Eclesiologia PDF

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Eclesiologia
Doutrina da Igreja

Sumário

Introdução

Capítulo 1
A natureza da igreja

Capítulo 2
O fundamento da igreja

Capítulo 3
A organização da igreja

Capítulo 4
A autoridade da igreja

Capítulo 5
As ordenanças da igreja

Capítulo 6
Os objetivos da igreja

Conclusão

Questionário

Referências bibliográficas

Introdução

Por ser um assunto tão comentado em nossos dias, e aliás, infelizmente, quase sempre no sentido
pejorativo, podemos perceber a indiferença e até o desprezo de alguns para com esta disciplina, a qual
denominamos de “Eclesiologia”, o estudo da doutrina da igreja.
Os vários comentários acerca da igreja por parte de alguns crentes (entenda-se – corpo visível)
demonstram a falta de entendimento a respeito de qual seja a sua natureza. Para o estudante de teologia é
imprescindível saber qual é o objetivo da igreja, desde sua origem, quem a projetou, qual a sua função e
responsabilidade, as suas características, etc. Como Deus poderia se manifestar ao homem após a
ascensão de Cristo, senão pela Igreja?
A igreja manifesta as variadas formas de Deus trabalhar, o seu intento operativo em todos os
sentidos: “Para que agora, pela igreja, a multiforme sabedoria de Deus seja conhecida dos principados e
potestades nos céus” (Ef 3.10).
Segundo a exposição do teólogo Michael Dusing, “a igreja foi criada e projetada por Deus. É a
sua maneira de prover alimento espiritual para o crente e oferecer uma comunidade de fé através da qual
o evangelho é pregado e a sua vontade progride de geração a geração”. Não obstante a igreja como
comunidade local não deter o poder salvífico, no sentido espiritual, é necessário estar “dentro dela” para
ser salvo. Dentro deste sentido, alguém pode fazer parte, freqüentar assiduamente uma igreja, ter o seu
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nome no rol de membros e, no entanto, não fazer parte e nem ter o seu nome arrolado na igreja mística
de Cristo. A garantia de salvação não se resume meramente em idas e vindas a templos, impostas pelas
“obrigações” eclesiásticas, mas em estar, antes de tudo, comprometido com o dono da igreja – o nosso
Senhor Jesus Cristo.
Jesus fez menção da sua igreja em Mateus 16.18: “...e sobre esta pedra edificarei a minha igreja,
e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. No entanto, é bom que se entenda que Cristo não
tinha em mente, quando afirmou isso a Pedro, um sistema denominacional, mas Ele chamava os que o
seguiam sem lhes oferecer uma opção religiosa, em contraposição com as religiões da época: “Nisto
todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes uns aos outros” (Jo 13.35).
Os sectários, pseudocristãos, dizem que é obrigatória a entrada, a aderência em seu sistema
religioso, para alcançar a salvação, visto que todas os outros grupos religiosos apostataram-se do
cristianismo original. Contudo, vemos que se Jesus quisesse reivindicar sua exclusividade religiosa e até
denominacional, deveria e poderia tê-lo feito e, no entanto, não o fez: “E, respondendo João, disse:
Mestre, vimos um que em teu nome expulsava os demônios, e lho proibimos, porque não te segue
conosco. E Jesus lhes disse: Não o proibais, porque quem não é contra nós é por nós” (Lc 9.49,50).
Deus, desde o início da história da raça humana, após a decadência espiritual do homem, já tinha
um plano estabelecido para a readaptação espiritual deste. Este plano foi concebido por Deus desde a
eternidade, passando por diversas eras, até chegar à plenitude dos tempos. O apóstolo Paulo nomeia este
plano de Deus de “mistério” (Ef 1.9; 3.3,9). E este mistério revelado agora é a Igreja de Cristo.

Capítulo 1
A natureza da igreja

Nem todos os sistemas organizacionais e políticos têm a sua disposição e em seu meio pessoas de
níveis sociais tão diferentes quanto a igreja. O que faz com que essas pessoas, sendo tão diferentes
aspirem aos mesmos ideais e detenham a mesma esperança? Isso só pode ocorrer porque a igreja tem
uma proposta totalmente oposta a das organizações. As diferenças não são excluídas, ou pelo menos não
devem excluir a harmonia entre os membros, o que leva as pessoas a alimentarem muitas dúvidas sobre
a natureza da igreja. Por isso é importante saber: o que é verdadeiramente a igreja? Qual o significado do
termo? A igreja sempre existiu? Todos os que estão na igreja (sentido visível) são de fato componentes
da Igreja de Cristo? (sentido invisível). A estas e outras perguntas propomos as respostas sempre nos
fundamentando nas Escrituras Sagradas. Seguindo este objetivo, é importante, antes de tudo, definirmos
o que é igreja.

Conceito
A palavra grega que foi traduzida para igreja é ekklesia. É composta pela preposição ek (fora de)
mais o verbo kaleo (chamar). No sentido usual entre os fiéis refere-se àquelas pessoas que Deus chamou
para se separarem (para fora) do pecado a fim de viverem uma nova vida com seu Filho, Jesus Cristo.
Os mais variados dicionários teológicos apresentam significados básicos para este termo. Em
primeiro lugar significa: “O corpo místico de Cristo”. Neste caso é formado pelos genuínos cristãos que
compreende somente os verdadeiros salvos. Segundo Wayne Grudem a igreja “... inclui todos os
verdadeiros cristãos de todos os tempos, tanto os salvos do Novo como os do Antigo Testamento”. O
outro sentido é: “Um agrupamento dos fiéis com o propósito de adorar a Deus”. Desta forma, dizemos
que a igreja é tanto invisível (corpo místico de Cristo), quanto visível (ajuntamento dos crentes).
Analisemos as várias aplicações:

No sentido clássico
Apresenta o hábito que tinham os cidadãos, peculiarmente os gregos, de se reunirem com uma
prévia convocação para um tipo de assembléia com dimensões legislativas. A elite, que detinha o poder
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para tratar assuntos de interesses populares, eram os escolhidos, os “chamados para fora” de dentro da
massa popular para conduzir as assembléias. Estas reuniões visavam tratar de interesses dos cidadãos
comuns. No Módulo IV de nosso curso, na matéria de Homilética, está escrito que: “Na democracia
grega, as pessoas se reuniam em locais públicos para debater questões sociais, econômicas e políticas.
Era a democracia direta, na qual o povo participava fielmente das decisões da sociedade”. A esta
assembléia os gregos chamavam de ekklesia.

