A Didática Das Artes Visuais Na Educação
A Didática Das Artes Visuais Na Educação
A Didática Das Artes Visuais Na Educação
RESUMO
No ensino das artes visuais e em todas as actividades relacionadas com o campo artstico, assiste-se actualmente a um processo de adaptao s necessidades da sociedade actual, fruto de uma transformao exponencial que reflecte o processo evolutivo em todas as suas vertentes a um ritmo to acelerado, no permitindo por vezes, uma avaliao devidamente ponderada e efectiva. Neste sentido, com o trabalho apresentado pretende-se demonstrar uma reflexo individual traduzida pela experincia profissional adquirida nos ltimos anos como docente nas mais variadas disciplinas do universo das artes, nos processos de ensino/aprendizagem, nas teorias conceptuais do domnio artstico apresentadas por diversos artistas e pela anlise da articulao entre a escola/sociedade e respectiva ambivalncia.
ABSTRACT
In visual arts teaching practice and in all activities related to the artistic field, we are currently assisting at the adaptation course to the needs of today's society as the result of an exponential transformation that reflects the evolutionary process in all its aspects at a pace so accelerated not allowing, occasionally, an assessment duly considered and effective. In this way, the present work intends to demonstrate an individual reflection translated by the professional experience gained in recent years as teachers in various disciplines of the arts universe, in the teaching / learning, conceptual theories of artistic mastery shown by various artists and analysis of the relationship between school and society and their ambivalence.
Palavras-chave: Ensino artstico, Portugal, artes visuais, sistema educativo, escolaridade obrigatria, prtica pedaggica, didctica da educao visual, currculo nacional.
Universidade de Aveiro Mestrado em Ensino de Artes Visuais no 3 ciclo do Ensino Bsico e Secundrio Didctica e Desenvolvimento Curricular das Artes Visuais I Paulo Maia 52751 Janeiro 2011
Didctica e Desenvolvimento Curricular das Artes Visuais I A DIDCTICA DAS ARTES VISUAIS NA EDUCAO - PRINCPIOS E FUNDAMENTOS DO PROFESSOR DE EDUCAO VISUAL
INDCE:
Introduo
Consideraes finais
Referncias bibliogrficas
Webgrafia
Didctica e Desenvolvimento Curricular das Artes Visuais I A DIDCTICA DAS ARTES VISUAIS NA EDUCAO - PRINCPIOS E FUNDAMENTOS DO PROFESSOR DE EDUCAO VISUAL
INTRODUO
O processo de determinao do mtodo de ensino nas artes visuais est intimamente relacionado com as concepes das teorias do conhecimento que o definem. No entanto, como estes processos esto assentes numa pluralidade conceptual, assiste-se por vezes subverso do suporte terico que os definem na aplicao prtica que se assiste em sala de aula. Atravs de uma anlise atenta dos mtodos de ensino e tcnicas aplicadas nas diferentes instituies de ensino e por diferentes docentes pode-se verificar que os pressupostos presentes no ensino das artes visuais no secundrio esto aglutinados numa amlgama de saberes ligados s mais diversas reas de estudo que reflectem a diversidade na expresso artstica presente num perodo de ps-modernidade e da suposta crise de valores/identidade que confunde os limites e fronteiras das artes visuais. Na verdade, o resultado desta filosofia, compreende uma clara afirmao de uma crise de identidade nos contedos e mtodos no ensino das artes visuais que se reflecte na forma to alargada que expressa. Deste modo, at que ponto ser justa a afirmao de tal crise? Se assistimos actualmente a todo este frentico processo evolutivo, no ser precisamente este o propsito da existncia do ensino artstico? Talvez pelo facto do ensino das artes, comparativamente com as restantes disciplinas curriculares no ser suficientemente tcnico ou cientfico, est destinado ao campo da subjectividade, proveniente da amplitude das suas definies: a arte associa-se noo de esttica e beleza ao sentido sensorial e percepo e criao, que assenta mais em pressupostos que em verdades absolutas, levantando constantemente questes na vasta complexidade da teia que os envolve. Por outro lado, como o corpo docente responsvel pela leccionao destas disciplinas provm das mais variadas vertentes da formao artstica tais como a pintura, escultura e restantes cursos das Belas Artes, passando pela arquitectura e o design, aproximam na prtica do ensino a vertente do conhecimento artstico em que se sentem mais confortveis, subvertendo por vezes a aplicao curricular nos discursos educacionais aplicados na sala de aula de acordo com a sua experincia acadmica e profissional. Por ltimo, tambm importante referir que a ambiguidade da arte na sociedade est associada sua aplicao e interpretao como meio de comunicao e bem de consumo. Desta forma, os seus princpios so indissociveis dos cnones da esttica actual, na medida em que se assiste a uma larga difuso das manifestaes artsticas associadas a correntes ou movimentos culturais das mais diversas tribos urbanas e de uma sociedade predominantemente marcada pelo consumo e avano tecnolgico em que as tcnicas
Didctica e Desenvolvimento Curricular das Artes Visuais I A DIDCTICA DAS ARTES VISUAIS NA EDUCAO - PRINCPIOS E FUNDAMENTOS DO PROFESSOR DE EDUCAO VISUAL
audiovisuais so aplicadas nos mais variados suportes resultantes da constante evoluo tecnolgica. De acordo com estes pressupostos, apenas uma anlise cuidada de todos os elementos que esto na base da influncia social no mundo actual, poder permitir a construo de uma base conceptual no ensino das artes visuais adaptada s diversas circunstncias que sustentam um campo do conhecimento to abrangente e profundo como a prpria existncia Humana.
