Jung e A Neurose

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Jung e a neurose TEMA

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Prof.Me. Leonardo Tondato
A histeria

 A histeria é um conceito fundamental para a psicanálise de Freud, mas e para


Jung? Como Jung pensava a histeria? Podemos falar de uma teoria dele a
respeito desta doença mental? 
 No primeiro volume das Obras Completas de Jung, Estudos Psiquiátricos,
descobrimos que no início do século, concordando mais com a psiquiatria do
que com a psicanálise, ele entendia que os transtornos mentais, as doenças
psíquicas, são difíceis de se distinguir:
 “Os limites entre os quadros clínicos no campo da inferioridade psicopática
são extremamente vagos e oscilantes” (JUNG, 2011, p. 123). Como encontrar
critérios para separar as doenças mentais dos seus sintomas? E como
encontrar o limiar que separa um sofrimento do outro?
 Especificamente sobre a histeria, ele diz
neste livro: “Talvez a maioria dos
histéricos que frui plenamente de seus
sentidos seja doente porque possui
grande massa de recordações, dotada de
muita emoção e, por isso, profundamente
arraigada no inconsciente; já não pode ser
controlada e tiraniza a consciência e a
vontade do doente. Em mulheres trata-se
às vezes de esperança frustada de amor
ou de um casamento infeliz; em certos
homens pode ser uma posição
insatisfatória ou méritos não
reconhecidos” (JUNG, 2011, p. 113)
 À grosso modo, sabemos que Freud se especializou no tratamento das
neuroses (embora tenha pesquisado e publicado à respeito das psicoses e
perversões), enquanto Jung focou em pacientes psicóticos (apesar de ter tido
centenas de pacientes neuróticos).
 Se nos lembrarmos dos livros em que Jung descreve em detalhes casos
clínicos temos o Volume 3, Psicogênese das Doenças Mentais, dedicado à
dementia praecox (depois esquizofrenia), bem como o livro Símbolos da
Transformação – que marcaria seu rompimento definitivo com a a psicanálise
em 1912 – tem por sub-título, poucas vezes mencionado, de Análise dos
Prelúdios de uma esquizofrenia, veremos que ele tendia a falar mais das
psicoses do que das neuroses.
 A diferença entre a histeria (neurose) e a esquizofrenia (psicose), fica clara
neste trecho do livro Estudos Alquímicos:
 “O psiquiatra tem a tendência de acreditar
em toxinas ou coisas parecidas, como sendo
os motivos determinantes da esquizofrenia
(cisão da mente, na psicose), desatendendo
aos conteúdos psíquicos.

 Nas pertubações psicogênicas como a


histeria, as neuroses compulsivas, etc., em
relação às quais é impossível evocar os
efeitos de toxinas ou a degeneração das
células, a cisão espontânea dos complexos é
comparada, por exemplo, aos estados do
sonambulismo.
 Para Freud, essa cisão poderia ser explicada pela sexualidade reprimida. Tal
explicação não é válida em todos os casos, porquanto a cisão pode
desenvolver-se a partir de conteúdos espontâneos do inconsciente, que a
consciência não pode assimilar. Nestes casos, a hipótese da repressão não é
adequada.
 Ainda mais, sua autonomia pode ser estudada na vida cotidiana, nos afetos
que, contra a nossa vontade e apesar das enérgicas tentativas de bloqueá-los,
dominam o eu, mantendo-o sob o seu domínio. Não é, pios, de admirar-se
que o primitivo veja nesses casos um estado de possessão ou perda da alma.
Na linguagem comum dizemos: “Não sei o que hoje tomou conta dele”, ou “Ele
parece estar possuído pelo demônio”, ou ainda: “Ele está fora de si”, etc. 
 No âmbito da prática legal, nas situações passionais, (de afetos) é atribuída à
pessoa envolvida apenas uma responsabilidade parcial. Os conteúdos
anímicos autônomos fazem parte, portanto, de nossa experiência habitual, e
têm ação desintegradora sobre a consciência”.
 Refazendo a argumentação deste trecho, podemos perceber que Jung
defende o ponto de vista segundo o qual a esquizofrenia teria uma causa
biológica, química (toxina) ou neurológica (células do cérebro).

 Recentes descobertas da neurociência apontam que pacientes psicóticos tem


células cerebrais que consomem mais oxigênio do que pessoas “normais”.
Com isso, ficaria explicado os momentos de surto, de agitação, de fala
desenfreada, alucinações auditivas e visuais, etc.
 Continuando a argumentação do autor, podemos notar que ele pensa na
histeria como tendo uma causa psicológica, quer dizer, uma causa psíquica,
não física, não atribuível ao corpo.

 E esta causa relaciona-se com “partes da psique” que são inconscientes e se


comportam como personalidades autônomas, ou seja, fora do alcance e do
controle da consciência.
 Primeiro:  “Uma pessoa histericamente surda que costumava cantar. Um dia o
médico sentou-se ao piano, sem que a paciente notasse, e se pôs a
acompanhar o verso seguinte, em uma nova tonalidade. Imediatamente a
paciente continuou a cantar na nova tonalidade” (JUNG, 1984, p. 80)
 Segundo: “Uma de minhas pacientes histéricas, uma aristocrata que se
considerava, sem razão, uma pessoa infinitamente distinta, encontrava, em
seus sonhos, uma série de vendedoras de peixe imundas e prostitutas
embriagadas. Nos casos extremos, as compensações se tornam de tal modo
ameaçadores, que o medo e a angústia que elas suscitam, levam à
insônia” (JUNG, 1984, p. 236)
 No primeiro caso, notamos que a paciente era surda, não por problemas
fisiológicos, mas em virtude de sua histeria. Ainda que uma parte de sua
psique não ouvisse, outra podia ouvir, pois conseguira acompanhar a nova
tonalidade tocada pelo médico no piano.

 No segundo caso, a paciente tem uma cisão na qual a sua consciência se


identifica com sua classe social na realidade, enquanto que no inconsciente,
todos os personagens são o oposto, a outra metade complementar.
 Fiz questão de citar estes dois casos – poderia citar outros – para mostrar
como a histeria pode se manifestar de modos diferentes (um no físico, outro
no sintoma psíquico através de um sonho).

