livro Musculatura Lisa e Estriada

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BIOFÍSICA E

FISIOLOGIA

Camilla Lazzaretti
Musculatura lisa e estriada
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

„„ Identificar as características principais do músculo esquelético e a


junção neuromuscular.
„„ Descrever as características principais do músculo liso.
„„ Diferenciar os principais aspectos anatomofisiológicos dos músculos
liso e esquelético.

Introdução
Os músculos são considerados “motores” que transformam a energia da
molécula de adenosina trifosfato (ATP) em atividade mecânica. Temos
três tipos básicos de tecido muscular: cardíaco, esquelético e liso. A mus-
culatura lisa está contida nos órgãos viscerais como estômago, intestino
e vasos sanguíneos — o que quer dizer que as contrações musculares
dos movimentos digestórios do seu café da manhã são realizados por
ele. Já o músculo esquelético, como o próprio nome diz, está aderido
aos ossos e executa os movimentos voluntários do corpo. Se você estiver
fazendo anotações em seu caderno neste momento, está, essencialmente,
produzindo contrações esqueléticas.
Neste capítulo, você vai conhecer as peculiaridades dos tecidos
musculares liso e esquelético. Vamos estudar juntos os aspectos
funcionais, anatômicos e sinápticos envolvidos na contração e na
geração de movimento por esses dois componentes importantes
do nosso corpo.
2 Musculatura lisa e estriada

Músculo esquelético e a junção neuromuscular


O músculo esquelético atua realizando o movimento voluntário, isto é, sua
atividade é comandada por pensamentos conscientes. Qualquer ação que você
realize — por exemplo, fazer anotações em seu caderno — é possibilitada
pela musculatura esquelética (no nosso exemplo, dos membros superiores),
transformando a energia da molécula de adenosina trifosfato (ATP) em ação
mecânica. Esse músculo se encontra aderido aos ossos do esqueleto, por isso
é designado esquelético.
As células desse tecido são denominadas fibras e são consideradas as mais
longas entre os tecidos musculares. Internamente, elas possuem estriações
devido à organização de seus miofilamentos. Esse tecido possui múltiplas
funções, entre elas, os movimentos corporais, a manutenção postural, os
movimentos respiratórios diafragmáticos, a produção de calor e a comuni-
cação (você fala e gesticula por ação desse tecido). A contração desse tecido
normalmente é rápida, porém ele pode entrar em fadiga com maior facilidade.
Além disso, o músculo esquelético é um grande gerador de força (TORTORA;
DERRICKSON, 2017; VANPUTTE; REGAN; RUSSO, 2016; MARIEB;
HOEHN, 2008).
Em geral todos os tecidos musculares possuem quatro propriedades de
funcionamento: contratilidade, excitabilidade, extensibilidade e elasticidade.

1. Contratilidade: é a capacidade de encurtamento tecidual, devido à


contração, e de desenvolvimento de força muscular. Por exemplo, se
você for à biblioteca e pegar alguns livros pesados, ao segurá-los, os
músculos dos seus membros superiores irão se encurtar para garantir
a força nesse movimento.
2. Excitabilidade: é a potencialidade do músculo de responder a estímulos.
Os estímulos podem ser sinápticos ou hormonais (no caso do músculo
liso), mediados por neurotransmissores liberados por potenciais de ação.
Vamos utilizar o exemplo anterior: se você estiver fazendo anotações
em seu caderno ou carregando livros da biblioteca, essas ações só serão
possíveis a partir da excitação muscular por meio de neurotransmissores.
Musculatura lisa e estriada 3

3. Extensibilidade: expressa a atividade de um músculo, que pode sofrer


inúmeros fenômenos: alongar-se (ou estirar-se), contrair-se e retornar
ao seu comprimento normal em repouso. Esta capacidade pode ser
explicada pelo exemplo de você estar na biblioteca e precisar esticar seu
braço para pegar um livro na estante acima de sua altura. Provavelmente,
os músculos dos membros inferiores e superiores ficarão estirados para
que você alcance o material.
4. Elasticidade: os músculos possuem propriedades elásticas, ou seja,
após serem estirados retornam ao seu tamanho original em repouso.
No exemplo anterior, observamos isso quando, após você se alongar
para alcançar um livro na prateleira, seus músculos voltam ao tamanho
original ao final do movimento.