Didctica e Desenvolvimento Curricular das Artes Visuais I A DIDCTICA DAS ARTES VISUAIS NA EDUCAO - PRINCPIOS E FUNDAMENTOS DO PROFESSOR DE EDUCAO VISUAL
O facto de a arte actuar de forma directa no indivduo atravs de estmulos ou sugestes, sem aparente filtro racional, gerou sempre alguma confuso e controvrsia, uma vez que o ser humano est habituado a encontrar explicao para tudo que o rodeia. Apesar de esta englobar um leque imenso de formas de expresso, nas artes visuais que a questo se torna mais pertinente e onde mais evidente a aparente inconsequncia das suas manifestaes e a incompreenso por parte da sociedade. Na prtica do ensino das artes visuais parece importante referir a sua importncia decisiva na contribuio para o desenvolvimento do indivduo na sua formao individual, Grade (1993) A arte como uma manifestao de todo o ser Humano revela-se de uma forma intrnseca desde o incio da sua existncia como processo de manifestao de uma identidade. Para o efeito, determinante na formao do indivduo, o desenvolvimento da sensibilidade e competncia artstica de uma forma global que infelizmente, tem perdido a sua importncia nos ltimos anos e consequentes reformas do ensino. Na verdade, tem-se assistido ao processo regressivo nas disciplinas das artes visuais que na maioria dos casos so interpretadas como ocupao de tempos livres ou aulas recreativas, quer pelos alunos como pelos restantes elementos do corpo docente que atribuem uma importncia menor s disciplinas de carcter artstico. Infelizmente, de forma a contrariar este tipo de interpretao assiste-se transformao da prtica destas disciplinas por alguns docentes, aproximando-as do modelo de aulas expositivas tericas, de modo a conferir-lhes (de forma errnea) alguma dignidade e estatuto. Esta tendncia na insistncia da nomeao de algumas disciplinas do campo humanstico e/ou cientfico de disciplinas nucleares, acabaram por marginalizar nos ltimos anos as disciplinas das artes visuais no processo de formao geral dos alunos, como se as artes no tivessem uma contribuio directa no processo de ensino-aprendizagem. Deste modo, importante incentivar uma cultura genuna assente no processo criativo da educao do aluno de uma forma geral para que se assista a uma homogeneidade da formao artstica em detrimento do desenvolvimento espordico de indivduos com aptides artsticas de nvel excepcional. Para tal, e como as disciplinas relacionadas com as artes visuais abrangem um campo cada vez mais alargado no que diz respeito forma de representao plstica que vo desde o desenho livre ao desenho tcnico, representao geomtrica, reproduo ou concepo de modelos, escultura, pintura, instalaes, vdeo, arte digital, etc., surge a necessidade de uma formao determinada pela organizao hierrquica de todos os elementos que a constituem.