 Existem outros casos citados pelo autor ao longo de suas obras completas,
porém a maior parte de seus escritos elabora sintomas e o desenrolar
sintomático de pacientes psicóticos, como dissemos.
 De um certo ponto de vista, todas as doenças mentais são passíveis de serem
descritas como uma dissociação da psique total em partes separadas, partes
que estão em conflito ou possuem tensão demasiada entre si. Logo depois do
trecho citado acima, do segundo caso de histeria, Jung expressa este ponto de
vista:
 “Quase toda a sintomatologia da histeria, das neuroses compulsivas, das
fobias e, em grande parte, também da dementia praecox ou esquizofrenia, a
doença mental mais comum, tem suas raízes na atividade psíquica
inconsciente. Por isto estamos autorizados a falar da existência de uma
atividade psíquicas inconsciente” (JUNG, 1984, p. 81).
 Enfim, se as doenças mentais apresentam traços em comum que em certos
momentos tornam difícil de distinguir o limite de uma e de outra, como
podemos saber a diferença entre quadros tão díspares como são os quadros
de neurose e de psicose? Além disso, como podemos concluir este texto com
a definição junguiana para histeria?
 Bem, em primeiro lugar, a causa suposta da psicose (biológica) e da histeria
(psicológica) é o primeiro indício. O fato de que na primeira as alucinações
visuais e auditivas apareçam e sejam proeminentes, sem que o sujeito consiga
distinguir a realidade da fantasia, também são critérios diagnósticos.

 E, embora Jung não tenha sido um especialista (digamos assim) em casos de


neurose, podemos entender que a sua concepção de neurose diz respeito à
partes da psique que estão em conflito com a consciência.
 Para finalizar, podemos voltar ao Volume I, Estudos Psiquiátricos, e repensar a
ideia do inconsciente (e de sua divisão em partes) do seguinte modo:
 “Devemos lembrar-nos sempre de que a consciência só é uma parte da
psique. Talvez a maior parte dos elementos psíquicos seja inconsciente… O
inconsciente pode perceber e associar automaticamente, mas a qualidade de
serem conhecidas só a possuem aquelas associações que uma vez passaram
pela consciência e, mesmo dessas, muitas podem cair de tal modo no
esquecimento que perdem aquela qualidade. Por isso nosso inconsciente
deve albergar grande número de complexos psíquicos que nos
surpreenderiam pelo seu caráter estranho” (JUNG, 2011, p. 111).
A neurose para Jung
 É fato que Jung não estabeleceu nenhuma “teoria geral das neuroses” nem
escreveu textos dedicados à neurose ou aos sintomas em si. Isso porque
defendia que cada paciente deveria ser compreendido em sua
individualidade. 

 A ênfase de Jung estava em compreender o individuo em sua totalidade, não


compreende-lo a partir de sua neurose, um aspecto parcial da psique. 
Segundo Jung, O importante já não é a neurose, mas quem tem a neurose. É
pelo ser humano que devemos começar, para poder fazer-lhe justiça.( Jung,
1999, p. 80)
 Por mais que as neuroses ou transtornos psíquicos se manifestem de forma
parecida nas pessoas, não se pode dizer o mesmo de sua “origem”. Defender
uma teoria geral das neuroses significa afirmar que as neuroses possuem
uma causa comum.
 Esse foi um dos motivos do rompimento de Jung com Freud, pois ele não
concordava que a teoria sexual de Freud (que é a base da psicopatologia
freudiana) justificasse totalmente o desenvolvimento tanto das neuroses
quanto das psicoses – Jung se pautava tanto com sua experiência com
pacientes psicóticos (experiência que Freud não possuía) quanto na
consideração das ideias de Adler que apontava uma etiologia das neuroses
diferente de Freud, mas que eram igualmente válidas na prática clínica.
 Assim, Jung considerou ser inviável considerar uma teoria geral das neuroses,
pois, isso significaria negligenciar outras possibilidades de desenvolvimento
do psiquismo. Vale a pena frisar Jung não negava a teoria de Freud, ele negava
sua universalidade .
 Segundo Jung,
 Nossa experiência psicológica ainda é nova e pouco extensa, para permitir
teorias universais. É preciso pesquisar primeiro uma quantidade de fatos, para
aclarar a natureza da alma, antes de pensar sequer em estabelecer
preposições de validade universal. Por enquanto, temos que ater-nos à norma
seguinte: toda proposição psicológica só pode ser considerada valida quando,
e somente quando a validade do sentido oposto também puder  ser
reconhecida. (JUNG, 1999, p.110)
 Dessa forma, Jung compreendia que a complexidade do fenómeno psíquico
impunha uma compreensão ampla, e que as teorias psicológicas seriam
expressões dessa complexidade psíquica.

 Uma teoria geral não contemplaria as possibilidades de desenvolvimento do


psiquismo, mas, poderia facilmente ser vista como uma “verdade única”
acerca da psique seria não só um equivoco, como também um risco.
 (…) Nestas circunstâncias, como seria possível sonhar com teorias gerais? A
teoria representa, inegavelmente, o melhor escudo para proteger a
insuficiência experimental ou a ignorância. As consequências, porém, são
lamentáveis: mesquinhez, superficialidade e sectarismo científico. (JUNG,
2006, p.13-4)
 Jung não estabeleceu teorias gerais nem
tão pouco tinha abarcar todas as
possibilidades de compreensão do
psiquismo.

