A Violência e Suas Vertentes
A Violência e Suas Vertentes
A Violência e Suas Vertentes
violncia
suas
vertentes
Como possvel identificar e combater as diversas formas de violncia: s que somos submetidos diariamente e, algumas vezes, sem perceber, tais como as domsticas, escolares, sociais, entre outras
Por Araceli Albino
A violncia uma palavra que vem ganhando cada vez mais espao no cotidiano do brasileiro e j figura entre as grandes causas de preocupao de milhares de pessoas ao redor do mundo. Em uma lista de principais problemas das megalpoles, a violncia aparece junto com a fome, o desemprego, o trnsito, a poluio, entre outros. Para se proteger, a sociedade se esconde atrs de muros e grades e se mune com o que h de mais moderno em termos de segurana. Tudo isso para ter a certeza de que estar livre da temida violncia. sabido que a violncia est presente na vida do homem desde o seu surgimento. Por milhares de anos, a prtica de atos violentos como a caa, foi essencial para a sobrevivncia da espcie.
tambm conhecido que razes como a inveja, que levou Caim a matar seu irmo Abel, continua fazendo vtimas at os dias de hoje. Mas, de uma forma geral, com o passar do tempo e a evoluo do indivduo, a manifestao da violncia ganhou outras formas e variaes onde muitas vezes o prprio ser humano no acredita. Para Freud, impulso agressivo inerente ao homem, necessrio para autoconservao e da espcie humana. Qualquer humano pode tornar-se violento mediante uma ameaa. A violncia apenas uma manifestao deste impulso. J para o filsofo ingls Thomas Hobbes, o homem governado por suas paixes e tem como seu direito conquistar o que lhe apetecer. Como todos os homens seriam dotados de fora igual (pois o fisicamente mais fraco pode matar o fisicamente mais forte, lanando mo deste ou daquele recurso), e como as aptides intelectuais tambm se igualam, o recurso violncia se generaliza. Se antes a violncia era necessria para garantir a sobrevivncia, hoje, ela uma das principais causas de extermnio do homem. Segundo a UNESCO, a cada 13 min, um brasileiro assassinado. Mas no estamos falando apenas do extermnio fsico, mas tambm moral e social, que muitas vezes fere e marca mais que a agresso fsica propriamente dita.
"Midia sensacionalista causa o impacto do 'consolo' ao exibir pessoas em situaes piores"
Muitas mulheres sofrem com a violncia dentro de suas prprias casas. A a falta de comunicao e de afetividade entre os casais ocasiona, muitas vezes, desfechos trgicos
Massificando a violncia
Em geral, a pessoa que sofre qualquer tipo de agresso encontra pelo caminho muitos sofrimentos que vo alm da violncia de fato. o descaso, a falta de apoio, solidariedade e a desconfiana. Isso acontece porque a sociedade est se tornando individualista e insensvel em relao ao assunto. As notcias sobre as atrocidades que acontecem diariamente j no nos chocam como antes e, a cada dia, o grau de brutalidade dos agressores superado. Podemos citar como exemplo o crime da mala, que causou grande comoo e ganhou destaque na imprensa do Brasil e do mundo em 1928, mas que se ocorrido hoje, talvez recebesse apenas uma pequena nota nos jornais. J nos acostumamos com a brutalidade de filhos que assassinam os prprios pais, com pais que atentam contra os seus pequenos, com irmos que se destroem em troca de bens materiais, entre outros absurdos. Eventualmente um caso de brutalidade isolada nos deixa chocados e indignados, para depois ser esquecido.
A banalizao da violncia em programas televisivos com o intuito de causar comoo, expondo as mazelas de vidas miserveis, em situaes repletas de tragdias, j no causam mais inreao alguma seno a diverso. Estamos acostumados a rir das desgraas alheias, retratadas de forma "comercial" pela mdia que busca apenas elevar os nveis de audincia. Mas ento, o que explica a manuteno desse tipo de programa? O que leva outras pessoas, que no aqueles que tem o sdico prazer em rir da desgraa alheia, a assistir a esse tipo de 'show de aberraes'? Segundo pesquisa encomendada por uma emissora de televiso, esses programas causam em seu pblico-alvo uma espcie de satisfao por conhecer histrias de vidas piores que as suas prprias. Ou seja, existe um 'consolo' em saber que existem pessoas em situaes piores. E no apenas em 'shows de aberraes' que a triste realidade brasileira causa risadas ao invs de choro. O retrato do caos urbano apresentado de forma simples e cruel em filmes como Tropa de Elite tambm nos faz rir. A morte de jovens que poderiam ou no ser delinquentes como mostra o filme deveria nos preocupar, mas o efeito no bem esse. Ver a realidade das nossas cidades exposta ali nas telas causou a indignao a alguns poucos expectadores, enquanto muitos manifestaram admirao pelo BOPE, batalho da polcia carioca retratado no filme como praticante de aes de extrema violncia. Nessa situao, muitas pessoas preferem culpar o governo pelo caos instalado. Mas ser mesmo que as autoridades so as nicas responsveis pelo crescimento desenfreado da violncia nas cidades? Ser que as nossas atitudes egostas e irracionais nada tem a ver com o aumento desse problema? No parece bvio que, um jovem da favela que se sinta agredido moralmente por uma pessoa de classe mdia e queira retribuir a agresso de alguma forma? Da mesma forma, o agredido sente-se no direito de retribuir e procura as autoridades para consegui-lo. E ento, forma-se um crculo vicioso de violncia entre cidado, marginal e polcia.