Didctica e Desenvolvimento Curricular das Artes Visuais I A DIDCTICA DAS ARTES VISUAIS NA EDUCAO - PRINCPIOS E FUNDAMENTOS DO PROFESSOR DE EDUCAO VISUAL
Na verdade, constata-se que na maioria dos casos, apesar de os alunos possurem um largo currculo de experimentao artstica que principia no ensino bsico e se prolonga at ao final do secundrio, tem uma grande dificuldade na definio especfica do conceito de arte e da importncia directa das artes visuais na formao de um conhecimento global. Por outro lado, a arte como indcio de expresso Humana, tem encontrado as mais diversas formas de representao adaptando-se constantemente s transformaes sociais e culturais. Neste momento testemunha-se proliferao da manifestao artstica atravs dos mais variados mtodos. A globalizao e consequente evoluo para uma sociedade de consumo utilizam a arte como transmissora de uma identidade, atitude, estatuto ou bem material desejvel, consumvel e efmero. Em todo o lado assiste-se a uma exploso massiva e desenfreada de cdigos, signos e representaes que alargam o sentido artstico e esttico do mundo que nos rodeia confundindo o observador menos informado. Este tipo de manifestaes que ocupam as fachadas dos edifcios degradados, os outdoors das autoestradas, as paragens dos transportes pblicos, os objectos do quotidiano, a televiso, os cinemas e os ecrs dos computadores so testemunho que a arte um fenmeno cada vez mais globalizante e interdisciplinar que o ensino no pode de forma alguma descurar. Por este motivo, a ensino segue a tendncia e a vontade da sociedade, numa oferta cada vez mais ampla de disciplinas de formao e expresso artstica complementar que passam pela expresso plstica, atelis artsticos, o design, a multimdia, expresso dramtica, oficinas de artes, etc., que em vez de complementar o ensino geral das artes visuais, confundem seu verdadeiro objectivo e o seu princpio estratgico na formao dos jovens estudantes. A educao visual uma disciplina fundamental para o desenvolvimento integral do aluno, principalmente a nvel da expresso pessoal, social e cultural, incentivando-o para novas formas de pensamento que articulam imaginao, emoo e razo atravs das suas capacidades cognitivas e afectivas. Contudo, a prpria vivncia e percepo artstica de cada um deles, vai influenciar o modo como aprendem, como comunicam e como interpretam as situaes e significados do quotidiano, uma vez que a arte est constantemente presente na vida das pessoas. Para isso, importante que o professor de educao visual contribua para a implementao de hbitos de observao anlise e sntese, estimulando no aluno a sua capacidade expressiva, comunicativa e interpretativa, atravs da figurao. Este processo dever ajudar os alunos na construo da identidade pessoal e social, mediante o desenvolvimento de competncias que lhes permitam antes de mais o entendimento das vrias tradies e culturas sociais e artsticas, para no final serem capazes de afirmar a sua singularidades e a sua forma de exprimir novos saberes e novos significados.
Didctica e Desenvolvimento Curricular das Artes Visuais I A DIDCTICA DAS ARTES VISUAIS NA EDUCAO - PRINCPIOS E FUNDAMENTOS DO PROFESSOR DE EDUCAO VISUAL
Desta forma, cabe s artes visuais, o papel transdisciplinar de reconhecimento deste tipo de manifestaes atravs da sensibilizao para a centralidade da imagem na descodificao dos seus elementos e da procura de um fio condutor entre os seus elementos os seus contextos e as mltiplas formas que o constituem, Zordan (2005). A apreciao das imagens no uma atitude que obedece a perguntas pr-estabelecidas, mas observaes que abrem outras possibilidades para se olhar quilo que sempre olhamos, mas pouco percebemos. Um dos caminhos apontados para a apreciao no dirigida de imagens nos dado pelas pesquisas de Housen (2000) que, ao pensar um currculo para a educao esttica, imagina a criao de um ambiente de descobertas 1 Assim parece importante definir, antes de mais, o significado das artes visuais e o seu papel como reflexo desta sociedade plural em que a mistura de expresses artsticas e variedade de informaes integra. Apesar de se poderem definir as artes visuais como o processo de manifestao da expresso humana atravs de signos ou imagens que reflectem um estado de esprito, uma ideia ou representao da realidade que abrangem um campo to vasto como a pintura, desenho, gravura, cinema, escultura, a instalao, a pintura, arquitectura, web design, a moda, decorao, paisagismo, etc., designando-se de visual refere-se apenas daquilo que a viso se ocupa, ou seja, imagem que traa um campo disciplinar que ocupa a formao do indivduo. Por outro lado, a arte embora varie de acordo com a sociedade ou poca estando normalmente associada noo do belo e de um apurado sentido esttico como teoria do gosto, deveria assentar em princpios mais restritos de forma a evitar que os seus pressupostos emboquem num campo de ambiguidade tal que torne impossvel definir com evidncia o sentido da sua aplicao. Na verdade parece ser exactamente o princpio da sua indefinio que estabelece a origem da discusso e divergncia de opinies sobre o seu mtodo de ensino/aprendizagem. A crise de identidade no ensino artstico reside precisamente na constante adequao da sua definio s correntes e princpios que se transformam e adaptam s necessidades da poca. Tendo reparado nas insuficincias das teorias essencialistas, alguns filsofos da arte, como Morris Weitz, abandonaram simplesmente a ideia de que a arte pode ser definida; outros, como George Dickie, apresentaram definies no essencialistas da arte, apelando, nesse sentido, para aspectos extrnsecos prpria obra de arte; outros ainda, como Nelson Goodman, concluram que a pergunta O que arte? deveria ser substituda pela pergunta mais