 Suas teorias buscam compreender a


dinâmica psíquica sem ter a pretensão
de ser “ a verdade”, isso possibilitou que
fossem estabelecidos diálogos entre a
teoria junguiana e outras como corporal,
hipnose erickoniana, psicanálise, 
psicodrama, abordagem sistémica
dentre outras.
 Como dissemos acima, o foco de Jung não era a doença ou a neurose – ele
afirmava que “Eu prefiro entender as pessoas a partir de sua saúde”(Jung,
1989, p.) , compreender a dinâmica psíquica e, a partir desta, os estados
anormais ou  neuróticos e os psicóticos.
 Não havia uma procupação por parte de Jung em buscar uma estrutura geral
da neurose, mesmo porque, para Jung a neurose não deveria ser considerado
algo “em-si”, pois, na neurose as atividades normais do psiquismo estariam
alteradas.
 Assim, deveria-se observar a função da neurose no individuo, o que nos
levaria  a questionar “ à quê serviria aquela alteração na atividade normal do
psiquismo”. 
 Isto está relacionado com a perspectiva teleológica ou finalista que Jung adota,
que nos leva a observar o sentido do sintoma na totalidade da psique (ou da
vida) daquele individuo, a função da neurose sempre aponta sempre aponta
para o processo amadurecimento do individuo.
 Devemos assim, pensar um pouco mais sobre a visão da neurose para Jung.
 Como dissemos, Jung não via  a neurose como algo somente “ ruim ou
negativo”, mas, também era positivo. Pois, segundo ele,
 Na verdade, a neurose contém a psique da pessoa, ou ao menos, parte
importante dela.(…)pois na neurose está um pedaço ainda não desenvolvido
da personalidade, parte preciosa da psique sem a qual o homem está
condenado à resignação, amargura e outras coisas hostis à vida.A psicologia
da neurose que só vê o lado negativo joga fora a água do banho com a
criança, porque despreza o sentido e o valor do “infantil”, isto é, da fantasia
criadora. (JUNG, 2000, p. 158).
 A neurose é corresponde a uma tentativa natural
de mudança da atitude da consciência, isto é, a
neurose ou o sintoma neurótico já é uma uma
tentativa do sistema psíquico de se reorientar (ou
se curar). 

 A psicoterapia seria a possibilidade de


reestabelecer o equilíbrio da relação entre
consciência e o inconsciente ou, de outro modo,
do processo de adaptação do ego frente as
exigências do mundo interior e exterior.
 Esse intento consiste na adaptação mais adequada do modo de levar a vida
humana; e essa adaptação ocorre em dois sentidos distintos (pois a doença é
adaptação reduzida).

 O homem deve ser levado a adaptar-se em dois sentidos diferentes, tanto à


vida exterior — família, profissão, sociedade — quanto às exigências vitais de
sua própria natureza. Se houve negligência em relação a qualquer uma dessas
ne­cessidades, poderá surgir a doença.(JUNG, 2006, p. 97-8)
 Devemos notar, que Jung não restringia a neurose a um conflito interno ou
relações a relações parentais do individuo. Assim, para se pensar a neurose
devemos pensar a totalidade da vida do individuo, verificando sobretudo seu
posicionamento do mesmo em relação a própria vida no hoje, no presente.
 A neurose pode vir sendo construída ao longo dos anos, mas, se ela se
mantém hoje é porque a atitude da consciência propicia que ela esteja no
hoje. 
 A verdadeira causa da neurose está no
hoje, pois ela existe no presente. Não é de
forma alguma um caput mortuumque aqui
se encontra, vinda do passado, mas é
nutrida diariamente e, por assim dizer,
sempre de novo gerada. Somente no hoje
e não no ontem será “curada” a neurose.
 Pelo fato de nos defrontrarmos hoje com o conflito neurótico, a digressão
histórica é um rodeio, quando não um desvio, a digressão para milhares de
possibilidades de fantasias obscenas ou para desejos infantis não realizados é
mero pretexto para fugir do essencial. (JUNG, 2000, p.161-2).
 Não se deveria procurar saber como liquidar uma neurose, mas informar-se
sobre o que ela significa, o que ela ensina, qual sua finalidade e sentido.
Deveríamos aprender a ser-lhe gratos, caso contrario teremos um
desencontro com ela e teremos perdido a oportunidade de conhecer quem
somos. 
 Uma neurose estará realmente “liquidada”  quando tiver liquidado a falsa
atitude  do eu. Não é ela que é curada, mas ela que nos cura. A pessoa está
doente e a doença é uma tentativa da natureza de curá-la. (JUNG, 2000, p. 160-
1)
 Até aqui utilizamos o ter “neurose” para falar dos transtornos psíquicos, isso
porque neurose é um termo histórico. De forma geral, Jung não criou uma
nomenclatura específica para se referir aos transtornos mentais,  muitas vezes
ele recorria a nomenclatura psicanalítica, pois era uma nomenclatura comum
e que todos entendiam, apesar dela remetar a concepção de estrutura.
Da apatia a compulsão
 Estamos vivendo uma época de estranha apatia! Parece que a raça humana está paralisada
frente às barbáries violentas que este modelo capitalista/consumista está fazendo com o
planeta.

 No Brasil, atualmente a apatia é ainda maior, porque estamos nas mãos de governantes e
políticos espúrios, sem caráter, corruptos e ocupados única e exclusivamente com a
manutenção das suas garantias de poder e patrimônio, destruindo o pouco de dignidade e
benefícios sociais que tínhamos.
 Isso nos faz refletir a respeito deste momento histórico. Será que a raça humana “jogou a
toalha” aceitando um fim catastrófico tanto nas questões ambientais quanto nas sociais,
com mais exclusão e violência?
 C. G. Jung, nos permite a compreensão de que a agressividade é simultaneamente um
instinto, do ponto de vista biológico, e um arquétipo, diante das questões da alma. Na
realidade, sem a agressividade dirigida, toda expressão de vida fica ameaçada. 
 Ela está presente em toda vitalidade e é necessária no dia a dia das pessoas. Sem
agressividade não levantamos da cama, não fazemos sexo, não trabalhamos, não
conquistamos nossos ideais, entre outras atividades, ameaçando nossa biosobrevivência.

 Porém, parece que houve um processo de “demonização” para essa capacidade humana e a
consequência disso é esta realidade apática que estamos vivenciando.
 Entretanto, na psicologia analítica de Jung, somos estimulados a lidar com as polaridades
e, neste caso, o contraponto da apatia é a violência. Porque trabalhamos com a dinâmica
compensatória entre o consciente e o inconsciente. Quando uma está na luz a outra fica na
sombra.
 Com isso, toda agressividade reprimida, ou mal dirigida, pode virar patológica, na forma
de violência externa, com atos delinquenciais, como está sendo a atitude da maioria dos
nossos políticos, e de muitos cidadãos, que diante das iniquidades e total exclusão social,
partem para a violência e até o crime, muitas vezes identificados com os delinquentes do
colarinho branco! 
 Por outro lado, quando a violência não é exteriorizada, ela tende a virar sintomas de
adoecimento, produzindo câncer, infarto e uma infinidade de doenças. Por isso, podemos
afirmar que a violência ou a apatia são polaridades, na forma de excrescências da
exacerbação da agressividade mal utilizada para a evolução humana, associada aos
conteúdos sombrios e complexos patológicos.
 Quando a violência é manifestada para fora, surge o movimento de
apatia para dentro, inviabilizando inclusive o autoconhecimento.

