Hiran e Iuta - PRODUÇÃO TEXTUAL EM AVALIAÇÕES
Hiran e Iuta - PRODUÇÃO TEXTUAL EM AVALIAÇÕES
Hiran e Iuta - PRODUÇÃO TEXTUAL EM AVALIAÇÕES
INTRODUÇÃO
Para ensinar a redigir é preciso, antes de mais nada, que o professor tenha
em mente que a escrita é uma atividade comunicativa e que desempenha
funções definidas e cada vez mais diversificadas no dia-a-dia de uma
sociedade letrada.
Pois bem, instigados pela orientação de Vieira acima, nosso objetivo principal é
analisar criticamente as atividades de produção escrita que são propostas em avaliações de
1
Mestrando do POSLA (Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada).
2
Professora Doutora do POSLA (Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada).
3
Língua Materna será denominada de LM e Língua Estrangeira de LE ao longo do texto.
língua espanhola em um curso livre de espanhol em Fortaleza, quanto à presença ou não de
propósitos comunicativos e audiências em ditas avaliações: Tais atividades apresentam aos
estudantes propósitos comunicativos e audiências definidos, claros, específicos? Ou as
atividades de escrita consistem apenas em instruções genéricas4?
Então, partimos do seguinte pressuposto: Para que as questões de produção escrita se
enquadrem dentro de uma abordagem comunicativa é preciso no mínimo que: 1º. O professor
ofereça ao seu aluno o propósito comunicativo contendo o objetivo comunicativo do texto a
ser escrito, delimitando o tema e até explicitando o gênero textual que ele quer que o aluno
escreva, em que formato de texto, etc; 2º. O aluno seja informado “para quem” deve escrever,
qual o provável destinatário do seu texto, ou seja, sua audiência.
E assim, reconhecemos a necessidade de um olhar atento e reflexivo sobre o agir
docente na hora do ensino e da avaliação da habilidade escrita, atividade tão importante no ato
comunicativo e que necessita também ser planejado, pensado e destacado em sua importância.
Principalmente porque tem se dado muita atenção aos critérios prescritivos da gramática, ao
uso do vocabulário, exigindo do estudante que domine regras gramaticais e seja portador de
uma base de dados lexicais, esquecendo-se da estrutura do texto, do seu efeito comunicativo,
da sua capacidade retórica e criativa para atrair leitores. Não custa nada levar em conta que “é
preciso não confundir dificuldades de língua (linguísticas), com dificuldades de redação
(redacionais).” (VIEIRA, 2005, p.95).
E como estamos atentos a tais dificuldades redacionais é que realizamos este estudo
introdutório.
1. REFERENCIAIS TEÓRICOS
4
O termo instruções genéricas foi retirado de VIEIRA (2000).
5
Essa pesquisa foi publicada na Revista GELNE. Fortaleza, UFC, vol. 2, n. 1, p. 86-89, 2000.
E se temos instruções de escrita, audiência e propósitos comunicativos como
conceitos centrais nesse estudo piloto, sentimos a necessidade de nos apoiarmos teoricamente
no modelo cognitivista de escrita de Flower e Hayes, principalmente no modelo reformulado
de 1996 (HAYES, 2000).
Deixando de lado o foco do ensino da escrita que só aborda o produto, o modelo de
Flower e Hayes, influenciados pela psicologia cognitiva, focaliza o processo. Conforme Bento
(2011, p. 24), trata-se de um estudo complexo dos processos e subprocessos da escrita
construído a partir da análise de protocolos verbais de redatores eficientes.
O modelo de 1996 apresenta dois grandes grupos: 1º. Contexto da tarefa (The Task
Environment); 2º. Indivíduo (The Individual). Em relação a esses dois grupos, os conceitos
centrais aqui estudados encontram-se assim localizados:
a) Instruções de escrita: podemos vê-la dentro do 2º grupo, mais especificamente na
subseção Memória de Longo Termo (Long-Term Memory). Flower e Hayes a nomeia como
Esquemas de Tarefas (Task Schemas): trata-se de pacotes de informações que especificam
como realizar uma determinada tarefa de escrita. Segundo os autores (HAYES, 2000, p. 37):
Escritores têm tipicamente mais de uma meta quando escrevem (Flower &
Hayes, 1980). Por exemplo, eles podem querer tanto transmitir o conteúdo
como também podem querem criar boa impressão de si mesmos, ou eles
podem querer transmitir informações de forma clara [...]7
Englobando ainda os três conceitos básicos explorados aqui, Serafini nos propõe
entre seis abordagens para a escrita, a abordagem retórica que salienta a importância do
aspecto comunicativo da escrita e o enquadra como um complexo equilíbrio entre as
exigências do redator, da audiência, do propósito, objetivo e tema da produção textual. Mais
uma vez vemos como a audiência é peça chave na comunicação, pois assim defende Serafini
6
“Typically, task schemas will include information about the goals of the task, the processes to be used in
accomplishing the task, the sequencing of those processes, and criteria for evaluating the sucess of the task.”
