Educação Pela Tradição Oral de Matriz Africana No

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Daniela Barros Ponte

Silva Saulo Pequeno Nogueira Florencio


Patrícia Lima Martins Pederiva
Universidade de Brasília
 Foi realizada etnografia em grupos e comunidades tradicionais de matriz africana localizadas
em duas cidades do estado da Bahia, Brasil: a Casa de Oxumarê, em Salvador, e nas culturas
tradicionais como o Samba de Roda, a Chegança e a Renda de Bilros em Saubara.

 O objetivo foi investigar como acontecem os processos educativos pela oralidade e como
contribuem para a constituição humana de seus detentores.
 A educação escolarizada de característica eurocêntrica não só apresenta dificuldades de
dialogar com outras formas de conceber a educação, como também as deslegitima como
prática educativa e como possibilidade intelectual, epistemológica, corporal, cultural,
cosmológica e afetiva de constituição humana.

 Desta forma, as culturas populares, povos e comunidades tradicionais sentem os processos de


escolarização do conhecimento como parte dos processos colonizadores, que sequestram
costumes e tradições, fragmentam identidades, e que pretendem, dessa maneira, aniquilar o
humano de suas comunidades, desvinculando-as de seus processos histórico-culturais, seus
laços ancestrais, sua memória, para impor-lhes uma nova história, uma nova memória, uma
nova identidade, trazendo-lhes para o lugar onde suas vozes não seriam escutadas, onde
seriam instrumentos de trabalho e, desconsiderada sua humanidade (e portanto seus direitos),
seriam então invisíveis.
 A primeira são aquelas que souberam conservar
princípios e valores que eram cultivados anteriormente
à invasão do continente africano pelos europeus;

 A segunda são aquelas que, pelo suporte da oralidade,


preservaram em sua memória coletiva os valores
tradicionais africanos, recriados e reatualizados em
terras brasileiras.

 Por isso, estas duas denominações precisam serem


mais estudadas e aprofundadas nos aspectos de
pesquisas, conforme (Rocha, 2011, p. 2).
 Para dar conta da complexidade de dimensões abertas pela experiência
empírica, a investigação foi desenvolvida a partir do diálogo com as
perspectivas da decolonialidade, da educação libertadora de Paulo Freire
e a abordagem histórico-cultural de Vigotski. As três perspectivas teóricas
apresentam importantes convergências, e se complementam no que diz
respeito às necessidades deste estudo.

 Paulo Freire no campo da educação libertadora;


 Vigotski no histórico-cultural.
SOMOS FRUTO DE UM
GENOCÍDIO
 Segundo Mignolo (2005), “a colonialidade é constitutiva da modernidade”. Isto porque, para
os autores da decolonialidade, a modernidade e o sistema-mundo capitalista eurocentrado
proposto pela modernidade só se tornaram possíveis através do que Mignolo (2005) chama de
“economia do Atlântico”, ou seja, o tráfico de pessoas negras africanas para a escravidão, pela
racialização.

 A negação das raízes africanas e do racismo, incluindo o modelo de educação


institucionalizada, escolarizada e de base eurocentrada, é uma prática que desumaniza nossa
população, enquanto sociedade e indivíduos constituídos nela e por ela, pois dificulta a
compreensão da nossa própria historicidade
 Desta maneira, é relevante o conhecimento e o
reconhecimento de que existem populações
negras que resistiram aos séculos de opressão,
por meio de transmissão de saberes, valores e
ancestralidade que não se deixaram dominar.
Uma das formas de preservação e manutenção
identitária cultural foi a tradição oral africana,
em África – antes e depois da colonização
europeia, e que permaneceu sua ligação
ancestral com o continente africano no Brasil
pelo que se reconhece hoje como tradição oral
de matriz africana.
 A característica central das práticas educativas na tradição oral africana não está na
compartimentalização nem na seriação, mas sim em uma educação indissociável da
experiência cotidiana:
 Pode-se dizer que o ofício, ou a atividade tradicional, esculpe o ser do homem. Toda a
diferença entre a educação moderna e a tradição oral encontra-se aí. Aquilo que se aprende
na escola ocidental, por mais útil que seja, nem sempre é vivido, enquanto o conhecimento
herdado da tradição oral encarna-se na totalidade do ser. Os instrumentos ou as ferramentas
de um ofício materializam as Palavras sagradas; o contato do aprendiz com o ofício o obriga
a viver a Palavra a cada gesto. (Hampaté Bâ, 2010, p. 189)