 De forma inversa, quando a apatia é manifesta para fora, como está


acontecendo atualmente, na falta de atitude do povo brasileiro diante
dessa corja de corruptos que domina o país, temos a violência voltada
para dentro, produzindo sintomas de adoecimento ou de
relacionamento, como podemos constatar nas relações truculentas,
radicais e polarizadas nas mídias sociais, conflitos interpessoais até no
amago das famílias, com falta de tolerância, geralmente em defesa cega
de algum lado da corrupção.
 Porém, pontualmente, diante da atual realidade brasileira, temos uma outra razão para a
apatia, que é a falta de perspectiva. Ninguém se sente minimamente representado e
também não conseguimos vislumbrar nenhuma liderança que possa produzir um alento.
 Ou seja, precisamos aprender a integrar Ares com Afrodite, o deus da guerra com a deusa
do amor, para conquistarmos a harmonia, que é dinâmica e assertiva, por fazer a
consonância dos dissonantes, usando a agressividade para a evolução criativa e amorosa.
Um mito japonês para a apatia
e a compulsão – Futakuchi
Onna
 O nome origina-se da junção de três kanjis que significam "dois", futa, "boca", kuchi e
"mulher", onna. Futakuchi-Onna pertence à família do yokai (demônio).

 Tem a aparência de uma mulher que e sob os cabelos, um pouco acima do pescoço, tem
uma segunda boca totalmente funcional (com os lábios dentes e língua).

 Normalmente é uma boca comum, mas de acordo com a crença geral, muitas vezes se
mostra com um aspecto muito mais arrepiante e grotesco: dentes afiados e um tamanho
desproporcional.
 A segunda boca tem vida própria, pois está possuída por um espírito vingativo que
atormenta sua dona, gritando ou xingando se não for alimentada ou se a comida não lhe
agradar, e se isso ocorrer a boca possuída ainda pode manipular o cabelo da mulher como
se fossem hábeis tentáculos para conseguir o alimento que desejar.

 Segundo a lenda, ter essa boca secundária é uma forma de punição/castigo para as
mulheres que não se alimentam corretamente e consquentemente desenvolvem distúbios
alimentares ou àquelas que são egoístas em relação aos alimentos e comem
compulsivamente.
 Como outras criaturas mitológicas de aparência humana, Futakuchi-Onna muitas vezes
passa despercebida por aqueles com quem convive, e geralmente é descoberta depois de
uma ou mais pessoas a perceberem que os alimentos estão desaparecendo misteriosamente
em um ritmo alarmante, já que a segunda boca come o dobro que a sua anfitriã.
 Como já foi dito, e isso é o que é mais assustador sobre a lenda, a boca
da Futakuchi-Onna tem consciência própria e pensa, ou, para ser mais
preciso, o espírito rancoroso que a possui pensa...
 Por isso, esta boca vivente não só pode gritar, xingar e manipular o cabelo das mulheres,
mas também é capaz de forçá-la a cometer quase qualquer tipo de ação, até mesmo um
crime, e torturá-la psicologicamente se ela se recusar a fazê-lo, murmurando
constantemente e avivando o sentimento de culpa na mulher "jogando-lhe na cara" a falta
de moral que a levou a ter uma segunda boca e se tornar um monstro...
 O avarento

Esta história é passada de geração em geração como uma advertência para mesquinhez.
 Conta-se que a muito tempo, vivia em uma cidade um artesão muito trabalhador que já
estava passando da idade de ter esposa e filhos, ele vivia bem financeiramente porque
renunciou casar-se, não porque ele era muito religioso ou porque não gostava de mulheres,
mas porque produziu uma aversão profunda a ideia de ter que manter uma mulher e
sustentar uma boca a mais... Seu dinheiro era seu dinheiro!

 Era o dinheiro que conseguia com seu esforço, e não queria compartilhar com ninguém,
desejava desfrutar de tudo sozinho e com uma boca a mais certamente não poderia.
 No entanto, tudo mudou quando um dia apareceu
na cidade uma nova habitante, que chegou
sozinha, sem marido, pai, filho, ou qualquer tipo
de parente. A mulher tinha a pele lisa e branca
como a neve, cabelos longos e sedosos, e seu
rosto inundado de uma beleza digna de ser
retratada pela mão de um pintor habilidoso. Ao
vê-la o artesão ficou encantado, ele desejou-a com
intensidade, a queria para sí.

 Depois de dois dias ele percebeu que ela comia


muito pouco, tão pouco que tendo-a em casa,
implicaria num gasto econômico insignificante
comparado ao bem estar que àquela companhia
traria. Assim, o artesão começou a cortejar a bela
moça até que finalmente a convenceu a casar-se e
levou-a para morar com ele.
 Inicialmente tudo era alegria, pois ela era uma companheira agradável e divertida, e além
do mais o artesão estava muito feliz devido aos rumores do pouco que ela comia.