1
ZORDAN, Paola Basso Menna Barreto Gomes, Concepes Didticas E Perspectivas Tericas Para O Ensino Das Artes Visuais, 2005
Didctica e Desenvolvimento Curricular das Artes Visuais I A DIDCTICA DAS ARTES VISUAIS NA EDUCAO - PRINCPIOS E FUNDAMENTOS DO PROFESSOR DE EDUCAO VISUAL
adequada Quando h arte?. O facto que as inmeras conceitualizaes sobre a arte, o fazer-artstico, a apreciao esttica e os contextos culturais nos quais se do, criam uma paisagem diversificada, quando no catica, ao vislumbrarmos o campo em questo.2 Neste sentido, a arte assenta precisamente muito mais no princpio da dvida do que na certeza, desafia, levanta hipteses e antteses em vez de afirmar teses, Bello (2003). Caso contrrio, a noo esttica e de beleza poder, com muita facilidade ultrapassar a barreira da designao artstica atravs da subjectividade do conceito uma vez que esta est sempre sujeita aos valores ambientais, culturais, individuais e ao tempo. Na sociedade contempornea, a prpria cultura que decide qual objecto arte e qual no . O objecto em si no carrega essa definio. A arte no pode nem precisa ser explicada, tudo pode ser arte bastando apenas sociedade determin-la com tal independentemente do gosto. Neste sentido, a arte pode-se designar como um processo de manifestao da actividade humana diante de um sistema de avaliao que o classificar submetendo-o a um juzo e atribuindo-lhe um determinado valor. Por este motivo, o ensino das artes visuais dever ser encarado de forma a ir de encontro com as expectativas e caractersticas dos alunos, dos tipos de necessidade da comunidade onde esto inseridos de acordo com os valores que cada um sustenta uma vez que a valorizao da arte est de uma forma geral associada condio e aptido social de cada um. Ensinar a arte dever pressupor um dilogo entre a diversidade de culturas, de forma a ir de encontro s necessidades de cada um, independentemente da sua aptido artstica. Antes de mais, dever ser importante definir uma interaco com a cultura e correntes da poca de forma a integrar, um modelo que esteja assente em princpios fundamentais que se inter-relacionam e complementam, defendidos por vrios autores e que se baseiam num princpio de triangular compreendido por um processo de produo artstica, fruio ou apreciao esttica e contextualizao histrica ou sociocultural. Assim, caber ao docente orientar o aluno durante este processo em todas as suas vertentes desde a concepo do modelo como forma de representao de uma realidade, ou transmisso de uma ideia ou conceito, a componente crtica atravs da avaliao de juzos e respectivas tcnicas de representao e o seu enquadramento atravs da anlise histria ou circunstncia social em que se insere. Para alm desta experincia aplicada concepo da obra, dever ser estimulado na criana/jovem o sentido crtico em relao fruio da arte de uma forma
ZORDAN, Paola Basso Menna Barreto Gomes, Concepes Didticas E Perspectivas Tericas Para O Ensino Das Artes Visuais, 2005
Didctica e Desenvolvimento Curricular das Artes Visuais I A DIDCTICA DAS ARTES VISUAIS NA EDUCAO - PRINCPIOS E FUNDAMENTOS DO PROFESSOR DE EDUCAO VISUAL
global de modo que se ser criada uma relao emptica com o objecto artstico desenvolvendo a capacidade de entrar na obra cultivando a sua capacidade cognitiva e sensorial. Embora parecendo paradoxal, de acordo com Arnheim, o professor de educao visual, bem como o de qualquer rea pode optar por dois mtodos simples de ensino: ensinar tudo ou no ensinar nada. Atravs da instruo ao aluno das diversas tcnicas e mtodos, de acordo com os estudos dos respectivos estdios de desenvolvimento, caber ao professor apenas a indicao dos materiais orientando a sua utilizao de forma que o aluno organize a informao de acordo com o seu nvel de concepo. Neste sentido, abe ao professor de Educao Visual uma formao especfica orientadora no processo de ensino/aprendizagem que esteja predominantemente centralizada na educao pela arte e no apenas na transmisso de conhecimentos tcnicos ou cientficos que se encontram desfasados das necessidades reais dos alunos. Deste modo, o verdadeiro desafio do ensino das artes visuais prende-se sobretudo com uma correcta formao dos docentes das reas cientficas de forma a inserir no seu currculo a componente cientfico pedaggica aliada sua formao artstica. De um modo geral, apesar da recente criao de cursos que determinam a formao didtico-pedaggica dos professores de educao visual, tm-se vindo a verificar que