7
“Writers typically have more than one goal when they write (Flower & Hayes, 1980). For example, they may
want both to convey content and also to create a good impression of themselves, or they may want to convey
information clearly […]”
(1987, p. 152): “Dá-se particular atenção às possibilidades de mudança de uma mensagem em
função dos valores e dos gostos do destinatário.”
Além disso, a autora inclui explicitamente a audiência e os objetivos como um dos
dez princípios para uma composição didática ao ser imperativa: “Deve haver diferentes
destinatários e objetivos.” (SERAFINI, 1987, p. 154)
Ainda sobre a audiência, Vieira entende a escrita como um ato solitário em que não
se conta com a reação imediata do interlocutor, mas isso não impossibilita o escritor de ter
consciência que ele existe e deixar-se influenciar no processo redacional por tal consciência.
Para ela, no jogo entre ausência e presença, “a consciência da audiência é o que impulsiona o
texto que está sendo produzido.” Pois, “o bom redator não se preocupa apenas com o modo
como o texto é escrito, mas também com o modo como será lido.” (VIEIRA, 2005, p. 82)
Em outras palavras, a consciência da audiência é um fator que molda a escrita, já que
ao sabermos para quem escrevemos saberemos quais necessidades do nosso leitor devemos
atender. Conhecê-lo nos permitem determinar quais dados ou não são pertinentes no texto e
como esses dados devem ser articulados. Podendo contribuir para que o texto seja mais claro,
comunicativo, atrativo, direto e alcance seus objetivos.
Citando Flower, Vieira (2005, p. 95) faz uma distinção bem significativa entre dois
tipos de prosa: a “escrita centrada no redator” e a “escrita centrada no leitor.” O primeiro é um
estilo egocêntrico, que apresenta textos com palavras de significados imprecisos e referências
incertas. Já no segundo tipo, as ideias são apresentadas de modo organizado, claro e objetivo.
E como estamos analisando o ensino da escrita no contexto do ensino de espanhol
como LE, vemos a necessidade de buscar em Cassany (1990) as diretrizes teóricas do enfoque
funcional do ensino da escrita. Originado dentro da metodologia comunicativa de ensino de
LE, o aspecto mais importante deste enfoque é a ênfase na comunicação, contrapondo-se,
sobretudo, ao enfoque gramatical, com seu ensino prescritivo e visão de língua como ente
homogêneo e monolítico. Suas raízes teóricas são principalmente: a Filosofia da Linguagem
de Wittgenstein, Austin e Searle e a Linguística Textual.
Ao filiar-se ao enfoque funcional, o professor, no ambiente da sala de sala, deve dar
atenção às necessidades comunicativas de seus diversos alunos. E o meio empregado para
atender tais necessidades são as tipologias textuais desenvolvidas pela linguística textual. Para
Cassany, são essas tipologias textuais que serão utilizadas pelos estudantes na vida real.
Conforme Cassany (1990, p. 8), temos dois grupos bastante conhecidos: Um baseado
nos âmbitos de uso pessoal, familiar, laboral, acadêmico e social, como diário, agenda, cartas
familiares e empresariais, convites, currículos, resumes acadêmicos, anúncios e artigos
jornalísticos. O outro está baseado na função e segue a proposta de J. M. Adam. Por exemplo:
diálogos escritos, descrição de objetos e pessoas, narração através de contos, instruções em
receitas gastronômicas, argumentação em artigos de opinião ou teses.
Fica claro então, que se o professor propõe atividades de produção textual seguindo o
enfoque comunicativo, sua proposta não existe só dentro da sua sala de aula, mas ela veio de
fora, do mundo real. Assim ela terá condições de ser efetivamente comunicativa.