“Na África, cada ancião que morre é uma


biblioteca que se queima”.
 (PRANDI, 2010);
 Nina Rodrigues, em Os africanos no Brasil, nos conta daqueles que ele
pode conhecer pessoalmente ou de ouvir falar, remanescentes das
nações yorubás, chamados nagôs no Brasil, que reuniam as etnias de
Ilorin, Ijexá, Abeokutá (egbás), Lagos, Ketu, Ibadan e Ifé, sendo que os
provenientes da região central da yorubalândia (Oyó, Ilorin e Ijexá)
eram quase todos malês ou muçulmanos. Nina Rodrigues também fala
dos jejes, trazidos tanto do Daomé como de cidades do litoral, do reino
dos mahis, localizado ao norte do país dos jejes daomeanos; mais os
haussás, os tapas, os grúncis e outros. Viviam agrupados com os seus,
preservando línguas e constumes, embora falassem todos a língua nagô
ou yorubá, língua geral de comunicação dos africanos de todas as
origens que viviam em Salvador pelo menos no século XIX.
 Os saberes produzidos pelo colonizado, a partir de experiências vividas próprias da
colonização, traz especificidades que apenas quem passou pela colonização pode
compreender. O colonizador, não foi capaz de compreender a insurgência que se organizava
no estabelecimento de uma “nova tradição” africana em terras brasileiras, mas que transmitida
de geração em geração atravessaria os séculos aos dias atuais.

 A linguagem, neste processo, proporcionou o desenvolvimento e a manutenção da consciência


sobre suas identidades. O exercício cotidiano e reiterado da educação pela tradição oral foi
então o exercício consciente da própria consciência.
 Segundo Botelho & Nascimento (2011):

 De uma maneira geral, poderíamos dizer que os candomblés são religiões brasileiras que
articulam conhecimentos de diferentes formas de religiosidades advindas do continente
africano durante a diáspora negra. Para o Brasil vieram principalmente três grandes grupos
étnicos: os Bantos (vindos da região centro-sul do continente, sobretudo dos atuais Congo,
Angola e Moçambique), os iorubas (vindos dos atuais Nigéria, Benin e Togo), e os fon-ewés
(conhecidos como jêjes, vindos dos atuais Benin e Togo). Cada um desses grupos foi formado
por diversos povos com cultura, divindades e costumes diferentes.
 Como na matriz africana a vida não se dissocia dos fundamentos espirituais, as formas de
conceber o mundo são diferentes das formas eurocêntricas. No exercício da tradição oral de
matriz africana acontece também o exercício de outras epistemologias, que diferenciam as
concepções de transmissão de saberes da educação ocidental.
 Os modos de ensinar-aprender identificados nas comunidades em relação ao ofício, seja na
atividade do canto popular, seja na do tambor de crioula, estão embasados na tradição oral da
comunidade, não em especificações burocráticas, normas institucionais legalizadas, regras ou
padrões estabelecidos para o ensino. […] A atividade da aprendizagem do canto do tambor de
crioula é algo intrínseco à vida comunitária e acontece, muitas vezes, como meio de
preservação das memórias e das tradições. A aprendizagem nesses casos acontece por meio do
próprio esforço daquele que quer aprender, da criança, porém em condição de liberdade que
implica total responsabilidade e respeito para aqueles que são os mestres experientes, para
com a tradição do lugar em que vivem. Nessas comunidades, os laços relacionais são as bases
que enlaçam e entrelaçam todo processo do aprender da criança. […] A diferença das
explicações orais para as demonstrações práticas e para a imitação é que os mestres
demonstram intencionalidade ao ensinar e mantém-se permanentemente abertos a essa tarefa.
(Peraci & Assis, 2011, pp. 139-140)
 De maneira geral, no que toca aos terreiros, comunidades quilombolas e manifestações tradicionais das culturas
populares, a memória é constantemente exercitada, mas também reconstituída coletivamente não somente pela
experiência vivida, mas também pela configuração coletiva na busca pelo próprio passado, que preenche sobre os
alicerces tradicionais e históricos, os espaços e lacunas roubados pela colonialidade.

 É possível perceber que tanto a tradição oral quanto seus processos de resistência são possíveis através da
transmissão de saberes e das práticas cotidianas, na medida em que as pessoas se formam e se constituem dialética
e continuamente na vida.
 A modernidade/colonialidade traz consigo um sistema-mundo que, para existir, precisa aniquilar tudo aquilo que
diverge da própria modernidade/colonialidade, tudo que não se encaixa em uma função pré-estabelecida pela sua
engrenagem para o seu funcionamento.
 As marcas estruturais do racismo, base do sistema-mundo moderno/colonial, historicamente
sufocam as identidades, estéticas, direitos e história daqueles que foram historicamente
desumanizados nos processos de escravidão. Entretanto, na continuidade dos movimentos de
resistência os grupos e comunidades tradicionais de matriz africana permanecem reafirmando
perante o mundo as suas formas de resistir e reexistir.

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