at ento a formao dos professores era apenas vocacionada para a formao cientfica de tcnicos para o exerccio de actividades ligadas arquitectura, artes plstica e design, que apesar de possurem um elevado conhecimento artstico no mbito da expresso plstica ou domnio sensorial espacial, encontravam algumas dificuldades na componente pedaggica. Por outro lado a habilitao atribuda aos profissionais formados pelas ESEs apesar de conferir uma elevada competncia no domnio da pedagogia e didctica no proporciona um conhecimento suficientemente profundo no domnio da componente artstica do ponto de vista da tcnica. Em relao a este facto importante salientar que, de acordo com Boudon (1994) no desempenho da funo de docente no domnio das artes visuais os professores devero possuir um conhecimento bipolar; se por um lado "so especialistas de um saber disciplinar, por outro, so peritos na transmisso dos conhecimentos". Para alm deste facto, apesar da grande maioria do actual conjunto docente das artes visuais possuir um elevado conhecimento tcnico no domnio das artes, este corresponde apenas ao saber especfico proporcionado pelos cursos que frequentaram, tornando-se fundamental a unificao dos conhecimentos especficos num conjunto unificado de conhecimentos determinado pelo exerccio das suas funes na docncia. Assim, a existncia de um plano educativo s poder ser devidamente produtivo se os professores tiverem uma formao devida para o efeito, de modo a exercer a funo de
Didctica e Desenvolvimento Curricular das Artes Visuais I A DIDCTICA DAS ARTES VISUAIS NA EDUCAO - PRINCPIOS E FUNDAMENTOS DO PROFESSOR DE EDUCAO VISUAL
mediao do currculo aplicado. Desta forma, competir ao professor a transmisso destes conhecimentos como parte de um projecto educativo que "reflecte no s a natureza do prprio conhecimento, mas tambm a natureza de quem aprende e do processo de adquirir o conhecimento" (Bruner, 1966, citado por Tanner e Tanner, 1980, p. 44). Se o currculo caracteriza o resultado da anlise que regula a definio dos seus contedos e mtodos, cabe ao professor a deciso do papel que o conhecimento artstico representa na educao assim como a determinao das necessidades do aluno ao grupo social em que est inserido. Neste caso, alm da sua formao inicial, existem outros factores como a personalidade ou a atenta avaliao das caractersticas scio-ambientais do aluno ou grupo que identificam a diversidade na abordagem e aplicao desse mesmo currculo. Cabe ento ao professor a tarefa de articulao dos vrios nveis do saber de modo a desenvolver um conjunto unitrio, coerente e permanentemente ponderado em relao de uma forma reflexiva-activa. Este dever conter um conjunto de conhecimentos de formao artstica de qualidade, estruturada com uma formao no domnio pedaggico especfica, contudo, ser tambm importante que alm de possuir a competncia de produo, fruio e anlise da sua realizao artstica e dos outros, manter uma prtica de ensino reflectiva da sua aco pedaggica, cumprindo as funes de investigao e anlise, atravs da observao e produo de conhecimento no cruzamento destas duas actividades que se devero complementar. Deste modo, o ensino das artes visuais dever ser democrtico, globalizante e transversal. S ser possvel um ensino de qualidade se no forem estabelecidas barreiras entre a produo e o ensino, uma vez que neste campo, apenas a experimentao poder validar a aquisio do conhecimento. O sucesso deste processo rever residir na noo de uma formao plena no domnio das artes visuais em que as diversas vertentes do conhecimento artstico estejam devidamente fundamentadas antes da transmisso do seu conhecimento. A aplicao desta filosofia de ensino alicera o verdadeiro sentido da cultura visual que dever extravasar o espao escolar, pertencendo ao domnio pblico como ferramenta de articulao da sociedade e da sua cultura, deixando de estar apenas restrita a um grupo erudito, na valorizao tambm da sua manifestao popular, muitas vezes caracterizada na nossa sociedade como arte marginal. No deixa de ser importante referir que, precisamente o resultado destas manifestaes sociais e culturais que levantam uma das questes actuais sobre o ensino das artes, tendencialmente tradicional, cannico e clssico. O processo artstico dever ser transdisciplinar sendo impraticvel a sua dissociao da cincia poltica, da filosofia e psicologia. Este processo analtico e crtico dever estar sempre
Didctica e Desenvolvimento Curricular das Artes Visuais I A DIDCTICA DAS ARTES VISUAIS NA EDUCAO - PRINCPIOS E FUNDAMENTOS DO PROFESSOR DE EDUCAO VISUAL
10