Estrutura do músculo esquelético


Cada músculo esquelético é considerado um órgão distinto, envolto em tecido
conjuntivo denso, chamado de epimísio. A divisão entre o tecido muscular e a
pele é realizada por tecido conjuntivo e adiposo. Individualmente, os músculos
estão “empacotados” nesse tecido conjuntivo, mais conhecido como fáscia
muscular. O tecido conjuntivo localiza-se ao redor do músculo e faz a conexão
do músculo com os tendões, aderindo-se aos ossos.
Cada músculo possui numerosos fascículos envoltos por um tecido con-
juntivo, o perimísio, que é o arcabouço para milhares de fibras. Essas fibras
são as células musculares do tecido, que, da mesma maneira, estão rodeadas,
uma a uma, de um tecido conjuntivo, denominado endomísio. Sendo assim,
estruturalmente, o músculo esquelético é formado não apenas por tecido mus-
cular, mas por um conjunto de vasos sanguíneos, tecido conjuntivo e nervos
(TORTORA; DERRICKSON, 2017; VANPUTTE; REGAN; RUSSO, 2016;
MARIEB; HOEHN, 2008). Veja a estrutura completa do músculo esquelético
na Figura 1.
4 Musculatura lisa e estriada

Figura 1. Estrutura completa do músculo esquelético e seus tecidos adjacentes.


Fonte: Vanputte, Regan e Russo (2016, p. 268).

A inervação do músculo esquelético é executada por neurônios motores,


que possuem corpos neuronais no sistema nervoso central (tronco encefálico
e medula espinhal). Esses neurônios se dirigem até as fibras musculares por
meio de nervos espinhais ou cranianos e se ramificam próximos ao perimísio.
Com isso, o contato entre o terminal nervoso e a fibra é uma sinapse química,
denominada junção neuromuscular. Esta estrutura é composta por um neu-
rônio pré-sináptico, que libera o neurotransmissor acetilcolina (ACh) na fenda
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sináptica, e por um neurônio pós-sináptico, com conteúdo de receptores para


ACh denominados nicotínicos. (A funcionalidade dessa sinapse será discutida
mais adiante, no terceiro tópico.)
O local da fibra onde o neurônio pós-sináptico se encontra é denominado
placa-motora terminal. Todas as fibras inervadas por um único neurônio
motor fazem parte de uma unidade motora, e se contraem juntas quando aquele
neurônio é estimulado. Essas fibras musculares necessitam de um suprimento
energético de ATP e oxigênio importante e, com isso, os vasos sanguíneos estão
largamente presentes. De modo geral, os vasos estão unidos aos nervos, que
adentram as células musculares até o endomísio. Nesse local, vasos menores
ramificados, os capilares, fazem essa vascularização.
Internamente nas fibras musculares, a mitocôndria é a responsável pela
síntese de ATP, e ela está presente em grande quantidade no músculo es-
quelético. A quantidade de mitocôndrias pode aumentar, caso a demanda
de energia necessária pelo músculo cresça ao longo do tempo. Imagine que
você se matriculou em uma academia e iniciou treinos periódicos; nesse caso,
provavelmente as mitocôndrias aumentarão de número nos músculos que
você exercita (TORTORA; DERRICKSON, 2017; SILVERTHORN, 2017;
VANPUTTE; REGAN; RUSSO, 2016; MARIEB; HOEHN, 2008).

Aspectos celulares, histológicos e anatômicos


do músculo esquelético
As fibras musculares são células alongadas, paralelas umas às outras, que
possuem cerca de 1 mm a 4 cm de comprimento, com diâmetro de 10 μm a
100 μm. Como todas as células, as fibras musculares esqueléticas possuem
membranas plasmáticas, que são nomeadas sarcolema. Da superfície ao interior
celular há invaginações, os túbulos transversos (túbulos T). Eles são canais
para a transmissão de impulso nervoso do meio externo para o interno da fibra.
No sarcoplasma (citoplasma da fibra), observam-se organelas; o retículo
sarcoplasmático, por sua vez, armazena cálcio (Ca++), íon essencial para a
contração muscular; as mitocôndrias são inúmeras e realizam a ATP. Dis-
persa ao longo do meio intracelular está a proteína mioglobina, semelhante
à hemoglobina e de coloração avermelhada. Ela tem função de armazenar
oxigênio para uso mitocondrial, visto que o músculo esquelético requer alto
gasto energético. Outra característica interessante é a presença de múltiplos
núcleos, localizados na periferia celular.
6 Musculatura lisa e estriada

