano, entre outras coisas, também afeta o fenômeno.
 As ciências sociais, por seu turno, devem levar em conta as causas
consideradas pela psicologia e ciências correlatas.
Etologia

 Derivada das leis empíricas da psicologia, teríamos a etologia: a disciplina

que estuda a formação do caráter, individual e nacional, que depende

evidentemente, em número muito grande, de acidentes históricos.

 As leis etológicas seriam assim dedutivas, formadas como um sistema de

corolários a partir de pressupostos psicológicos.

 Suas leis são apenas de tendência, como, por exemplo, “a força física de um

indivíduo gera coragem” ou “a experiência gera sabedoria”, que seriam leis

exatas, válidas apenas na ausência de fatores perturbadores.


Por fim, teríamos as ciências sociais, que tratam de fenômenos
infinitamente mais complexos que os de ciências como a
astronomia:

“As circunstâncias, pelo contrário, que influenciam o estado e o

progresso da sociedade são inumeráveis e estão para sempre mudando;

e embora todas elas se alterem obedecendo suas causas, e portanto as

leis, a multiplicidade de causas é tão grande que desafiam nossos

poderes limitados de cálculo.”


Método dedutivo concreto
 As ciências sociais seriam então praticadas segundo o mesmo método
descrito acima, método esse denominado por Mill de “dedutivo
concreto”.
 Antes de descrever o método correto, Mill critica o errôneo uso dos
métodos “geométrico”, segundo o qual apenas uma causa opera sobre o
fenômeno estudado, e “químico”, que usaria (no tempo de Mill) apenas
técnicas experimentais.
 O primeiro só seria aplicável às ciências de fenômenos relativamente
mais simples e o segundo tende a cometer a falácia da falsa causa (post
hoc, ergo prompter hoc), pois, dois fenômenos que se seguem um do
outro não necessariamente estão relacionados de forma causal.
Individualismo metodológico

 Ao rejeitar o método químico, Mill efetua uma breve defesa do princípio


do individualismo metodológico, que estudaremos com mais detalhe em
capítulos posteriores.
 Ao contrário dos fenômenos químicos, para os quais a interação entre
substâncias pode gerar algo qualitativamente diferente de cada um dos
componentes de uma reação, as leis da sociedade seriam consequência
das leis psicológicas e etológicas que afetam os indivíduos.
“Os homens não são, quando em sociedade, convertidos em outro tipo
de substância, com propriedades diversas”.
 Pode-se assim compor efeitos de diversas causas especificadas por cada
fator salientado por alguma ciência social.
Uso da matemática nas ciências
sociais
 Por fim, devemos mencionar a discussão contida no livro de Mill a
respeito dos limites do uso da matemática nas ciências, tópico que
ganhará significativa importância nas décadas seguintes.
 A escola clássica para qual Mill contribuiu, como sabemos, expunha
suas doutrinas sem o uso de aparato matemático.
 Mill buscará justificar a exclusão dessa ferramenta em ciências como
a economia. Para o autor, a matemática seria inaplicável em
disciplinas que tratam de fenômenos muito complexos, como a
economia, pois, o uso de equações implicaria no conhecimento dos
valores concretos das variáveis contidas nas teorias.
Três motivos são listados para a
exclusão da matemática:
i. As inúmeras causas de um fenômeno não podem ser todas observadas;

ii. Essas múltiplas causas interagem entre si e

iii. Estão em estado de perpétuo fluxo. Assim, Mill fala nos seus Princípios em
metáfora de uma equação de demanda em função do preço, em vez de
trabalhar com a referida equação: a cada instante teríamos valores
diferentes e, portanto, equações diferentes.
O caráter e o método lógico da
economia política
 A defesa da “economia literária” dos clássicos, em contraposição à nova
economia formalizada, também aparecerá no prefácio da segunda edição, de
1875, de O caráter e o método lógico da economia política, de John Elliott
Cairnes.
 Amigo de Jevons, um dos participantes da Revolução Marginalista que destronará
a economia clássica, Cairnes é tido como o último dos autores clássicos.
 Para Cairnes, embora a matemática possa ser útil para expor alguns conceitos
econômicos, não seria apropriada como mecanismo de descoberta de novas
verdades. A economia, como ciência que parte tanto de premissas mentais
quanto físicas, poderia tirar partido da matemática apenas se os sentimentos
admitissem quantificação precisa ou se pudesse dispensar o uso de variáveis de
natureza mental.
John Elliot Cairnes (1823-1875)

 O irlandês Cairnes foi um homem de negócios bem sucedido. Além de grande


capacidade empresarial, era interessado em filantropia.
 Estudou direito, mas não sentia forte inclinação para a profissão de advogado.
 Durante alguns anos, ele ocupou-se em escrever para a imprensa diária,
opinando sobre questões sociais e econômicas que afetavam seu país.
 Ele dedicou atenção à economia política, estudo-a com grande rigor e cuidado.
Tornou-se amigo de Whately, a quem sucederia na cadeira de economia política
em Dublin.
 Em 1857, lançou o Método lógico da economia política, no qual amplia o
tratamento metodológico de Stuart Mill.
 Sua próxima contribuição para a ciência econômica foi uma série de artigos sobre
a questão do ouro, nos quais examinou as prováveis ​consequências do aumento
da oferta de ouro graças às descobertas de jazidas australianas e californianas.
 Em 1861, Cairnes foi nomeado para o cargo de professor de jurisprudência e
economia política no Queens College e, no ano seguinte, ele publicou uma obra
admirável sobre a mão de obra escrava, um tratado em filosofia econômica
aplicada.
 As desvantagens inerentes ao emprego de trabalho escravo foram expostas
com grande habilidade.
 Sua saúde, que já não era muito boa, enfraqueceu-se após uma queda de
cavalo.
 Em 1866, foi nomeado professor de economia política no University College de
Londres. Por motivo de saúde, ele foi obrigado a passar dois anos na Itália, mas
em seu retorno continuou a lecionar até 1872.
 Sua saúde leva-o a renunciar ao cargo em 1872, e aposenta-se então com o
título honorífico de professor emérito de economia política.
 Cairnes foi o último defensor da economia política clássica, sustentando teses
que estavam caindo em descrédito, como o sistema ricardiano e a doutrina do
fundo de salários. Seu tratado metodológico foi o primeiro livro de metodologia
da economia que sistematiza a tradição de Senior e Mill.
Importância do tratado de Cairnes