centralizado na imagem, independente do seu suporte ou estilo. A importncia da fruio e artstica no parte de um conjunto de interrogaes pr-estabelecidas mas da observao que permite um conjunto de alternativas permitindo um ambiente de descobertas. tambm importante referir que o processo de avaliao remeta para este processo formativo. Como a avaliao no mais do que a anlise e diagnstico da aprendizagem e da manifestao artstica, esta dever manifestar-se atravs da anlise da elaborao de portfolios elaborados pelos alunos, onde se manifesta todo o processo de criao artstica desde as suas expectativas, dvidas, questes e enunciados, Zordan (2005). Assim, a preocupao dos professores de educao visual dever estar centralizada no desenvolvimento das vrias competncias nos alunos desde a percepo visual atravs do mundo natural e da produo humana, da utilizao da linguagem visual como meio de transmisso de ideias e conhecimentos atravs de formas, linhas, cores e movimentos, a organizao visual do seu prprio nvel de concepo, da capacidade da observao e de resoluo de problemas que surjam da experincia sensorial e do mundo do indivduo, do conhecimento atravs da anlise do mundo natural e produzido pelo homem a partir da observao dos vrios elementos que o constituem: forma, cor, luz, textura, estrutura, espao, etc. importante que durante o decurso formativo dos alunos, o professor cumpra o papel de mediao no sentido do incentivo e criao de situaes propcias para o uso e fruio de arte por parte dos alunos, caso contrrio a actividade artstica recai no modelo que por vezes se constata em que o professor apenas observa a actividade dos alunos em interaco com materiais. Para tal necessria a ateno s constantes mudanas tecnolgicas e da utilizao de novos suportes artsticos por parte do docente que dever conseguir articular com o processo de produo artstica. A arte contempornea ultrapassa os limites da habilidade manual centrando-se mais em pressupostos de carcter conceptual que podero ser transmitidos atravs dos suportes digitais. No entanto, verifica-se que o ensino actual da educao visual reflecte a intransigncia do corpo docente na adaptao das novas tecnologias de informao e comunicao ao campo artstico, tambm fruto da fuso do ensino liceal com o tcnico resultante num ensino unificado descaracterizado pela articulao de actividades predominantemente manuais e concepo artstica. De acordo com as palavras da actual ministra da cultura () apesar de se ter procedido, nos ltimos anos, resoluo de muitos dos problemas com que se defrontavam as escolas vocacionais, nomeadamente em matria de quadros, habilitaes e profissionalizao, durante demasiado tempo sentiu-se a insuficincia de uma poltica para o desenvolvimento da
Didctica e Desenvolvimento Curricular das Artes Visuais I A DIDCTICA DAS ARTES VISUAIS NA EDUCAO - PRINCPIOS E FUNDAMENTOS DO PROFESSOR DE EDUCAO VISUAL
11
educao artstica, especialmente no que se refere articulao entre o ensino regular, o ensino especializado e o ensino profissional artsticos, o que colocou constrangimentos vrios construo de projectos educativos capazes de assumir as respectivas especificidades e singularidades, e de mobilizar a comunidade (..). importante referir que a necessidade do ensino artstico no reside apenas na sensibilizao do indivduo do ponto de vista cultural ou intelectual. A arte como necessidade social tem sido dos campos humansticos o que mais sofreu alteraes ao longo da histria, reestruturando-se merc das constantes inovaes tecnolgicas. Se durante um longo perodo da histria o trabalho artstico era valorizado pela habilidade manual do seu criador (arteso), neste momento, impulsionada pela tecnologia capaz de executar o trabalho com uma preciso superior da mo Humana, o papel do artista resume-se sobretudo ao desenvolvimento de conceitos marcados pela inovao e criatividade. Deste modo, numa sociedade marcadamente consumista e materialista como vivemos actualmente a arte (em todas as suas vertentes) tornou-se na forma mais eficiente de comunicao. Por este motivo, o ensino artstico dever adequar-se a esta realidade, de modo a evitar a tendncia actual em que () tem estado assim a ser utilizado como substituto do ensino genrico, o que o descaracteriza e lhe provoca problemas graves na obteno de sucesso nos seus objectivos profissionalizantes. A ocupao de tempos livres (), o enriquecimento cultural como complemento educacional tem sido o principal objectivo de muitos dos utilizadores do ensino vocacional - comprometendo assim o objectivo profissionalizante do ensino vocacional. (Gabriela Canavilhas, 2010). Desta forma, devero ser criadas plataformas de conhecimento na actividade artstica adaptadas ao contexto actual que contrariem a tendncia de formao artstica profissional aplicadas actividade prtica, impedindo a tendncia que se tem assistido da criao de artistas cuja nica sada para o mercado de trabalho se reduz ao ensino. Apesar de tudo, neste momento o ensino artstico vocacional encontra-se em fase de consolidao, fruto das recentes reformas educativas que permitem que os jovens optem por cursos do ensino artstico em Escolas Especializadas Artsticas nas reas da Dana, da Msica e das Artes Visuais, que permitem uma igual reestruturao da educao artstica genrica. Neste momento, com o alargamento da escolaridade obrigatria resultar numa maior afluncia de alunos que prosseguiro uma formao artstica at ao final do secundrio, tornando-se por este motivo urgente a sensibilizao dos professores actuais e a criao de um novo conjunto de docentes preparados para um nvel de conhecimento cientfico mais elevado e exigente.