As miofibrilas são pequenos compartimentos celulares compostos de


filamentos proteicos contidos nas fibras. São consideradas a parte funcional
da contração muscular, com seus filamentos proteicos grossos, constituí-
dos de miosina, e finos, constituídos de actina. Medem em torno de 1 μm a
3 μm e se apresentam ao longo de todo o comprimento da célula (Figuras 2
e 3). A seguir discutimos mais sobre esses filamentos proteicos (TORTORA;
DERRICKSON, 2017; VANPUTTE; REGAN; RUSSO, 2016).

„„ Filamentos de miosina: são os mais grossos dos miofilamentos, de


constituição da proteína miosina. São similares a bastões entrelaçados
com uma cabeça na ponta.
„„ Filamentos de actina: são constituídos de dois filamentos de proteína
actina F. Estes se entrelaçam e se assemelham com dois colares de
pérolas enrolados em dupla hélice. Cada “pérola” desse colar hipo-
tético é uma proteína globular denominada actina G, que possui um
sítio para ligação para a proteína miosina. Entretanto, esses sítios de
ligação estão recobertos do filamento proteico de tropomiosina quando
o músculo se encontrar relaxado. Outra proteína, a troponina, ativada
por Ca++, induz o deslocamento da tropomiosina durante a contração
muscular, permitindo a ligação entre os filamentos finos e grossos.
Esses filamentos ficam unidos na miofibrila aderidos a uma linha nas
extremidades, denominada linha Z.
„„ Proteína titina: é uma proteína menos visível nos sarcômeros. Contudo,
sua função é bastante importante na manutenção dos filamentos de
miosina em seus devidos lugares e na extensibilidade muscular, pois
ela age como uma mola, permitindo esta funcionalidade.

Acompanhe a Figura 2, que mostra as partes constituintes da fibra muscular,


incluindo os filamentos proteicos.
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Figura 2. Fibra muscular esquelética constituída de miofibrilas. Os filamentos de actina e


miosina são vistos dentro dos sarcômeros.
Fonte: Tortora e Derrickson (2017, p. 186).

Os filamentos de miosina e actina conseguem se sobrepor na fibra em


locais específicos, os sarcômeros. Os sarcômeros são importantes partes,
que executam o fundamento da contração muscular. Limitando cada sarcô-
mero encontramos as linhas Z; dentro dessas linhas, ao longo do filamento
grosso, encontram-se as bandas A. Centralmente no sarcômero, nesse mesmo
filamento, visualiza-se a banda H. Já no restante dos filamentos finos, nas
extremidades, verifica-se a banda I. A apresentação estriada dessas fibras se
dá pela alternância entre bandas I e A, com regiões mais claras e escuras, res-
pectivamente, assemelhando-se a listras, como pode ser percebido na Figura 2.
8 Musculatura lisa e estriada

Na Figura 3 você pode visualizar em mais detalhes todas as estruturas


que estudamos até aqui.

Figura 3. (a) Sarcômero. (b) Filamentos de actina. Note, nos filamentos de actina, a troponina
e a tropomiosina. (c) Filamentos de miosina.
Fonte: Vanputte, Regan e Russo (2016, p. 271).

A perda de miofibrilas pode ocorrer em situações de atrofia por desuso, diminuindo,


progressivamente, o tamanho das fibras musculares. Esse processo usualmente acon-
tece em indivíduos que não movimentam certos músculos de forma temporária ou
permanente. Exemplos disso são membros imobilizados por gesso ou tipoias, indivíduos
cadeirantes ou que ficaram por muito tempo acamados. Isso se dá pela diminuição dos
impulsos nervosos direcionados ao músculo e, como resultado, ocorre o decréscimo
da inervação com consequente atrofia muscular.
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Acompanhe no Quadro 1 algumas doenças e distúrbios que podem ocorrer


no sistema muscular, especialmente o esquelético.

