Artigo Honneth
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Artigo Honneth
The three notions of liberty in the Axel Honneth’s The freedom’s right
Resumo
O artigo analisa as três concepções de liberdade presentes na obra “O direito da liberdade”, de Axel
Honneth, a saber: a liberdade negativa, a liberdade reflexiva e liberdade social. Em sua reconstrução
da teoria crítica, Honneth procura mostrar, nas condições sociais da existência das liberdades
individuais, representadas pela liberdade negativa e pela liberdade reflexiva, que o indivíduo tem
sim sua vontade e ela deve ser realizada; entretanto, essas liberdades são superadas através da
eticidade e do reconhecimento intersubjetivo, na tomada de consciência de que esse indivíduo não
está só no mundo, e sim inserido em um contexto social mais amplo e complexo, no qual ele
participa e tem direitos e deveres que precisam ser respeitados. Este tipo de liberdade é definido
como liberdade social ou vontade coletiva. Portanto, é no âmbito da liberdade social (ou vontade
coletiva) que os indivíduos são capazes de realizar suas vontades de maneira justa e democrática.
Palavras-Chave: liberdade negativa; liberdade reflexiva; liberdade social; justiça; Axel Honneth.
Abstract
The paper analyzes the three notions of liberty presented in Axel Honneth’s The freedom’s right,
namely: negative liberty, reflexive liberty and social liberty. In his reconstruction of critical theory,
Honneth intends to show, from the investigation of social conditions for the existence of individual
liberties in terms of negative and reflexive liberties, that individual has his will and it must be
performed; however, these liberties are overcome by ethicity and intersubjective recognition, in the
self-consciousness that the individual is not alone in the world, but inserted in a more wide and
complex social context, in which he participates and has rights and duties which need by respected.
This kind of liberty is defined as social liberty or collective will. Therefore, it is in the sphere of
social liberty (or collective will) that individuals are capable of fulfilling their wills in a just and
democratic manner.
Key-Words: Negative Liberty; Reflexive Liberty; Social Liberty; Justice; Axel Honneth.
Introdução
Neste artigo, buscamos apresentar as três concepções de liberdade desenvolvidas por
Honneth na obra O direito da liberdade (2015), a saber: a “liberdade negativa”, a “liberdade
reflexiva” e a “liberdade social”. Na primeira seção do texto, ao apresentarmos o conceito de
liberdade negativa, queremos mostrar que Honneth argumenta que a liberdade negativa consiste na
busca, por parte do indivíduo, de seus próprios interesses sem a interferência de impedimentos
exteriores, ou seja, a liberdade negativa “repousa numa arraigada intuição do individualismo
moderno” (HONNETH, 2015, p.46), na medida em que este tipo de liberdade se encontra
diretamente ligada à autonomia do indivíduo, não encontrando nenhuma força externa que o coaja,
uma vez que ele é dono de sua “vontade”. Na segunda seção, ao apresentarmos o conceito de
liberdade reflexiva, demonstramos que esse tipo de liberdade se desenvolve somente numa relação
do “sujeito consigo mesmo”, isto é, no cerne desse tipo de liberdade encontramos a tese de que o
indivíduo livre é aquele capaz de se relacionar consigo mesmo em um processo no interior do qual
ele é conduzido, em seu agir, apenas por suas próprias intenções (Cf.: HONNETH, 2015, p.58-59):
trata-se de um tipo de liberdade que se apresenta quando a pessoa faz uso de sua racionalidade para
decidir o que é melhor para sua afirmação; além disso, neste conceito de liberdade, a pessoa só pode
ser considerada livre quando ela é capaz de reconhecer em si própria suas vontades. Na terceira
seção, ao analisarmos o conceito de liberdade social, apresentamos a tese de Honneth de que “[...]
