Teol. Da Missão
Teol. Da Missão
Teol. Da Missão
da Igreja
Teologia da Missão
da Igreja
Anselmo Ernesto Graff
Conselho Editorial EAD
Andréa de Azevedo Eick Honor de Almeida Neto
Ângela da Rocha Rolla Maria Cleidia Klein Oliveira
Astomiro Romais Maria Lizete Schneider
Claudiane Ramos Furtado Luiz Carlos Specht Filho
Dóris Gedrat Vinicius Martins Flores
ISBN: 978-85-5639-106-3
| 1 Passagens da Escritura foram extraídas da Bíblia Sagrada, tradução de João Ferreira de Almeida,
Edição Revista e Atualizada, 1993.
8 Apresentação
que está em Jesus, o Filho de Deus (Jo 14.6). Essa afirmação escandalizou e
escandaliza pessoas de todos os tempos e lugares. Apóstolos e cristãos foram
perseguidos, torturados e mortos por grupos que consideravam a mensagem
cristã como ofensiva e ilógica. Em pleno século XXI essa perseguição continua.
Essa situação só confirma o próprio diagnóstico divino sobre o ser humano desde
a sua concepção: pecador e inimigo de Deus. Além disso, sem a regeneração
operada pelo Espírito o homem não aceita as coisas de Deus. “Ora, o homem
natural não aceita as coisas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não
pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente” (1 Co 2.14).
Porém, não é neste estado que Deus quer deixar as suas criaturas. Ele quer
repará-los e regenerá-los para uma vida de comunhão íntima com aquele que as
criou. Por isso Deus se tornou homem e habitou na Terra. Jesus, verdadeiro Deus
e verdadeiro homem, é apresentado como o caminho de volta ao Pai. “Ninguém
vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6b). Deus Espírito Santo por sua vez chama
as pessoas a confiarem e a crerem nessa boa notícia, e, assim, que todo aquele
que nele crer viva a vida em sua plenitude aqui e na eternidade lá. Esta é a nova
que compõe o cerne, a alma, o centro do cristianismo, e que é Jesus, o Senhor
e Salvador. Este também é o núcleo da Teologia da missão.
É desafiadora a tarefa de encontrar um conceito adequado para a missão
e fornecer contornos claros à Teologia da missão quanto à sua composição.
A dualidade intrínseca ao ser humano cristão (pecador por natureza e santo
em Jesus Cristo) acompanha também a tarefa missionária, desde as reflexões
teológicas até as práticas missionárias da Igreja. Há imperfeições e lacunas. Em
primeiro lugar, porém, é preciso lembrar que há um fundamento comum e pelo
qual a missão, seja em termos teológicos ou práticos, deve ser referenciada. Desse
alicerce não se pode abrir mão. O artigo bíblico/doutrinário principal e imexível
da Igreja Cristã: a justificação pela fé. O pecador é perdoado, aceito por Deus
e salvo exclusivamente pela graça de Deus através da fé nos méritos do Senhor
Jesus Cristo. “Visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei,
em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado... Concluímos,
pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei”
(Rm 3.20, 28). Não há lugar para o desempenho humano operar algo diante
de Deus. É graça. “Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem
de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.8-9).
Apresentação 9
Também não há espaço para se construir outra vereda que leve o ser humano
de volta ao Pai. Jesus é o caminho.
Essa verdade permaneceu clara e óbvia para a Igreja, mas isto não significa
que não há necessidade de se lidar com problemas também na missão. O
contexto hoje é altamente complexo. Em termos teológicos há uma sutil, às vezes
aberta, tendência de afirmar a obra missionária mais, ou também, em termos
humanitários, preterindo assim a bênção da vida eterna. Está se perdendo o
caráter escatológico da missão de Deus. A ênfase é por vezes muito mais na
“terra prometida” aqui e não a na pátria celestial lá (2 Pe 3.13). A Igreja também
precisa lidar com abordagens que evidenciam ou prometem apenas crescimento
numérico ou institucional, esquecendo a própria essência da missão da Igreja
e seu alvo, o ser humano em sua individualidade. Igualmente, não há como se
esquivar frente às mais variadas manifestações do sofrimento humano, seja por
causa da maldade dos homens, falhas ou desastres naturais. Acrescido a isso,
ainda há o ressurgimento do zelo missionário entre religiões não cristãs e que
tentam sobrepor em seus ensinos a verdade de que Jesus é o caminho.
A Igreja vive num tempo de missão. Vários fatores colaboram para que ela
responda com ações, mas também com reflexões teológicas a esse contexto. A
Igreja Cristã precisa dar atenção a seu chamado apostólico, ou seja, de envio
ao mundo e missionário no século XXI, com olhos abertos para o contexto em
que está inserida e no texto das Sagradas Escrituras. Cabe à Igreja obter clareza
teológica sobre os elementos que compõem tanto os referenciais teológicos como
a prática da missão em suas variáveis e seus desdobramentos.
Essa é a proposta deste livro e desta disciplina. Promover um diálogo entre o
contexto em que a Igreja está, o ser humano e a revelação de Deus nas Sagradas
Escrituras, a fim de que se possa construir um consistente fundamento e a Igreja
consiga se mover em cima dele e levar as Boas-Novas da salvação em Cristo
Jesus a todas as nações, tribos, povos e línguas (Ap 7.9).
1
No livro The Book of Lights (O Livro das Luzes)2, está narrada a história
de um rabi (mestre judaico) e seu companheiro que viajaram a Kyoto, Japão.
Lá eles viram um homem no Santuário Xintoísta com um livro na mão e
fazendo a sua oração diária. O rabi judaico perguntou ao seu companheiro:
“Você sabe se nosso Deus está ouvindo a oração desse sujeito?”. “Eu não sei.
Eu nunca pensei sobre isso”, respondeu seu amigo. A reflexão a seguir foi:
“Nem eu pensei. Se Deus não estiver ouvindo, por que ele não o faz? E se ele
ouve, o que isso significa?”.
Por um lado, essa ilustração ajuda a clarear a ideia de que precisamos
pelo menos pensar e refletir sobre esse assunto e tantos outros, e por outro,
também ilustra o dilema da evangelização da Igreja. Por que evangelizar? A
resposta está no fato de que Deus está ausente da vida das pessoas fora da
Igreja Cristã e por isso elas não têm perdão e não experimentaram o amor
de Deus? E se Deus está ausente, o que fazer com a nossa confissão de Deus
como Deus Todo-Poderoso sobre tudo e todos? Se Deus está presente, qual
é a relação da mensagem das Boas-Novas do Evangelho com a vida religiosa
de tantas pessoas?
O cristianismo tem fornecido uma resposta bem clara para todos esses
questionamentos. Jesus Cristo é o único nome dado para salvação dos que
nele creem: “E não há salvação em nenhum outro; porque abaixo do céu
não existe nenhum outro nome, dado entre os homens, pelo qual importa
que sejamos salvos” (At 4.12), e o único caminho que conduz ao Pai:
“Respondeu-lhe Jesus: Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém
vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6). Também cremos que incorporação no
corpo de Cristo é pela Palavra e o Batismo, meios que Deus usa para chamar
os pecadores para junto de si. Só que este exclusivismo tem sido questionado
sempre mais e testado com maior intensidade nos últimos anos. Por causa
disso, o cristianismo tem sido acusado às vezes de arrogância e fanatismo.
Há ainda os que argumentam que o pluralismo religioso exige respeito, o
direito de escolha do cidadão deve ser preservado e cultivada a liberdade
religiosa.
O fato é que estamos expostos diária e intensamente a esse pluralismo religioso.
Seja pela TV, rádio, internet, jornal ou tantos outros recursos midiáticos, essa
| 2 POTOK, Chaim. The Book of Lights. New York: Fawcet Books, 1967.
A missão da Igreja no século XXI 13
| 3 RAJASHEKAR, Paul J. Navigating Difficult Questions. The Evangelizing Church. Richard H. Bliese
e Craig Van Gelder (editors). Minneapolis: Augsburg Fortress, 2005, p.92-96.
| 4 JI, Won Yong. A Priority Concern of the United Nations. In: Concordia Journal. Concordia Seminary,
Saint Louis, USA. Volume 27, january 2001, number 1, p.2-3.
14 A missão da Igreja no século XXI
| 5 Segundo Paul Rajashekar, esses textos não teriam tanto uma interpretação favorável ao
exclusivismo. De acordo com sua argumentação, no contexto de João o assunto estaria sendo o
caminho para a cruz e não um caminho exclusivo para o Pai. Em Atos o assunto todo se referiria
a “curar” e não à salvação. O ponto deste autor seria: não usar esses textos em comparação
com outras religiões, no sentido de anular ou denunciar a fé de outras religiões (RAJASHEKAR,
2005, op. cit., p.96-98).
A missão da Igreja no século XXI 15
| 6 Não se pode ignorar o fato de que na busca por tornar a mensagem cristã relevante procura-se
colocar uma “roupa moderna” no Salvador Jesus. John Stott lembra que Jesus já foi identificado
desde o “Cristo cósmico” até como “superstar”. O desafio é apresentar Jesus à nossa geração de
tal forma que corresponda ao Jesus revelado nas Sagradas Escrituras (STOTT, 1992, p.19-25).
16 A missão da Igreja no século XXI
Onde começar? Falar de Deus num mundo caótico e pluralista exige alguma
reflexão e conhecimento.
Algumas dessas perguntas listadas acima podem ser triviais e outras
profundas. Contudo, seja qual for a questão, a reação inicial do cristão pode
ser com outra pergunta: “Por que você quer saber isso”? Em princípio, uma
conversação cristã tem mais possibilidade de fluir quando o cristão sabe o
porquê do seu interlocutor querer saber algo sobre a vida. Segundo Robert Kolb
(1995), o ser humano formula suas questões de uma dessas duas perspectivas:
duma posição de autossegurança, baseado na confiança de que pode viver sem
o recurso da confiança no seu criador; ou duma posição de insegurança, de
fragilidade, talvez desespero, consequência de decisões erradas e que o levam a
almejar uma nova base para sua vida.
Talvez esse conhecimento não seja absolutamente necessário, mas é
importante saber quem está tentando administrar sua vida e até administrar o
destino eterno com suas próprias mãos; quem está vislumbrando bênçãos divinas
aqui e na eternidade baseado na sua performance dentro da Igreja e quem se
reconhece fragilizado e arruinado e assim incompetente e incapaz de administrar
sua vida e destino eterno. O testemunho cristão precisa conhecer a agenda que
está atrás das questões das pessoas. É óbvio que a simples resposta não é o fim
do testemunho. Não podemos simplificar respostas. Elas precisam de uma base
sólida para que reflitam sabedoria e habilidade para falar de Deus. “Eis que eu
vos envio como ovelhas para o meio de lobos; sede, portanto, prudentes como
as serpentes e símplices como as pombas” (Mt 10.16); “Ide! Eis que eu vos envio
como cordeiros para o meio de lobos” (Lc 10.3).
| 8 BLOOM apud ARAND, Charles. Strategies for God-Talk in a Pluralistic Society. In: Witness and Worship
in Pluralistic America. JOHNSON, John F. (Editor). St. Louis: Concordia Seminary, 2003, p.15.
| 9 Idem, p.15.
22 A missão da Igreja no século XXI
Atividades de autoestudo
1. A posição exclusivista da Igreja Cristã, salvação somente em Jesus Cristo,
tem sido questionada cada vez mais e testada com maior intensidade nos
últimos anos. Há ainda os que argumentam que o pluralismo religioso
exige respeito, o direito de escolha do cidadão deve ser preservado e
cultivada a liberdade religiosa. Faça uma breve e objetiva avaliação,
no mínimo cinco e no máximo oito linhas, sobre o atual contexto
de pluralismo religioso e o papel da Igreja Cristã em sua missão de
proclamar Cristo nessa realidade.
Respostas:
2.c 3.d 4.c
26 A missão da Igreja no século XXI
Referências
ARAND, Charles. Strategies for God-Talk in a Pluralistic Society. In: Witness
and Worship in Pluralistic America. JOHNSON, John (editor). St. Louis:
2003.
BLIESE, Richard H.; GELDER, Craig Van (editors). The Evangelizing Church.
Minneapolis: Augsburg Fortress, 2005.