 No entanto, o tempo passou e o homem percebeu que seus estoques de alimentos estavam
em declínio de forma misteriosa, e em quantidades que era como se, além de si mesmo e
da esposa, duas pessoas estivessem morando na casa, no entanto ele sabia que não tinha
sido roubado pois vigiava muito bem suas posses, não tinha como alguém ter entrado em
sua casa. Então, será que sua esposa estava comendo a reserva quando ele não estava?
 Isso foi difícil de acreditar, porque ela era tão magra quanto quando ele a conheceu, e já
deveria estar como um lutador de Sumô se comesse tanto. Mesmo assim ele decidiu
espioná-la para acabar as suspeitas, então certa manhã ele fingiu ir trabalhar, mas ficou em
casa escondido.
 O que viu o deixou sem palavras, horrorizado, e teria gritado se não temesse perder a vida.
E ali, em cima da cama onde dormia muitas noites com aquela mulher de pele branca
como marfim, havia uma coisa inimaginável, horrenda, o que ele não conseguia entender
era como não havia percebido? Como não sentia àquilo quando suas mãos tocavam a
cabeça de sua esposa?
 Era uma enorme boca, língua, dentes e lábios, a
boca viva que sua esposa tinha na parte de trás
da cabeça, pouco acima da nuca. A boca
murmurava coisas que ele não conseguiu ouvir,
mas deviam ser acusações pois sua esposa
chorava com feições de remorso enquanto a boca
controlava seus cabelos como se fossem
tentáculos, a mulher levantou e caminhou até as
panelas de arroz, a boca viva usou seus cabelos
para pegar uma colher e engolir a comida
vorazmente...
 Foi a coisa mais assustadora que já viu em toda sua existência, e uns dias depois pensou
em se divorciar de sua esposa, mas a segunda boca presentiu a intenção do artesão e o
surpreendeu na banheira, levando-o para as montanhas para matá-lo, mas ele conseguiu
escapar e se escondeu entre as plantas e a água esverdeada de um pântano, onde
permaneceu até a sua mulher diabólica desistir e ir embora.
Sexualidade e
doença mental
 Uma primeira pista é deixada por Thomas Laqueur (2001), cujo trabalho se dedica a
analisar como a concepção de um dimorfismo sexual - isto é, de uma incomensurabilidade
entre os dois sexos biológicos, masculino e feminino - pôde ser delineada a partir do século
XVIII, em contraposição ao entendimento prevalente da Antiguidade clássica até o
Renascimento.

 O autor aponta para uma grande transformação que desloca a antiga concepção hierárquica
- segundo a qual homens e mulheres teriam uma mesma natureza, distinguindo-se apenas
pelo grau referente à quantidade de calor vital, responsável pela internalização ou
exteriorização dos órgãos genitais - para um novo modelo explicativo responsável por
instituir uma diferença radical entre os dois tipos de corpos.
 Essa passagem teve fundamentos tanto epistemológicos quanto políticos, envolvendo o
rompimento da compreensão da grande cadeia dos seres em favor da ascensão do
mecanicismo e do empirismo, bem como a divisão entre esfera pública e esfera privada,
conferindo aos homens a exclusividade do contrato social.
 No campo da medicina, sobretudo a partir do século XIX, a instauração desse grande
divisor ensejaria uma preocupação em examinar doenças tipicamente femininas. Destaque-
se que, nesse período, o nascimento da clínica era caracterizado por uma articulação entre
um ímpeto classificatório e uma anatomofisiologia fortemente assentada nos sentidos e na
visualização dos órgãos, sobretudo através de lesões e sinais físicos (Foucault, 2006). 
 O mapeamento das perversões sexuais, autorizado pelos princípios fisicalistas da
degeneração, inseria-se claramente nesse escopo (Duarte, 1988; Lantéri-Laura, 2001).
Nesse sentido, a medicina passou a entender o corpo da mulher como dotado de uma
lógica própria. O surgimento da ginecologia é um dos exemplos mais marcantes desse
horizonte, estabelecendo-se como ramo da medicina dedicado a equacionar a mulher à sua
função procriativa (Rohden, 2002).
 No campo psiquiátrico e neurológico não foi diferente. Neste caso, o enigma
da histeria estava entre aqueles que ocupavam mais claramente as preocupações médicas,
sendo compreendido como uma patologia atribuída à natureza da mulher.

 A doença escapava aos preceitos da medicina somática, manifestando-se em uma


infinidade de sintomas, e minando as tentativas de circunscrição nosográficas. Se, entre os
gregos, a histeria era associada aos fluxos corporais do útero feminino (hystéra), a partir
das pesquisas empiristas sobre o sistema nervoso, esta tornava-se um problema da maior
fragilidade dos nervos da mulher, que supostamente a tornavam mais sugestionável. 
 A hipótese predominante no saber médico oitocentista era de que se tratava de um
problema inscrito no binômio hereditariedade-degeneração. As ditas histéricas eram então
percebidas como mulheres inadaptadas ao papel de mães e esposas, tendendo ao adultério
e à prostituição (Nunes, 2010). Falar sobre a histeria feminina era, portanto, falar também
sobre a constituição corporal e as práticas sexuais das mulheres.
 Houve, nesse momento, uma pletora de teorias sobre gênero e sexualidade nos saberes
médico-psicológicos, cuja revisão total escapa aos fins deste artigo. Vale a pena, contudo,
delimitar a atenção nas teorias freudianas, na medida em que serviram de contraste para a
ulterior psicologia analítica. O surgimento da psicanálise não escapou do quadro mais
amplo acima referido, embora tenha apresentado uma série de rupturas em relação às
concepções médicas predominantes.
  Justamente em torno do fenômeno da histeria surgiria, na
virada do século, o saber psicanalítico atribuído à obra de
Sigmund Freud.

 De certa maneira, o intelectual de Viena deslocava o


problema da histeria do campo do somático para o
psíquico, concebendo a doença como um fenômeno
produzido a partir da repressão de memórias traumáticas,
somatizadas em um comportamento neurótico. A histeria
passava então a ser passível de alívio graças aos poderes
transferenciais da talking cure e do método da associação
livre (Freud, 2003).
 Essa formulação, base da prática terapêutica da nascente psicanálise, associou-se
igualmente a uma preocupação de compreensão do funcionamento da sexualidade humana.
As teorias freudianas afastavam-se das teorias da perversão oitocentistas, mais nitidamente
inscritas no escopo da degenerescência, admitindo uma bissexualidade inerente a ambos os
sexos e um polimorfismo para as perversões (Freud, 1972).
 Particularmente a propósito da sexualidade infantil, Freud viria a conceber o complexo de
Édipo, segundo o qual o desenvolvimento psíquico seria um desdobramento do desejo
sexual da criança pelo genitor do sexo oposto e de um sentimento de rivalidade em relação
ao genitor do mesmo sexo.