Violncia em casa
Deixando um pouco de lado a violncia urbana, que tem suas causas facilmente explicadas na desigualdade social, que leva as pessoas com menos recursos a querer conseguir 'na marra' o que no conseguem trabalhando, como podemos explicar a violncia domstica, cujos ndices crescem a cada ano, apesar do esforo da polcia e organizaes no governamentais? A falta de dilogo entre cnjuges e atitudes de amor, gratido e compaixo esto quase extintas. O resultado dessa perda que quase metade da populao feminina j sofreu algum tipo de violncia fsica, por maridos ou ex-parceiros, dentro de suas prprias casas. E engana-se quem pensa que apenas mulheres que vivem em situao de pobreza sofrem com o problema. Mas, o que leva um homem a agir dessa forma com a mulher que escolheu para ser sua companheira? Ser que as dificuldades que surgempelo caminho no poderiam ser contornadas com um bom dilogo ou mesmo uma separao? mesmo necessrio chegar a esse ponto? Por que muitas mulheres aguentam essa situao caladas? So muitas perguntas e em geral, uma s resposta: medo. Motivadas pelo receio de sofrerem novas agresses, muitas delas aguentam a violncia domstica por anos e anos.
O bullying escolar no deve ser visto com normalidade entre pais e professores. Ccrianas que esto sob presso de brincadeiras maldosas de seus colegas esto propcias depresso e surtos
Em muitos casos, o uso de bebidas e entorpecentes motiva esse tipo de ao. Mas no novidade que a violncia domstica , tambm, um circulo vicioso que assola a sociedade. Em geral, pessoas que cometem agresses contra esposa e filhos dentro de casa, tambm sofreram com pais agressores. E mais uma vez, o circulo se fecha. Vale lembrar que, frequentemente, o marido que agride a mulher, tambm o faz com os filhos. No so raros os casos de crianas entregues pelas mes ao conselho tutelar para livr-las da violncia fsica e, em alguns casos sexual, sofridas dentro de casa. Infelizmente, por mais absurdo que possa parecer, os nmeros de casos como esse vem crescendo exponencialmente. Muito menos difundida e de igual ou maior importncia, est a violncia psicolgica a que muitas mulheres so submetidas. Situaes de humilhao, desrespeito, traio, indiferena, entre outros, esto presentes quase que diariamente na vida de muitas
esposas que muitas vezes nada fazem para cont-los, por no identificarem nessas atitudes um tipo de agresso. Outra vertente cruel da violncia o bullying, em especial o bullying escolar. O termo conhecido h pouco tempo no Brasil, mas a situao que ele representa j faz parte da vida de muitas pessoas. J se foi o tempo em que as brincadeiras maldosas de escola se resumiam a implicaes com orelhas de abano, olhos e dentes grandes, culos ou alguma caracterstica incomum de algum colega. As crianas de hoje esto muito mais crticas e impiedosas em relao aos outros. As situaes so chocantes quando percebemos o grau de maldade utilizado em muitas abordagens. As agresses fsicas e verbais partindo de seres que deveriam estar mais preocupados em jogar bola na hora do recreio so de deixar qualquer um boquiaberto. E, diante da situao, surge a pergunta: de onde vem tanta violncia, ser que essas crianas nasceram assim? Existem muitos motivos para explicar porque um grupo de crianas "elege" outra para ser a vtima. Em geral, os mais tmidos ou com caractersticas que fogem ao padro so "eleitos" e a perseguio comea. Xingamentos, piadas de mau gosto e agresses so algumas das formas de perseguir a vtima. Por ser um problema relativamente "novo", muitas escolas no dispem de profissionais aptos a lidar com a situao. Outro agravante que, muitos pais de agressores, quando notificados das atitudes dos filhos, acabam por no dar a devida ateno ao assunto, por consider-lo "coisa de criana".