Quadro 1. Doenças e distúrbios do sistema muscular

Condição clínica Descrição

Cãibras Contrações espásticas e dolorosas do


músculo esquelético; geralmente devidas
a um acúmulo de ácido láctico.

Fibromialgia Dor crônica, generalizada, não letal nos músculos


esqueléticos, com nenhuma cura conhecida; também
conhecida como síndrome da dor muscular crônica.

Hipertrofia Aumento do músculo esquelético devido a um número


aumentado de miofibrilas, como ocorre com o uso
muscular aumentado; no músculo cardíaco, é geralmente
o resultado de outras doenças, comumente hipertensão.

Atrofia Diminuição no tamanho muscular devida a um número


reduzido de miofilamentos; pode ocorrer devido ao
desuso de um músculo, como na paralisia; também
pode ocorrer no músculo cardíaco devido a certas
patologias, como insuficiência cardíaca crônica.

Distrofia muscular Grupo de distúrbios genéticos nos quais os músculos se


degeneram e atrofiam; geralmente afeta os músculos
esqueléticos e, algumas vezes, o músculo cardíaco.

Distrofia muscular Os músculos esqueléticos são fracos e falham ao


miotônica relaxar após contrações forçadas; afeta as mãos mais
gravemente; traço dominante em 1:20:000 nascimentos.

Tendinite Inflamação de um tendão ou de seus pontos de ligação


devido ao uso excessivo de um músculo esquelético.

Fibrose Cicatrização do músculo esquelético ou cardíaco


danificados devido à deposição de tecido conectivo.

Fibrosite Inflamação do tecido conectivo fibroso,


resultando em dor após tensão muscular
esquelética prolongada; não progressiva.

Fonte: Adaptado de Vanputte, Regan e Russo (2016).


10 Musculatura lisa e estriada

Músculo liso
O músculo liso é denominado assim pela ausência de estriações em sua es-
trutura, diferentemente dos músculos esquelético e cardíaco. Ele se encontra
disposto em uma ampla extensão do corpo, em estruturas das paredes de
órgãos ocos como útero, intestinos, estômago e bexiga. É considerado invo-
luntário, ou seja, não há necessidade de um pensamento consciente para a
sua contração. Sua funcionalidade se reflete no transporte de substâncias e
líquidos no organismo, como o transporte de sangue pelos vasos sanguíneos e
de alimentos pelo trato digestivo e a liberação de urina pela bexiga, de maneira
lenta e sustentada (VANPUTTE; REGAN; RUSSO, 2016; MARIEB; HOEHN,
2008; TORTORA; DERRICKSON, 2017).

Aspectos celulares, histológicos e anatômicos do


músculo liso
No tecido liso as estriações estão ausentes, pois não há sarcômeros em sua es-
trutura; a disposição dos miofilamentos internos se mostra solta, de distribuição
distinta. As células lisas possuem núcleo único e central e são alongadas em
formato de fuso, por isso se denominam fibras. Entretanto, são menores do que
no músculo esquelético, com aproximadamente 15 a 200 μm de comprimento
e 30 μm de diâmetro.
Entre as fibras há uma camada fina de tecido conjuntivo, o endomísio, com
a passagem de fibras nervosas e vasos sanguíneos, porém não existem bainhas
ao redor do tecido. Esse tecido normalmente se dispõe em duas camadas,
que podem ser visualizadas na Figura 4: a camada longitudinal, na qual as
fibras estão dispostas longitudinalmente paralelas e sua contração causa seu
encurtamento; e a camada circular, que se localiza na circunferência do local
e causa constrição da luz do órgão.
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Figura 4. Músculo liso nos órgãos ocos: camada longitudinal e circular.


Fonte: Marieb e Hoehn (2008, p. 276).

Essas camadas são opostas e, com isso, os movimentos realizados em


ambas discorrem o transporte de substâncias em seu interior, denominado
peristalse. Sua inervação tem origem no tronco encefálico e medula espinal,
e é feita pelas duas divisões do sistema nervoso autônomo (SNA):

„„ Parassimpático, com a liberação de ACh e sua ligação em receptores


muscarínicos nos órgãos-alvo.
„„ Simpático, a partir da liberação de noradrenalina (NA) e sua ligação
em receptores adrenérgicos, que podem ser dos tipos α1, α2, β1 e β2.

