O documento discute a relação entre educação e democracia. Argumenta que teóricos clássicos como Kant viam educação e governo republicano como dependentes um do outro, mas hoje há um divórcio entre as duas. Isso se deve a concepções problemáticas sobre os fundamentos culturais da democracia e uma visão equivocada da neutralidade estatal.
O documento discute a relação entre educação e democracia. Argumenta que teóricos clássicos como Kant viam educação e governo republicano como dependentes um do outro, mas hoje há um divórcio entre as duas. Isso se deve a concepções problemáticas sobre os fundamentos culturais da democracia e uma visão equivocada da neutralidade estatal.
O documento discute a relação entre educação e democracia. Argumenta que teóricos clássicos como Kant viam educação e governo republicano como dependentes um do outro, mas hoje há um divórcio entre as duas. Isso se deve a concepções problemáticas sobre os fundamentos culturais da democracia e uma visão equivocada da neutralidade estatal.
O documento discute a relação entre educação e democracia. Argumenta que teóricos clássicos como Kant viam educação e governo republicano como dependentes um do outro, mas hoje há um divórcio entre as duas. Isso se deve a concepções problemáticas sobre os fundamentos culturais da democracia e uma visão equivocada da neutralidade estatal.
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Educação e esfera pública democrática: um
capítulo negligenciado da filosofia política – Axel
Honneth • Questão principal: qual é a relação entre a educação e a organização democrática do governo republicano? • A educação é entendida como um processo formativo destinado a instituir uma forma de governo ou uma estrutura política de poder que coloca o bem comum acima dos interesses particulares, de classes sociais, de grupos específicos, de corporações econômicas ou famílias; o governo republicano é um ideal de governo que remonta à Roma, e em que o chefe de Estado (governante) é eleito pelo povo e seu poder se dá por tempo limitado; • Argumento principal: no entender de Honneth, pelo menos desde Kant os teóricos clássicos da filosofia política estavam convencidos de que uma boa educação e uma ordem estatal republicana dependem uma da outra: formar cidadãos para a liberdade para que, como cidadãos autônomos, institucionalizem uma educação pública que possibilite a seus filhos o caminho para a maioridade política; • Nos dias atuais, o que se constata é um divórcio entre as gêmeas teorias da democracia e da educação: duas razões principais dessa cisão: • a) uma concepção truncada de democracia, que dependeria de comunidades tradicionais e mesmo religiosas para reproduzir suas bases ético-culturais; • b) e uma falsa concepção normativa de neutralidade do estado, que culmina concebendo os professores não mais como servidores públicos a serviço do estado democrático de direito, mas como servidores dos pais; • Ao desacoplamento entre a formação do cidadão autônomo e do governo autônomo dos cidadãos, entre pedagogia e teoria política, Honneth demonstra, partindo dos clássicos da teoria social, um nexo fundamental entre educação e liberdade política, entre formação e democracia; • O autor chama a atenção para dois grandes desafios que a pedagogia e a teoria democrática precisam enfrentar: • 1) o impacto da revolução digital sobre a esfera pública; • 2) a crescente heterogeneidade cultural dos cidadãos, em especial nas democracias ocidentais, para que a educação torne a ser o lugar do aprendizado da cultura democrática; • A história do sistema público de educação (subdivisão, forma e conteúdo do ensino escolar, currículo e métodos de ensino) é perpassado, desde o século 19, por disputas no âmbito das forças principais dentro dos estados constitucionais democráticos; • Promessa estatal de um direito geral dos cidadãos a formação e educação - Immanuel Kant = preleções Sobre a Pedagogia: “duas invenções humanas decerto podem ser vistas como as mais difíceis, a saber, a da arte do governo e a da arte da educação, e ainda assim existe conflito até mesmo na ideia delas”; • Para Kant, o paralelo entre a arte do governo e a arte da educação resultava da consideração de que ambas são instituições criadas pela sociedade que têm de cumprir a mesma tarefa nas dimensões diferentes da história da espécie e do indivíduo; • Por meio de uma escolha habilidosa