nessa nova concepção da teoria do discurso da liberdade, “social” é a circunstância segundo a qual
determinada instituição de realidade social já não é considerada mero aditivo, mas condição e meio
para o exercício da liberdade” (HONNETH, 2015, p. 81), ou seja, esta concepção de liberdade se
estabelece quando o sujeito faz uso do exercício tanto de sua liberdade reflexiva como de sua
liberdade negativa no âmbito social, nas relações institucionalizadas, tais como nas relações de
mercado, nas relações familiares e nas relações com o Estado. Com isso, queremos demonstrar que,
para Honneth, os valores das sociedades liberais-democráticas acabam se fundindo em um único
valor: o valor da liberdade (entendido como autonomia do indivíduo). Para ele, cada esfera da
nossa sociedade tende a ter uma noção de liberdade individual, que se estrutura de acordo com
nossas experiências e, por isso mesmo, o conceito de justiça pode se dividir em múltiplas esferas,
procurando uma “maneira justa” de legitimar essa liberdade no contexto de nossas sociedades
contemporâneas. Finalmente, concluímos o texto afirmando que, na perspectiva da teoria crítica da
sociedade desenvolvida por Honneth, uma teoria da justiça deve se preocupar em analisar a
sociedade de forma a procurar princípios puramente normativos, os quais possam mensurar a
legitimidade moral do ordenamento social. Partindo da premissa acima, Honneth pôde dizer que os
movimentos sociais – tais como os movimentos feministas, o movimento LGBT, os direitos
humanos, os movimentos sindicais etc. – procuram uma forma justa de exigir do governo e da
sociedade que a justiça se faça de tal maneira que a liberdade seja dada de forma igual a cada um de
seus indivíduos, e essa só pode ser legitimada quando a autonomia do indivíduo for reconhecida
como algo fundamental no interior dessa sociedade. Nesse setido, a concepção de justiça e liberdade
Honneth é oposta à concepção ideal de justiça e liberdade de Rawls: enquanto Honneth defende
uma relação dialógica entre os sujeitos que procuram valores coletivos, Rawls parte do princípio de
que cada pessoa possui direitos invioláveis (por exemplo, a liberdade), fundados no princípio da
justiça, que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar.
A liberdade negativa
Portanto, para o filósofo frankfurtiano, nesse princípio de liberdade negativa, que é dirigida
exclusivamente pelos seus desejos, o indivíduo almeja efetivar sua vida boa dentro de sua
singularidade, numa tentativa clara de realizar sua vontade sem reconhecer a vontade do outro.
Honneth afirma que o século XXI seria o apogeu do individualismo; desse modo, aos seus olhos, a
concepção hobbesiana de liberdade negativa deve ser superada, pois essa liberdade tem apenas o
objetivo daquilo que o indivíduo quer para si. Na esfera da liberdade negativa, o indivíduo
“conversa” e “delibera” consigo mesmo: é ele quem dita o que é melhor para si sem se preocupar
com os resultados das ações que ele venha adotar, ou seja, basta o ato puro de realizar seus desejos
para que ele queira usar sua condição de liberdade. Honneth utiliza também o conceito sartreano de
liberdade negativa: para ele, “no páthos existencialista, a liberdade incondicionada chega a um fim,
num processo que se iniciou já com a determinação imperceptível pela qual apenas impedimentos
externos poderiam limitar as ações de um homem” (HONNETH, 2015, p. 49-50). Nesse sentido,
fica clara a tese de que o indivíduo poderia satisfazer sua vontade apenas realizando suas escolhas
próprias sem interferências externas.
Na filosofia política de Nozick, Honneth percebe que a liberdade negativa tinha também
como função a realização de suas vontades sem impedimentos externos. Com efeito, “[...] para um
ator assim caracterizado, ser livre significa poder realizar todos os objetivos de vida egocêntricos e
caprichosos que forem compatíveis com a liberdade de seus cidadãos” (HONNETH, 2015, p. 50).