Na versão Septuaginta

Relaciona o termo ekklesia com a palavra hebraica qahal. Ao analisarmos esta similaridade,
verificamos a existência deste projeto de Deus, a Igreja, já no Antigo Testamento. Para uma prova disso,
basta comprovar a tradução que a Septuaginta empregou para o texto de Deuteronômio 4.10 (Versão
Almeida e Atualizada) que afirma: “Reúne este povo, e os farei ouvir as minhas palavras, a fim de que
aprendam a temer-me todos os dias que na terra viver e as ensinará a seus filhos”. O vocábulo “reúne”,
no hebraico qahal, foi traduzido pela Septuaginta com o sentido de “convocar uma assembléia”, cujo
termo grego é ekklesiazo, verbo da mesma raiz do substantivo ekklesia, que no Novo Testamento, como
já referido, é igreja. Não é preciso ser erudito para ponderar a transliteração do texto de Atos 7.38 em
que fala do povo de Israel como uma “congregação (igreja) no deserto”: “OUTOS ESTIN O
GENOMENOS EN TÊ EKKLÊSIA EN TÊ ERÊMÔ META TOU AGGELOU TOU LALOUNTOS
AUTÔ EN TÔ OREI SINA KAI TÔN PATERÔN ÊMÔN OS EDEXATO LOGON LOGIA ZÔNTA
DOUNAI ÊMIN”, ou na versão em português: “Este é o que esteve entre a congregação no deserto, com
o anjo que lhe falava no monte Sinai, e com nossos pais, o qual recebeu as palavras de vida para no-las
dar”.

No uso cristão

A primeira dentre as mais de cem referências à igreja (ekklesia), no Novo Testamento, se


encontra registrada em Mateus 16.18: “Pois também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra
edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. O termo aplica-se a uma
congregação, onde, organizados eclesiasticamente, os fiéis se reuniam para fins de comunhão (entre si e
com Cristo) e adoração. É denominada de igreja local, no sentido geográfico: “... às igrejas da Galácia”
(Gl 1.2); “ ... à igreja dos tessalonicenses” (1 Ts 1.1); “ Saudai também a igreja que está em sua casa”
(Rm 16.5). Aplica-se também o termo a toda a reunião (a igreja mística e não local) de crentes na terra:
“Grande é este mistério; digo-o, porém, a respeito de Cristo e da igreja” (Ef 5.32). Segundo alguns
teólogos refere-se somente aos salvos alcançados pela morte de Cristo. Neste sentido, não há diferenças
denominacionais, sociais, intelectuais, culturais, etc.

Ainda concernente à natureza da igreja, é bom que se diferencie a igreja que se vê da que não
pode ser vista, pois muitos estão na igreja (visível) mas não fazem parte da Igreja (invisível). Como pode
ser isso? Vejamos:

A igreja vista por Deus

A Bíblia afirma que somente Deus tem o poder de saber quem, na igreja, está listado entre os
salvos: “O Senhor conhece os que são seus ...” (2Ts 2.19). Por não sabermos quem são os
verdadeiramente salvos, não devemos nos escandalizar quanto às apostasias, heresias e tantas
barbaridades doutrinárias entre (no meio) os genuínos cristãos. Nos dias da igreja primitiva, o apóstolo
Paulo reclamou de pessoas que estavam entre os legítimos cristãos e, no entanto, não se portavam como
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tais. Note, por exemplo, o caso de Himeneu e Fileto censurados por Paulo: “Mas evita os falatórios
profanos, porque produzirão maior impiedade. E a palavra desses roerá como gangrena; entre os quais
são Himeneu e Fileto; os quais se desviaram da verdade, dizendo que a ressurreição era já feita, e
perverteram a fé de alguns” (2Ts 2.16-18). Também em 2Tessalonicenses 4.10: “Porque Demas me
desamparou, amando o presente século”. Poderíamos, em certo sentido, concluir que estes apóstatas
certamente compunham a igreja, pois, os mesmos estavam regularmente nela, porém, o Senhor “... não
vê como vê o homem, pois o homem vê o que está diante de seus olhos”, ele “conhece os que são seus”.
É exatamente por Ele saber quem são os verdadeiros salvos que demonstrou a possibilidade de pessoas
bem posicionadas na igreja se equivocarem no último momento: “Nem todo o que me diz: Senhor,
Senhor! entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai, que está nos céus. Muitos
me dirão naquele dia: Senhor, Senhor, não profetizamos nós em teu nome? E em teu nome não
expulsamos demônios? E em teu nome não fizemos muitas maravilhas? E então lhes direi abertamente:
Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade”. Porventura, participaram estes
da igreja mística de Cristo? Obviamente que não!

O Senhor Jesus admoestou: “Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos
como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores” (Mt 7.15). Como podemos observar, as
heresias ganharam em nossos dias novas roupagens. São distorções arcaicas que remontam ao início da
igreja primitiva, entretanto, entram sutilmente nas igrejas, o que comprova tantos “ventos de doutrinas”
no meio evangélico.

Antes da partida do apóstolo Paulo, vemos que ele aconselhou aos irmãos: “Porque eu sei isto
que, depois da minha partida, entrarão no meio de vós lobos cruéis, que não pouparão ao rebanho” (At
20.29). Entretanto, a despeito dos ataques nocivos de Satanás à igreja, geograficamente falando, ele não
pode destruir a Igreja invisível de Cristo, pois “... as portas do inferno não prevalecerão contra ela”.

As qualidades da Igreja

Definir plenamente a natureza da Igreja de Cristo é por demais ilusório, pois ela é muito
abrangente. Assim como no estudo da paracletologia em que lançamos mão do uso de símbolos para
facilitar a compreensão sobre seus atributos, também na Eclesiologia usamos metáforas, figuras e
símbolos para compreendermos sua natureza. A igreja não é uma organização meramente, mas antes um
organismo vivo, dinâmico e atuante. A Bíblia afirma que ela é:

Povo de Deus

Sabemos que por criação Israel é o povo de Deus. Todo o Antigo Testamento gira em torno de
Deus e o povo de Israel. Esta criação se fortaleceu quando Deus chamou a Abraão e lhe faz uma
promessa: “E far-te-ei uma grande nação, e abençoar-te-ei e engrandecerei o teu nome; e tu serás uma
bênção [...] e em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.2,3).