Esses receptores estão contidos em inúmeros locais no corpo — vasos


sanguíneos, brônquios e coração —, podendo ser estimulatórios ou inibitórios.
Essas substâncias são liberadas por locais denominados varicosidades, que
possuem vesículas de neurotransmissores. Sua liberação ocorre na fenda
sináptica, designada junção difusa por sua ampla distribuição (VANPUTTE;
REGAN; RUSSO, 2016; MARIEB; HOEHN, 2008). Veja mais na Figura 5.
12 Musculatura lisa e estriada

Figura 5. Varicosidades com presença de vesículas de neurotransmissores e junção difusa.


Fonte: Marieb e Hoehn (2008, p. 277).

No espaço intracelular há miofilamentos de dois tipos principais: actina


(filamento fino) e miosina (filamento grosso), que estão dispostos soltos
no citoplasma, o que difere do músculo esquelético — e, por esse motivo, é
considerado tecido liso. Esses miofilamentos, quando se sobrepõem, execu-
tam a contração muscular, promovendo o encurtamento da fibra (Figura 6).
O citoesqueleto celular realiza a sustentação desses miofilamentos por meio
de componentes principais (VANPUTTE; REGAN; RUSSO, 2016; MARIEB;
HOEHN, 2008):

„„ corpos densos, são estruturas que estão pelo citoplasma e se ligam


aos filamentos de actina juntamente com regiões densas na membrana
plasmática;
„„ filamentos intermediários, são semelhantes a “cabos de aço”, que
ligam os corpos densos uns aos outros e suportam mecanicamente a
célula, como se esta dispusesse de uma rede interna.
Musculatura lisa e estriada 13

Figura 6. Filamentos de actina miosina e estruturas do citoesqueleto celular.


Fonte: Vanputte, Regan e Russo (2016, p. 297).

Quando se analisa as organelas celulares, o retículo sarcoplasmático está


presente, pois armazena Ca++ para contração. Todavia, os túbulos T, estrutura
por onde o potencial de ação se dissiparia na fibra, estão ausentes no tecido
liso e, com isso, especula-se que as cavéolas, que são invaginações do sarco-
lema (membrana plasmática da fibra muscular lisa), captam o Ca++ do líquido
extracelular em muito maior quantidade do que o retículo sarcoplasmático,
para proporcionar a contração. Acompanhe a Figura 7.
14 Musculatura lisa e estriada

Figura 7. (a) Fibra muscular relaxada. Note sua estrutura alongada. (b) Fibra muscular
lisa contraída. Observe seu encurtamento e o aspecto “inflado”, principalmente
pelos filamentos intermediários unidos aos corpos densos.
Fonte: Marieb e Hoehn (2008, p. 277).

Tipos de músculo liso


Existem dois tipos e músculo liso: o unitário, que se encontra nas paredes
dos órgãos ocos, como no trato digestivo e bexiga; e o multiunitário, que está
presente em vasos sanguíneos e músculos eretores de pelos, por exemplo.
A seguir explicaremos melhor cada um deles (VANPUTTE; REGAN; RUSSO,
2016; MARIEB; HOEHN, 2008).

„„ Unitário: é o mais comumente encontrado, também denominado vis-


ceral. Localiza-se em paredes de órgãos ocos, organizado em camadas,
nos tratos reprodutivo (útero), digestivo (estômago, intestino) e urinário
(bexiga). Possui junções comunicantes, que fazem o acoplamento das
células, cujo objetivo é realizar a passagem rápida de íons relativa ao
potencial de ação para a contração da musculatura como uma unidade.
Um detalhe importante é a geração de potenciais de ação espontâneos,
autorrítmicos, como, por exemplo, no sistema digestivo, exceto o mús-
culo da bexiga, que se contrai apenas quando estimulado pelo sistema
Musculatura lisa e estriada 15

nervoso. Sua resposta de relaxamento é provocada por estresse, isto


é, pós-contração.

Lembre-se que, apesar de o coração ser um órgão oco, nele possuímos músculo
estriado cardíaco.