KOLB, Robert. Speaking the Gospel Today: A Theology for Evangelism. Revised
Edition, St. Louis: Concordia Publishing House, 1995.
NEWBIGIN, Lesslie. The Open Secret. An Introduction to the Theology of
Mission. Grand Rapids, Michigan: Wm. B. Eerdmans Publishing Company,
1995.
RECCORD, Robert E. No Better Time for Mission. In: One Incarnate Truth –
Christianity’s answer to Spiritual Chaos. NETTO, Uwe Siemon (editor). Saint
Louis: Concordia Publishing House, 2002.
Referência comentada
Está disponível em língua portuguesa um dos livros mais completos sobre a
Teologia da missão. Seu conteúdo aborda desde a natureza do ser humano, seu
maior problema, formas de abordagem, conteúdo da proclamação, até os meios
pelos quais Deus alcança esse ser humano caído em pecado, mas recuperado
em Jesus Cristo.
KOLB, Robert. Comunicando o evangelho hoje. Tradução de Dieter Joel Jagnow.
Porto Alegre: Concórdia, 2010.
2
| 10 O Concílio de Jerusalém foi convocado porque aparentemente alguns judeus cristãos pensavam
que gentios eram “menos aptos a serem salvos”. Quando esse é o caso, ou quando ainda hoje
se introduz algo do “nós” ou do “eu” na equação em como Deus nos salva, está se anulando a
graciosa salvação de Deus em Jesus Cristo. Esse concílio reafirmou que a salvação é unicamente
pela graça do Senhor Jesus Cristo (At 15.11).
| 11 BOSCH, David. Missão transformadora. Tradução de Geraldo Korndörfer e Luís M. Sander. São
Leopoldo: Sinodal, 2002, p.584.
| 12 BUNKOWSKE, Eugene. Educação Teológica e Missão. In: SEIBERT, Erni Walter (org.). A Missão de
Deus Diante de um novo Milênio. Porto Alegre: Concórdia Editora, 2000, p.112-129.
| 13 BOSCH, op. cit., p.585.
| 14 BUNKOWSKE, op. cit., p.118.
Justificativa para a missão 29
| 15
BOSCH, ibid, p.584-595.
| 16
BUNKOWSKE, ibid., p.116.
| 17
Idem, p.117.
| 18
RUDNICK, Milton L. Speaking the Gospel through the ages – A History of Evangelism. St. Louis:
Concordia Publishing House, 1984, p.16-24. Rudnick lembra que nos primeiros séculos da Igreja
Cristã houve várias controvérsias doutrinárias que precisaram ser debatidas, ensinos falsos que
exigiram ser refutados e assim a doutrina ser purificada. Dentre as forças opostas à evangelização
nos primeiros séculos estavam as doutrinas equivocadas dos judaizantes, docetistas, gnósticos,
marcionitas, montanistas, novacianos e arianos. Colocando na prática isso: foram precisos debates
teológicos [Sistemática] para a Igreja continuar a missão de Deus [Prática].
| 19 SCHUMACHER, William W. Theology or Mission? Concordia Journal, Volume 30, july 2004, number
3, Concordia Seminary, St. Louis, p.116-118.
30 Justificativa para a missão
| 20 GRAFF, Anselmo Ernesto. Introdução. In: GRAFF, Anselmo Ernesto (org.). O Testemunho cristão
num contexto de diálogo inter-religioso. Porto Alegre: Concórdia, 2007, p.17.
Justificativa para a missão 31
| 28 VICEDOM, Georg F. A Missão como Obra de Deus. Introdução à Teologia da Missão. Tradução de
Ilson Kayser. São Leopoldo: IEPG/Sinodal, 1996, p.15.
34 Justificativa para a missão
| 29 SHERER, James A. Gospel, Church, & Kingdom. Comparative Studies in World Mission Theology.
Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1987, p.37.
| 30 BOSCH, op. cit., p.34.
| 31 Uma interessante discussão sobre esse versículo é sobre a intenção de João com as palavras
“para que creiais”. Uns dizem que ele é evangelístico, ou seja, esse livro foi escrito para não
cristãos chegarem à fé. Outros afirmam que esse livro é para os já cristãos continuarem a crer
e serem confortados e consolados com essas palavras. O debate gira em torno da forma verbal
do verbo crer na língua grega. Presente do subjuntivo ou aoristo, “para continuarem a crer” ou
“que venham a crer”. A diferença está apenas na presença ou não da letra sigma¸ correspondente
ao s na língua portuguesa. O detalhe até pode ser minúsculo, mas é significativo, na medida
em que torna possível dizer também a partir disso que esse evangelho carrega tanto o alvo
evangelístico como o fortalecimento e o conforto daqueles que já são cristãos.
Justificativa para a missão 35
| 32 LATOURETTE, Scott Kenneth. A History of the Expansion of Christianity (Volume I). New York:
Harper & Brothers Publishing, 1937, p.72.
| 33 NEWBIGIN, Lesslie. The Open Secret. An Introduction to the Theology of Mission. Grand Rapids,
Michigan: Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 1995, p.3.
| 34 LATOURETTE, ibid., p.102.
| 35 Idem, p.82.
36 Justificativa para a missão
Alguns dos lugares para os quais o cristianismo foi espalhado: 1 Pedro 1.1; Atos
15.41; 21.1-6; 27.3; 28.13-14; Tito 1.5; 1 Coríntios 1.1-2; 1 Tessalonicenses 1.1.36
| 36 Latourette ainda menciona o cristianismo alcançando a tribos árabes, Índia (p.107), Armênia
(p.105), Espanha (p.97) e Itália (p.96). Informa que na carta escrita na metade do século II,
por Plínio de Bitínia, para o Imperador Trajano, ele está dizendo que o cristianismo se espalhou
pelas cidades e mesmo na área rural (p.88-89).
| 37 NEILL, Stephen. História das Missões. Tradução de Fernando Barros. São Paulo: Vida Nova, 1964,
p.522.
| 38 Idem, p.522.
| 39 Aqui se pode mencionar o movimento estudantil cristão. Num deles, em 1886, mais de 250
alunos se reuniram em Massachusetts para uma conferência missionária, e o lema foi: “Todos
devem ir e ir a todos”. Na época, cem estudantes se comprometeram à obra missionária. O alvo
era a evangelização do mundo nesta geração e em 1887, mais de 2 mil estudantes aderiram ao
convite da missão num país estrangeiro (SHERER, op. cit., p.13).
Justificativa para a missão 37
Por que olhar para um agente? No caso dos indianos, salvação é a libertação
de um mundo/universo que se confunde, para ser diluído no ser supremo. Há
uma convicção de autonomia, o destino nas mãos de cada indivíduo, por que
há necessidade dessa intermediação?
Em primeiro lugar, é preciso lembrar que o ser humano criado por Deus
só existe em relacionamento com outras pessoas. Na criação começa a missão
(Gn 1.28; 2.15). A real vida humana na concepção de Deus é uma vida de
relacionamento com o Criador. Na real vida humana há responsabilidades
com a criação e com as outras criaturas. A Bíblia nos convida a ver o real ser
humano numa vida de mútua responsabilidade pelo mundo criado, natureza
e criaturas.
Além disso, o Deus Criador é Deus das relações. Ele se revelou em seu Filho
Jesus Cristo (Hb 1.1-2) e não há salvação exceto pelo relacionamento pessoal
com Cristo através da fé. A salvação não vem de forma direta, mas é necessário
um portador (Rm 10.14). A primeira ação salvadora de Deus foi na eternidade
(Ef 1.3-4) e em Cristo todos foram escolhidos para serem salvos. Não há eleição
fora de Cristo, também não há salvação sem os meios da graça, a saber, Palavra,
Batismo e Santa Ceia.
Essa trajetória de portadores aconteceu desde o início. A primeira aliança de
Deus é com todos, sem condições (Gn 9.17); quando a humanidade perde esta
bênção com seu imperialismo na torre de Babel (Gn 11.1-9), Deus escolhe uma
das famílias para ser portadora das bênçãos em favor de todos (Gn 12.1-3). Essa
Justificativa para a missão 39
família, como nação, é superior? Não. Essa escolha foi baseada puramente no
amor. (Dt 7.6-8). Vale notar que a conduta pagã às vezes é superior (Gn 12.10-20;
26.1-11; Gn 27 e 33). O povo de Deus por vezes tem a ilusão de que desfruta de
uma posição privilegiada diante de Deus. Com derrotas, destruição e exílio, Israel
precisa aprender que eleição não é para conforto, mas para instrumentalidade,
o que pode significar sofrimento e humilhação.
O povo da aliança também precisa aprender que aliança não é contrato
bilateral, mas graça de Deus. O verdadeiro sinal de ser o povo da aliança não é o
cumprimento da Lei, mas o poder regenerador do Espírito Santo (Rm 2.17-29).
A Lei destrói qualquer possibilidade de construção de uma justiça própria diante
de Deus. Ela fecha portas e só Deus por sua graça as abre. A Lei foi adicionada
para revelar a condição original de propensão para o mal do ser humano (Gl
3.19; Rm 5.20).
| 44 Idem, p.20.
| 45 Livro de Concórdia: As Confissões da Igreja Evangélica Luterana. Catecismo Maior, p.463.51-52.
Tradução de Arnaldo Schueler, 4.ed. São Leopoldo/Porto Alegre: Sinodal e Concórdia, 1993.
| 46 VICEDOM, ibid., p.21.
Justificativa para a missão 41
há redenção e remissão dos pecados. O fim último então não seria a justificação
pela fé, mas é a partir dela que o cristão é bem-vindo de novo no Reino de Deus,
tendo de volta a relação correta com seu criador. Se a contaminação original do
pecado rompeu essa comunhão, a justificação pela fé a restaura.
Assim, o alvo da missio Dei nos faz olhar de volta ao paraíso que já era, mas
que pode ser restabelecido parcialmente através de Cristo, e para o paraíso
futuro, esse a ser manifestado em sua plenitude. Aqui está o grande diferencial
entre a missio Dei e a “missão” das religiões não cristãs. Enquanto o cristianismo
leva a sério o pecado e suas consequências, pois rompe a comunhão original
e paradisíaca de Deus com os seres humanos e os afasta do Reino de Deus, as
outras religiões oferecem, quase sempre através de esforços próprios, a absorção
numa divindade e a fuga de um ciclo reencarnacional, que não soluciona o
problema da culpa, da rebelião contra o senhorio de Deus e a vivência pacífica
com toda a criação de Deus.
Embora o paraíso eterno seja “o alvo” da missio Dei, outro objetivo, não menos
importante, é recolocar o ser humano na correta relação com o seu criador,
através de Jesus Cristo, por meio da justificação pela fé.
Esse “outro reino” exerce força sobre as pessoas. Deus precisa resgatá-los e
transportá-los para o seu Reino e comunhão com Cristo (Cl 1.13; At 26.16-18),
o que é de fato a missão da Igreja de Cristo.
Atividades de autoestudo
1. O termo missão foi sendo moldado e aperfeiçoado ao longo do tempo.
Hoje, missão deve ser entendida como sendo a atividade geral de Deus no
mundo, e, quando o termo envolve a Igreja, ela deve ser entendida como
a sua ação global em pregar o Evangelho, administrar os sacramentos
(Batismo e Santa Ceia), nutrir seus membros com a Palavra, testemunhar,
ensinar, cuidar de enfermos, idosos e demais necessitados, promover
a comunhão e o serviço social. Escreva de cinco a oito linhas sobre as
implicações decorrentes dessa definição à Igreja hoje.
| 47 As pragas no Egito também tinham como alvo revelar o Senhor como Deus, em contraste com
os deuses egípcios (Êx 7.17; 9.14, 27; 10.2).
Justificativa para a missão 43
4. O que pode ser válido responder à questão “por que a Igreja faz
missão”?
a) Porque Deus quer salvar a todas as pessoas, essa é a resposta que
basta.
b) Porque Deus é missionário e Senhor e seu desejo é recolocar o ser
humano na correta relação com o seu Criador, através de Jesus
Cristo, por meio da justificação pela fé.
c) Porque é um mandato irrevogável de Deus.
d) Nenhuma dessas respostas é satisfatória do ponto de vista
bíblico.