 O Método lógico da economia política, originalmente publicado em 1857,


é importante por ser o primeiro livro dedicado à metodologia da ciência
econômica.

 Nesse trabalho, Cairnes sistematiza as principais teses que formam a


tradição metodológica clássica desenvolvida por Senior e Mill.

 Embora possa ser considerado como documento representativo dessa


tradição, podemos encontrar alguns poucos elementos originais no texto,
como, por exemplo, a tentativa de reconciliar as diferenças entre esses
dois últimos autores.
Segunda palestra

 Na segunda palestra (como são chamados os capítulos do livro), Cairnes,


ao contrário da ênfase de Senior no caráter mental da economia, enfatiza
a existência tanto de premissas físicas quanto mentais.

 Como em Mill, enfatiza-se a complexidade do objeto investigado,


derivada da existência dos incontáveis fatores de natureza não
econômica (física e mental) que influenciam os fenômenos relativos à
riqueza material.
Interpretação de Bowley (Nassau
Senior and the Classical Economics)
 Nessa palestra, Cairnes procura minimizar as diferenças entre Senior e Mill no que diz
respeito ao caráter positivo ou hipotético da disciplina.
 Como salienta Bowley, Senior busca incluir nas premissas psicológicas da economia uma
concepção mais ampla de cálculo de benefícios e custos, já que o autor possui concepção
mais próxima da atual sobre valor, calcada em utilidade.
 Mill, por outro lado, prefere a definição mais estrita do comportamento do Homo economicus,
aplicável a bens materiais apenas.
 Sendo assim, na concepção milliana teríamos outras motivações, não econômicas, atuando
simultaneamente ao desejo de obtenção de riqueza, ao passo que parte dessas
considerações seria descrita pela própria motivação econômica em Senior.
 Essa diferença, para Bowley, faz com que Mill enfatize a natureza hipotética das premissas e
Senior o caráter real, positivo, das mesmas.
 Para Cairnes, essa diferença seria apenas uma diferença de nomenclatura em relação ao uso
dos termos hipotético e positivo, conforme estes se apliquem às premissas ou às conclusões
da economia: para ambos os autores, a disciplina gera resultados hipotéticos na medida em
que sempre se fazem presentes inúmeras causas perturbadoras.
No final da segunda palestra, Cairnes expõe sua
definição da economia científica:

“A ciência que, aceitando como fatos últimos os princípios da natureza


humana e as leis físicas do mundo externo, assim como as condições políticas
e sociais das diversas comunidades de homens, investiga as leis da produção
e distribuição que resultam da operação combinada desses fatores.”
O economista inicia com o
conhecimento das causas últimas
 Nas palestras seguintes, Cairnes debruça-se sobre o problema do método da economia.
Seguindo Mill, Cairnes rejeita o método indutivo puro em favor do uso do método
dedutivo.

 As ciências físicas, para o autor, têm em seu início uma fase indutiva, mas, uma vez
obtidas algumas generalizações importantes, passa para um estágio dedutivo no qual
se exploram as consequências dessas generalizações, consequências essas testadas
por meio da sua comparação com a realidade.

 A economia, por sua vez, pode passar diretamente para o estágio dedutivo, pois, suas
premissas básicas já foram estabelecidas por outras disciplinas e tanto a familiaridade
com a psicologia humana quanto a observação tornam sem sentido o teste dessas
hipóteses fundamentais: “o economista inicia com o conhecimento das causas últimas.”
Validade no plano abstrato

 Devido ao alto grau de complexidade dos fenômenos econômicos, pois,

“os fenômenos da riqueza, tal como se apresentam a nossa observação,

estão entre os mais complicados que a indagação especulativa tem que

lidar, tampouco os resultados da ciência econômica podem ser verificados

de forma definitiva por meio da observação, já que são válidos apenas no

plano abstrato, ou seja, na ausência de causas perturbadoras.


Ideal de cientificidade

 Em uma das palestras, Cairnes dedica-se a ilustrar como o método a


priori é efetivamente aquele praticado pelos economistas.

 Podemos assim dizer que essa primeira geração de metodólogos da


economia não tinha um programa filosófico cujo objetivo seja reformar a
prática da economia, recomendando práticas pretensamente mais
condizentes com algum ideal de cientificidade.

 O objetivo era o de defender a economia de críticas externas, que seriam


derivadas da incompreensão dos problemas e métodos efetivamente
praticados pelos economistas.
Regras adequadas para a boa
ciência
 O ceticismo em relação ao conteúdo empírico testável das teorias ou o abuso
das cláusulas coeteris paribus, que se manifesta na ausência de lista
explícita de quais variáveis são consideradas constantes, irritarão os
metodólogos da primeira metade do século XX, que se dedicam ao assunto
com o propósito reformista de ditar regras adequadas para a boa ciência.

 Ainda assim, a tradição metodológica milliana influenciará vários autores


posteriores.

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