Deus tinha para com Israel compromissos no âmbito espiritual, social e material: “Agora, pois, se
diligentemente ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, então sereis a minha propriedade
peculiar dentre todos os povos, porque toda a terra é minha. E vós me sereis um reino sacerdotal e o
povo santo” (Ex 19.5,6). Haveria de ter uma reciprocidade de Israel para com Deus, pois, o Senhor já os
tinha escolhido: “E andarei no meio de vós, e eu vos serei por Deus, e vós me sereis por povo” (Lv
26.12).
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No período do Novo Testamento, na era chamada de “...o ministério do Espírito” (2Co 3.8), Deus
escolheu fazer dos crentes salvos sua Igreja e seu povo: “...como Deus disse: Neles habitarei, e entre eles
andarei; e eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo” (2Co 6.16). O que Israel representava para Deus,
como seu povo, a igreja hodierna passou a representar: “Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real,
a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para
a sua maravilhosa luz” (2Pe 2.9). A prova de que o povo de Israel era propriedade exclusiva de Deus se
evidencia pelo pacto da circuncisão feito inicialmente entre Deus e Abraão e passando este modelo a
todos os descendentes: “Esta é a minha aliança, que guardareis entre mim e vós, e a tua descendência
depois de ti: Que todo o homem entre vós será circuncidado” (Gn 17.10). A circuncisão advogada por
Deus no Novo Testamento, para o seu povo, a igreja, deve ser feita não mais na carne, e sim, no coração:
“...é judeu o que o é no interior, e circuncisão a que é do coração, no espírito, não na letra” (Rm 2.29). A
palavra de Deus afirma que o Senhor escolheu um povo formado entre gente de todas as nações,
substituindo temporariamente a aliança com Israel: “... somos nós, a quem também chamou, não só
dentre os judeus, mas também dentre os gentios” (Rm 2.24).

Corpo de Cristo

Esta expressão, tão utilizada por Paulo, é sem dúvida uma das melhores e mais ricas metáforas
para caracterizarmos a verdadeira natureza da Igreja de Cristo. Leiamos separadamente alguns textos:

 “Ora, vós sois o corpo de Cristo, e seus membros em particular” (1Co 12.27).
 “Assim nós, que somos muitos, somos um só corpo em Cristo” (Rm 12.5).
 “Querendo o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de
Cristo” (Ef 4.12).
 “Regozijo-me agora no que padeço por vós, e na minha carne cumpro o resto das aflições de
Cristo, pelo seu corpo, que é a igreja” (Cl 1.24).

Sobre a Igreja ser o corpo de Cristo podemos extrair várias e maravilhosas lições dentre as quais
destacamos:

Cristo é o cabeça da Igreja

Este princípio de autoridade e liderança sobre o “corpo” só poderia ser comprovado se realmente
Cristo fosse a parte mais importante deste corpo, no caso, a cabeça. É exatamente isso o que a Bíblia
afirma em Colossenses 1:18: “E ele é a cabeça do corpo, da igreja; é o princípio e o primogênito dentre
os mortos, para que em tudo tenha a preeminência”. Os crentes salvos são membros deste corpo:
“Porque, assim como o corpo é um, e tem muitos membros, e todos os membros, sendo muitos, são um
só corpo, assim é Cristo também” (1Co 12.12). Sendo os salvos parte deste corpo, são sustentados pelo
cabeça, que é Cristo, pois Ele é a fonte da igreja e sobre ela tem a primazia: “Porque nele foram criadas
todas as coisas que há nos céus e na terra, visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam
principados, sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de todas as coisas, e todas
as coisas subsistem por ele. E ele é a cabeça do corpo, da igreja; é o princípio e o primogênito dentre os
mortos, para que em tudo tenha a preeminência” (Cl 1.15-18).

União e reciprocidade

A vida cristã é vida em sociedade e não de forma desacompanhada. Este conceito remete à
responsabilidade para com o próximo fazendo com que “...cada um considere os outros superiores a si
mesmo”. Não podemos afirmar que realmente somos membros deste corpo se não há companheirismo e
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interdependência. O conjunto todo forma o corpo, pois “... o corpo é um, tem muitos membros, e todos
os membros, sendo muitos, são um só corpo” (1Co 12.12). Desta forma, temos de auxiliar, caso seja
necessário, aqueles que estão passando por situações embaraçosas: “Levai as cargas uns dos outros, e
assim cumprireis a lei de Cristo” (Gl 6.2), e não julgar precipitadamente, mas, restabelecer novamente
aquele que pecou: “Irmãos, se algum homem chegar a ser surpreendido nalguma ofensa, vós, que sois
espirituais, encaminhai o tal com espírito de mansidão; olhando por ti mesmo, para que não sejas
também tentado” (Gl 6.1). Isto não subjuga os casos em que a pessoa é passível de repreensão e
disciplina, conforme atesta Mateus 18.15-17, o que somente um líder eclesiástico poderá sancionar.

Diversidade

Embora deva existir a união na igreja, a Bíblia salienta o aspecto diverso, o que não contraria o
princípio de uniformidade proposto por Cristo. Esta diversidade é bíblica, pois “... o corpo [igreja] não é
um só membro, mas muitos” (1Co 12.14). Analogicamente, Paulo declarou que “... nem todos os
membros têm a mesma operação” (Rm 12.4). Isto é fato comprovado tanto pelos dons espirituais (1Co
12.7-10, 30), quanto pelas funções eclesiais hierárquicas (1Co 12.28,29; Ef 4.11). Conforme Michael
Dusing, “ Deus formou a Igreja de tal maneira que ela funciona melhor quando cada parte (ou membro)
cumpre com eficiência o papel (ou vocação) a que foi destinado. Esta diversidade não permite, ou libera,
que haja partidos ou facções na igreja, exemplo do que aconteceu na igreja de Corinto (1Co 1.12,13; 3.3-
7), antes, deve prevalecer a unidade”.

Templo do Espírito Santo

A Igreja como templo do Espírito nos proporciona prazer indelével. Isto porque foi Ele quem
“inaugurou” a igreja de Cristo, no dia de Pentecostes, ainda em seu processo embrionário.

O Espírito Santo habita na Igreja, tanto coletivamente como individualmente: “Não sabeis vós
que sois o templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1Co 3.16). Os salvos são “...
santuários dedicados ao Senhor [...] para habitação de Deus no Espírito” (Ef 2.21,22).
Pode ser vista a legitimidade da Igreja quando as qualidades do Espírito Santo são vivenciadas
pela mesma: “Mas o fruto do Espírito é: amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé,
mansidão, temperança” (Gl 5.22). Se de fato a igreja é templo do Espírito Santo, então, estas qualidades
perdurarão nela.
Após a ascensão de Cristo, foi referida por Ele a incontestável presença do Espírito Santo na
igreja: “Todavia digo-vos a verdade, que vos convém que eu vá; porque, se eu não for, o Consolador não
virá a vós; mas, quando eu for, vo-lo enviarei” (Jo 16.7). O Espírito Santo foi o promotor de ousadia
entre discípulos (At 1.8; 2.4,14; 3.12; 4.19,20; 5.41; 6.7; 8.5) e o responsável pelo crescimento da igreja
(Jo 16.8,9; At 2.41; 4.4; 5.14; 6.1,7; 8.7,8). Sua atuação no início da igreja primitiva cristã foi essencial
(Jo 14.26; At 4.19,20; 11.44; 11.5-12). E finalmente, é o que confere à igreja a santidade e pureza:
“Eleitos segundo a presciência de Deus Pai, em santificação do Espírito, para a obediência e aspersão do
sangue de Jesus Cristo: Graça e paz vos sejam multiplicadas” (1Pe 1.2).
Esta santidade da igreja (visível) deve ser constantemente buscada, pois, sob a nova aliança ela é
o templo do Espírito Santo: “Ou não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita
em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por bom preço;
glorificai, pois, a Deus no vosso corpo, e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus” (1Co 6.19,20).