Portanto, nesta esfera de liberdade, o indivíduo apresenta tanto uma forma racional de ver a vida
como também uma maneira específica de satisfação de seus desejos, não podendo, de forma
irracional, querer algo motivado apenas por seus impulsos e desejos egoístas: “como limitações
‘externas’ da liberdade, deve-se considerar o confronto dos sujeitos com a expectativa de submissão
de seus desejos ou inteções a padrões minímos de racionalidade” (HONNETH, 2015, p. 51). Assim,
Nozick considera fundamental que os indivíduos realizem seus desejos de forma racional, evitando,
com isso, que se viole o direito de outros. Portanto, na ótica de Nozick, a ideia de uma liberade
negativa (ou liberdade indiviual) seria o ponto de partida para um ordenamento do Estado; no
núcleo de sua relfexão, o homem aparece como sendo um ser atomístico, ou seja, um ser que busca
apenas que seus interesses sejam realizados. Nas palavras de Honneth:
Como podemos perceber, tanto a teoria de Hobbes como a teoria da Nozick apresentam um
caráter individualista, isto é, na perspectiva das teorias dos dois autores, os indivíduos vislumbram
tão somente a proteção e a garatia de sua própria liberdade. Por sua vez, na perspectiva da teoria do
reconhecimento intersubjetivo de Honneth, a liberdade negativa não seria a liberdade normativa que
possa torrnar um Estado ou comunidade mais justa. Para Honneth, esse indivíduo, motivado pelo
seu ímpeto singular de realizar suas vontades, deve começar a aprender que ele não se encontra
sozinho em uma sociedade; além disso, ele precisa aprender e considerar que outros indivíduos
também possuem suas vontades singulares e também eles querem que elas sejam realizadas. A
liberdade negativa, portanto, pode motivar conflitos que podem limitar ou até mesmo prejudicar o
processo de autodeterminação individual. Nas palavras de Honneth:
Em resumo, a liberdade negativa seria somente uma espécie de libertação das forças que
coagem o indivíduo a não adotar determinadas ações. Dessa forma, a liberdade negativa pode
inclinar o indivíduo a decidir somente por si mesmo como realizar sua vontade livre. No entanto,
essa realização é apenas individual, na medida em que ele não se preocupa em realizar essa
liberdade no mundo.
A liberdade reflexiva
Podemos afirmar, portanto, que na esfera da liberdade negativa é livre o indivíduo que
consegue se relacionar consigo mesmo, pois ele é somente conduzido por sua vontade sem coerção
externa; a liberdade individual, nesse sentido, pode ter diversas formas de manifestações.
Entretanto, a ideia de liberdade reflexiva deixa claro que o indivíduo não pode ter somente a
vontade ou se deixar levar por seus desejos: ele tem que, de forma racional, fazer dessa vontade
uma ação que o beneficie sem transgredir o direito do outro; servindo-se sempre de sua autonomia e
de sua autenticidade, o indivíduo deve sempre buscar sua autodeterminação e sua autorrealização.
Referindo-se à Isaiah Berlin, Honneth argumenta que este apresenta outras definições da liberdade
reflexiva: Berlin chama de liberdade “positiva” aquela liberdade que está ligada à “autonomia” do
indivíduo e à “autorealização” do mesmo; em outras palavras, o indivíduo segue a vontade própria,
dialoga consigo mesmo e identifica o que é melhor para seus interesses de forma reflexiva,
livrando-se, progressivamente, de seus apetites (Cf. Honneth, 2015, p. 59-60). Com efeito, essa
reflexão faz com que o indivíduo perceba a diferença entre autonomia e heteronomia: ele torna-se
um indivíduo capaz de controlar seus desejos e, assim, aqduire a capacidade de poder se
autolegislar de forma racional. Na esteira de Rousseau, Honneth afirma que “[...] o sujeito humano
deve ser considerado ‘livre’ uma vez que possui fortuna e à medida que tem a capacidade de se dar
as leis de seu agir e se fazer ativo em conformidade a ela” (HONNETH, 2015, p.63).
Com efeito, a esfera da vontade coletiva começa a superar, de forma amena, o sistema de
egoísmo social, de modo que a cooperação e a deliberação pública começam a aparecer como a
forma mais justa de realização da vontade, sem deixar que sejam perdidas as liberdades individuais.