Respostas:
2. a 3. d 4. b
44 Justificativa para a missão
Referências
BOSCH, David. Missão Transformadora. Tradução de Geraldo Korndörfer e
Luís M. Sander. São Leopoldo: Sinodal, 2002.
BUNKOWSKE, Eugene. Educação Teológica e Missão. In: A Missão de
Deus diante de um novo milênio. SEIBERT, Erni Walter (org.). Porto Alegre:
Concórdia, 2000.
COPPI, Paulo De. Por uma Igreja toda missionária. São Paulo: Paulus,
1994.
NEILL, Stephen. História das Missões. Tradução de Fernando Barros. São
Paulo: Vida Nova, 1964.
NEWBIGIN, Lesslie. The Open Secret. An Introduction to the Theology of
Mission. Michigan: Wm. B. Eerdmans Publishing Company, 1995.
SHERER, James A. Gospel, Church & Kingdom. Comparative Studies in World
Mission Theology. Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1987.
SCHULZ, Klaus Detlev. Mission from the Cross – The Lutheran Theology of
Mission. St. Louis: Concordia Publishing House, 2009.
VICEDOM, Georg F. A Missão como Obra de Deus. Introdução à Teologia da
Missão. Tradução de Ilson Kayser. São Leopoldo: IEPG/Sinodal, 1996.
3
o agir do Deus Triúno no mundo, é na obra salvífica de Cristo que ele encontra
um portador. O Messias é o portador do Reino de Deus e a sua realização.
O objetivo deste capítulo é possibilitar ao aluno a compreensão sobre o Reino
de Deus, conteúdo, alcance e presença, bem como identificar a missão em sua
bidimensionalidade, a saber, a missão como obra exclusiva e primária de Deus
e a responsabilidade humana nesse projeto divino.
contínua geração má. Aos olhos humanos pecadores, parece que nada mudou
com a vinda de Jesus Cristo, mas os olhos da fé veem em Jesus o verdadeiro
Reino de Deus antecipado e prometido no Antigo Testamento.
O livro de Daniel nos mostra que há uma básica e fundamental distinção entre
o Reino de Deus final e os reinos deste mundo (Dn 2.44). Essa distinção continua
no Novo Testamento. Os reinos deste mundo não têm autonomia, mas estão sob
o governo de Deus, que preserva o mundo através de reinos terrenos.
Nós vivemos num tempo entre a antiga era e o governo final de Deus, entre os
reinos do mundo e o reino final de Deus. Esse período de “sobreposição” permanecerá
até a Parousia de Cristo. Vivemos num tempo de cumprimento das promessas, mas
ainda não a consumação. Quando Cristo virá em glória, nossas vozes entoarão as
palavras de Apocalipse 11.15 e ouviremos o convite de Jesus Cristo (Mt 25.34).
Não há explicações populares para Deus confiar esse tesouro a um povo pecador e
teimoso (Êx 33.5), apenas reparar que a fé cristã está centrada na cruz. Lá, o Reino de
Deus está manifestado e oculto ao mesmo tempo. O poder de Deus está na fraqueza,
a sabedoria de Deus na loucura. “Eu creio que o Reino de Deus está presente no meio
de um povo pecador, fraco e fragmentado. Não através de algum poder ou bondade
gerados de si mesmo, mas porque Deus chamou e escolheu a companhia de pessoas
para serem portadoras do presente da salvação em favor de todos.”48
Enquanto isso, a missão da Igreja é proclamar o Evangelho do Reino de Deus
a todas as nações, é fazer discípulos de todas as nações batizando-os e ensinando-
os. Nesta missão Jesus está conosco até a consumação dos séculos.
Como vocês veem, queridos irmãos... nós não estamos reunidos aqui
por nossa própria causa. Nós estamos na fé, e por meio desta fé nós
temos a esperança de ser salvos! Mas, ainda existem muitos milhões
que não têm fé! Esta é a razão de estarmos aqui... a fim de que
possamos trazer salvação para o máximo de pessoas possível, para
que esta triste situação na Cristandade, a corrupção dos pobres e
cegos pagãos possa ser remediada... Somente por esta razão nosso
Deus gracioso permite que os cristãos vivam na Terra, para que eles
tragam outros à fé salvífica. De outra forma, Deus levaria o cristão
ao Céu tão logo ele fosse convertido.50
1 = justiça 1 (governadora)
2 = justiça 2 (justificadora)
3 = justiça 3 (santificadora)
A = realidade da criação
a = conexão entre 2 e 3
| 51 BIERMANN, Joel. Virtue Ethics and the Place of Character Formation within Lutheran Theology.
Saint Louis: Concordia Seminary, 2002.
| 52 LUTERO, Martinho. Livro de Concórdia. Catecismo Menor. Tradução de Arnaldo Schüler. São
Leopoldo/Porto Alegre: Sinodal/Concórdia, 1993, p.371-6.
52 O Reino de Deus e a missão em duas dimensões
| 54 KOLB, Robert. Speaking the Gospel Today: A Theology for Evangelism. Revised Edition, St. Louis:
Concordia Publishing House, 1995, p.15.
58 O Reino de Deus e a missão em duas dimensões
vertical, na interação entre Deus e o povo. Isso é verdade, mais ainda não é toda
a verdade. A verdade inteira é que tarefa missionária eclesial é executada em
ambas as dimensões: horizontal e vertical. Eliminar uma ou outra é ensinar a
verdade fora de seu contexto, o que acaba resultando em erro.
O erro é englobar todo o trabalho missionário e evangelístico em uma das
duas dimensões, em vez de mantê-los em ambos os eixos. Da mesma forma,
alguns reduzem a missão da Igreja à dimensão horizontal e dependem do
“último método aprovado” para fazer publicidade da Igreja sem se importar
com as implicações teológicas de tudo isso. Outros reduzem a evangelização
à dimensão vertical e rejeitam o uso instrumental que os esforços humanos
(incluindo estratégias correspondentes a culturas e contextos mutantes) possuem
na tarefa missionária. Esta dicotomia falsa atrapalha o trabalho da missão que
agrada a Deus e que é capacitada pelo Espírito Santo. Uma abordagem holística
à tarefa da evangelização incorporará ambas as dimensões.
Nesse ponto também se deve afirmar que uma dimensão serve a outra. A
dimensão horizontal é instrumental da dimensão vertical. Ideias do Primeiro
Artigo oriundas da sociologia ou teoria da comunicação (dimensão horizontal)
são usadas também para expor ao povo a mensagem do Evangelho que o Espírito
Santo usa para converter (dimensão vertical).
O trabalho do Espírito Santo na dimensão vertical é primário. Nossas ações,
ou nosso “querer e realizar”, que são efetuadas na dimensão horizontal, são
secundárias. Mesmo assim, a atividade humana é necessária para introduzir a
Palavra do Evangelho dentro do contexto nos quais os descrentes a ouvirão e
pelo qual o Espírito Santo operará a fé. Nesse sentido, a dimensão vertical – os
divinos meios da graça – é essencial. Mas a dimensão horizontal – o uso de
métodos de missão e estratégias guiadas por uma compreensão da cultura, da
comunicação e dos relacionamentos humanos – é também valiosa como auxílio
instrumental.
Esta compreensão bidimensional da tarefa missionária eclesial nada é mais
do que uma abordagem encarnacional. Ela reconhece que o trabalho de Deus
Espírito Santo na conversão é efetuado dentro da moldura da criação e da
natureza criada dos seres humanos, que são tanto objetos da redenção de Deus
como agentes de Sua missão.
O Reino de Deus e a missão em duas dimensões 59
Atividades de autoestudo
1. Pode-se afirmar que a prática missionária da Igreja é executada em
uma matriz bidimensional (vertical e horizontal), missão de Deus/
responsabilidade humana. Porém, muitos a reduzem a uma só dimensão,
acarretando equívocos teológicos e práticos. Faça uma avaliação dessa
abordagem em aproximadamente oito linhas, destacando o que é
primário e o que é secundário nesse modelo.
Respostas:
2. b 3. d 4. c
Referências
KOLB, Robert. Speaking the Gospel Today: A Theology for Evangelism. Revised
Edition, St. Louis: Concordia Publishing House, 1995.
NEWBIGIN, Lesslie. The Open Secret. An Introduction to the Theology of
Mission. Grand Rapids, Michigan: Wm. B. Eerdmans Publishing Company,
1995.
PETER, David J. A Framework for the Practice of Evangelism and
Congregational Outreach. In: Concordia Journal, Volume 30, julho 2004,
número 3.
RAABE, Paul. The Gospel of the Kingdom of God. In: Concordia Journal,
Volume 28, julho 2002, número 3.
4
Pressuposições e afirmações
teológicas da missão de Deus
Introdução
Pressuposições teológicas e afirmações teológicas de missão não decidem e
nem motivam por si só para a missão. No entanto, elas são necessárias para serem
a base de participação da Igreja em sua ação na obra salvadora de Deus em Jesus
Cristo. Elas também refletem a natureza da participação da Igreja, como agente
de Deus capacitado pelo Espírito Santo. Elas afirmam a fonte motivacional da
Igreja, o amor de Deus revelado no Evangelho do Senhor Jesus.
Pressuposições teológicas da missão visam gerar reflexões teológicas e que por
sua vez têm como alvo manter a Igreja saudável teologicamente na orientação e na
prática missionária nos novos tempos. As afirmações teológicas da missio Dei55, por
sua vez, colocam em relevo o real inicializador da missão, sua necessidade, conteúdo,
energizador, alcance, responsabilidade, fonte de poder e época de execução.
O objetivo deste capítulo é que sejam proporcionados ao aluno avanços na
capacidade de avaliação da Teologia e da prática das novas tendências na missão,
segundo princípios sadios extraídos das Sagradas Escrituras. Que ele ainda seja
instigado a compreender e discernir fundamentos teológicos e decorrências
| 55 As afirmações teológicas serão vistas a partir deste capítulo e depois uma por uma até o capítulo
7 deste material.
62 Pressuposições e afirmações teológicas da missão de Deus
| 56 A estrutura básica das pressuposições teológicas da missão está orientada num documento
elaborado pela Comissão de Teologia e Relações Eclesiais da Igreja Evangélica Luterana – Sínodo
de Missouri, Estados Unidos. Evangelização e Crescimento da Igreja, com especial referência ao
movimento “Church Growth”. O referido texto foi traduzido por Eleonora Íris Rehfeldt Kautzmann
e revisado pelos Revs. Ari Lange e Daltro Kautzmann, p.6-20.
Pressuposições e afirmações teológicas da missão de Deus 63
| 57 Autores foram “movidos” pelo Espírito de Deus a escrever os textos bíblicos como nós os temos
hoje (2 Pe 1.21).
| 58 As Sagradas Escrituras são inerrantes, ou seja, livres de erros, no sentido de que seus autores foram
completamente fiéis aos propósitos pretendidos por eles e a Palavra de Deus é verdadeira.
64 Pressuposições e afirmações teológicas da missão de Deus
| 59 O princípio que permeia o pragmatismo é o de que a ideia, no caso aqui a teologia a ser empregada
na missão, seja determinada pela prática e não vice-versa. Em palavras simples, quando alguma
prática “demonstra ser de sucesso”, então ela está correta
| 60 SHERER, op. cit., p.243.
Pressuposições e afirmações teológicas da missão de Deus 65
suas transgressões” (2 Co 5.19). A ira de Deus foi apaziguada. A sua justiça foi
satisfeita. O pecado foi expiado. Toda a humanidade foi redimida. A Igreja tem
agora o privilégio e a responsabilidade de oferecer este convite a todo o mundo:
“deixai-vos reconciliar com Deus” (2 Co 5.20).