 Esta teoria, escrita e reescrita muitas vezes ao longo da trajetória da psicanálise,


compartilhou com o saber médico um interesse por estabelecer uma diferença entre
homens e mulheres e pela observação atenta de seus corpos, particularmente das zonas
genitais na fase infantil.
 Freud, curiosamente ecoando o modelo do sexo único dos gregos, concebia o clitóris como
uma espécie de pênis introjetado, conferindo ao falo a centralidade do desenvolvimento da
criança e estabelecendo um monismo sexual primário. Nessa leitura, o aparelho genital é
único e o mesmo até a puberdade, sendo que só o órgão masculino é reconhecido como
índice.

 A vagina só é descoberta enquanto tal tardiamente ao longo da ontogênese feminina, sendo


antes subsumida em uma organização fálica. A partir deste postulado pôde a psicanálise
delinear as consequências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos: menino e
menina são assombrados por um complexo de castração, sendo este temor a característica
do caso masculino e a inveja do pênis, a especificidade do caso feminino. 
 O mesmo complexo que faz o menino superar a fase
edipiana (levando ao desinvestimento da mãe e à criação
do superego) leva a menina a reforçá-la (dirigindo-se ao
pai na tentativa de substituir a falta do pênis). A inveja do
pênis persistiria, assim, por toda a vida da mulher, podendo
ser sublimada através do nascimento de uma criança,
preferencialmente do sexo masculino.

 A dissolução de seu complexo edípico seria, portanto,


apenas parcial, prejudicando a formação de seu superego.
Por este motivo, tal caso ganhou inclusive um nome
diferencial, o complexo de Electra (Silva & Folberg, 2008
).
 Este tão breve panorama das relações entre gênero e sexualidade nos saberes médico-
psicológicos, concentrado na passagem entre os séculos XIX e XX e, mais
especificamente, no nascimento da psicanálise freudiana, enseja algumas considerações
fundamentais para este trabalho.

 A primeira delas é a da preeminência do corpo na construção da diferença, seja pela via do


dimorfismo sexual característico da medicina clínica, seja pela via do monismo fálico
intrínseco às teorias psicanalíticas. Útero, ovários, vagina, pênis, nervos, todos estes
tornam-se índices cruciais na ambição de distinguir os sexos, seja pela via do fisicalismo
médico, seja pela emergente via psicológica.
 A segunda delas é a primazia da hierarquização entre masculino e feminino, embaralhando
aspectos físicos e morais. Fragilidade, passividade, lascívia, inveja, atividade,
agressividade tornam-se atributos desigualmente distribuídos entre homens e mulheres,
atrelando-se a fundamentos científicos.

 Ainda como corolário desta hierarquização, encontra-se uma preocupação específica com
o enigma da mulher, em torno da qual orbita um maior número de práticas de
medicalização e de teorias científicas.
 Por fim, deve-se considerar esses saberes no escopo de uma explosão discursiva, tal como
concebido por Michel Foucault: mais do que censurar ou reprimir a sexualidade, medicina
e psicanálise compuseram o efeito-instrumento de sua incitação, articulando-se em
instituições, profissionais e práticas terapêuticas (Foucault, 2014).

 Nesse sentido, a conformação de um dispositivo de sexualidade tornou-se evidente na


modernidade através de um jogo entre saber e poder, incluindo os fenômenos compósitos
da psiquiatrização das perversões, da socialização das condutas sexuais, da já referida
histerização da mulher e da pedagogização do sexo infantil.
 Nesse contexto, não mais delineado sob a égide de um poder soberano, mas de um poder
imanente aos corpos e à vida, a preocupação com o específico da mulher ganhou lugar de
destaque, dado o lugar estratégico da maternidade para a reprodução. Trata-se, portanto, de
um problema biopolítico, que se relaciona ao ímpeto de controle populacional e da
construção de corpos produtivos através da disciplina.
 Nas seções seguintes, pretende-se explorar os desdobramentos dessas questões a partir de
um caso clínico que toma como base um saber dissidente da psicanálise freudiana, a
psicologia analítica. Intenta-se demonstrar como a leitura de um caso de loucura feminina
afastou-se dos preceitos da preeminência do corpo e da hierarquização dos sexos em favor
de uma teoria psicológica.

 Por outro lado, argumenta-se que tal saber permaneceu compartilhando com seus
predecessores uma concepção universalista de “natureza humana”, incluindo aí as
dimensões do gênero e da sexualidade.
 Observa-se um afastamento tanto do dimorfismo sexual da medicina somática oitocentista
quanto do monismo freudiano. Para o saber aqui examinado, não se trata de afirmar dois
corpos radicalmente distintos, tampouco de elucidar as consequências da diferença entre
falo e clitóris para o desenvolvimento psíquico.

 A referência ao exame do corpo é, na verdade, secundária, revelando um afastamento do


fisicalismo em favor de uma noção de pessoa mais marcantemente psicológica. Nessa
leitura, trata-se antes de referir-se a uma natureza humana universal, em cuja evolução
superpõem-se os princípios inconscientes dos arquétipos do masculino e do feminino.
  Em comum, o que subjaz a todas essas leituras é uma naturalização, que encontra em uma
base biológica sua justificativa, seja ela verificável através do exame corporal, seja por
teorias psicológicas. Em outras palavras, não é a dimensão biológica que é escamoteada na
psicologia analítica, mas sim o ímpeto de exame e de visualização corpórea típico da
medicina e também da psicanálise freudiana.
 Também se destaque que, no caso desta psicologia analítica, não parece haver nenhuma
hierarquia intrínseca em relação à dualidade dos sexos. O que existe, sim, é o
reconhecimento do descompasso social da tradição judaico-cristã e ocidental, que confere
uma primazia ao masculino em detrimento do feminino. Nesse sentido, já se esboça
alguma sobreposição ao determinismo do sexo genital, embora sem ainda entrar no registro
de um gênero culturalmente construído (no máximo, de um gênero arquetipicamente
herdado, fato da evolução humana, que pode se imprimir em homens ou mulheres).
 Em outras palavras: masculino e feminino independem do sexo biológico de cada
indivíduo, mas não deixam de ser naturais, essencializados, na medida em que produzidos
a partir da filogênese da espécie humana. Sua distinção torna-se, desse modo, problema de
um instinto ancestral.
 É verdade que a psicologia analítica traduziu a diferença entre masculino e feminino em
termos essencialistas, equacionando-a à oposição entre, por um lado, razão e objetividade
e, por outro, intuição, emoções e subjetividade. Contudo, ao fazê-lo, deslocou sua
coincidência com o sexo biológico, e suspendeu sua ordenação ao criticar a hegemonia do
primeiro termo sobre o segundo.
 Nesse sentido, não deixou de ensejar alguma denúncia da desigualdade de gênero
constitutiva da tradição ocidental. Reconhecer este fato não deve implicar a problemática
afirmação de que Carl Jung seja “um percursor do moderno feminismo” (Stupak & Stupak
, 1990, p. 275).