„„ Multiunitário: encontra-se em duas configurações — em camadas e em


células isoladas. A primeira configuração ocorre em paredes de vasos
sanguíneos, nas vias aéreas, músculos eretores de pelos e músculos da
íris dos olhos, para ajuste de diâmetro da pupila. Já na cápsula que está
ao redor do baço, encontram-se células isoladas. É altamente inervado,
sendo que cada terminação nervosa consiste em uma unidade motora.
As junções comunicantes neste tipo de músculo liso estão em menor
número do que no unitário, e sua contração se dá de maneira singular,
ou seja, cada célula se contrai de maneira independente. Sua estimulação
acontece pelo SNA e por hormônios; contudo, os impulsos nervosos
espontâneos não ocorrem aqui.

Diferenças estruturais entre o músculo liso e


o esquelético
Como citado anteriormente, o músculo liso não possui estriações, tampouco
sarcômeros. Seus miofilamentos são dispostos de modo interdigitado e
possuem maior tamanho do que no músculo esquelético. No músculo liso,
é encontrada uma proporção maior de filamentos grossos do que finos, com
1 para cada 13; já no esquelético, essa proporção gira em torno de 1 para 2.
Porém, a miosina é ágil, e suas cabeças se ligam em torno de todo o filamento
de actina. Outro aspecto a ser verificado é a inexistência da troponina e a
composição distinta da miosina no tecido liso. A partir da disposição diagonal
das fibras e da presença de filamentos intermediários conectados aos corpos
densos no sarcolema, a contração do tecido se mostra em espiral, parecendo
estar “inflado”, como visto na Figura 7 (VANPUTTE; REGAN; RUSSO,
2016; MARIEB; HOEHN, 2008).
16 Musculatura lisa e estriada

O músculo liso está presente nas paredes de vasos sanguíneos, com isso, a inervação
do SNA pode provocar sua constrição ou relaxamento, modificando a pressão arterial.
Acompanhe o caso clínico a seguir.
Uma menina deu entrada em um serviço médico com infecção bacteriana do trato
respiratório superior. O médico prescreveu o antibiótico penicilina. Entretanto, um
processo alérgico grave, denominado choque anafilático, iniciou-se, e, entre os sintomas
ocorridos, houve queda da pressão arterial e broncoconstrição. Com isso, a conduta
médica foi a administração de adrenalina endovenosa — mas você sabe por que esse
fármaco pode melhorar esse quadro? A adrenalina atua nos receptores adrenérgicos
α1 no músculo liso dos vasos, β1 no coração e β2 nos brônquios, promovendo aumento
da pressão arterial, força de contração cardíaca e broncodilatação.
Fonte: Toy et al. (2015, p. 11).

Aspectos anatomofisiológicos dos músculos


esquelético e liso
A contração muscular depende de estímulos elétricos denominados potenciais
de ação, oriundos de neurônios do sistema nervoso central (SNC). Os músculos
esquelético e liso diferem nessa estimulação, visto que seus nervos e origens
anatômicas são distintos. Abordaremos cada tipo de contração muscular
separadamente para seu melhor entendimento.

Contração do músculo esquelético


Como vimos, o músculo esquelético é inervado por neurônios motores que
possuem origem no SNC, mais precisamente no corno ventral da medula
espinal. Vejamos os fenômenos que ocorrem objetivando a contração muscular
(TORTORA; DERRICKSON, 2017; SILVERTHORN, 2017; VANPUTTE;
REGAN; RUSSO, 2016; MARIEB; HOEHN, 2008):

1. O terminal neuronal motor contém o neurotransmissor ACh. Este é


liberado na fenda sináptica da junção neuromuscular por consequência
de um potencial de ação no neurônio motor. Posteriormente, a ACh se
difunde para a placa motora.
Musculatura lisa e estriada 17

2. A ACh se liga em seus receptores, ditos nicotínicos, que são canais de


sódio (Na+). Dessa forma, ocorre a abertura desses canais, permitindo
a entrada deste íon (Figura 8).
3. Com isso, há a despolarização das unidades motoras e a geração de um
potencial de ação na fibra, que flui pelo sarcolema em direção aos túbulos T.
4. Esse potencial age realizando a abertura de canais de Ca++ dependentes
de voltagem, que estavam fechados no músculo relaxado. Dessa maneira,
o Ca++ armazenado no retículo sarcoplasmático adentra seus canais,
direcionando-se ao sarcoplasma.
5. Neste ponto, o Ca++ se liga à molécula de troponina, localizada no
filamento de actina. Esse processo gera a alteração da morfologia da
troponina. Com isso, a troponina se movimenta, levando consigo o
filamento de tropomiosina que está conectado a si. Desse modo, há a
exposição dos sítios de ligação para miosina nas proteínas do filamento
de actina (Figura 9).