"As crianas de hoje esto muito mais crticas e impiedosas em relao aos outros. As situaes so chocantes"
Consequncias do bullying
O que muitos no sabem ou preferem ignorar, que atitudes como essa podem ocasionar situaes muito piores, como aconteceu com o estudante Jeremy Wade Delle, que se suicidou dentro da sala de aula, em frente a 30 colegas e de uma professora, como forma de protesto pela perseguio que sofria constantemente. A polcia americana acredita que os estudantes Eric Harris e Dylan Klebold, autores do massacre no Instituto Columbine, onde 13 pessoas morreram e outras 21 ficaram feridas, tambm sofriam com perseguies dos colegas da escola. A constatao do crescimento do nmero de agresses promovidas por crianas e adolescentes gera uma inquietao. Muitos pais tem se perguntado: onde erramos? Quando perdemos nossas crianas? E, de fato, a resposta no to simples. O assunto ainda causa dvidas e intriga terapeutas e psiclogos. Dentre os fatores que podem causar o aumento da violncia entre as crianas, est a perda da autoridade por parte daqueles que deviam ensinar e corrigir. Devido ao ritmo intenso de trabalho e falta de tempo, muitos pais no percebem ou preferem ignorar as atitudes erradas de seus filhos. Isso gera a falta de limites e de obedincia, potencializados pelo sentimento de abandono causado nas crianas. Dessa forma, elas buscam chamar a ateno de outra maneira, e acabam por se manifestar de forma violenta, para conseguir algum espao na vida daqueles que deveriam acompanha-las de perto todo o tempo. Outra hiptese a ser considerada, a falta de controle ao que as crianas tem acesso. Por exemplo: muitos pais no se preocupam em conhecer o contedo dos programas que seus filhos assistem na TV. Filmes e desenhos com contedo imprprio so consumidos pelos pequenos de forma desenfreada, muitas vezes sem superviso de um adulto. Obviamente que no se pode afirmar que uma criana se torne agressiva apenas por assistir a programas violentos, mas esse sentimento pode ser potencializado caso haja uma pr-disposio para isso. Mas, nem s as crianas e adolescentes so praticantes do bullying. Esse tipo de perseguio ocorre tambm em adultos, que buscam de alguma forma perseguir, humilhar e agredir a outro.
Assim como nos pequenos, difcil saber o que leva um adulto a tomar tal atitude contra outro, mas especialistas acreditam na
O que violncia, afinal?
A definio de violncia "ao ou efeito de violentar, de empregar fora fsica contra algum ou algo, ou intimidao moral contra algum". Para a Organizao Mundial da Sade (OMS), a violncia nada mais do que a imposio de um grau significativo de dor e sofrimento evitveis. Na prtica, todo mundo sabe o que violncia, seja por experincia prpria ou de outros. Podemos enquadrar no conceito de violncia no s a agresso fsica, como tambm a violncia psicolgica, verbal, sexual, moral, poltica, cultural, entre outras. E novas expresses que tambm caracterizam algum tipo de violncia, como, por exemplo, o 'bullying', que nada mais o do que o ato de agredir ou intimidar outro indivduo incapaz de se defender vm surgindo com rapidez assustadora.
maioria dos casos, os agressores so motivados por inveja ou alguma vingana pessoal.
Ento, como podem os muros, grades, armas e parafernlias eletrnicas garantir que estaremos livres da violncia? A resposta simples: eles no podem. O mximo que conseguem gerar em algumas pessoas a falsa impresso de segurana. Mas, basta olhar ao redor com um pouco mais de ateno para perceber que a violncia est em todos os lados, vestindo roupas e cores diferentes.
A verdade que, o ndice de maldade das pessoas que praticam o bullying assustador. Seja por diverso, inveja, falta de ateno ou problemas psquicos mais graves, o bullying mais uma forma de violncia que vem crescendo assustadoramente e fazendo vtimas, fatais ou no, ao redor do mundo. Como em qualquer forma de agresso, as marcas podem levar anos para serem apagadas ou mesmo permanecer por toda a vida, caso no haja algum acompanhamento teraputico adequado. Diante dessas situaes, surge a pergunta: como possvel evitar a violncia em nossas casas se ela est em todos os lugares? Se at em nossos momentos de lazer ela est presente, onde poderemos fugir dela? O que motiva uma pessoa a ter um comportamento violento? Essas perguntas, em especial a ltima, com certeza passam pela cabea de muitas pessoas quando assistem na televiso, imagens de torcidas de times rivais se enfrentando violentamente, como em uma arena medieval. Quem nunca se perguntou: o que eles pretendem com isso? Por acaso acreditam que acabar com a torcida rival far o time deles campeo? Ou far deles pessoas melhores? Outra questo inquietante : por que eles ficam to valentes quando esto em grupos? So perguntas que ficam no ar ao final de cada clssico.