 Jung, assim como Nise da Silveira, jamais se filiou a qualquer filão desse movimento.
Deve, sim, levar à percepção de que suas ideias podem encontrar tanto dissidências quanto
caminhos férteis nessa seara, demandando uma análise histórica correspondente.
Paranoia
 Durante a conferência, Hillman leu um texto escrito por ele alguns anos antes desta
conferência e traduzido para o português, para esclarecer alguns aspectos de paranóia:
 Hillman, James, (1993) Paranóia, Editora Vozes.
 Psiquiatria clássica define desilusão paranóica, como uma crença falsa que nem
sentimentos, lógica, razão ou a evidência dos sentidos penetra.
 Hillman sempre conta a estória do homem que diz estar morto e vai ao médico que
pergunta se homens mortos sangram e o paciente responde: “É claro que não”. O médico
furou o dedo dele e saiu sangue, do qual o paciente respondeu: “Quem diria, homens
mortos sangram mesmo”.
 Hillman cita o caso clássico de paranóia de
John Perceval, bem documentado pelo
próprio paciente num livro escrito por ele
mesmo. Perceval escreveu:
 Muitas das desilusões . . . de que pessoas insanas sofrem, ao erradamente interpretar
formas de falar figurativamente ou poeticamente como literal . . . o espírito fala
poeticamente mas o homem ouve literalmente.
 Pecado Original é o homem que perdeu seu espírito de humor, que é o estado de graça.
Ele substitui a leviandade de Deus pela gravidade da verdade. De leviandade para
gravidade, isto é Pecado Original.
 Pecado Original não é nada mais do que transformar os comandos do espírito de humor
em verdade. . .
 Deus fala poeticamente e o louco leva
literalmente. [Temos que] ouvir os comandos
literais com um ouvido metafórico.
 James Hillman de novo:
 
 Quando Jacques Lacan comunicou que a psicanálise desapareceria se a religião
dominasse, entendo que para psicologia é impossível, na medida que o sentido literal
domina, o que acontece quando teologia e psicologia se separam. Essa ameaça está
sempre presente. . .

 À medida que a revelação é necessária para uma religião, temos que ter a teologia
dogmática, uma Igreja, e uma comunidade psiquiátrica para garantir que a revelação é
verídica, e podemos esperar . . . o que temos hoje: crises apocalípticas, fundamentalismo e
o mundo político paranóico.
 Paranóia está presente no dependente durante sua ativa à medida que se isola, cria seu
próprio mundo, os “outros” e “tudo lá fora” vira literal e é visto como “a realidade”, “a
verdade”. Uma abordagem racional ou lógica não penetra nesse isolamento, só o poético.
 À medida que estamos impondo uma solução como a “resposta”, “a solução”, “a verdade”,
como os Doze Passos, um remédio, uma terapia psicológica do momento, uma religião, um
livro ou certo grupo de apoio, podemos estar simplesmente trocando uma forma de
paranóia para uma outra. Uma dependência para uma outra. AA e NA tem seus fanáticos
e fundamentalistas paranóicos. Os Doze Passos são apresentados na literatura de AA como
“sugeridos”.
 Um centro de tratamento com uma visão poética penetra na paranóia do dependente.
 James Hillman:

 A cura da paranóia é poesia? Claro que não. Não literalmente poemas, poético, poetas.
Como estudamos mitos para adquirir um sentido mítico, e não utilizamos mitos como
categorias que definem um homem, por exemplo, em tipo Édipo, ou uma mulher tipo
Ártemis, ou outra tipo Afrodita, (que é uma interpretação literal e não mítico dos mitos) –
usamos os textos poéticos de educar nosso sentido poético. O poético traz perplexidade e
um humor que transforma, evitando ser preso no texto revelado.
 Quando falamos de uma visão poética, não estamos falando de poesia, poetas ou poemas,
mas uma visão, perspectiva ou mentalidade poética.

 Utilizando os clássicos como Shakespeare, mitologia, dinâmicas criativas, drama, artes


manuais e poemas na programação de tratamento não necessariamente criam um clima de
uma visão poética. Esses instrumentos são valiosos e ajudam muito a aprofundar um clima
poético uma vez que existe, mas não cria em si.
 Uma visão poética é caracterizada por uma mentalidade em que “a verdade” não existe. É
a habilidade de sempre se manter aberto a uma outra resposta. Não existe dono da verdade
porque não existe “a verdade”. O dono da verdade por definição é paranóico por ter
definido o que é “a verdade” literal.
 Uma visão poética é caracterizada por dúvida. Tudo é sempre provisório. Nada é fixo.
Tudo pode ser mudado.

 Uma visão poética reconhece a inconsciência como uma presença, não um lugar, onde
reside o desconhecido que pode apresentar uma outra opção a qualquer momento.
Literalismo nega a existência da inconsciência.
 Uma visão poética vive confortavelmente com paradoxo, ambivalência e contradição como
algo normal.

 Uma visão poética questiona se a religião baseada em revelação é paranóica.

 Uma visão poética é caracterizada por um mente aberta, mistério, imaginação, mágica,
criatividade e muita energia.
 Uma visão poética reconheça a charlatanismo em qualquer terapia. Tudo não funciona
para todos. Assim, erros e becos sem saída fazem parte de uma visão poética.
 Num centro com uma visão poética, não sabemos exatamente o que fazemos ou como
fazemos, mas intuitivamente criamos um clima em que recuperação é mais provável,
sempre sujeito a dúvida, a modificação.
 