Capítulo 2
O fundamento da Igreja
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Teria o apóstolo Pedro a soberania jurisdicional pontificial? Faz sentido toda a dialética papal,
quanto a ser Pedro o primeiro na linha ininterrupta de bispos católicos? As sucessões papais têm o
endosso da história?
Em hipótese alguma devem pairar dúvidas na mente dos fiéis católicos sobre esta questão, sob
pena de ser amaldiçoado. Ficou harmonizado no Concílio Ecumênico Vaticano I: “Se alguém afirmar
que Pedro, por instituição do próprio Cristo ou por direito divino, não tem perpétuos sucessores no
primado sobre a Igreja Universal, ou não ser o Romano Pontífice o sucessor de Pedro no mesmo
primado, seja anátema”.
Afinal, seria Pedro o fundamento da Igreja? As justificativas apresentadas a respeito deste “fato”
são convincentes? Analisemos a indagação:

Pedro não é o fundamento da Igreja


Que tudo não passa de um sofisma da teologia romana já está comprovado, pois os católicos
romanos desconsideraram os meios para se chegar a esta interpretação. A igreja católica romana, em
última instância, admite que Pedro seria o fundamento suplementar. Ou seja, se Jesus é o fundamento
invisível, Pedro seria o visível e com poderes soberanos (eclesiásticos e espirituais) iguais a Cristo.
Visível por ter a primazia no que concerne a ser ele o primeiro da sucessão papal, e invisível por ser o
vigário de Cristo na terra.
É importante observamos que:

1. Pedro aclamou a Cristo quando este indagou os discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho
do Homem?” Ao que Pedro prontamente respondeu: “Tu és o Cristo o Filho, o Filho do Deus
vivo”. Entendemos desta assertiva que o falível e humano Pedro está declarando a superioridade
de Jesus. Caso fosse ele o fundamento da igreja, não soaria tal afirmação como uma
incoerência?

2. O apóstolo Paulo deixa claro a não exclusividade de Pedro, equiparando-o aos demais apóstolos
referendados no texto: “Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que
Jesus Cristo é a principal pedra da esquina” (Ef 2.20). Não obstante a obviedade de ter Pedro se
imiscuído na expressão “apóstolos”, em que encontramos, neste texto, a sua pretendida
exclusividade? Entendemos expressamente que Jesus é o “fundamento” das Escrituras Sagradas,
e a “ principal pedra”. Em que consiste a primazia de Pedro aqui? Encontrá-la é ver no texto o
que se quer ver e não o que o texto por si só afirma.

3. É fácil observar, pelos evangelhos, a vulnerabilidade de Pedro em diversos aspectos e em muitos


episódios. Dizer que a igreja está fundamentada em Pedro é como construir uma casa na areia
(Mt 7.24-29). As passagens bíblicas em que observamos um Pedro intrépido (At 4.19),
desinibido (At 1.15; 2.14), operando milagres em nome de Jesus (At 3. 6), repreendendo com
autoridade (At 5.1-11), pregando aos gentios (At 10.34-43), liderando o Concílio de Jerusalém
(15.7), não suplanta, por exemplo, toda a investida de Paulo na proliferação do cristianismo e da
igreja primitiva, o que o próprio livro dos Atos dos Apóstolos deixa explícito ao denotar, em
suas páginas, a maior intensidade e superioridade e abrangência do ministério de Paulo face ao
de Pedro. Pedro demonstra pelas páginas dos evangelhos não ser, sem sombra de dúvidas, o
fundamento sobre a qual a Igreja de Cristo estaria alicerçada. Em contrapartida, temos, em
Jesus, uma inamovível confiança pois, Ele nos confortou dizendo: “É-me dado todo o poder no
céu e na terra [...] e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt
28.18,20).
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A problemática em torno de Mateus 16.18

“KAGÔ DE SOI LEGÔ OTI SU EI PETROS KAI EPI TAUTÊ TÊ PETRA OIKODOMÊSÔ
MOU TÊN EKKLÊSIAN KAI PULAI ADOU OU KATISKHUSOUSIN AUTÊS”

Sem dúvida alguma este é o texto em que se trava um dos maiores embates teológicos entre a
teologia romana e a protestante. Caso ficasse comprovado ser a interpretação romana verdade
incontestável para os aplausos dos clérigos católicos, não obstante ter de lutarem para desmoronar toda a
hermenêutica em outros textos, já seria um grande apoio aos teólogos romanistas. Entretanto, podemos
extrair alguns elementos contra a defesa romana. Vejamos:

1. Há no texto grego uma correlação entre os vocábulos gregos TÊ PETRA com Mateus 16.16 em
que aparece O KHRISTOS. Este é um caso de paralelismo e uniformidade gramatical em que te
petra simboliza, metaforiza, o khristos. É importante também observar que, justamente neste
texto, tão propagado sobre ser Cristo o fundamento, não precede o artigo antes do substantivo
próprio Pedro.
2. A semelhança morfológica entre os vocábulos Petros e Petra é distinta, porém, no que concerne
à aplicação. Não apresentam diferenças apenas no gênero, mas na nomeação de objetos
dessemelhantes. Os melhores e mais respeitados léxicos da língua grega, dicionários e
concordâncias, são uniformes no pensamento de que Petros significa um pedaço de rocha, uma
pedra, pedra solta. Trazemos a informação da Concordância Exaustiva de Strong: “Petros, nome
próprio do gênero masculino, que significa um pedaço da rocha, e Petra, substantivo comum do
gênero feminino que expressa a rocha sobre a qual edificaria (Jesus) a sua igreja”.
3. Uma análise no original mostra-nos as distinções entre os vocábulos Petros e Petra, e em outras
colocações poderíamos identificar incoerências que poderíamos julgar contradições. Note, por
exemplo, que Jesus utilizou a expressão EPI TAUTÊ TÊ PETRA, que significa sobre esta
pedra, relacionando com a declaração de Pedro (Mt 16.16). Caso Jesus quisesse dar a honra do
fundamento da igreja a Pedro, deveria dizer EPI TOUTO TO PÉTROS, ou seja, sobre este
Pedro, Ele (Jesus) edificaria a sua Igreja.

