Educação Criativa: Princípios, fundamentos e pedagogia
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Educação Criativa - Mateus Pinheiro de Farias
final
PREFÁCIO
Nos últimos tempos, os debates em torno do tema criatividade cresceram vertiginosamente, incluindo tanto abordagens no campo educacional quanto no campo corporativo. Isso se deve ao reconhecimento de que a criatividade é uma característica humana de alto valor em tempo de rápidas transformações tecnológicas, de necessidades de desenvolvimento de novos produtos e serviços, de avanços nas pesquisas científicas e na busca por qualidade de vida. Todavia, o processo criativo não ocorre espontaneamente, faz-se necessário conhecimentos e experiências para que ele ocorra. Nesse sentido, os sistemas escolares precisam fazer mais pelos alunos, indo além de prepará-los para os testes acadêmicos e para o mercado de trabalho. A educação escolar deve ajudar as crianças e jovens a se apropriarem das ferramentas necessárias para se tornarem cidadãos criativos, comunicativos, curiosos, críticos e colaborativos, de modo a fazerem a diferença nesse mundo de constantes mudanças.
O livro Educação Criativa: Princípios, fundamentos e pedagogia, surge nesse contexto e se apresenta como um importante instrumento para iluminar os debates acerca da criatividade no campo escolar. O autor, Mateus Pinheiro de Farias, a partir da expertise desenvolvida em seu processo formativo no mestrado e no doutorado e de suas experiências profissionais, apresenta uma base teórica acerca dos modelos mais recentes de estudo da criatividade, conectando-os com o campo da escola e da sala de aula.
Um aspecto inovador do livro é a apresentação de uma> Pedagogia da Criatividade, que nos coloca a refletir sobre as nossas posturas e ações no contexto escolar e o quanto elas podem favorecer ou inibir a criatividade dos alunos. Essa pedagogia, ao contemplar três campos da ação escolar – o processo de ensinar, o processo de aprender, o processo de avaliar e pesquisar a criatividade – mostra a complexidade da ação formativa para o criar, situando o estudante em um cenário de interação com um ambiente psicossocial, didático e físico, que pode, ou não, proporcionar o seu pleno desenvolvimento afetivo, social, cognitivo, motor e criativo.
Além disso, o livro destaca o papel do planejamento educacional, cuja intencionalidade e sistematização são fundamentais para uma educação criativa, uma vez que os elementos da Pedagogia da Criatividade se interpenetram e são indissociáveis, materializando-se na interação entre aluno, professor e ambiente. Para dar clareza aos aspectos tratados, é apresentada uma discussão sobre o ensino criativo, a partir de três vertentes de abordagem do assunto: o ensino sobre criatividade, o ensino com criatividade e o ensino para a criatividade. Compreender os elementos que caracterizam essas abordagens possibilita um planejamento educacional que pode potencializar as ações com vistas ao desenvolvimento da criatividade dos alunos.
O livro apresenta, ainda, um conjunto de técnicas que podem contribuir, dentro de um processo de ensino criativo, para estimular e desenvolver a criatividade dos alunos. A abordagem didática destas técnicas permite a sua aplicação em diferentes situações no espaço escolar, bem como a sua adaptação para atender demandas específicas do planejamento escolar. Nesse sentido, torna-se um guia para a aplicação de técnicas de criatividade no contexto escolar.
Como contribuição adicional, apresenta elementos relativos ao Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, Pisa, que intenta implementar a avaliação do pensamento criativo dos estudantes no exame que será aplicado em 2021. De forma didática, mostra as premissas que fundamentam o exame, bem como exemplos de situações que podem ser utilizadas nessa avalição. Ao se reportar ao Pisa, o livro mostra evidências concretas de como a criatividade tem se tornado uma característica importante na atualidade, constituindo-se, por um lado, em objeto de avaliação e, por outro, característica humana que deve ser nutrida e estimulada nos sistemas educacionais.
Desfrutem dessa obra, que acrescenta mais riqueza na forma de produzir conhecimento no campo da educação e traz novas perspectivas para a organização do trabalho pedagógico com vistas ao desenvolvimento da criatividade dos alunos.