A liberdade reflexiva se constitui, para o indivíduo, em um processo que o ajuda na sua formação
social e lhe fornece as condições de autorrealização, sem que isso possa causar prejuízos para os
demais membros dessa sociedade.
A liberdade social
Baseando-se nas intuições hegelianas, Honneth cita como exemplo de liberdade social as
relações de “amor” e “amizade”, na medida em que, aqui, há uma interferência externa sobre o
indivíduo, que reconhece no outro as suas próprias vontades. Em sua teoria crítica, Honneth usa o
termo “estar consigo mesmo no outro” para designar uma forma de reconhecimento recíproco entre
os indivíduos. A “liberdade social”, portanto, só pode ser realizada no seio de uma sociedade ou
comunidade, de modo que esse reconhecimento intersubjetivo só pode dar-se no meio das
instituições. O conceito social de liberdade, nas palavras de Honneth, significa que:
É por isso que Honneth afirma que o reconhecimento intersubjetivo, bem como a luta por
esse “reconhecimento”, ocorre principalmente na esfera da solidariedade, visto que é através de
instituições como a família, a escola, a igreja, o Estado, o mercado etc. que o indivíduo pode se
reconhecer e reconhecer os outros como iguais e portadores de direitos e liberdades. É nesse sentido
que podemos ver a sociedade formada por sujeitos conscientes de seus direitos e deveres, de forma
a desenvolver uma sociedade mais justa, onde as patologias sociais sejam amenizadas ou até
extinguidas do seio dessa sociedade, prevalecendo a dignidade da pessoa humana e o respeito
mútuo. Nas palavras de Honneth:
Aquele que se aspira liberta-se da relação de gozo, que se torna imendiatamente ser
um de ambos no ser-para-o-outro absoluto de ambos ou se converte em amor; e
nessa visão o gozo é consciência nessa contemplação de si mesmo no ser do
outro.” [...]. É apenas sob a condição histórica que a prática social substitui esse
tipo de padrão pelo ideal moderno e romântico de amor que podemos relacionar
dois sujeitos de modo que possam, reciprocamente, ver no outro sua liberdade
erótica para realização. Sendo assim, já a primeira concepção de amor por Hegel
contém a referência a uma instituição pensada como condição social, pois só assim
pode existir uma relação de reconhecimento (HONNETH, 2015, p.87-88).
Para Honneth, além dos indivíduos estarem ligados uns aos outros pelo reconhecimento
intersubjetivo, eles crescem juntamente com sua sociedade através de um ciclo de socialização
realizado nas instituições, podendo, assim, universalizar a liberdade social em uma sociedade
pluralizada, mediante a prática da reciprocidade. Com isso, durante toda a sua vida, o indivíduo vai
poder se realizar em sua “vontade livre” e conquistar a “vida boa”.
Conclusão
Honneth argumenta que uma teoria crítica da sociedade deve estar preocupada com a
superação das patologias sociais que são próprias de nossa modernidade política, social, cultural,
econômica etc.; além disso, ele procura mostrar como o reconhecimento intersubjetivo, tanto no
âmbito individual como no social, pode mudar a forma como cada um trata seus pares, procurando,
através de uma concepção de justiça normativa, respeitar a liberdade de seus indivíduos, podendo,
assim, formar uma sociedade com mais dignidade e respeito à pessoa humana, de modo que cada
uma possa exercer seus direitos sociais de uma forma plena. Nesse sentido, a liberdade, a
construção do sujeito social, o respeito da particularidade da pessoa de direto, a universalidade do
sujeito e a sua autonomia – eis o que está no núcleo da teoria crítica do reconhecimento de Honneth.
Nas nossas sociedade liberais contemporâneas, a liberdade só adquire legitimidade na medida em
que é construída de forma dialógica; para além do bem-estar do indivíduo em particular, é a
autorrealização da sociedade, através de sua autodeterminação, que é o cerne da ação e da reflexão
em termos de justiça social, conclui Honneth.
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