Didctica e Desenvolvimento Curricular das Artes Visuais I A DIDCTICA DAS ARTES VISUAIS NA EDUCAO - PRINCPIOS E FUNDAMENTOS DO PROFESSOR DE EDUCAO VISUAL
12
CONSIDERAES FINAIS
sem dvida evidente que o ensino das artes visuais no sistema educativo contribui de uma forma decisiva para o estmulo da imaginao, criatividade e sensibilidade esttica dos alunos. A necessidade da educao visual, parece inquestionvel, no sentido de disciplinar a viso para a linguagem das formas, das cores, dos ritmos, dos contrastes, etc, como elementos bsicos que proporcionam, atravs do processo criativo e das ferramentas e tcnicas adequadas, a oportunidade de desenvolvimento de uma personalidade prpria, natural, autnoma e crtica, numa constante interaco com o mundo. A partir desta finalidade educativa, dever ainda ser introduzida pelo professor, a preocupao de dar a entender ao aluno a importncia do sentido crtico e criativo, levando-o a ultrapassar os lugares comuns e os esteretipos na representao, na avaliao, na concepo do belo. O processo contnuo do ensino das artes visuais, mais especificamente da educao visual, ter intrinsecamente implicaes no desenvolvimento esttico-visual dos indivduos, tornando-se uma condio necessria quando se pretende alcanar um nvel cultural elevado, de forma a evitar novas formas de iliteracia. Para tal, o docente dever cooperar com os alunos para que o resultado do seu trabalho resulte de uma convergncia de interesses entre ambas as partes evitando uma programao pr-estabelecida imposta aos discentes, incentivando uma compatibilidade com os seus interesses e necessidades, promovendo uma aprendizagem atravs da experincia na resoluo de problemas de encontro com as suas expectativas. A educao visual, num mundo proliferado em imagens e suportes artsticos dever compreender um nvel de conhecimento activo e participativo baseado nos princpios clssicos de representao artstica articulados com as novas tecnologias de informao e comunicao de modo a proporcionar aos alunos um entendimento global da sociedade em que se insere, actuando como reflexo da evoluo tecnolgica rasgando novos horizontes numa realidade cada vez mais competitiva. Se a arte no objectiva, estando constantemente sujeita a avaliaes e interpretaes resultantes do processo evolutivo do Homem e das suas necessidades, o ensino artstico tambm no o . Neste caso deve-se partir do pressuposto que apenas ser possvel criar um modelo ensino devidamente assertivo de acordo com as perspectivas contemporneas do ensino das artes visuais. Este dever estar sujeito a constantes indagaes em que o traado curricular linear no suficiente para preencher a tela que neste momento sugere a criao de uma grelha pensada sobre ramificaes, encruzilhadas e interseces, pinceladas sobrepostas e raspagens sucessivas numa pintura elaborada por inmeras mos criadoras que se encontra
Didctica e Desenvolvimento Curricular das Artes Visuais I A DIDCTICA DAS ARTES VISUAIS NA EDUCAO - PRINCPIOS E FUNDAMENTOS DO PROFESSOR DE EDUCAO VISUAL
13
sujeita ao pensamento da diferena e a esta mesma subjectividade da qualidade da experincia artstica. Para que tal acontea, natural que as sucessivas adaptaes pedaggicas deixem um determinado desconforto, abalando as convices do senso comum num forte impacto que nos trespassa, obrigando-nos a aprender.