dos meios e métodos, ou seja, através de uma espécie de “arte”, elas precisam nos ensinar como, num caso, um povo de súditos e, no outro, uma criança por natureza ainda submissa devem ser levados do estado de imaturidade para o de liberdade; • Portanto, há um duplo condicionamento entre ordem estatal republicana e educação: • a) o ser humano pequeno e impelido pela natureza precisa percorrer primeiro um processo de educação voltado para a liberdade para poder se tornar membro do povo de um estado que governa a si mesmo; • b) inversamente, só cidadãos e cidadãs autônomos podem institucionalizar uma educação pública que possibilite a seus filhos o caminho para a maioridade política; • Dessa forma, uma boa educação e uma ordem estatal republicana dependem complementarmente uma da outra, porque a boa educação produz concretamente, por meio de uma instrução geral e pública, as capacitações culturais e morais com cuja ajuda a ordem estatal republicana pode existir e prosperar de tal maneira que a cidadania ainda participe da emancipação política também dos integrantes das classes baixas. • Como no Emílio de Rousseau, na Pedagogia de Kant a ideia do “bom cidadão” constitui o elo de ligação entre a teoria da educação e a do governo, entre concepção de formação e filosofia política: sem uma, a outra não seria possível, porque ambas explicam pressupostos de uma coletividade democrática que não poderiam existir independentemente um do outro; • No discurso político-filosófico da era moderna, quase todos os teóricos da democracia famosos tenham produzido uma contribuição sistemática para a teoria da educação: Rousseau (Emílio), Kant (Sobre a Pedagogia), Schleiermacher (Texto sobre a Pedagogia), Emile Durkheim (Educação, Moralidade e Sociedade) e John Dewey (Educação e Democracia, Natureza e Democracia); • A pedagogia, entendida como a teoria dos critérios e métodos de uma instrução adequada das gerações futuras, era compreendida como irmã gêmea da teoria da democracia, porque sem orientações equilibradas sobre como se devem despertar na criança, ao mesmo tempo, a capacidade para a cooperação e a iniciativa moral própria, não parecia possível se explicar o que significaria falar da cooperação conjunta na autodeterminação democrática. • A ideia do “bom cidadão” não era uma fórmula vazia ou peça decorativa de discursos políticos, e sim um desafio prático, e era preciso se mostrar à altura dele através do esboço teórico e até do teste experimental de formas escolares e métodos de ensino apropriados; • A vinculação entre democracia e concepção educacional, de filosofia política e pedagogia foi progressivamente rompida; há iniciativas de refletir sobre a necessidade de uma educação democrática, mas elas geralmente vêm de uma ciência educacional que foi deixada sozinha, e não mais extraída do centro da própria filosofia política; • A teoria da democracia, na diversidade de suas formas e vozes, silencia hoje amplamente sobre o lado educacional de sua tarefa essencial; não se encontram mais nela reflexões sobre métodos escolares nem sobre o currículo; • A tese de que uma democracia vital precisa primeiro gerar, através de processos de formação geral, os pressupostos de sua própria subsistência cultural e moral foi perdida pela filosofia política; • Quais são as razões do desligamento entre pedagogia e filosofia política? • Para Honneth, essas razões residem, numa união fatal, baseada no que se pode chamar de “afinidade eletiva”, de concepções problemáticas a respeito dos pressupostos culturais da democracia e de um imperativo de neutralidade estatal compreendido erroneamente; • Para Honneth, Kant, Durkheim ou Dewey sempre consideravam o tema da educação democrática parte integrante de seus próprios empreendimentos político-filosóficos; • Hoje em dia, dentro da teoria da democracia de orientação normativa, esse tema só tem ainda um papel marginal – a pedagogia científica cumpriria o papel de pensar a relação entre educação e democracia = bom cidadão; • Duas fontes teóricas principais que, ao longo das últimas décadas, fizeram com que a teoria da democracia perdesse a crença no valor da educação organizada pelo estado para a constituição de uma sociedade democrática: • a) a disseminação da noção de que só resta ao estado democrático de direito uma margem muito pequena na regeneração de suas próprias condições morais e culturais pode ter