Cleyton Hércules Gontijo
Professor associado II na Universidade de Brasília
INTRODUÇÃO
Em um futuro bem próximo, a sociedade terá, no tocante à criatividade, a mesma consciência que tem hoje em dia sobre a universalidade da educação. Dito com os termos do enunciado: a educação da criatividade será uma exigência social. Saturnino de la Torre (2008, p. 22)
À medida que professores, governos e sociedade colocam em pauta maneiras para melhorar a educação e a escola, uma ideia tem ganhado destaque: a necessidade de estimular a formação de indivíduos mais criativos. É inquestionável o papel que a criatividade desempenha na atualidade, marcada de um lado por avanços tecnológicos, multiplicação das redes de comunicação, coexistência em um planeta onde países são cada vez mais interdependentes, que precisam de novas soluções para a sobrevivência (por exemplo, aumento da longevidade das pessoas, efeitos de pandemias etc.), e por outro, por diversas contradições, tais como o abismo entre pobres e ricos, incertezas, ritmo acelerado de mudança, crises, dilemas, aumento da densidade populacional, degradação ambiental e colapso moral das instituições (Csikszentmihalyi; Wolfe, 2015; Fleith, 2011; 2019).
Parece simples identificar a importância da criatividade no mundo atual, bastando olhar para a história da humanidade, visto que, sem a capacidade de criar, inventar e inovar, o homem jamais teria sobrevivido às inúmeras dificuldades da vida, não teria sido capaz de superar as condições desfavoráveis e os obstáculos e nem teria se adaptado às mudanças do meio (Neves-Pereira, 2007). O desenvolvimento da expressão criativa dos seres humanos se torna de inestimável valor, constituindo-se um recurso precioso para o enfrentamento das adversidades comuns de uma sociedade dinâmica e complexa (Alencar, 2001). Do mesmo modo, constitui-se como uma habilidade fundamental no século XXI, caracterizado por fatores ambientais, econômicos e sociais que mudam rapidamente (Cropley; Patston, 2019; Neves-Pereira; Alencar, 2018; Lubart, 2007; Porto-Ribeiro; Fleith, 2018).
A grande diversidade dos desafios percebidos pela humanidade e a turbulência que a sociedade mundial enfrentará, em um curto espaço de tempo, foi retratada na edição de 2016 do Fórum Econômico Mundial realizado em Davos, na Suíça. As mudanças são justificadas no contexto da chamada Quarta Revolução Industrial ou era da robótica avançada, da automação no transporte, da inteligência artificial e da aprendizagem automática das máquinas. Os fatores socioeconômicos, geopolíticos e demográficos terão impacto direto no mundo do trabalho, seja no surgimento ou desaparecimento de profissões, seja no hall de habilidades e competências demandadas pelo mercado (Schwab, 2017).
A enorme profusão de novas tecnologias como a inteligência artificial (IA), a robótica, a conexão da maior parte da população mundial à internet, os veículos autônomos, a impressão 3D, a nanotecnologia, a biotecnologia, a ciência dos materiais, o armazenamento de energia, a computação quântica, dentre outras, afetarão bilhões de pessoas em todo o globo terrestre. Os impactos serão visíveis em vários setores como economia, negócios, governos (nacional e global), sociedade e indivíduos. Mesmo que ainda não seja possível predizer com exatidão a velocidade, a amplitude, a profundidade e o impacto sistêmico desses fenômenos, muitas dessas inovações, apesar de estarem apenas no início, já estão chegando a um ponto de inflexão, pois elas constroem e amplificam umas às outras, fundindo as tecnologias dos mundos físico, digital e biológico.
Para o enfrentamento dessa nova revolução, o Fórum Econômico Mundial de 2016 destacou, nessa ordem, a resolução de problemas complexos, o pensamento crítico e a criatividade como as três principais competências imprescindíveis para a empregabilidade na sociedade a partir do ano de 2020 (Schwab, 2017). No mundo trabalho, "as empresas mostram um interesse crescente pela criatividade de seus empregados, o que é considerado como um meio de melhorar a performance e de se adaptar aos mercados sempre em evolução" (Lubart, 2007, p. 7), além disso, os empregadores continuam a exigir criatividade e a capacidade de inovação como habilidades desejáveis de possíveis funcionários (Cropley; Patston, 2019). Para Proctor (2014), a criatividade nesse ambiente é extremamente importante, pois é o meio de gerar novas ideias necessárias para lidar com situações não atendidas anteriormente. Também oferece às empresas uma vantagem competitiva no mercado, permitindo que elas sobrevivam e até fiquem bem à frente da concorrência.