Outro episódio propício encontra-se em João 1.42 em que falou Jesus: “tu serás chamado
Cefas [Kephas]”, nome próprio em aramaico que significa pedra. Porém, deste texto, João
continua “... que quer dizer Pedro”. Há coerência entre os termos Cefas e Petros. Ambos
significam fragmentos de pedra. Afora toda essa polêmica, Mateus, poderia resolver toda esta
problemática dizendo de Pedro: “Tu és pedra [Petros] e sobre esta pedra [Petros]”.

4. Valendo-se da regra da hermenêutica, uma ferramenta de extrema importância da teologia,


podemos verificar pelo contexto que a mesma não dá qualquer possibilidade sobre ser Pedro a
pedra sobre a qual estaria fundamentada a igreja. Principiando pelo Antigo Testamento, notamos
a importância do vaticínio do profeta Isaías (28.16): “Portanto assim diz o Senhor DEUS: Eis
que eu assentei em Sião uma pedra, uma pedra já provada, pedra preciosa de esquina, que está
bem firme e fundada; aquele que crer não se apresse”. Deu-se, já no Novo Testamento, este
cumprimento (antítipo) em Jesus e por ele mesmo reivindicado: “Diz-lhes Jesus: Nunca lestes
nas Escrituras: A pedra, que os edificadores rejeitaram, Essa foi posta por cabeça do ângulo” (Mt
21.42). Meditando no sentido da palavra pedra, podemos concluir que Jesus é o fundamento.
Leia atentamente os textos a seguir:
 “Ele é a pedra que foi rejeitada por vós, os edificadores, a qual foi posta por cabeça de
esquina” (At 4.11);
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 “E beberam todos de uma mesma bebida espiritual, porque bebiam da pedra espiritual
que os seguia; e a pedra era Cristo” (1Co 10.4);
 “Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a
principal pedra da esquina” (Ef 2.20);
 “E, chegando-vos para ele, pedra viva, reprovada, na verdade, pelos homens, mas para
com Deus eleita e preciosa” (1Pe 2.4).

É importante saber que a Bíblia se refere aos crentes como sendo “pedras” também: “Vós
também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer
sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo” (1Pe 2.5). Entretanto, jamais
encontraremos o vocábulo grego petra sendo direcionado ao ser humano. O termo empregado
por Pedro neste texto, no original grego é lithos e significa “pedra”. As “pedras vivas” (lithoi
zontes), foram trabalhadas, desbastadas por Cristo para serem embutidas corretamente neste
empreendimento divino. Estas pequenas pedras não são mais importantes, com certeza, do que a
“principal pedra da esquina”. Uma informação rica nos adiciona a obra de Stanley Horton sobre a
“pedra principal da esquina”: “Nas edificações modernas, a pedra da esquina é usualmente mais
simbólica que parte integrante dos alicerces, em que é gravada a data em que foi lançada e os
nomes dos principais benfeitores envolvidos. Na era bíblica, no entanto, a pedra da esquina era
da máxima relevância. Normalmente maior que as demais pedras, orientava o desenvolvimento
do projeto para o restante da edificação e conferia simetria à obra”.

Teria Pedro estado em Roma?

“E, saindo, partiu para outro lugar” (At 12.17).

Roma, Antioquia ou qualquer outra localidade. Para onde foi Pedro após ser liberto da prisão por
um anjo?
Não obstante a Bíblia trazer um silêncio sobre o assunto, os católicos afirmam ser fato
incontestável ter sido o apóstolo Pedro o fundador da igreja em Roma. Atribuem-lhe ainda um
pontificado de 25 anos, na capital do Império, e conseqüente morte neste lugar. É claro que estas
ligações são a priori de valor inestimável, pois entrelaçadas vão robustecer a tese vaticana da primazia
do papado. Contudo, há de se frisar que somente a chamada tradição vem em socorro das causas
romanistas nestas horas e, mesmo assim, de maneira dúbia.
Pedro não pode ter sido papa durante 25 anos, pois foi martirizado no reinado do Imperador
Nero, por volta do ano 67-68 d.C. Subtraindo-se 25 anos, retrocederemos ao ano de 42 ou 43. Nessa
época não havia se realizado o Concílio de Jerusalém (At 15), que se deu por volta de 48-49 d.C., do
qual Pedro participou (mas não deveria, pois segundo a tradição, nesta época, ele estava em Roma), no
entanto, foi Tiago quem o presidiu (At 15.13-21). No ano 58 d.C., Paulo escreveu a epístola aos
Romanos. E no capítulo 16 dirigiu uma saudação para muitos irmãos, mas Pedro sequer é mencionado.
Paulo chegou a Roma no ano 62 d.C., e foi visitado por muitos irmãos (At 28.30-31), todavia, nesse
período, não há nenhuma menção de Pedro. O Apóstolo Paulo escreveu quatro cartas de Roma: Efésios,
Colossenses, Filemom (62 d.C.) e Filipenses (entre 67/68 d.C.), mas Pedro não é mencionado em
nenhuma delas. Se Pedro estava em Roma no ano 60 d.C., como se deve entender a revelação referida
no livro de Atos, em que Jesus disse a Paulo: “Importa que dês testemunho de mim também em Roma?”
(At 23.11). Pedro não deveria estar cumprindo esta função? Onde se encontrava o suposto papa de Roma
nesta ocasião?
É por estas e outras razões que não acreditamos que Pedro tenha fundado ou presidido a Igreja de
Roma como afirmam os católicos.
10
Capítulo 3
A organização da Igreja

Seria contraditório se não houvesse uma organização eclesiástica, pois, o nosso Deus é partidário
da ordem, ou melhor, Ele é essencialmente organizado: “Porque Deus não é Deus de confusão” (1Co
14.33). Assim afirmamos que a Igreja é tanto um organismo como uma organização e, diante disso,
propomos neste capítulo tratar das diversas formas de governo da igreja.
Face ao sentimento de rejeição que alguém pode incorrer quanto à proposta de analisarmos tais
formas de governos, é importante saber que algumas seitas, por exemplo, as Testemunhas de Jeová,
exercem um sistema centralizador reportando-se ao sistema da igreja primitiva e até apoiando-se na
idéia de que adotam idêntico sistema. Mas, existe uma forma de governo eclesiástico ideal? Quem dita
as normas à igreja?
As três formas proeminentes da ordem governamental eclesiástica utilizada são: Episcopal,
Presbiteriana e Congregacional. Não é, nesse estudo, nossa intenção defendermos ou contrariarmos um
ou outro sistema, mas somente informar sobre os tais. Passaremos a analisar cada sistema eclesiástico.