A Palavra de Deus ensina que a salvação acontece somente pela graça,
por amor de Cristo, através da fé. Por isso deve-se questionar, se não rejeitar,
qualquer visão sobre a missão da Igreja que ignora essa verdade. Questiona-se
e se rejeita:
• quem nega as doutrinas básicas da Escritura, como a divindade de
Cristo; sua verdadeira natureza humana; seu nascimento da Virgem
Maria; sua total e suficiente expiação; sua satisfação vicária, sua
ressurreição e ascensão aos céus e o seu retorno para o julgamento;
• quem sustenta a verdade de que uma pessoa pode ser salva sem crer
em Cristo;
• quem considera a tarefa da evangelização cumprida quando uma
sociedade teve a oportunidade de observar o estilo de vida dos cristãos,
como eles mantêm esperanças e apoiam os esforços daqueles que lutam
por justiça e igualdade de condições na vida;
• quem confunde fé salvadora com conhecimento apenas de fatos
históricos da vida de Jesus.
quando Deus é o sujeito no envio. Desde o “vai” de Abraão, até o “ide”, e seus
desdobramentos em Mateus 28. Segundo, quando ele expressa todo seu amor
e preocupação pela humanidade caída em pecado e desconectada com seu
Criador. “Como te deixaria, ó Efraim? Como te entregaria, ó Israel? Como te
faria como a Admá? Como fazer-te um Zeboim? Meu coração está comovido
dentro de mim, as minhas compaixões, à uma, se acendem. Não executarei o
furor da minha ira; não tornarei para destruir a Efraim, porque eu sou Deus e
não homem, o Santo no meio de ti; não voltarei em ira” (Os 11.8-9).
Quando Adão e Eva pecaram, eles corromperam e romperam a relação entre
criatura e criador. Um enorme abismo foi aberto e só o amor de Deus poderia
reconstruir uma aproximação da humanidade com Deus Pai. As Escrituras
apontam frequentemente para esse amor interessado de Deus por suas criaturas.
Desde as palavras a Adão e Eva no jardim do Éden, até o envio dos discípulos
às nações (Gn 3.8-9,15; Lc 24.45-47; Ef 1.13-14).
Na aliança com Noé é possível detectar essa disposição de Deus. “Eis que
estabeleço a minha aliança convosco, e com a vossa descendência, e com todos
os seres viventes que estão convosco: tanto as aves, os animais domésticos e os
animais selváticos que saíram da arca como todos os animais da Terra” (Gn 9.9-
10). A aliança é com Noé, mas a promessa de bênçãos é para seus descendentes.
Quando o modelo do imperialismo se manifesta na torre de Babel, Deus intervém
para se precaver contra males maiores no futuro, revelando que não há lugar
para ninguém se confinar e se tornar um mero favorecido de suas bênçãos. “E
o SENHOR disse: Eis que o povo é um, e todos têm a mesma linguagem. Isto
é apenas o começo; agora não haverá restrição para tudo que intentam fazer.
Vinde, desçamos e confundamos ali a sua linguagem, para que um não entenda
a linguagem de outro. Destarte, o SENHOR os dispersou dali pela superfície da
terra; e cessaram de edificar a cidade”.
Com paciência Deus faz o recomeço. O foco agora é sobre a descendência
de Héber. Um de seus filhos, Abrão, é escolhido. Não para ser um privilegiado,
mas mais uma vez ser um portador da bênção divina. O fim último da bênção
conferida ao pai dos crentes não está nele, mas para todas as famílias da Terra.
“Sê tu [“tu serás”] uma bênção”, disse o Senhor (Gn 12.2).
Os filhos de Deus são portadores, não somente beneficiários. A eleição divina
não é apenas para privilégios, mas responsabilidades. O processo da eleição em
si revela esse detalhe.
éreis o menor de todos os povos, mas porque o SENHOR vos amava e, para
guardar o juramento que fizera a vossos pais, o SENHOR vos tirou com mão
poderosa e vos resgatou da casa da servidão, do poder de Faraó, rei do Egito”
(Dt 7.7-8). E nessa preferência divina fica claro que não há mérito algum nas
pessoas que compunham essa nação, mas a graça pura de Deus os alcançou.
As imagens da eleição
A graciosa eleição é o ato inicial pelo qual Deus entra em relacionamento
com seu povo. Há uma série de imagens que tornam evidente essa relação. Mas,
mais do que isso, elas expõem a realidade de que, após esse ato divino, há uma
relação mútua entre o selecionador e o escolhido.
A figura mais comum no relacionamento entre Deus e o seu povo é a da
união matrimonial (Os, Jr 2.1-7; 3.11-22; Ez 16 e 23; Is 50.1; 54.5, 8, 10; 62.4-5).
A lei israelita confere ao marido o papel de prover prosperidade à esposa, que
por sua vez lhe deve obediência e fidelidade. A infidelidade é a recusa em
reconhecer-se recipiente da graça da eleição. Mas há outras representações que
evocam essa verdade. A imagem do pai e do filho (Êx 4.22; Is 63.16), do barro
e do oleiro (Is 64.8).
Essa última referência em princípio poderia sugerir que a eleição é arbitrária,
no entanto isso parece que tão somente reitera a soberania graciosa de Deus e a
própria flexibilidade de seus planos, visto que, na medida em que há mudança
de atitude nos escolhidos (Is 64.8; Jr 18.7-8), pode haver alteração nos planos do
oleiro. “Se a tal nação se converter da maldade contra a qual eu falei, também
eu me arrependerei do mal que pensava fazer-lhe”. Esse aspecto também é
possível perceber no povo de Deus retratado como herança do SENHOR (Êx
34.9; Jr 12.7-9).
A vinha é outra figura que manifesta que a obra vertical de plantio é
iniciada e completada unicamente por Deus62, mas que há frutos e vivência
horizontal sadia como resultados, bem como condenação quando não há essa
correspondência (Is 5). Além desses exemplos, há ainda outros que qualificam
| 62 Essa total dependência de Deus é percebida de maneira mais clara ainda na imagem do pastor
e das ovelhas, a qual se materializou no êxodo (Is 63.11; Os 11.1-4).
Pressuposições e afirmações teológicas da missão de Deus 71
o povo de Deus. É o povo próprio de Deus (Dt 26.18), é do SENHOR (Êx 4.22)
e é o povo resgatado (Is 62.12).
Cada um desses símbolos expressa em suas próprias características a
eleição divina como obra exclusiva de Deus, mas que parece conferir ao povo a
capacidade de resposta, responsabilidade ética e de serviço.
Atividades de autoestudo
1. Afirmações teológicas de missão não decidem e nem motivam por si
só para a missão. No entanto, elas são necessárias para serem a base
de participação da Igreja em sua ação na obra salvadora de Deus em
Jesus Cristo. Elas também refletem a natureza da participação da Igreja,
como agente de Deus capacitado pelo Espírito Santo. Elas afirmam a
fonte motivacional da Igreja, o amor de Deus revelado no Evangelho
do Senhor Jesus. A primeira afirmação teológica diz respeito à missão
como originada no coração de Deus. Discorra de cinco a oito linhas
sobre as duas formas em que esta afirmação pode ser percebida.
| 64 Idem, p.221.
74 Pressuposições e afirmações teológicas da missão de Deus
Respostas:
2. b 3. d 4. d
Referências
A THEOLOGICAL Statement of Mission. Comission on Theology and Church
Relations of the Lutheran Church – Missouri Synod, 1990.
EVANGELIZAÇÃO e Crescimento da Igreja – com especial referência ao
movimento “Church Growth”. Comissão de Teologia e Relações Eclesiais da
Igreja Evangélica Luterana – Sínodo de Missouri, Estados Unidos. Tradução
de Eleonora Íris Rehfeldt Kautzmann e revisão dos Revs. Ari Lange e Daltro
Kautzmann. Porto Alegre, 1987.
NEWBIGIN, Lesslie. The Open Secret. An Introduction to the Theology of
Mission. Grand Rapids, Michigan: Wm. B. Eerdmans Publishing Company,
1995,
SHERER, James A. Gospel, Church & Kingdom. Comparative Studies in World
Mission Theology. Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1987.
VICEDOM, Georg F. A Missão como Obra de Deus. Introdução à Teologia da
Missão. Tradução de Ilson Kayser. São Leopoldo: IEPG/Sinodal, 1996.
5
| 65 KOLB, op. cit., p.71. SCHEDD, Russel P. Fundamentos Bíblicos da Evangelização. Tradução de
Antivan Guimarães Mendes. São Paulo: Vida Nova, 1996, p.26.
A realidade do pecado: a urgência e o conteúdo do testemunho cristão 79
| 66 TOURNIER, Paul. Os Fortes e os Fracos. Tradução de Yara Tenório da Motta. São Paulo: ABU Editora,
1999, p.228.
80 A realidade do pecado: a urgência e o conteúdo do testemunho cristão
| 72 Idem, p.79.
| 73 Idem, p.80.
84 A realidade do pecado: a urgência e o conteúdo do testemunho cristão
Ao dizer “a mulher que me deste” Adão culpou a Deus e a Eva. Negar que Deus
é o meu Deus traz consigo a negação de que a esposa possa exercer seus direitos
sobre o marido; que meu irmão é meu irmão e que há uma responsabilidade
mútua envolvida (Gn 4.9). A quebra da relação vertical entre o ser humano e
Deus mutilou o relacionamento horizontal.74
O prejuízo foi grande, porque nós perdemos a habilidade original de
exercer domínio sobre nós mesmos e sobre a criação, quebrando o plano e o
status original de Deus (Gn 1.26,28). “Agora eu penso que devo também me
aproveitar e dominar o meu próximo para encontrar segurança para minha
própria vida.”75
Essas desobediência e separação não podem ser apartadas da dúvida da
Palavra de Deus e a rebelião contra seu senhorio. O pecado que me separa de
Deus o Doador fica num falso isolamento de Deus e num falso isolamento do
próximo. “Medo de perder a vida” é uma parte da incredulidade (em relação
a Deus) e reprime qualquer benevolência que eu teria que oferecer ao meu
próximo e me força a me submeter e buscar outra coisa da boa criação de Deus
para me satisfazer (idolatria).
| 74 Idem, p.82.
| 75 Idem, p.83.
| 76 Idem, p.84.
86 A realidade do pecado: a urgência e o conteúdo do testemunho cristão
Mal é mal. Pode ser monstruoso como foi o Holocausto, como também é nas
pequenas barganhas (competições) que visam o favor do chefe para obter mais
segurança e talvez sentido para a vida. Esse tipo de atitude não vai providenciar
o fundamento definitivo em se tratando de sentido e segurança, pois isso só
pode vir de Deus.
Nossa formatação original foi corrompida e agora, em vez de olharmos
para Deus, nós nos curvamos sobre nós mesmos. “Nós contraímos um caso
terminal de egocentrismo crescente.”77 Tentamos a todo custo evitar essa doença.
Cultuamos a nós mesmos e o que vamos cultuar por nossa própria e autônoma
decisão.
| 77 Idem, p.84.
A realidade do pecado: a urgência e o conteúdo do testemunho cristão 87
pode gerar desespero, que por sua vez pode levar à busca por uma e contínuas
novas fontes de identidade, segurança e sentido de vida. Novas necessidades
irão demandar novos deuses. Às vezes essa postura pode ser consciente, outras
vezes, negada, mas ela faz parte de cada ser humano caído em pecado.
| 78 Idem, p.86-87.
88 A realidade do pecado: a urgência e o conteúdo do testemunho cristão
Aqui está a origem comum de toda a religião falsa: nós não podemos
adquirir o favor de Deus ao praticar o bem aos outros. Deus criou sua
estrutura; ela é uma criatura. Essa estrutura em relação à criatura
humana, codificada como Lei, funciona como um instrumento de
execução e avaliação. Ela não é capaz de motivar o verdadeiro serviço
a Deus e ela certamente não pode exercer a função de dar a preservar
a verdadeira vida com ele, pois isso está reservado exclusivamente
ao próprio Criador.82
Ainda que houvesse uma obediência perfeita, a boa nova vida só se torna
em realidade por causa da graciosa vontade do nosso gracioso e misericordioso
Deus.
A segunda função da Lei é “esmagar”. Como um martelo esmiúça grão e o
faz em pedaços, assim funciona a Lei. Ela acusa e condena em nossa relação
vertical. Ela é como um espelho que é segurado diante de nossa face e exibe
os sintomas de nossos relacionamentos horizontais e sua causa, nossa ruptura
com o Criador.
A Lei não para de nos avaliar, censurar e condenar. Ela literalmente provoca
o pecador e promove o ressentimento com Deus. É especialmente o apóstolo
Paulo que percebe esse caráter mais negativo da Lei. Quando o pecado está
| 81 Idem, p.90-91.
| 82 Idem, p.92.
90 A realidade do pecado: a urgência e o conteúdo do testemunho cristão
num estado de incubação, a Lei o faz virulento. Assim, ela tem a função de um
impulso inicial (Rm 7.5,8).