Os empregos orientados por processos se tornarão ainda mais obsoletos. As empresas não pagarão mais pessoas para fazer tarefas que necessitem repetições sucessivas, robôs farão isso, tudo o que pode ser automatizado já foi ou em breve será. Em uma pesquisa realizada e publicada em 2019, pela Rede Social de Interações Profissionais – LinkedIn, apontou a criatividade como a habilidade mais desejada pelos líderes das organizações na busca por talentos e no desenvolvimento de seus colaboradores. Destacaram também as habilidades: persuasão, colaboração, adaptabilidade e gestão do tempo como importantes para a empregabilidade. Em outras palavras, não há investimento melhor que um indivíduo possa fazer na atualidade do que fortalecer suas habilidades criativas (Petrone, 2019).
De acordo com Flórida (2011), os investimentos mais importantes de um país não estão em estradas, rodovias e outros ativos físicos, mas em nossos ativos humanos, ou seja, aumentar massivamente os investimentos públicos e privados no desenvolvimento humano, especialmente, os relacionados às habilidades de criar, fortalecendo o crescimento econômico e industrial. Para a prosperidade futura dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, Smith-Bingham (2006), destacou a dependência da capacidade de inovação desses países, transformando ideias em novos produtos e serviços, novas tecnologias, novas formas de produção e ainda a capacidade de introduzi-las em novos mercados. Corrobora com essa ideia Torre (2008), ao afirmar que a atenção em relação ao desenvolvimento da criatividade será uma exigência social.
A realidade histórica, cultural, social, política e econômica que vivemos faz com que todas as esferas da sociedade organizada (Família, Governo, Igreja, Empresários, Sindicatos, Mídia de comunicação etc.) tenham boas e legítimas razões para interessar-se com os aspectos da expressão criativa dos indivíduos. Isto se justifica na medida em que a criatividade ajuda a resolver problemas da vida afetiva e/ou profissional (Lubart, 2007); gera adaptação ao meio para contornar dificuldades (Novaes, 1977); promove o bem-estar, saúde e qualidade de vida dos indivíduos e, ainda, se constitui um requisito indispensável à sobrevivência humana (Mitjáns Martínez, 2002); neutraliza o atrofiamento dos talentos e libera o potencial dos indivíduos (Parnes, 1963) e auxilia na sobrevivência em um mundo de incertezas e mudanças (Alencar; Fleith, 2009). A criatividade também tem um papel essencial para trazer alegria e significado à condição humana, ou seja, sem criatividade não temos arte, nem literatura, nem ciência, nem solução de problema, nem inovação, nem progresso
(Starko, 2018, p. 16). Com isso, surge um novo conceito social de riqueza sobrevindo da capacidade humana de produzir ideias novas, úteis e de valor.
O crescente reconhecimento do valor atribuído à criatividade e ao pensamento criativo trouxe à tona uma nova urgência aos diversos países do mundo, tanto no Oriente quanto no Ocidente, em torno da mudança do paradigma da educação tradicional para o paradigma da educação criativa. A educação tradicional ou de padronização, oriunda das políticas dos testes de larga escala, enfatiza a memorização, repetição e reprodução de um conhecimento desprovido de sentidos e significados onde o aluno encontra-se passivo, apático e desmotivado no processo de ensino e aprendizagem. Por outro lado, a educação criativa que também pode ser chamada educação criadora ou educação para a criatividade é entendida como um processo educacional para desenvolver a capacidade criativa do indivíduo com base em habilidades e aptidão física, moral e intelectual adquirida.
Sendo baseada nas necessidades e habilidades individuais, requerendo liberdade de aprendizado e ensino, a educação criativa, segundo Agbowuro, Saidu e Jimwan (2017), representa um modo ativo de aprendizado influenciando o desenvolvimento inovador da personalidade, que cria algo único. Além disso, desperta a crença no potencial criativo de cada um; cultiva a ousadia de pensamento; nutre a capacidade de gerar novas e excitantes ideias de valor universal, que não prejudiquem a natureza e a necessidade inerente de um modo de vida criativo (Savelyeva, 2014).