Episcopal
A origem da palavra episcopal na língua grega remete ao vocábulo episkopos, que significa
“supervisor”, traduzido seguidamente por “bispo” ou “superintendente”. Comparado aos outros, é o
sistema eclesiástico mais antigo. O líder principal revestido de autoridade é o arcebispo, tendo à sua
disposição o “domínio” sobre vários bispos. Basicamente este sistema apóia seu pensamento na certeza
de que os sucessores dos apóstolos (bispos) foram legalmente constituídos por Cristo, obtendo de sua
liberação o controle da igreja na Terra. Os que defendem esse sistema ou usufruem dele, alegam que se
deu este desenvolvimento naturalmente no início da igreja. Acreditam estes, que após a morte do
apóstolo João, naturalmente e sob sua aprovação, um bispado foi surgindo em cada igreja enquanto os
apóstolos (originais) faleciam, e, pouco a pouco se tornou em grandes proporções com extremos
poderes. Entre as igrejas que adotaram este sistema, a igreja Católica Romana é a mais “aguerrida
defensora” e, apesar de existir vários bispos, um só é autoridade infalível, o Papa. As reivindicações e
justificativas repousam na teoria de que Pedro foi o primeiro papa e que logo após a morte deste teria se
iniciado uma série de sucessões papais, predominante hodiernamente. Menos fervorosos do que a igreja
católica nesta reivindicação, mas, participantes do sistema episcopal estão a Igreja Anglicana, a Igreja
Metodista Unida, a Igreja de Deus (pentecostais dos EUA) e a Igreja da Santidade Pentecostal (EUA).

Presbiteriano
No sistema presbiteriano não há a centralização da autoridade ou dos direitos em alguém,
contudo, há um representante, escolhido pela igreja local, através do sistema de eleição, que figura a
igreja nas atividades eclesiásticas. O representante, neste sistema, é denominado de presbítero (gr.
presbuteros), e vemos sua presença, por exemplo, em Atos 11.30: “O que eles com efeito fizeram,
enviando-o aos anciãos (presbíteros) por mão de Barnabé e de Saulo”. As decisões básicas eclesiais, no
sistema presbiteriano, são tomadas por seqüenciais concílios. Os presbíteros são responsáveis pelo
governo das igrejas de determinadas áreas jurisdicionais. Fazem parte do presbitério os membros que
compõem um conselho, ou uma assembléia. Este presbitério deve respeito ao superior hierárquico, o
pastor da igreja, que não deixa de ser um presbítero, cuja autoridade é exercita sobre os demais
presbíteros das igrejas locais. Em um patamar mais elevado, e de maior autoridade eclesiástica, está a
Assembléia Geral ou Supremo Concílio, o órgão máximo do sistema presbiteriano. Entre as igrejas que
se utilizam deste sistema está a Presbiteriana e a Assembléia de Deus.

Congregacional
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Cada igreja local, geograficamente, exerce poderes eclesiásticos, sendo que as decisões tomadas
pela congregação (de crentes) são investidas de autoridade. É o sistema em que mais se executa a
democracia, pois, coloca em ascendência a vontade dos “leigos”. Decisões de extrema importância são
tomadas pelos membros da congregação, denotando que todo o poder emana do povo, sendo que,
nenhum poder externo tem a supremacia, e as decisões não podem ser revogadas por nenhum corpo
eclesiástico. A compra e venda de propriedades, a escolha e até o orçamento do pastor, por exemplo,
neste sistema, é feito totalmente sob a “aprovação” dos membros congregacionais. Porém, isto não
isenta uma determinada congregação de deter uma representação pastoral e até mesmo um corpo
eclesiástico. Destacamos, neste modo, as igrejas Batistas e Congregacionais.

Uma análise dos três sistemas


Obviamente cada aderente de um sistema se apóia contundentemente nele, entendendo que sua
forma se estabelece e se fundamenta no modelo da igreja Primitiva. Às vezes, o sistema adotado na
igreja primitiva se mescla e deixa algumas incertezas se realmente há um único modelo. Podemos
observar pelos diversos aspectos, ao analisar os textos bíblicos, que os apóstolos não ofereceram um
sistema cabal. Há fragmentos, na igreja primitiva, dos três sistemas de governo mencionados. Para
percebermos este fato, basta observarmos os estes textos de 1Timóteo 3.1-7 e Tito 1.5-9:

 “...se alguém deseja o episcopado [...] convém, pois, que o bispo” (1Tm 3.1,2);
 “ ...de cidade em cidade estabelecesses presbíteros [...] convém que o bispo” (Tt 1.5,7).

Conforme já estudado, episcopo (bispo, superintendente) se relaciona com o sistema Episcopal, e


presbuteros (presbítero, ancião), com o sistema Presbiteriano. O que analisamos no texto de Tito 1.5-9,
especialmente nos versículos 5 e 7, é que os termos episcopos e presbuteros estão sendo usados de
forma intercambiável. Entretanto, já não parece ter nenhuma relação em textos tais como Atos 15.4,22 e
Filipenses 1.1.
Para assinalar seu sistema, os aliados da forma Episcopal, em que o bispo é a autoridade
suprema, defendem que no Concílio de Jerusalém o apóstolo Tiago norteou a reunião o que o
qualificaria como tendo autoridade de bispo. A forma presbiteriana de governo eclesiástico, por sua vez,
afirma da mesma reunião que Tiago foi apenas o mediador, cabendo as lideranças seletas apresentar as
decisões às igrejas competentes. Há alusão, no Novo Testamento, que transparece o sistema
congregacional quando, por exemplo, a congregação da igreja primitiva nomeava os líderes que eram
encarregados de preservar a pureza doutrinária e até concordar na disciplina (At 6.2-4; 14.23).
Qualquer um dos três modelos seguidos pelos grupos denominacionais atualmente, encontra
respaldo nas Escrituras, porém, salientamos que independente do sistema adotado, importante é ter
Cristo como o “Sumo Pastor” (1Pe 5.4). Qualquer sistema de governo eclesiástico que não observe isso
estará destinado à bancarrota. A conclusão de W.D. Davies é de proveitosa meditação: “O critério
neotestamentário ulterior de qualquer ordem eclesiástica é que não usurpe a coroa real do Salvador
dentro de sua Igreja”.

Ofícios ministeriais

“E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros
para pastores e doutores” (Ef 4.11).