Para Martinho Lutero o uso próprio da Lei, seu ofício real, é que
através dela o pecado deveria aumentar e se tornar grande e que
o ser humano deveria assim ter revelado: seus pecados, fraquezas,
cegueira, morte, inferno, os trovões e relâmpagos da ira de Deus.83
Há os que afirmam que “a vida já é uma lei” e que não haveria mais
necessidade de se falar em julgamento de Deus. Sim e não. O problema existe
quando os sintomas são tratados e não a raiz. Outros dizem que o julgamento só
pertence a Deus (Mt 7.1) e até sugerem uma atitude mais simpática. No entanto,
esta também é a missão da Igreja (Mt 16.19; 18.18; Jo 20.23). Cabe a ela perdoar
e reter pecados. Enquanto os velhos sistemas de segurança continuam operando
como fontes de identidade, segurança e sentido, Deus não encontrará lugar na
vida de uma pessoa.
Vale ainda lembrar que nem sempre é tão óbvio na vida de muitas pessoas que
o núcleo da nossa vida é que está em pedaços. Os sintomas do pecado podem ser
suprimidos e maquiados por longos ou períodos curtos. “O testemunho cristão
deve muitas vezes pacientemente gastar tempo diagnosticando os defeitos letais
e fatais dos antigos deuses de seus ouvintes.”84
Por isso os cristãos são comissionados a falar da Lei para o pecador, a fim
de quebrar seus ineficazes deuses e o Evangelho da cruz de Cristo conceder a
fé verdadeira. Somente com a cruz de Cristo e conscientes da proteção que ela
nos garante é que podemos admitir nossas dúvidas, confrontações, negações do
senhorio de Deus, em última análise, o pecado que em nós habita.
No testemunho cristão temos diante de nós vítimas da dúvida, da perpetuação
da confrontação, experts em negar seu desespero e medo. Ouvido sensitivo e
conversação simpática são formas que podemos usar e esperar frutos, ainda
que o Espírito Santo possa operar algumas vezes através de reações insensíveis e
antipáticas. Esta simpatia, que vira empatia, é nascida de um honesto olhar para
nossa própria pecaminosidade, pois também nós somos vítimas da dúvida e da
negação. Nós continuamos, em maior ou menor intensidade, mas continuamos
a mentir para nós próprios e negar o senhorio bondoso de nosso Pai Celestial.
| 84 KOLB, p.95.
92 A realidade do pecado: a urgência e o conteúdo do testemunho cristão
Atividades de autoestudo
1. Tem existido uma negação de que algo está errado como as pessoas e
com a humanidade. Isso geralmente tem se manifestado em buscar a
alegria fora de Deus, desenvolvendo uma autossuficiência e encontrar
o mal sempre fora de nós. Há pouca menção ao pecado, como origem
dos males. Uma palavra comum e que estava na mente de cada pessoa,
quase que naturalmente, agora é raramente ouvida. A palavra “pecado”,
bem como pecados, têm desaparecido, e o curso dos acontecimentos
gerou um processo de domesticação gradual do assunto. Pondere sobre
o assunto em aproximadamente oito linhas para avaliar objetivamente
a questão.
Respostas:
2. a 3. d 4. c
Referências
A THEOLOGICAL Statement of Mission. Comission on Theology and Church
Relations of the Lutheran Church – Missouri Synod, 1990.
KOLB, Robert. Speaking the Gospel Today: A Theology for Evangelism. Revised
Edition, St. Louis: CPH, 1995.
SCHEDD, Russel P. Fundamentos Bíblicos da Evangelização. Tradução de
Antivan Guimarães Mendes. São Paulo: Vida Nova, 1996.
TOURNIER, Paul. Os Fortes e os Fracos. Tradução de Yara Tenório da Motta.
São Paulo: ABU Editora, 1999.
6
| 86 MAIER, Paul L. Jesus: Verdade ou Mito? Tradução de Paulo R. Warth. São Paulo: Cristo Para Todas
as Nações (CPTN), 2007, p.11-12.
| 87 STOTT, John. Ouça o Espírito, Ouça o Mundo – Como ser um cristão contemporâneo. Tradução de
Silêda Silva Steuernagel. São Paulo: ABU Editora, p.19-25.
Jesus Cristo é o centro do Evangelho 97
| 88 KENNY, Anthony. A Brief History of Western Philosophy. Malden, Massachusetts, USA: Blackwell
Publishers, 1998, p.121.
98 Jesus Cristo é o centro do Evangelho
| 89 SCHROEDER, Edward H. O desafio do pluralismo à missão cristã: por que, afinal, Jesus? In: Igreja
Luterana, Volume 55, Número 2, 1996, p.181-185.
Jesus Cristo é o centro do Evangelho 99
| 90 Termo aplicado a judeus cristãos em Jerusalém. Mais tarde foi aplicado também a um grupo mais
extremado do judaísmo que professava fidelidade à Lei de Deus (Torá), e, embora reconhecesse a
Jesus como o Messias, não o confessavam como Deus e nem que ele nasceu da Virgem Maria.
| 91 KOLB, op. cit., p.125.
100 Jesus Cristo é o centro do Evangelho
| 92 Idem, p.125.
| 93 Idem, p.130.
Jesus Cristo é o centro do Evangelho 101
| 94 Idem, p.131.
| 95 Idem, p.130-159.
| 96 Idem, p.130.
| 97 Jo 1.18; 20.28; Cl 2.9 (cf. 1.19); 2 Pe 1.1.
102 Jesus Cristo é o centro do Evangelho
pois, sendo o Caminho, a Verdade e a Vida, ele nos faz voltar ao trilho
do relacionamento correto com o pai celestial.
Luz produz e provê conhecimento. Na medida em que a luz de Jesus
brilha na vida das pessoas, ele revela o que está errado quando se vive
nas trevas e na escuridão98, mas também mostra o que está correto no
relacionamento com Deus através de Jesus, e assim leva essa luz a outras
pessoas (Jo 12.46; Mt 4.15-16; 11.5; Lc 1.78; 23.44-45; 2 Co 4.6).99
Luz gera segurança. Diante do temor da escuridão, Jesus pode iluminar a
vida dos que jazem por alguma razão nas trevas do pecado ou do engano.
Ele pode revelar tanto a origem de todas as forças e influências hostis
como pode acolher com sua luz e calor a todos os que Nele se achegam.
As trevas não triunfaram e Jesus as venceu, ainda que ao meio-dia da
Sexta-Feira Santa elas tenham insistido em aparecer (Lc 23.44-45).
A luz nos lembra o processo da fotossíntese, processo pelo qual
plantas usam a luz para produzir vida no mundo vegetal. A luz produz
crescimento. A partir do Batismo e através da Palavra e da Santa Ceia, Jesus
irradia a sua luz criativa e recriadora e nos faz pessoas melhores e mais
experientes, não obstante as vicissitudes e contrariedades diárias.100
| 98 O julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a
luz; porque as suas obras eram más. Pois todo aquele que pratica o mal aborrece a luz e não se
chega para a luz, a fim de não serem arguidas as suas obras (Jo 3.19-20).
| 99 Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; nem se
acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os
que se encontram na casa. Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam
as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus (Mt 5.14-16).
| 100 KOLB, op. cit., p.138-139.
104 Jesus Cristo é o centro do Evangelho
predições sobre suas paixão e morte como servo sofredor (Mt 16.21),
mas também é usado para falar do seu retorno e dar um fim definitivo
em todo o mal existente (Mt 24.27-44; 25.31).
| 101 SIGGINS, Ian D. Kingston. Martin Luther’s Doctrine of Christ. Eugene: Wipf & Stock Publishers,
2003, p.245-246.
106 Jesus Cristo é o centro do Evangelho
Jesus vem e garante o sustento de nossa vida como o pão que desceu do
céu e, paralelamente, como a água da vida (Jo 4.10-14; 6.32-35; 48-51).
Atividades de autoestudo
1. A missão da Igreja Cristã de todos os tempos é pregar a Cristo
Crucificado (1 Co 1.23). É realmente preciso conhecimento mais
apurado sobre a pessoa de Cristo? Justifique sua resposta em cinco a
oito linhas.
Respostas:
2. c 3. b 4. d
Referências
A THEOLOGICAL Statement of Mission. Comission on Theology and Church
Relations of the Lutheran Church – Missouri Synod, 1990.
KOLB, Robert. Speaking the Gospel Today. St. Louis, USA: Concordia
Publishing House, 1995.
SCHROEDER, Edward H. O desafio do pluralismo à missão cristã: por que,
afinal, Jesus? In: Igreja Luterana, Volume 55, Número 2, 1996, p.181-185.
STOTT, John. Ouça o Espírito, Ouça o Mundo – Como ser um cristão
contemporâneo. Tradução de Silêda Silva Steuernagel. São Paulo: ABU Editora,
1997.
7
vos entregarem, não vos preocupeis com o que haveis de dizer, mas o que vos
for concedido naquela hora, isso falai; porque não sois vós os que falais, mas o
Espírito Santo” (Mc 13.11).
As Sagradas Escrituras revelam mais detalhes sobre a obra do Espírito do
que sobre sua pessoa. É interessante, porém, lembrar que, junto com o Pai e o
Filho, ele é Deus. Nos primeiros séculos da Era Cristã houve uma negação desta
verdade. Por isso, o Concílio de Constantinopla, em 381, reafirmou a doutrina
cristã de que o Espírito Santo é pessoa e é Deus. Esse ensino concorda com a
afirmação do próprio Jesus, que afirma que alguém pode blasfemar contra o
Espírito (Mt 12.31), e blasfêmia, como tal, é o pecado de ofender a Deus.102 Além
disso, deve-se lembrar outros textos que afirmam que o Espírito é igual ao Pai
e ao Filho. “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em
nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo” (Mt 28.19); “A graça do Senhor
Jesus Cristo, e o amor de Deus, e a comunhão do Espírito Santo sejam com
todos vós” (2 Co 13.13).
Foi ainda sob inspiração do Espírito que profetas e outros servos de Deus
ensinaram, proclamaram e escreveram a Palavra de Deus. “Tu, Soberano
Senhor, que fizeste o céu, a terra, o mar e tudo o que neles há; que disseste por
intermédio do Espírito Santo, por boca de Davi, nosso pai, teu servo: Por que
se enfureceram os gentios, e os povos imaginaram coisas vãs?” (At 4.24-25; Cf.
ainda 2 Pe 1.21).
outorgou quando cremos no Senhor Jesus, quem era eu para que pudesse resistir
a Deus?” (At 11.17; Cf. ainda At 10.45).
Deus se utiliza de duas imagens para afirmar que o Espírito é a garantia dada
por antecipação à Igreja e a todos os cristãos de forma individual. A primeira
é a linguagem comercial. Deus concede uma “caução” ou um “sinal” de que a
herança celestial aos crentes em Cristo está garantida. “Mas aquele que nos
confirma convosco em Cristo e nos ungiu é Deus, que também nos selou e nos
deu o penhor do Espírito em nosso coração” (2 Co 1.22; Cf. ainda 2 Co 5.5).
A segunda imagem é cúltica. O Espírito como dádiva aos crentes é comparada
aos primeiros frutos, as primícias da colheita ou da vitória final que ainda
vai ocorrer. “E não somente ela, mas também nós, que temos as primícias do
Espírito, igualmente gememos em nosso íntimo, aguardando a adoção de filhos,
a redenção do nosso corpo” (Rm 8.23; Cf. ainda Ef 1.13-14).
A primeira obra do Espírito é restaurar a criatura humana à condição de
cidadão celestial, mas também a uma vida de culto a Deus, bem como de um
relacionamento de dependência e confiança em seu Criador. Uma vez a relação
com Deus recuperada, crentes em Cristo então praticarão o fruto da presença do
Espírito numa vida de amor, paz, paciência, bondade, fidelidade, generosidade
e domínio próprio (Gl 5.22-25).
Igreja Cristã por se tratar duma ordem de Jesus. Mais do que um imperativo,
o Batismo possui promessas de uma nova vida em Jesus Cristo e de salvação.
Além disso, vale lembrar o elemento físico da criação de Deus, a água, para ser
o veículo da graça divina.
Deus converte as suas criaturas à fé não somente através do ouvir da sua Palavra.