A mudança para o paradigma da educação criativa pode ser percebida, por exemplo, nas políticas educacionais de um país, ao apresentar iniciativas e perspectivas para desenvolvimento do potencial criativo dos alunos. Peng e Plucker (2012) e Tsai (2015) observaram que, em geral, as políticas educacionais das sociedades chinesas (China, Hong Kong, Taiwan e Singapura) têm utilizado abordagens que baseiam-se na decomposição de um todo complexo para entender os seus componentes e assim promover ações que visem o desenvolvimento da criatividade, desde estratégias locais até sistemas escolares por completo.
Em Taiwan, por exemplo, o conceito de educação criativa recebeu atenção pela primeira vez na década de 1960 e desde então, passou por muitos estágios de aprimoramento. Nos últimos anos, especialmente, o seu Ministério da Educação lançou uma série de projetos destinados a tornar Taiwan uma República da Criatividade, encorajando a sua expressão no indivíduo, na escola, na sociedade, na indústria e na cultura. Três estratégias para promover a educação criativa merecem atenção especial neste país: (1) tornar o conhecimento em todos os domínios de fácil acesso e aquisição; (2) estabelecer um melhor sistema de revisão e seleção e encorajar diversos tipos de comunidades de aprendizagem criativa e (3) enfatizar a motivação intrínseca e extrínseca para os indivíduos aprenderem e aumentarem sua capacidade de adquirir habilidades e conhecimentos (Taiwan, 2002).
A perspectiva das políticas educacionais em 16 países: Austrália, Canadá, Inglaterra, França, Alemanha, Hungria, Itália, Japão, Coreia, Holanda, Nova Zelândia, Singapura, Espanha, Suécia, Suíça e EUA, percebida por O’Donnell e Micklethwaite (1999), tem destacado em seus currículos ações que visam o desenvolvimento da criatividade. São elas: (1) a expressão criativa como objetivos educacionais; (2) o desenvolvimento de programas e iniciativas especiais para a criatividade; (3) a criatividade como disciplina obrigatória do currículo; (4) a criatividade como matéria opcional; (5) a criatividade como habilidade fundamental para o desenvolvimento humano e (6) a avaliação da criatividade.
Em 1998, uma comissão nacional sobre criatividade, educação e economia para o governo do Reino Unido (Inglaterra, Irlanda do Norte, Escócia e País de Gales) reuniu líderes empresariais, cientistas, artistas e educadores para formar o Comitê Consultivo Nacional de Educação Criativa e Cultural (NACCCE). No documento elaborado por esses agentes políticos e sociais, destacaram as ideias-chave para o desenvolvimento da educação criativa e cultural, obrigatória para jovens com idade de até 16 anos, que revelam habilidades que podem ser implantadas nas salas de aula e nas escolas (NACCCE, 1999).
No que diz respeito ao desenho curricular do Reino Unido, a Autoridade de Qualificações e Currículo do Departamento de Educação e Emprego, QCADEE, sugeriu cinco habilidades principais de pensamento que os alunos devem adquirir: processamento de informações, raciocínio, questionamento, pensamento criativo e habilidades de avaliação. Além disso, forneceu algumas diretrizes para facilitar o desenvolvimento criativo efetivo, incluindo (a) um ambiente estimulante no qual a criatividade, a originalidade e a expressividade são valorizadas; (b) tempo suficiente para as crianças explorarem, desenvolverem e concluírem suas ideias; (c) uma diversidade de atividades às quais as crianças podem responder usando múltiplos sentidos; (d) oportunidades para as crianças expressarem suas ideias através de vários tipos de representação e (e) oportunidades de trabalhar ao lado de artistas e outros adultos criativos (QCADEE, 2000).
No Brasil, os documentos que regulamentam e estruturam o currículo também destacam a importância da criatividade. Por exemplo, as Diretrizes Curriculares Nacionais, DCN, para a educação básica evidenciam a criatividade como um princípio estético e como possibilidade para o desenvolvimento dos alunos com altas habilidades (Brasil, 2013). A Base Nacional Comum Curricular, BNCC, traz a criatividade como uma competência geral dos estudantes para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas
(Brasil, 2017, p. 7). Na capital da república, o Currículo em Movimento estimula para que as práticas pedagógicas sejam mais criativas, flexíveis e humanizadas e, ainda,