Este texto evidencia que Deus escolhe alguns para um ministério específico. Nesta lista (Ef 4.11)
há menção dos cargos (ministérios) presentes na igreja primitiva. Adiante, nas cartas enviadas às igrejas,
há citação de outros cargos os quais nomeamos de “cargos administrativos”, que são os bispos,
presbíteros e diáconos. Comentaremos as funções ministeriais mais requisitadas atualmente.
12

Presbítero, bispo, pastor


Os termos bíblicos episcopos e presbuteros são harmônicos posicionalmente com a função de
pastor nos dias atuais. No período do Novo Testamento estas expressões são usadas, conforme já
analisamos, de forma intercambiáveis. Sugestiva é a opinião que menciona o governo da sinagoga, pelos
anciãos, relacionado-os com os “presbíteros” ou “anciãos” das igrejas primitivas. O pastor, atualmente, é
aquele que inspeciona com dignidade, em todos os aspectos, especialmente o espiritual, uma igreja local
(jurisdição). Não importa como podemos aludir aos superiores eclesiásticos, pois, termos como
“supervisor”, “presbítero”, “ancião”, “bispo” “pastor” estão vinculados pela mesma essência ao trazer-
nos à memória às inúmeras obrigações e responsabilidades conferidas. Há uma aplicação simultânea dos
termos “bispo”, “pastor” e “presbítero” no texto de Atos 20.17,28: “E de Mileto mandou a Éfeso, a
chamar os anciãos (presbuteros) da igreja [...] Olhai, pois, por vós, e por todo o rebanho sobre que o
Espírito Santo vos constituiu bispos (episkopous), para apascentardes a (poimainein) igreja de Deus, que
ele resgatou com seu próprio sangue”.
O vocábulo pastor, no original grego, é poimên. É da alçada pastoral administrar, pastorear
(cuidar das “ovelhas”) e instruir. Um detalhe interessante é que a Bíblia (Ef 4.11) adjetiva ou adiciona ao
pastor, a responsabilidade de mestre ou doutor: “...e outros para pastores e doutores”. Entendemos disto
que, nem todo o mestre é pastor, porém, todo o pastor é mestre. O que está em pauta é o genuíno e
responsável ensino e instrução pastoral à igreja de Deus. Porém, acima de toda a autoridade pastoral, há
um Pastor maior, o nosso Senhor Jesus Cristo: “Porque éreis como ovelhas desgarradas; mas agora
tendes voltado ao Pastor e Bispo das vossas almas” (1Pe 2.25). Analisando por este prisma, o pastor
também é ovelha não cabendo aqui a expressão “ovelha gera ovelha”, jargão este utilizado algumas
vezes de forma a omitir o trabalho evangelístico pastoral.

Diácono
Esta expressão provém do grego diakonos. É também uma outra função ministerial da igreja.
Quando Jesus afirmou o objetivo de sua vinda ao mundo, em Marcos 10.45, usou os vocábulos grego
diakonêthênai e diakonêsai: “Porque o Filho do homem também não veio para ser servido
(diakonêthênai), mas para servir (diakonêsai) e dar a sua vida em resgate de muitos”. Diáconos, segundo
o fiel significado do termo, são servos ou ministros. Alguns defendem a tese de que existiam diaconisas
na igreja primitiva, reivindicando textos bíblicos em que a exposição vislumbra esse ofício às mulheres,
como por exemplo Romanos 16.1: “Recomendo-vos, pois, Febe, nossa irmã, a qual serve (diakonon) na
igreja que está em Cencréia”. De difícil interpretação são alguns textos que conferem às mulheres as
prerrogativas do ministério diaconal. Contudo, apesar de não haver claras (diretas) definições
hermenêuticas sobre a questão, isto não impede que as mulheres exerçam o diaconato por
potencialidade, obviamente, respeitando o sistema de governo de cada denominação.

Capítulo 4
A autoridade da Igreja

Para que a importância e a autoridade da igreja seja comprovada não é necessário ser ela o
governo de uma nação. Houve um período em que a igreja (Católica Romana) detinha maior poder do
que o governo nacional. A igreja incorporada ao poder governamental acabou por se distanciar dos
valores eclesiais e espirituais culminado em grave declínio moral e ético. É óbvio que este fato não
contradiz as autoridades evangélicas constituídas no governo federal, eleitas democraticamente, e que
podem servir de âncora atinente a moral da nação e da boa recepção da igreja (protestantes) por parte
das autoridades civis.
Se a igreja não influencia mais o Estado, como no passado, contudo, à parte dele, ela é uma
instituição poderosa e independe de seus estratagemas para seu bom andamento e sua permanência ativa
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nos dias atuais. A igreja tem o poder de modificar uma nação em todos os aspectos, fato real e
experimentado, porém, sem reconhecimento por parte das autoridades governamentais. Podemos
presenciar o poder e a autoridade da igreja em alguns prospectos. Vejamos os tipos de autoridade que a
igreja detêm.

Autoridade espiritual
A igreja utiliza o seu poder incessantemente contra as forças espirituais demoníacas. Há um
mundo espiritual em que os exércitos das trevas liderados por Satanás travam intensa batalha contra a
Igreja de Cristo. A medida em que chegasse o fim dos tempos esse embate ganharia proporções diversas
e dramáticas, o que podemos verificar claramente vaticinado na Bíblia: “Mas o Espírito expressamente
diz que nos últimos tempos apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores, e a
doutrinas de demônios” (1Tm 4.1). A influência maligna, que intencionalmente lança seus ataques sobre
a Igreja pode ser confirmada pelas passagens bíblicas apontadas a seguir:

 “Sabemos que somos de Deus, e que todo o mundo está no maligno” (1Jo 5.19);
 “E foi precipitado o grande dragão, a antiga serpente, chamada o Diabo, e Satanás, que engana
todo o mundo; ele foi precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele” (Ap 12.9);
 “Nos quais o deus deste século cegou os entendimentos dos incrédulos, para que lhes não
resplandeça a luz do evangelho da glória de Cristo, que é a imagem de Deus” (2Co 4.4).