Ele também vem em forma de água, unida à Palavra, para transmitir o seu Espírito,
conferir uma nova vida, regenerar e perdoar. Uma vez presente a Palavra, o Batismo
carrega a promessa de que Deus está recriando pelo perdão, concedendo uma vida
nova e salvação, dons conquistados por Jesus Cristo na cruz.
Depois disso, João descreve sua missão como preparatória para a chegada
daquele que possui autoridade absoluta e de quem ele não é digno de prestar o
menor serviço. A promessa é que o Batismo de Jesus será com o Espírito Santo
e ele virá para trazer salvação e julgamento (3.11-12).
Espírito é única, no sentido de incomparável, sem precedentes e que não vai mais
se repetir. É uma presença intransferível e que não pode ser comunicada a outros
através da concepção. Por isso o Batismo. Aquele que possui a unção do Espírito
(Jesus) agora batiza a outros com o Espírito. “E pregava, dizendo: Após mim vem
aquele que é mais poderoso do que eu, do qual não sou digno de, curvando-me,
desatar-lhe as correias das sandálias. Eu vos tenho batizado com água; ele, porém,
vos batizará com o Espírito Santo” (Mc 1.7-8; cf. ainda Mt 3.11; Lc 3.16; Jo 1.33; At
1.5). Essa dádiva do Espírito dada por Jesus é associada com o novo nascimento e a
entrada no Reino de Deus através da “água e do Espírito” (Jo 3.5).
Essas referências se tornam bem explícitas na descida do prometido Espírito
no Pentecoste, o qual por sua vez conduz as pessoas ao arrependimento para
o perdão dos pecados e a recepção do dom do Espírito Santo (At 2.32-38).
Desde lá, cada Batismo se torna um “pequeno pentecoste”, uma revalidação do
derramamento contínuo do Espírito por parte do Filho e do Pai. O Batismo é o
sinal da Nova Aliança e incorpora os batizados no povo de Deus e não é apenas
um ato exterior de recepção na comunidade dos irmãos. Nele é imputado ao
crente tudo o que Cristo fez por ele através da cruz e da ressurreição, tornando-
se, assim, um meio missionário da Igreja.103
| 107 “Portas Abertas é um ministério com características próprias dirigido à Igreja Perseguida, o
único com mais de trezentas organizações associadas no mundo todo desenvolvendo projetos
significativos nas linhas de frente em cerca de 50 nações. Desde 1955, Portas Abertas realiza
programas completos e de grande influência em muitos dos países onde os cristãos sofrem por
sua fé em Jesus Cristo”. http://www.portasabertas.org.br. Acesso em 21/12/2010.
| 108 SÁNCHEZ, Leopoldo A. A Missionary Theology of the Holy Spirit: The Father’s Anointing of Christ
and Its Implications for the Church in Mission. In: Missio Apostolica. Volume XIV, nº 1, may
2006, p.39.
122 O Espírito Santo como o energizador da missão de Deus
Atividades de autoestudo
1. Quando o assunto é o Batismo, um dos eventos que é preciso olhar no
ministério terreno de Jesus Cristo é justamente o seu Batismo. Por que
Jesus precisou ser batizado? Qual é a relação do Batismo de Jesus e o
Batismo cristão hoje? Discorra de cinco a oito linhas sobre essa questão
para apresentar sua avaliação teológica sobre o tema.
usada por Deus para expressar essa verdade, segundo os textos indicados
ao lado? (2 Co 1.22; Ef 1.14; Rm 8.23).
a) Comercial e imobiliária.
b) Médica e psicológica.
c) Monetária e imobiliária.
d) Comercial e cúltica.
Respostas:
2. d 3. a 4. b
124 O Espírito Santo como o energizador da missão de Deus
Referências
A THEOLOGICAL Statement of Mission. Comission on Theology and Church
Relations of the Lutheran Church – Missouri Synod, 1990.
KOLB, Robert. Speaking the Gospel Today. St. Louis, USA: Concordia
Publishing House, 1995.
NEWBIGIN, Lesslie. The Open Secret – An Introduction to the Theology of
Mission. Grand Rapids: Eerdmans Publishing Co., 1995.
SÁNCHEZ, Leopoldo A. A Missionary Theology of the Holy Spirit: The
Father’s Anointing of Christ and Its Implications for the Church in Mission.
In: Missio Apostolica. Volume XIV, nº 1, may 2006, p.28-40.
Referência comentada
BRUNER, Frederick Dale. Teologia do Espírito Santo. Tradução de Gordon
Chown. São Paulo: Vida Nova, 1989.
Esse livro é recomendado a acadêmicos e leigos que desejam conhecer de
maneira mais precisa a teologia do Espírito Santo e suas implicações práticas
na missão da Igreja no século XXI.
8
A revelação de Deus
e o testemunho cristão
Introdução
Robert Kolb relata em seu livro que uma amiga marxista se tornou ateísta,
não por causa da dialética de Karl Marx, mas porque depois de orar por 5 anos
(quando tinha 9) pela volta de seu pai que tinha ido à guerra e não teve atendida
sua oração.109 Essa experiência particular com o mal e tantos outros (campos de
concentração, guerras, fomes, calamidades) fazem muitos recuar em sua crença
na existência de um Deus bondoso.
O que e como testemunhar a fé cristã no contexto do mal em suas mais variadas
manifestações? Esse capítulo está designado a sintetizar algumas ideias a respeito
da existência do mal e o que cabe à Igreja Cristã fazer e falar nessas situações, à
luz do que Deus revelou em sua palavra e em seu filho Jesus Cristo.
de 250 mil pessoas tenham perdido suas vidas no dia 26 de dezembro de 2004.
A origem de tudo isso esteve num abalo sísmico que produziu efeitos em mais
de 3 mil km de extensão.
O tsunami é considerado um desastre natural, mas é muitas vezes descrito
como um “ato de Deus”. Por ironia, uma geração que tende a se afastar de Deus
está jogando a responsabilidade para esse mesmo Deus. Se este foi um ato de
Deus, ele não mostrou parcialidade: entre os que perderam suas vidas estavam
com certeza cristãos, muçulmanos, hindus, crianças, jovens, idosos e seguidores
de todas as filosofias e religiões concebíveis.
| 111 KOLB, Robert. When the Lord Hides – witnessing of an unprogrammable God. In: Missio Apostolica,
Volume XIII, Número 25, Maio 2005, p.16.
A revelação de Deus e o testemunho cristão 133
eles compartilham a verdade de que Deus é bom e sua misericórdia não tem
fim (Nm 14.18; 1 Cr 16.34; Ed 3.11; Sl 57.10; 100.5; 103.17; 145.9; Lm 3.22). De
maneira nenhuma Deus é responsável pelo mal, ele é digno de confiança em todo
o tempo.
Ele é o Deus que criou os seres humanos para serem responsáveis por
tudo que lhes foi dado dentro do domínio humano e Ele permanece
o Deus totalmente responsável por tudo o que existe no universo,
incluindo as criaturas humanas.112
ficaram. Eu devo ser uma dessas pessoas más. Eu fiquei para sofrer”, disse uma
senhora.114 Psicólogos falam muitas vezes no fenômeno pós-trauma da culpa
de quem sobreviveu. “Por que eu fiquei, se tantas outros melhores do que eu
pereceram?” Eles poderiam fazer muito mais e eu nunca serei capaz de realizar
o que eles fizeram e fariam. É um desafio e uma luta intensa tirar sentido de um
acontecimento que não tem sentido.
Durante um período delicado da política mundial, especialmente as
confrontações entre USA e URSS, o primeiro-ministro da União Soviética,
Nikita Khrushchev, teria dito que “num eventual holocausto nuclear, os vivos
irão invejar os mortos”. Os mortos não terão que sofrer com seus corações e
vidas dilacerados e machucados (Cf. Lm 4.9; 2 Rs 22.20).115
Para os islâmicos visitados naquela região a primeira reação foi o silêncio do
líder, depois outros responderam: “Nossa nação tem pecado de muitas formas.
Deus fez isso para nos exortar a seguir seus mandamentos; no Corão está escrito
claramente que Deus punirá pecados com água e fogo; isso já havia sido decidido
de forma antecipada. Tinha que acontecer. O bom não sofreu com os maus.
Aqueles que creram em Deus estão nos céus agora. Deus estava mostrando que
ele está no controle. Ele faz o que quer”.116
O conforto está em responsabilizar a nação e o desastre é uma mensagem de
Deus para que o povo se arrependa, volte para ele e siga as leis estipuladas em seu
livro santo. Também há conforto em atribuir simplesmente esse evento à inescrutável
e soberana vontade de Deus. “O papel do islâmico não é questionar a Deus, mas
obedecê-lo”. Sua atitude não deve ser de compreensão, mas de aceitação. Porém,
num dos depoimentos uma mulher expressou num lamento a fragilidade, talvez
inutilidade, de uma abordagem simplista. “Eu até entendo que algum humano faria
algo tão cruel. Mas eu não posso compreender que Deus fez isso.”117
Na maioria das pessoas, a questão “por que coisas ruins acontecem para
pessoas boas?” alterava para “por que Deus está permitindo forças da natureza
acabar com a vida das pessoas tão impiedosamente?”. Procura-se uma teologia
que defina Deus que visita e se vinga dos desobedientes e descrentes.
| 114 HOEFER, Herbert. Why?: Spiritual Dimensions of the Tsunami Event. In: Missio Apostolica, Volume
XIII, Número 25, maio 2005, p.7.
| 115 Idem, p.7.
| 116 Idem, p.9.
| 117 Idem, p.9.
A revelação de Deus e o testemunho cristão 135
Deus mostrou que ele está no controle... estes eventos já haviam sido
decididos por Deus na eternidade... este povo tem pecado de muitas
formas. Isso [tsunami] é um alerta para seguir os Mandamentos de
Deus... o Qumrã admoestou que Deus puniria pecados com fogo
e água. Aqueles que morreram estão no céu, se eles creram em
Deus.118
| 118 Concílio Muçulmano em Sri-Lanka, apud RAJ, Victor. Where is God in all of This? In: Missio
Apostolica, Volume XIII, número 25, maio 2005, p.24.
| 119 Idem, p.24.
136 A revelação de Deus e o testemunho cristão
Por que é uma questão levantada por cristãos e não cristãos em todos os
tempos. Quando a “vida real” encontra os cristãos, de uma ou de outra forma
eles são desafiados ou até encorajados a estar do lado dos que sofrem com
atos do amor cristão. Costuma-se dizer que isso de fato é o mais importante:
“estar junto”. Este é o momento de testemunhar a Deus que se revelou em Jesus
Cristo. Mas diante de questionamentos como “por que Deus permitiu que isso
acontecesse?” e quando cristãos são confrontados com perguntas que colocam
em dúvida o poder absoluto de Deus e sua essência amorosa, eles também são
convidados a falar. Deus precisa também colocar em suas bocas palavras que
podem acalmar e consolar.
Também é claro que a responsabilidade humana existe, tanto no sentido
positivo de obediência ao plano de Deus para a vida humana como no sentido
negativo, da dúvida humana e rebelião contra Deus (Gn 3). O cerne do pecado,
o mal, e seu domínio sobre o ser humano são vistos segundo o ensino bíblico,
não tanto como uma corrupção de sua essência física, psicológica ou racional,
e por essa razão uma fraqueza mórbida e inaptidão para o bem, mas antes, é
na perversão da vontade, em apostasia, no usurpado “não”, que quer ser igual
a Deus.121
| 120 SIMUNDSON apud KOLB, op. cit., 2005, p.17. Cf. Cânticos do Servo: Is 42.1-9; 49.1-13; 50.4-11;
52.13-53.12.
| 121 DANTINE apud KOLB, 1995, op. cit., p.76.
| 122 KORBY apud KOLB, 1995, p.76.
138 A revelação de Deus e o testemunho cristão
Atividades de autoestudo
1. Deus não se revela em sua glória plena às criaturas. Esse lado oculto
de Deus faz as religiões muitas vezes especularem sobre quem é Deus
e como ele age. Qual é o cerne ou o fundamento da religião cristã em
relação à revelação de Deus? Escreva um parágrafo de aproximadamente
sete linhas sobre o assunto, abordando o assunto do ponto de vista
bíblico/teológico.