Figura 8. Liberação de ACh pelo terminal do neurônio motor e entrada de Na+ na fibra.
Fonte: Vanputte, Regan e Russo (2016, p. 280).
18 Musculatura lisa e estriada

6. Então, verifica-se a necessidade de moléculas energéticas para haver a


conexão entre os filamentos de miosina e actina, visto que esta ligação
demanda um gasto energético importante (Figura 9).
7. Assim, as cabeças do filamento de miosina possuem uma enzima de-
signada ATPase, que degrada o ATP em adenosina difosfato (ADP) e
em um fosfato (P). Essas moléculas energéticas permanecem ligadas
às cabeças de miosina (Figura 9).
8. O filamento de miosina, a partir de suas cabeças, liga-se à actina em
seus próprios sítios, promovendo o que chamamos de pontes cruzadas
e liberando uma molécula de P (Figura 9).
9. Neste instante ocorre o movimento de tensão, no qual há uma mudança
conformacional nas pontes cruzadas, com a liberação do ADP, e o
deslizamento do filamento de actina sobre a miosina, dirigindo esta
ligação para a parte central do sarcômero e gerando o encurtamento
da fibra e a contração muscular. A contração ocorrerá até que se tenha
ATP e Ca++ disponíveis na fibra.

Um fenômeno denominado Rigor mortis ocorre no momento da morte, produzindo


rigidez cadavérica. Isso por que as membranas das células musculares aumentam sua
permeabilidade ao Ca++, permitindo sua concentração no sarcoplasma. Dessa maneira,
as cabeças de miosina se conectam às de actina, porém não estão mais presentes
moléculas de ATP para o desligamento das pontes cruzadas. Esse processo dura em
torno de 24 horas, até que enzimas proteolíticas degradem as pontes cruzadas.
Fonte: Tortora e Derrickson (2017).
Musculatura lisa e estriada 19

Figura 9. Ciclo de contração e relaxamento muscular.


Fonte: Silverthorn (2017, p. 387).

Relaxamento do músculo esquelético


O relaxamento do músculo esquelético ocorre por três etapas principais (TOR-
TORA; DERRICKSON, 2017; SILVERTHORN, 2017; VANPUTTE; REGAN;
RUSSO, 2016; MARIEB; HOEHN, 2008):

1. Primeiramente ocorre a degradação do neurotransmissor ACh pela


enzima acetilcolinesterase (AChE), devido à conclusão dos potenciais de
ação. Com isso, os canais de cálcio dependentes de voltagem se fecham.
20 Musculatura lisa e estriada

2. Então os níveis de Ca++ diminuem, pois o íon é transportado para o


retículo sarcoplasmático rapidamente. Como consequência disso a
tropomiosina desliza, retornando ao local de origem e protegendo os
sítios de ligação para miosina na actina.
3. Por fim, uma molécula de ATP se liga às cabeças de miosina, pro-
movendo sua desconexão entre o filamento fino e o grosso. Assim, o
filamento de actina também retorna ao seu estado de origem (Figura 9).