"Em um momento de tenso, os impulsos podem nos trair e acabar provocando um dano irreparvel em nossas vidas"
Se analisarmos friamente, vamos perceber que, em muitas situaes, ns nos acostumamos e nos acomodamos com a violncia. Pense em quantas vezes voc passou por uma situao de ameaa ou de violncia propriamente dita, por menor que seja. E quantas vezes voc foi a uma delegacia dar queixa? Provavelmente, voc no o fez por acreditar que isso no surtiria nenhum efeito, certo? Afinal, muito mais fcil comprar um rdio novo para o seu carro do que ir procurar a polcia e esperar que eles encontrem o seu equipamento roubado. Faa um teste simples: comece a falar sobre violncia em um batepapo informal entre amiamigos. Conte uma histria que aconteceu com voc, como um pequeno furto no mercado ou uma tentativa de assalto frustrada. Voc vai notar que cada pessoa no grupo ter, no mnimo, uma histria pior que a sua para contar. Em algumas situaes, o resultado pode levar a revelaes de situaes surpreendentes que aconteceram com pessoas prximas, que voc nem imaginava. Mas, de onde vem tanta agressividade? Por que a sociedade, que deveria evoluir, age de forma cruel e intransigente? Por que nos descontrolamos e perdemos a razo ao menor sinal de insatisfao? O que leva uma pessoa pacfica a ter atitudes extremas? Voc com certeza j presenciou uma briga de trnsito, causada por uma "fechada" ou algo parecido. E, com certeza, pode comprovar como pessoas que so aparentemente inofensivas e tranquilas, reagem violentamente a uma situao que, teoricamente, nem to grave, j que no resultou em acidente. Voc tambm deve se lembrar que algumas pessoas j morreram por causa de uma situao inofensiva dessas, no se lembra? Muitos de ns ficamos indignados com manifestaes violentas estpidas, causadas por motivos estpidos. Mas muitos de ns tambm j pensamos que poderamos matar o idiota que nos
fechou no trnsito, o motoboy que quebrou nosso espelho retrovisor ou o babaca que nos traiu.
A agressividade em ns
A verdade que ningum est livre de manifestaes agressivas. Nem sempre a violncia causada por pessoas violentas, que costumam andar com armas no porta-luvas do carro. Em um momento de tenso, os impulsos podem nos trair e acabar provocando um dano irreparvel em nossas vidas. No podemos esquecer que, entre tantas variveis, a autoviolncia tambm existe. So aquelas punies que causamos a ns mesmos quando permitimos que algo que nos desagrada faa parte da nossa vida. Podemos citar como exemplo uma mulher que se impe uma dieta rigorosa mesmo sabendo que est dentro dos limites de peso aceitveis para uma pessoa saudvel, ou um homem que concorda em trabalhar em algo que no gosta por imposio das circunstncias.
"Se analisarmos friamente, perceberemos que nos acostumamos com a violncia"
Parece bobo, no? Mas so pequenas atitudes que tomamos contra ns mesmos e tem o efeito de uma "panela de presso", e quando explode, causa prejuzos irreparveis a ns e s pessoas que possam estar a nossa volta naquele momento de "exploso". A imposio desses "desagrados" em nossas vidas causa uma insatisfao que em algum momento ser colocada para fora.
Segundo alguns pensadores a violncia inerente ao ser humano. Para provar essa teoria, basta observar o comportamento das pessoas no trnsito, em casos de engarrafamento, desrespeito e at de acidente. comum tornarem-se agressivas
A verdade que, nenhuma ao violenta, por pior que seja, acontece sem que haja um motivo oculto no emocional do indivduo. Muitas vezes a causa desse comportamento requer anos de estudo para ser encontrada. necessrio muito trabalho de terapeutas para conhecer o motivo dessas manifestaes e muito mais tempo para trat-las. Vale a pena pensarmos e repensarmos nas atrocidades que estamos fazendo a ns mesmos. Obviamente muitas delas no podem ser evitadas, como por exemplo, perder horas preso em um congestionamento de automveis. Mas, algumas mudanas em pequenas atitudes podem ocasionar um alvio na carga de tenso que carregamos diariamente. Um bom comeo seria nos libertamos das imposies de "ser" e "ter" a que somos submetidos. O ato de reavaliar o que , de fato, importante, pode aliviar o estresse e evitar situaes indesejadas. Para todo sofrimento humano existe uma causa, mesmo que seja desconhecida. Sabemos que ela se encontra no nosso
inconsciente, e a psicanlise tem um mtodo teraputico que ajuda o sujeito a encontrar essa causa, que compreende o seu sofrimento, libertando-se dele.
Araceli Albino graduada em Psicologia pela Faculdade Integrada de Uberaba, PsGraduao em Psicanlise e Linguagem pela PUC/SP e doutoranda em Psicologia pela Universidad Del Salvador (USAL) Buenos Aires - Argentina. presidente do Sindicato dos Psicanalista do Estado de So Paulo (Sinpesp)