Respostas:
2. d 3. c 4. b
Referências
GIRI, Radhika. Killer Wave. Disponível em: http://www.indiatoday.com/
itoday20050110/. Acesso em: 11 out. 2009.
HOEFER, Herbert. Why?: Spiritual Dimensions of the Tsunami Event. In:
Missio Apostolica, Volume XIII, número 25, maio 2005, p.7-15.
KOLB, Robert. Speaking the Gospel Today. St. Louis, USA: Concordia
Publishing House, 1995.
______. When the Lord Hides – witnessing of an unprogrammable God. In:
Missio Apostolica, Volume XIII, número 25, maio 2005, p.16-21.
RAJ, Victor. Where is God in all of This? In: Missio Apostolica, Volume XIII,
número 25, maio 2005, p.22-26.
9
Reflexões missionárias
em Martinho Lutero
Introdução
O impacto que Martinho Lutero exerce não se restringe a luteranos. No
século XXI, mais precisamente em 2003, numa pesquisa feita por uma TV alemã,
o Reformador foi considerado como um dos alemães de maior influência em
toda a história.127 Segundo observação de um historiador católico, John Todd,
em qualquer biblioteca decente de Artes Liberais vão se encontrar mais livros
escritos sobre Lutero do que de qualquer outro indivíduo na história humana,
com exceção de Jesus Cristo.128
O nome Martinho Lutero evocou e evoca diferentes reações. Ele possui
seus pesquisadores, advogados, mas também há aqueles que fazem o papel de
promotores e que lhe fazem críticas e acusações. Quando o tema é a missão,
| 127 Nessa pesquisa, em 1º lugar está Konrad Adenauer, primeiro-ministro da República Federativa
Alemã durante 14 anos, na época da reconstrução do país logo após o regime nazista. Disponível
em http://german.about.com/cs/culture/a/bestger.htm. Acessos em setembro de 2009 e abril
de 2010. Os dez primeiros são: 1. Konrad Adenauer; 2. Martin Luther; 3. Karl Marx; 4. Hans und
Sophie Scholl; 5. Willy Brandt; 6. Johann Sebastian Bach; 7. Johann Wolfgang von Goethe; 8.
Johannes Gutenberg; 9. Otto von Bismarck; 10. Albert Einstein. Segundo o site onde se encontra
a informação, “ironicamente, a participação dos votantes nesta enquete foi maior do que as
mais recentes eleições políticas na Alemanha”.
| 128 ROSIN, Robert. Luther on Education, p.117-130. In: The Pastoral Luther. WENGERT, Timothy J.
(editor). Grand Rapids: William B. Eerdmans Publishing Company, 2009.
144 Reflexões missionárias em Martinho Lutero
| 129 GRITSCH, Eric W. Luther as Bible Translator, p.72. In: Martin Luther. MCKIM, Donald K. (editor).
Cambridge University Press, 2003, p.62-72.
| 130 O texto abaixo está baseado em: GRAFF, Anselmo Ernesto. Lutero: um rico, mas inexplorado
inspirador à missão. In: Igreja Luterana. Volume 66, números 1 e 2, junho e novembro 2007,
p.15-34.
| 131 NEILL, op. cit., p.151.
Reflexões missionárias em Martinho Lutero 145
| 136 JI, Won Yong. A Lutheran Understanding of Mission: Biblical and Confessional. In: Concordia
Journal, Volume 22, nº 2, april/1996, p.149.
| 137 BOSCH, op. cit., p.18.
| 138 Idem, p.18.
| 139 VICEDOM, op. cit., p.15.
Reflexões missionárias em Martinho Lutero 147
| 148 RUDNICK, Milton L. Speaking the Gospel through the ages. A History of Evangelism. St. Louis:
CPH, 1984, p.82.
| 149 Idem, p.82.
| 150 PLASS, Ewald M. What Luther Says. A Practical In-Home Anthology for the active Christian. St.
Louis, USA: Concordia Publishing House, 1959.
| 151 STOLLE, Volker. The Church Comes from all Nations. Luther texts on Mission. Tradução de Klaus
Detlev Schulz. St. Louis, USA: Concordia Publishing House, 2003.
| 152 LUTERO, Martinho. Selected Psalms I. In: Luther’s Works, Volume 12. PELIKAN, Jaroslav (editor).
Saint Louis: Concordia Publishing House, p.147.
| 153 Idem, p.148.
150 Reflexões missionárias em Martinho Lutero
| 154 LUTERO, Martinho. Lectures on Genesis, Chapters 6-14. In: Luther’s Works, Volume 2. PELIKAN,
Jaroslav (editor). Saint Louis: Concordia Publishing House, p.184.
| 155 Idem, p.182-184.
| 156 Passando dali para o monte ao oriente de Betel, armou a sua tenda, ficando Betel ao ocidente
e Ai ao oriente; ali edificou um altar ao SENHOR e invocou o nome do SENHOR.
Reflexões missionárias em Martinho Lutero 151
permeado por Deus. Por isso, agora ele está ansioso para ajudar a cada um receber
os mesmos benefícios, pois seu maior prazer está neste tesouro, o conhecimento
de Cristo. Assim, ele dá um passo à frente, ensina e admoesta outros, louva e
confessa sua fé diante de todos e ora, pois, onde há o espírito da graça, deve-se
começar a orar, para que eles também obtenham essa misericórdia. Um cristão
não pode ficar calado ou preguiçoso. Ele peleja para disseminar a honra e a
glória de Deus entre as pessoas.164
Sobre o diálogo de José com seus irmãos em Gênesis 45.9-11, Lutero
parafraseia a conversa dizendo que José logo pediu para seus irmãos não ficarem
calados depois de terem reconhecido a Deus e a ele. Então ele afirma: “tão logo
aprendemos a conhecer a Deus em seu Filho, depois de apreender o perdão
dos pecados e o Espírito Santo, que veste nosso coração com alegria e com a
libertação do pecado e morte, o que resta fazer? Vai, não fica calado, para que
o restante seja salvo também, não somente você”.165
Num sermão sobre João 20.19-31, no primeiro domingo após a Páscoa,
em 1522, falando especificamente sobre o v. 20, “assim como o Pai me enviou
assim eu vos envio”, Lutero afirma, sem desconsiderar a instituição do Ofício
Ministerial, que a primeira e mais importante obra de amor de alguém que se
torna cristão é trazer outros para a mesma fé.166 Ainda que sobre esse mesmo texto
em 1531 ele fale mais da autoridade da Igreja em perdoar pecados167, e em 1534
a ênfase esteja na voz de Deus que ecoa através do Ministério Eclesiástico168, em
1538 ele repete pensamento similar, num sermão sobre Mateus 23.15, dizendo
que “a melhor de todas as obras é quando o pagão é conduzido da idolatria para
o conhecimento de Deus”.169
E é para isso que o cristão vive. Para Lutero o cristão permanece vivo só
em função de ser uma ajuda para outras pessoas. Se assim não fosse, tão logo
| 164 LUTERO, Martinho. Sermons on the Gospel of St. John, Chapters 14-16. In: Luther’s Works, Volume
24. PELIKAN, Jaroslav & POELLOT Daniel E. (editores). Saint Louis: Concordia Publishing House,
p.87-88.
| 165 LUTERO, Martinho. Lectures on Genesis, Chapters 45-50.In: Luther’s Works, Volume 8. PELIKAN,
Jaroslav (editor). Saint Louis: Concordia Publishing House, p.46.
| 166 LUTERO, Martinho. The Complete sermons of Martin Luther. Volume 1.1-2. LENKER, John Nicholas
(editor). Grand Rapids, Michigan: Bakers Books, 2000, p.359.
| 167 LUTERO Martinho. The Complete sermons of Martin Luther. Volume 6. KLUG, Eugene F.A. (editor).
Grand Rapids, Michigan: Bakers Books, 2000, p.60-72.
| 168 Idem, p.54-59.
| 169 PLASS, op. cit., p.957.
Reflexões missionárias em Martinho Lutero 153
alguém tenha sido batizado e começasse a crer, Deus poderia tirar a sua vida.
Mas ele o deixa viver para que outras pessoas sejam trazidas à fé. Lutero pregou
sobre isso em 1523, tendo como base o texto de 1 Pedro 2.9. Esta é uma parte
do ser um sacerdote, ser mensageiro de Deus, com a sua ordem de proclamar a
sua palavra. O sacerdote deveria pregar a obra de Deus em tê-lo chamado das
trevas para a luz e instruir as pessoas em como elas poderiam vir a essa luz. E
isso deve ser em público e em particular. “Onde você vê pessoas que não sabem
disso, você deveria instruí-las e também ensiná-las, como você próprio aprendeu,
em como Deus o transferiu das trevas para a luz.”170
Em outro escrito171, em 1523, Lutero ainda é mais enfático e claro quanto à
distinção entre o dever do testemunho da fé do cristão e do chamado regular para
o Ministério Pastoral e a pregação pública. Amparado por João 6.45, Salmo 44.7
e 1 Pedro 2.9, Lutero diz que cada cristão tem a Palavra de Deus e foi instruído
e ungido por Deus para ser sacerdote. Com isso ele tem o dever de confessar,
ensinar e difundir a Palavra de Deus. Tomando como exemplo Estevão (At 6.8,
10; 7.2ss), Filipe, o diácono e Apolo, Lutero coloca o cristão na responsabilidade
de pregar, onde ninguém foi convocado para isso. O simples fato de ser cristão
o torna ungido por Deus para essa tarefa e com o dever de fazê-lo, “sob pena
de perder sua alma e cair na desgraça de Deus”.172
É neste ponto que pode se encaixar o pensamento de Lutero em sua pregação
sobre Gênesis 12.14-16. Deus não deixa que seus filhos permaneçam tempo
demais num lugar. Ele os conduz para diferentes lugares para serem úteis a outras
pessoas. Abraão não poderia ficar em silêncio e deixar de pregar às pessoas sobre
a misericórdia de Deus. Por isso Deus o enviou para uma terra de grande fome
(Gn 12.10). Lá o pai dos que creem poderia iluminar alguns com o verdadeiro
conhecimento de Deus, o que de fato ele fez: “seria intolerável para alguém
encontrar pessoas e não lhes revelar o que é útil para a salvação de suas almas”.
Esse é o jeito maravilhoso de Deus agir. Ele envia apóstolos e pregadores antes
mesmo de eles perceberem ou pensarem sobre o assunto.173
Lutero admite que o testemunho cristão não é uma tarefa simples. Em seus
escritos sobre o Salmo 51, em 1532, o reformador lembra que de fato não há outra
alternativa para o cristão justificado dizer com Davi: “Eu cri e por isso falei” (2
Co 4.13), ou “a meus irmãos declararei o teu nome” (Sl 22.22), mas, baseado no
Salmo 51.12, o salmista pede ao Senhor que ele abra seus lábios a fim de que ele
proclame destemidamente a misericórdia de Deus em público. Ao pedir isso ao
Senhor, ele revela como é difícil, no dizer de Lutero, o sacrifício do testemunho
público em nome do Senhor. Para ele há vários elementos que podem fechar os
lábios dos cristãos. O diabo pode utilizar do medo do perigo e da interferência
de amigos, por exemplo, para impedir a confissão de fé publicamente. O próprio
Lutero aponta para si como alguém que Satanás tentou impedir o testemunho,
“mas Deus estava presente e abriu minha boca contra esses obstáculos”. Lutero
encoraja o testemunho cristão dizendo que através dele se aprende como é
grandioso falar do que se experimentou.174
É interessante também refletir sobre alguns detalhes em como Lutero prezava o
puro ensino e a coerência no viver. Num sermão sobre Mateus 23.15, pregado em
1538, Lutero inicialmente condena a atitude missionária do judaísmo, que forçava
os gentios a aderirem às leis cerimoniais de Moisés e os “prendiam” à cidade de
Jerusalém. Em resumo, colocavam sobre eles exigências da Lei para serem salvos.
Quando um gentio se tornava um adepto do judaísmo e fazia o que lhe era
ordenado praticar, o Senhor diz: “o tornais filho do inferno duas vezes mais
do que vós” (Mt 23.15b), ou seja, eles se tornam piores. O que acontece é isso:
sempre que alguém adere a alguma religião e vê que seus integrantes praticam
usura, avareza, impurezas e outros vícios, então ele acabará abandonando a sua
fé. A pregação é “viva de maneira respeitável”, mas quando encontra esse quadro
perverso em quem lhe ensina, então ele vai pensar em seguir antes os ensinos
de Cícero e dos filósofos.