Didctica e Desenvolvimento Curricular das Artes Visuais I A DIDCTICA DAS ARTES VISUAIS NA EDUCAO - PRINCPIOS E FUNDAMENTOS DO PROFESSOR DE EDUCAO VISUAL
14
BIBLIOGRAFIA ALVES J M. Sistemas de ensino e formao tcnica e profissional: a diversificao. Porto: Ministrio da Educao/GETAP, 1989. ALVES, Lus Alberto Marques. Ensino Tcnico: uma filosofia especfica para uma dinmica diferente, In Estudos do sculo XX, n. 6, 2006. ARGAN, Guy. Arte Moderna, So Paulo: Companhia das Letras, 1993. BENJAMIN, WALTER. Sobre Arte, Tcnica, Linguagem e Poltica. Lisboa: Relgio D`gua Editores, 1992. CARDOSO, R.. Uma introduo histria do design. So Paulo, Edgard Blcher, 2004. FERREIRA, Antnio Quadros. Pensar a arte. Pensar a escola. Porto: Edies Afrontamento, 2007 FRANA, Jos Augusto. A Arte em Portugal no Sculo XX (1911-1961). Lisboa: Bertrand Editora, 1991. FRIS, Joo Pedro. As Artes Visuais na educao. Perspectiva Histrica. Lisboa: Faculdade de Psicologia e Cincias da Educao, 2005. [Tese de doutoramento]. HOLLIS, R. (1994) Graphic Design, A Concise History, Londres, Thames and Hudson. MACHADO, Fernando Falco. Possibilidades Educativas em Portugal. Lisboa: Ministrio da Educao DGEB, 1996. MAGALHES, M. M. Calvet de. Da articulao do Desenho Geral com o Desenho Profissional Mecnico, In Escolas Tcnicas, Boletim de Aco Educativa n 26. Lisboa: Ministrio da Educao, Direco Geral do Ensino Tcnico Profissional, 1960. MAGALHES, M. M. S. Calvet de. Organizao dos Exrcitos de Desenho do Ciclo Preparatrio. Lisboa: Editorial Os novos filhos, Lda., 1954. MEIRELES-COELHO, Carlos. Educao na era da globalizao - um roteiro cronolgico (19452010), Universidade de Aveiro, 2010 PEREIRA, Paulo. 2000 anos de arte em Portugal. Lisboa: Temas e Debates, 1999. PINTO, A.; MEIRELES, F. & CAMBOTAS, M. Cadernos de Histria da Arte 10, Porto, Porto Editora. UNESCO. Para uma Poltica da Educao em Portugal. Lisboa: Livros Horizonte, 1982. VENTURA, Antnio. Estudos sobre Histria e Cultura Contempornea de Portugal. Lisboa: Centro de Histria da Universidade de Lisboa, 2004.
Didctica e Desenvolvimento Curricular das Artes Visuais I A DIDCTICA DAS ARTES VISUAIS NA EDUCAO - PRINCPIOS E FUNDAMENTOS DO PROFESSOR DE EDUCAO VISUAL
15
WEBGRAFIA Davis, Ben. The Bauhaus in History. Disponvel em: http://www.artnet.com/magazineus/reviews/davis/bauhaus1-28-10.asp; Consultado: 20/11/2010. Ministrio da Educao. (2003) Reforma do Ensino Secundrio. Disponvel em: http://www.portugal.gov.pt/pt/Documentos/Governo/MEd/ReformaEnsinoArtistico.pdf. Consultado: 26/11/2010. Governo de Portugal, (2010) Ensino artstico garante uma populao mais culta e com maior capacidade de desenvolvimento. Disponvel em: http://www.portugal.gov.pt/pt/GC18/Governo/Ministerios/MC/Intervencoes/Pages/2010102 7_MC_Int_Educacao_Artistica.aspx Consultado: 19-11-2010. Sebenta de Design. Disponvel em: http://users.fba.up.pt/sebenta_wiki/Bauhaus; Consultado: 12/12/2010. Loureno, Horcio Gomes. Um olhar sobre o ensino artstico profissional. Disponvel em: http://www.apagina.pt/?aba=7&cat=94&doc=8159&mid=2. Consultado: 22/11/2010. Amorim Loureno, Carolina; Marques Ribeiro, Snia. Histria e pedagogia: a influncia da Bauhaus para o ensino do design. Disponvel em: http://fido.palermo.edu/servicios_dyc/publicacionesdc/vista/detalle_articulo.php?id_articulo= 5504&id_libro=11. Consultado: 28/11/2010
As fases da Bauhaus e suas contradies - The stages of the Bauhaus and its contradictions. Disponvel em: http://www.faac.unesp.br/ciped2009/anais/Hist%F3ria%20do%20Design/As%20Fases%20da% 20Bauhaus%20e%20suas%20Contradicoes.pdf. Consultado: 08/12/2010