Cassany consegue demonstrar o que diz sobre o enfoque funcional, ao apresentar um
exemplo de exercício de produção textual. Nele vemos o que claramente defendemos aqui:
propósito comunicativo e audiência bem definidos.
O enunciado do exercício diz:
Teu sobrinho, que reside em Madri, tem uma oferta de trabalho em Melgar
de Abajo (Valladolid). Não sabe se deve aceita-la porque sempre viveu em
uma grande cidade e não conhece o campo. Escreve-lhe uma carta para
contar-lhe tua opinião sobre o tema. (1990, p. 10)8
2. METODOLOGIA
Nosso estudo piloto tem como objetivo analisar as instruções de escrita presentes nas
questões de compreensão escrita em avaliações de espanhol em um curso livre de espanhol
em Fortaleza, para ver se os professores elaboram questões de produção textual com
propósitos comunicativos e audiência definidos e claros, para se criar situações comunicativa
reais através da escrita.
Mas, porque observamos avaliações escritas? Porque foi o material mais acessível e
onde se tem relação direta com a produção textual no caso desse curso livre escolhido. E
ainda que não seja uma regra, a maioria das provas vem dividida em partes assim
denominadas: Compreensão Leitora, Compreensão Gramatical, Compreensão Escrita e
Compreensão Auditiva. Além disso, o livro didático adotado pelo curso faz pouca menção à
produção escrita, ficando mais na incumbência dos docentes o estímulo à atividade escrita.
Compreendemos que na prova escrita o aluno não só está sendo avaliado, mas
também está pondo em prática o que aprendeu em sala de aula, refletindo (espera-se) o
conteúdo que o docente trabalhou durante as aulas. Diferentemente da pesquisa de
Vieira(2000), não estamos pesquisando o texto produzido pelos escritores em relação as
instruções dadas, mas os próprios enunciados das instruções de escrita enquanto questões de
uma avaliação.
O objeto de análise se constitui de 11 avaliações escritas, aplicadas no ano de 2010 e
2011, elaboradas por 3 professores, abrangendo desde o 1º semestre até o último, denominado
avançado. Na tabela abaixo fazemos uma descrição detalhada.
Professor C 02 02 (4º)
8
“Tu sobrino que reside en Madrid, tiene una oferta de trabajo en Melgar de Abajo (Valladolid). No sabe si debe
aceptarla porque siempre ha vivido en una gran ciudad y no conoce el campo. Escríbele una carta para contarle
tu opinión sobre el tema.”
Das 11 avaliações escritas observadas, mapeamos quantas tem em suas instruções de
escrita propósitos comunicativos claros e definidos. O resultado é o seguinte:
Total 1
1
Total 11
3. ANÁLISE DO MATERIAL
CONCLUSÃO
Mas, esse professor precisa ser formado para considerar a escrita como ato
comunicativo, por isso é importante também que as disciplinas de Produção Textual na
formação docente propiciem a experiência com o enfoque funcional, com a metodologia
comunicativa do ensino de línguas e com a teoria dos gêneros textuais. E mais, que desperte
escritores criativos nos futuros professores, com desejo de aprender lendo e escrevendo, para
assim, poder além de melhorar a própria escrita, estimular seus estudantes. A escrita pode ser
encarada não como dom misterioso, mas como atividade que se aprende no processo
complexo e encantador do escrever!
Para terminar, convém relembrar que esse artigo se refere a um estudo piloto, e por
isso fica aberta a possibilidade de ampliar o número de avaliações e professores analisados,
além de podermos incluir outros elementos a serem levados em conta, como os gêneros
textuais, aspectos visuais, meios de composição (inclusive o virtual) e materiais autênticos
empregados na produção textual.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
HAYES, J. R. A New Framework for Understanding Cognition and Affect in Writing. In:
INDRISANO, R. and SQUIRE, J. R. (Editors). Perspectives on Writing: Research, Theory,
and Practice. Newark, Delaware, USA, International Reading Association (IRA), 2000, p. 6-
44.
VIEIRA, I. L. Escrita, para que te quero? Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2005.
________ Instruções de escrita em língua materna e em língua estrangeira: propósito do texto
e audiência. In: Revista GELNE. Fortaleza, UFC, v. 2, n. 1, p. 86-89, 2000.