O ponto de Lutero é: se olhada do ponto de vista humano, a fé cristã já
é complicada por si mesma, por isso a interferência de uma vida e condição
vergonhosa de cristãos é inimaginável. Só o ensino da Palavra pode resolver
isso. Por isso, Lutero lembra sobre a responsabilidade especial da família. Em
outro sermão pregado em 1532, sobre Marcos 8.1-9, ele incentiva a todos a se
| 174 LUTERO, Martinho. Selected Psalms I. In: Luther’s Works, Volume 12. PELIKAN, Jaroslav (editor).
Saint Louis: Concordia Publishing House, p.393-394.
Reflexões missionárias em Martinho Lutero 155
comprovam que a Palavra de Deus deveria ir aos pagãos, onde eles estiverem,
como no Salmo 19.5 e Sofonias 2.11.180
É valioso observar que Lutero considera isso como um processo contínuo até
o dia do Juízo Final. A menção é oportuna, porque em seus comentários sobre
o Salmo 68.12, em 1521, ele interpreta os reis como sendo os apóstolos, que aos
olhos do mundo são pobres servos, mas que aos olhos de Deus são grandes reis,
pois converteram o mundo todo.181
Já num sermão de 1522, sobre Marcos 16.14-20, Lutero ressalta que os
apóstolos não visitaram o mundo todo e muitas ilhas ainda não foram descobertas
e nem o Evangelho lá pregado. Para ele as palavras de Paulo em Romanos 10.18,
“por toda a terra se fez ouvir a sua voz”, devem ser entendidas como a pregação
do Evangelho que já começou, saiu para o mundo todo, mas que ainda não o
alcançou totalmente. É um processo que iniciou, continua, que ainda não acabou
e que vai durar até o dia do julgamento. É pertinente a comparação de Lutero
neste sermão. A pregação do Evangelho é como uma pedra lançada na água e
que produz contínuos círculos ao redor dela. O centro se acalma, mas as ondas
não param e se movem até chegar à encosta.182
Esse pensamento Lutero reitera mais tarde, em 1535, quando em seus
comentários sobre o Salmo 110.2183 ele não limita a pregação do Evangelho a uma
determinada época, mas que começou com os apóstolos e ainda permanece.184
Num sermão sobre Mateus 22.9185, Lutero diz que os cristãos de hoje foram
convidados ao banquete através do Evangelho, mas isso ainda não terminou.
Continua o tempo em que os servos vão às ruas para convidar. Só no último
dia as mesas serão examinadas para que Jesus veja quem está adornado com a
veste nupcial.186
Atividades de autoestudo
1. O católico romano Roberto Belarmino e o professor universitário de
missões Gustav Warneck são alguns dos que não consideram a Lutero
como um conselheiro para a missão. Quais são os pressupostos que
operam esses dois críticos? Fazem sentido as suas críticas? Responda e
argumente em aproximadamente sete linhas as duas questões acima.
3. Lutero afirma que cada cristão tem a Palavra de Deus e foi instruído
e ungido por Deus para ser sacerdote, e por isso o dever de confessar,
ensinar e difundir a Palavra de Deus. Nesse caso:
a) Lutero coloca todos os cristãos no mesmo status, a saber, por serem
sacerdotes, todos eles podem pregar a Palavra e em todos os lugares,
sempre.
b) Lutero não trata dessa questão de forma específica.
c) Lutero faz distinção entre o dever do testemunho da fé do cristão
onde ele estiver e do chamado regular para o Ministério Pastoral
e a pregação pública da Palavra.
d) Lutero entende que a função de anunciar a Palavra é missão
exclusiva do Ministério da Igreja.
Reflexões missionárias em Martinho Lutero 159
Respostas:
2. d 3. c 4. b
Referências 188
| 188 As principais referências bibliográficas a textos de Lutero estão indicadas nas notas de rodapé.
160 Reflexões missionárias em Martinho Lutero
STOLLE, Volker. The Church comes from all Nations – Luther Texts on Mission.
Tradução de Klaus Detlev Schulz. Saint Louis: Concordia Publishing House,
2003.
10
Cristo. Jesus fez isso. Algumas vezes o Filho de Deus atendeu às necessidades
físicas antes de proclamar o evangelho do Reino (Jo 6).
O terceiro elemento de relação considerado é que a atividade social não
somente segue à evangelização, como consequência e alvo, ou a precede, servindo
como uma ponte, mas ela tem o papel de parceira da evangelização. Nesse
caso, ação social e atividades evangelísticas seriam como as duas lâminas de
uma tesoura, ou como as duas asas de um avião.193 Essa parceria é percebida no
ministério público de Jesus, que não apenas pregou o Evangelho, como também
alimentou os famintos e curou os doentes.194
Essa terceira relação é sustentada de forma especial pelo teólogo Rene Padilla.
Para ele, não se trata de negar a importância da dimensão espiritual e da salvação
eterna, mas não reduzir o Evangelho a uma dimensão puramente escatológica,
esquecendo do aqui e agora do amor a Deus e ao próximo.195
De fato a ação missionária, e de forma especial considerando o atual contexto
urbano, com suas complexidades e desafios, exige aplicar o princípio da parceria,
tanto ao cristão individualmente como à Igreja como um todo.
| 196 ENGEN apud SCHULZ, Klaus Detlev. Propostas para Ação em Missões Urbanas. In: Vox Concordiana,
Volume 16, número 2, 2001, p.83.
| 197 SCHULZ, ibid., p.85.
| 198 STOTT, op. cit., p.385.
A missão holística da Igreja Cristã 165
Uma narrativa bíblica não prescreve nem regulamenta ações a serem seguidas
na Igreja, mas ela descreve acontecimentos históricos sob o ponto de vista de
Deus e que assim podem servir de ensino e apontador para nossa reflexão hoje.
O texto de Atos 6.1-7 não é uma receita de procedimento para o trabalho da
Igreja. Porém, isso não significa que ele não seja aplicável ao nosso contexto.
| 201 NAGEL, Norman. “The Twelve and the Seven in Acts 6 and the Needy”. In: Concordia Journal,
April 2005, p.113. David Bosch, em seu livro Missão Transformadora, faz a mesma alusão a essa
tendência lucana nomeando o capítulo 3 do seu livro assim: “Lucas-Atos: a prática de perdão e
solidariedade com os pobres”, p.111.
A missão holística da Igreja Cristã 167
primeira comunidade cristã vivia em oração (At 4.23-31) e não havia entre
eles pessoas necessitadas (At 4.32-35). Cuidar do necessitado era parte da vida
de um israelita, pois é uma promessa do próprio Senhor, que afirma “que faz
justiça ao órfão e à viúva e ama o estrangeiro, dando-lhe pão e vestes” (Dt
10.18; Cf. ainda Dt 16.11; Tg 1.27), e é considerado como rebelião contra o
Senhor não cumprir essa parte da missão. “Maldito aquele que perverter o
direito do estrangeiro, do órfão e da viúva. E todo o povo dirá: Amém!” (Dt
27.19; Cf. ainda Ml 3.5).
Entre os profetas havia a noção clara de que fazer justiça às viúvas era uma
demonstração de lealdade à Aliança. Na tradição rabínica, “fazer justiça” era
entendida e traduzida em termos de uma comunidade organizada para promover
atos de caridade.202
Um fragmento de Damasco relata sobre uma ordenança pré-cristã, em que
membros de congregações colocavam suas ofertas aos necessitados nas mãos
dos bispos e juízes. Há também evidências de que antes de 70 d.C. já havia
arranjos para cuidar dos pobres. Havia distribuição semanal de comida e roupas.
Também havia uma distribuição diária de comida, bem como um cálice de vinho
na celebração da Páscoa, para que todos, inclusive estrangeiros, órfãos e viúvas,
pudessem se alegrar perante o Senhor (Dt 16.11). É bem aceitável que o cuidado
pelos pobres é conectado à vida litúrgica da congregação de Jerusalém, pois as
refeições de comunhão incluíam a distribuição de auxílio aos membros pobres.
Em Corinto Paulo teve que lidar com esse tipo de situação, quando a Igreja se
reunia para celebrar a ceia (1 Co 11).
Mas o foco dessa discussão está em Atos 6. Aqui, os discípulos aparecem a
primeira vez em Atos. Os convertidos estavam reunidos depois da pregação de
Pedro (At 2.38-41). Algumas coisas estavam andando bem (At 4.32-35), outras
exigiam uma parada para planejamento e posterior melhora na execução. Esse
parece ter sido o caso da distribuição diária de provisões a viúvas de origem
grega e que por sua vez estava gerando prejuízos no envolvimento dos apóstolos
com a oração e a Palavra de Deus.
Atos 5 tem como destaques o relato do ato hipócrita de Ananias e Safira.
Os apóstolos foram presos, mas o nome de Cristo continuava sendo pregado
com uma cidadania digna. Missão é fazer desse jardim atual o jardim celestial
experimental de Deus aqui na Terra.
A história bíblica nos autoriza a ter esperança para a manifestação final de
Cristo e a consequente volta ao paraíso perdido. Um perigo teológico justamente
pode ser perder de vista o aspecto escatológico do Evangelho e a libertação final
e eterna, e fazer de libertações políticas e sociais marcos da salvação.
| 205 LUTERO, Martinho. Resumo da Vida Cristã. In: Obras Selecionadas – Volume 5. Porto Alegre/São
Leopoldo: Concórdia/Sinodal, 1995, p.93.
| 206 KIERKEGAARD apud MEILAENDER, Gilbert C. Faith and Faithfulness – Basic Themes in Christian
Ethics. Londres: Universidade de Notre Dame, 1991, p.50.
172 A missão holística da Igreja Cristã
Por outro lado, também Newbigin nos lembra que, se alguém que é auxiliado
perguntar: “por que você está me auxiliando? Você está querendo me converter?”
A resposta não pode simplesmente ser “não, nós apenas estamos querendo
Atividades de autoestudo
1. Parece haver um consenso sobre a relação existente entre a evangelização
e a responsabilidade social. Porém, isso não significa que existam
conflitos de opiniões sobre o tema. Existe alguma prioridade entre
evangelização e compromissos sociais a que a Igreja deveria se ater? Faça
uma avaliação do assunto em aproximadamente sete linhas e sustente
teologicamente sua posição.
3. Uma narrativa bíblica como Atos 6.1-7 não prescreve nem regulamenta
ações evangelísticas ou de envolvimento social a serem seguidas na Igreja,
mas ela pode servir como uma referência segura no que diz respeito à
discussão tanto ao que é prioritário na Igreja como ao que é importante
e fundamental. O que pode ser concluído a partir desse texto?
a) Que a prioridade absoluta na missão da Igreja é o serviço de
assistência material aos necessitados.
| 208 NEWBIGIN, Lesslie. A Word in Season – Perspectives On Christian World Missions. Michigan/
Edinburgh: Eerdmans Publishing Company/Saint Andrew Press, 1994, 37.
174 A missão holística da Igreja Cristã
Respostas:
2. d 3. b 4. c
Referências
MEILAENDER, Gilbert C. Faith and Faithfulness – Basic Themes in Christian
Ethics. Londres: Universidade de Notre Dame, 1991.
NAGEL, Norman. “The Twelve and the Seven in Acts 6 and the Needy”. In:
Concordia Journal, April 2005, p.113-126.
NEWBIGIN, Lesslie. The Open Secret. An Introduction to the Theology of
Mission. Grand Rapids, Michigan: Wm. B. Eerdmans Publishing Company,
1995.
A missão holística da Igreja Cristã 175
SCHULZ, Klaus Detlev. Propostas para Ação em Missões Urbanas. In: Vox
Concordina, Volume 16, Número 2, 2001.
SHERER, James A. Gospel, Church, & Kingdom – Comparative Studies in World
Mission Theology. Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1987.
STOTT, John. Ouça o Espírito, Ouça o Mundo – Como ser um cristão
contemporâneo. Tradução de Silêda Silva Steuernagel. São Paulo: ABU Editora,
1997.