contribuído a concepção segundo a qual a democracia depende, em sua reprodução, do fornecimento de componentes de tradição anteriores a ela – conhecida como tese de Böckenförd; • Tese de Böckenförde - afirma que as democracias devem sua conservação social a atitudes morais que só podem prosperar em comunidades consolidadas com orientações éticas substanciais e até religiosas; • Essa tese resulta em dois problemas graves: • 1) nega aos processos educacionais organizados pelo estado (formação escolar e pré-escolar) qualquer valor para a transmissão de comportamentos promotores da democracia (as atitudes morais, o valor da cooperação social, a capacidade de tolerância, o poder se colocar no lugar dos outros, a orientação pelo bem comum etc.); • 2) esses comportamentos promotores da democracia não são aprendidos em processos de ensino, por melhor que sejam conduzidos, mas somente no ambiente de socialização ética de comunidades pré-políticas (comunidades religiosas, por exemplo); • Portanto, as atitudes democráticas – vitais para a democracia – não são adquiridas em processos educacionais mediados pelo estado, mas nos ambientes pré-políticos de comunidades tradicionais – primeira característica da cisão entre educação e filosofia política/teoria democrática; • Na recepção geral desta tese resta apenas a convicção da necessidade de as sociedades democráticas confiarem na sobrevivência de comunidades tradicionais formadas em torno de atitudes mentais: todos os esforços estatais de organização de uma educação democrática são em vão porque não podem gerar as virtudes morais que são vitalmente necessárias para a subsistência de democracias. • b) a interpretação frouxa do imperativo da neutralidade do estado é feita de modo tão restritivo que até mesmo os princípios da formação da vontade democrática não podem mais se expressar de modo algum no ensino escolar público – trata-se de uma reinterpretação neoconservadora da democracia, segundo a qual esta última só permanece viável mediante um fornecimento permanente de componentes de tradições anteriores a ela; • Na disputa perpétua em torno da inevitável parcialidade da ação estatal, nunca havia dúvida, para a tradição que se estende de Kant até Durkheim e Dewey, de que o ensino promovido pelo estado deve corporificar exatamente os valores que se expressaram na decisão de torná-lo obrigatório para todos os futuros cidadãos; • O direito dos pais de transmitir a seus filhos suas próprias convicções valorativas particulares tinha de ser rompido no portão da escola para se poder abrir aos pupilos o caminho para participar da formação da vontade pública mediante o exercício de comportamentos reflexivos; • A naturalidade que se expressa em tal direcionamento do ensino escolar para os mesmos procedimentos democráticos está sendo questionada em grau crescente hoje em dia: dois motivos: • 1) ou se apela para o imperativo da neutralidade do estado para advertir contra uma sobrecarga da educação escolar com valores políticos, estranhos a ela; • 2) ou se reclama, por parte de pais interessados, que com uma orientação excessivamente forte por objetivos democráticos a transmissão de funções promotoras da carreira profissional poderia ficar prejudicada. • Nas reinterpretações culturais conservadoras da viabilidade das democracias, encontra-se a convicção de que os métodos e conteúdos do ensino administrado pelo estado também precisam ser libertos de todos os objetivos democráticos; • Já se encontram hoje em dia ponderações no sentido de só incumbir a escola (a) a tarefa da inculcação de um “mínimo civil”, (b) deixar por conta dos pais, através de vales educacionais, a escolha do caráter cosmovisivo do ensino escolar e (3) não entender mais os professores e professoras em seu conjunto como incumbidos pelo estado de direito, mas apenas pelas associações de pais; • Para Honneth, quanto mais escola pública fosse concebida como eticamente neutra, para colocar no lugar dela um sem-número de escola privadas com vínculo cosmovisivo, tanto mais acentuadamente a sociedade democrática perderia o quase único instrumento de que ela dispõe para a regeneração de seus próprios fundamentos morais; • O conflito em torno do sistema escolar estatal, independentemente de ele dizer respeito à sua estruturação, aos currículos ou aos métodos empregados, sempre é também uma luta pela viabilidade das democracias para o futuro.