 Neste clima, os clássicos como Shakespeare, mitologias, dinâmicas criativas, dramas, artes
manuais e poemas ajudam a criar o clima mágico.
 Um centro de tratamento que tem uma programação fixa, literal, necessariamente tem
profissionais com a solução fixa, e tanto o centro quanto os profissionais necessariamente
caem numa paranóia. “Eles” e “nós”.

 O centro que tem um método fixo e literal, tem um clima estéril com profissionais robôs
que estão substituindo uma dependência, uma paranóia por outra. Não há como renovar e
aumentar a energia, e sem energia. . . .
Os distúrbios de socialização: Sociopatia x
Psicopatia
 As duas doenças são consideradas pela psiquiatria como desordens de personalidade
antissociais. Na psiquiatria, uma velha questão sempre está presente. Ao perguntar a causa
de uma doença mental, os psiquiatras desde o início de sua especialidade questionavam se
a origem deveria ser buscada na biologia (genética) ou na influência do meio
 Embora ainda não seja um fato estabelecido, os pesquisadores tendem a considerar que a
psicopatia é genética, enquanto que a sociopatia possui como causa não só a genética, a
predisposição hereditária, como a influência do ambiente é fundamental para a sua eclosão.
 O que difere um sociopata de um psicopata?

 Um psicopata já nasce com um temperamento bem delineado: é impulsivo,


possui ausência de medo que leva a comportamentos que buscam o risco e,
principalmente, possuem uma grande inabilidade de internalizar as normas
sociais. Um sociopata possui um temperamento próximo ao do indivíduo
comum, sendo a sua doença causada mais por fatores negativos na socialização
tais como negligência dos pais, pobreza extrema. Um sociopata pode ter QI
(quociente de inteligência) extremamente alto ou extremamente baixo
 O que aproxima as duas doenças mentais é que ambas são desordens de personalidade
antissocial, e podem resultar em atos de violência que podem ser terríveis como
assassinatos com requinte de crueldade.
Diferenças
 PSICOPATIA
 Predisposição à violência  -   Alta
 Impulsividade     –  Alta
 Comportamento     -   Errático
 Comportamento Criminoso     –  Deixa pistas por ser impulsivo
 Predisposição Criminal    -    Tendência a crimes passionais ou impulsivos
 Relacionamentos Sociais    - Dificuldade de manter relacionamentos
 SOCIOPATIA
 Predisposição à violência  -  Variada
 Impulsividade       –     Variada
 Comportamento  - Controlado
 Comportamento Criminoso  - Tendência a calcular seus atos para não deixar pistas
 Predisposição Criminal   -   Tendência a crimes premeditados
 Relacionamentos Sociais  - Tendência de aparecer normal em um relacionamento
 Em geral, psicopatas vivem alheios à sociedade, pois são desorganizados mentalmente e
incapazes de manter um relacionamento estável com qualquer um, seja família, amigos ou
colegas de trabalho. Ao contrário, os sociopatas apresentam-se como normais e estáveis em
seus relacionamentos, e não é raro terem relações que são simbióticas ou parasitárias. Um
sociopata, deste modo, parecerá aos outros ter uma vida comum, misturando-se à
sociedade. De fato, eles podem ser muito charmosos.
 Dadas as características acima, podemos ver que os psicopatas dificilmente conseguirão
manter estabilidade em sua carreira profissional. Os sociopatas, ao contrário, conseguirão
ser bem sucedidos e vão tentar fazer com que os outros gostem e confiem neles.

 A diferença, neste quesito, reside no fato de que os psicopatas não possuem emoções como
as pessoas normais (em virtude de uma função anômala na região do sistema límbico,
responsável pelas emoções e empatia). Os sociopatas também são incapazes de sentir as
emoções como um indivíduo comum, porém, ele consegue entender o seu sentido, o que
um psicopata não consegue.
 Os atos de violência provocados por um
psicopata são arroubos de violência e são sempre
erráticos e não planejados. Assim, em um crime,
eles são geralmente encontrados pois deixam
pistas e traços que permitem ao perito provar a
culpa.
 Um sociopata, pode planejar seu crime ou ato de violência com anos de antecedência. Sua
motivação pode ser por vingança ou ganância. Como são atos meticulosamente planejados
podem não deixar rastros que os conduza a uma acusação formal ou prisão.
 Para concluir, devemos mencionar os tratamentos que são realizados na atualidade.
Basicamente, os tratamentos são através de terapia e medicamentos. Os especialistas que
trabalham nesta área geralmente não distinguem tanto se é sociopatia ou psicopatia, mas
tratam ambas as manifestações como desordem de personalidade antissocial. 
Fobia social
 A fobia social (CID 10 - F40.1) é caracterizada pelo pavor em estar com outras
pessoas, evitando assim interações sociais ao máximo. Pacientes sofrem com a
ideia de ir a uma festa ou a qualquer outro evento, fugindo de todo e qualquer
tipo de contato. O distúrbio é conhecido também como Transtorno da Ansiedade
Social.
 Muitas pessoas podem apresentar timidez, em maior ou menor grau,
principalmente em ambientes novos, desconhecidos e cheios de pessoas
estranhas. Encontros sociais, falar em público e começar em novo emprego, por
exemplo, são situações em que a timidez costuma falar mais alto naturalmente.
 Apesar de ser normal sentir-se ansioso e inseguro em lugares e situações como
essas, a tendência é que as pessoas vão se familiarizando com o local e, aos
poucos, entrosando com outras pessoas e fazendo novas amizades. No caso, com
pessoas com fobia social isso não acontece.
 A fobia social é um dos transtornos mentais mais comuns que existem.
Geralmente começa da adolescência, mas pode acontecer também em crianças e
até mesmo na idade adulta.
 Os sintomas da fobia social vão muito além desses sinais. Além do nervosismo
diário, outros sinais do distúrbio incluem medo e ansiedade acentuados, que
afetam diretamente na qualidade de vida da pessoa, comprometendo sua rotina
diária, o desempenho no trabalho, na escola e em outras atividades.
 https://www.psicologiamsn.com/2013/10/histeria-c-g-jung.html

 https://psicologiaanalitica.com/algumas-notas-sobre-a-psicopatologia-na-tica-junguiana/

 http://mitologialendasjapao.blogspot.com/2014/02/futakuchi-onna.html

 https://www.redalyc.org/journal/2933/293362740006/html/
Obrigado!!!

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