Contração e relaxamento do músculo liso


Diferentemente do músculo esquelético, o músculo liso se contrai mais lenta-
mente. Isso ocorre porque os íons Ca++ necessários para a contração estão em
maior quantidade no meio extracelular do que do retículo sarcoplasmático.
Essa circunstância deixa o tempo de contração e conexão de filamentos de
miosina e actina mais longo.
Outro ponto importante é a inexistência de moléculas de troponina no
músculo liso; dessa forma, o caminho realizado pelo íon é diferenciado.
Aqui, uma proteína denominada calmodulina se liga ao Ca++ e, com isso,
realiza a ativação da enzima miosina cinase, que adiciona um grupamento
fosfato vindo do ATP às cabeças de miosina. Dessa maneira, em presença
de ATP ocorrem as pontes cruzadas, entretanto mais lentamente do que
no músculo esquelético. Quando o relaxamento inicia outra enzima entra
em atividade, a miosina fosfatase, com a remoção de grupamentos fosfato
dos filamentos de miosina. As pontes cruzadas são lentamente liberadas,
mesmo se o fosfato for removido antes, gerando um fenômeno conhecido
como estado de tranca, que promove sustentação da contração por exten-
sos períodos sem gasto exacerbado de energia (TORTORA; DERRICK-
SON, 2017; SILVERTHORN, 2017; VANPUTTE; REGAN; RUSSO, 2016;
MARIEB; HOEHN, 2008).
A Figura 10 ilustra o ciclo de contração e relaxamento do músculo liso.
Musculatura lisa e estriada 21

Figura 10. Ciclo de contração e relaxamento muscular.


Fonte: Vanputte, Regan e Russo (2016, p. 298).
22 Musculatura lisa e estriada

O músculo liso, diferentemente do esquelético, por ser inervado pelo SNA,


recebe a estimulação dita involuntária, com estímulo de ACh e NA. Cada neu-
rotransmissor pode induzir contrações ou inibi-las, por exemplo: a adrenalina
estimula a constrição nos vasos sanguíneos, entretanto, nos intestinos a ACh
executa os movimentos deste órgão. Juntamente a isso, hormônios podem
desencadear a contração muscular — a ocitocina é um exemplo disso. Esse
hormônio hipotalâmico é liberado no momento do parto para levar às contra-
ções uterinas do nascimento. Outras substâncias como a histamina, liberada
por células imunológicas em momentos alérgicos, induz a vasodilatação,
atuando no músculo liso (VANPUTTE; REGAN; RUSSO, 2016).

Propriedades do músculo liso


Existem propriedades no músculo liso não observadas no músculo esquelé-
tico, acompanhe (TORTORA; DERRICKSON, 2017; SILVERTHORN, 2017;
VANPUTTE; REGAN; RUSSO, 2016; MARIEB; HOEHN, 2008):

„„ contrações autorrítmicas ocorrem em alguns exemplares de músculos


lisos;
„„ contração em reposta ao alongamento rápido;
„„ presença de tônus do músculo liso, que representa uma tensão constante
por longo período, mesmo após alongamento;
„„ contração constante do músculo liso, isto é, a contração se mantém sem
aumentos drásticos, pois, mesmo com variações no comprimento, como
quando o estômago e a bexiga estão cheios, sua contração continua
quase sem variação.

As intoxicações por agrotóxicos são muito comuns no meio rural. Os inseticidas or-
ganofosforados e carbamatos são inibidores da enzima AChE e, com isso, promovem
o aumento da ACh nas fendas sinápticas, resultando em uma síndrome colinérgica
aguda, que afeta o sistema respiratório, gastrointestinal e músculos esqueléticos.
Leia o artigo disponível no link a seguir e entenda mais sobre esse assunto.

https://qrgo.page.link/SG1Gh
Musculatura lisa e estriada 23

Neste capítulo você acompanhou o estudo dos músculos esqueléticos e


lisos. Viu que eles ocupam boa parte do corpo e sua contração nos permite
sair caminhando ou realizar o processo digestório. Suas diferenças histológi-
cas são visíveis, visto que há presença de estriações no músculo esquelético
e ausência da proteína troponina no liso, por exemplo. A funcionalidade de
ambos é dependente da ação do Ca++ e da liberação de neurotransmissores
e/ou hormônios. Todas essas moléculas são essenciais para a conexão entre
filamentos de actina e miosina, as grandes atrizes das pontes cruzadas.

MARIEB, E. N.; HOEHN, K. Anatomia e fisiologia. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.
SILVERTHORN, D. U. Fisiologia humana: uma abordagem integrada. 7. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2017.
TORTORA, G. J.; DERRICKSON, B. Anatomia e fisiologia. 10. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
TOY, E. C. et al. Casos clínicos em farmacologia. 3. ed. Porto Alegre: AMGH, 2015. (Série
Lange).
VANPUTTE, C.; REGAN, J.; RUSSO, A. Anatomia e fisiologia de Seeley. 10. ed. Porto Alegre:
AMGH, 2016.

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