O apóstolo Paulo delineou o objetivo primordial à igreja de Corinto quando afirmou: “Porque,
andando na carne, não militamos segundo a carne. Porque as armas da nossa milícia não são carnais,
mas sim poderosas em Deus para destruição das fortalezas” (2Co 10.3,4). A igreja deve usar as armas
ideais e necessárias para destruir as fortalezas de Satanás. Entre as várias armas importantes à disposição
da Igreja, para a demolição das fortalezas de Satanás destacamos a oração e a obediência incondicional
às Escrituras Sagradas. O apóstolo Paulo, novamente, em Efésios 6.10-18, enumera as armas, tanto de
defesa quanto de ataque, que estão à mercê da Igreja: “No demais, irmãos meus, fortalecei-vos no
Senhor e na força do seu poder. Revesti-vos de toda a armadura de Deus, para que possais estar firmes
contra as astutas ciladas do diabo. Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim,
contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes
espirituais da maldade, nos lugares celestiais. Portanto, tomai toda a armadura de Deus, para que possais
resistir no dia mau e, havendo feito tudo, ficar firmes. Estai, pois, firmes, tendo cingidos os vossos
lombos com a verdade, e vestida a couraça da justiça; e calçados os pés na preparação do Evangelho da
paz; tomando sobretudo o escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do
maligno. Tomai também o capacete da salvação, e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus; orando
em todo o tempo com toda a oração e súplica no Espírito, e vigiando nisto com toda a perseverança e
súplica por todos os santos”.

Este poder que a Igreja retém sobre as hostes satânicas foi experimentado pela igreja primitiva
em vastas ocasiões. Elimas, o mágico, experimentou a escuridão visual em plena luz do dia, ao provocar
a paciência evangelizadora do apóstolo Paulo, quando este anunciava Jesus ao procônsul Sérgio Paulo:
“Todavia Saulo, que também se chama Paulo, cheio do Espírito Santo, e fixando os olhos nele, disse: Ó
filho do diabo, cheio de todo o engano e de toda a malícia, inimigo de toda a justiça, não cessarás de
perturbar os retos caminhos do Senhor? Eis aí, pois, agora contra ti a mão do Senhor, e ficarás cego, sem
ver o sol por algum tempo. E no mesmo instante a escuridão e as trevas caíram sobre ele e, andando à
roda, buscava a quem o guiasse pela mão” (At 13.9-11).
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Igualmente, a arte divinatória professada pela jovem teve sua repreensão, pois era de origem
diabólica: “E aconteceu que, indo nós à oração, nos saiu ao encontro uma jovem, que tinha espírito de
adivinhação, a qual, adivinhando, dava grande lucro aos seus senhores [...] e isto fez ela por muitos dias.
Mas Paulo, perturbado, voltou-se e disse ao espírito: Em nome de Jesus Cristo, te mando que saias dela.
E na mesma hora saiu” (At 16.16,18).

A autoridade espiritual na igreja primitiva condizente a alguns era tamanha que até mesmo casos
que poderíamos considerar como infrações leves foram tratados de forma enérgica, e sob o endosso do
Espírito Santo. Temos como exemplo o caso de Ananias e Safira em Atos 5.1-10. Estes exemplos podem
ser destinados, ainda hoje, para a Igreja de Cristo na Terra, ou seja, a igreja hodierna tem autoridade
espiritual para opor-se aos ataques demoníacos e desestruturar o poderio maligno sobre a Igreja.

Autoridade evangelística

O debate teológico entre protestantes e católicos ainda encontra-se acalorado no texto de Mateus
16.19 que descreve: “E eu te darei as chaves do reino dos céus; e tudo o que ligares na terra será ligado
nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus”. Afinal, estaria esta expressão
liberando ao apóstolo Pedro soberania pontífice sobre a igreja?
Examinando o contexto bíblico percebemos que o mesmo nada a tem a ver com a superioridade
do apóstolo Pedro, pois, esta autoridade foi conferida também aos demais discípulos. A continuação do
versículo diz o seguinte: “Também vos digo que, se dois de vós concordarem na terra acerca de qualquer
coisa que pedirem, isso lhes será feito por meu Pai, que está nos céus” (Mt 18.19).
Jesus afirmou que os escribas obstruíam, por meio da posse da “chave da ciência”, a entrada dos
interessados em ingressar no caminho e nos ideais proposto por Ele: “Ai de vós, doutores da lei, que
tirastes a chave da ciência; vós mesmos não entrastes, e impedistes os que entravam” (Lc 11.52).
Conforme Wayne Grudem, “as chaves do reino dos céus representam a autoridade de pregar o
Evangelho de Cristo (cf Mt 16.16) e assim abrir a porta de entrada do reino dos céus, permitindo o
acesso”. Tal autoridade foi empregada por Pedro, quando ao pregar no Pentecostes, quase três mil
pessoas aceitaram o Evangelho (At 2.14-41), e a mesma também pode ser delegada aos crentes, num
âmbito geral, pois fazemos parte da grande comissão, a qual coube a obrigação e responsabilidade de
apregoar este Evangelho: “E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura” (Mc
16.15); “Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do
Espírito Santo” (Mt 28.19).
Paira ainda sobre este texto (Mt 16.19) uma dúvida argumentativa, de que a igreja exerce
autoridade disciplinar ao membro faltoso. Compreende-se sobre a continuação textual: “...e tudo o que
ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus”, que há
alguns, entre os que compõem a igreja, passíveis de sanção disciplinar. Veremos este aspecto no tópico a
seguir.

Autoridade disciplinar

Este princípio de autoridade, a disciplina eclesiástica, é bíblica. Podemos observar que ela foi
autorizada por Jesus e levada a efeito pelos apóstolos, e conseqüentemente alcança importante atenção.
Não quer dizer que qualquer infração será passível desta disciplina, e nem que deve ser esse o primeiro
procedimento. Antes de chegar a essa conclusão, todos os meios possíveis para “ganhar” o membro
faltoso deve ser procurado e ensaiado. É extremamente visível esta atitude em Mateus 18.15-18: “Ora,
se teu irmão pecar contra ti, vai, e repreende-o entre ti e ele só; se te ouvir, ganhaste a teu irmão; mas, se
não te ouvir, leva ainda contigo um ou dois, para que pela boca de duas ou três testemunhas toda a
palavra seja confirmada. E, se não as escutar, dize-o à igreja; e, se também não escutar a igreja,
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considera-o como um gentio e publicano”. Quando todas as possibilidades harmônicas se esgotarem,
note que então deveria ser publicada à igreja: “E, se não as escutar, dize-o à igreja”. A decisão de aplicar
a disciplina não é tratada apenas singularmente, mas a igreja deve participar corroborando, não somente
com o líder eclesiástico, mas com a própria decisão renitente da pessoa.
Há similaridade e coligação entre a disciplina eclesiástica exposta em Mateus 18.15-18 com as
expressões reclamadas por Jesus: “tudo o que ligares na terra será ligado nos céus, e tudo o que
desligares na terra será desligado nos céus”. Antes desta expressão, que sanciona a disciplina
eclesiástica, há outra em que impera a evangelização: “E eu te darei as chaves do reino dos céus”. Assim
entendemos que a igreja tem em suas mãos a responsabilidade de anunciar o Evangelho, pois, como o
missionário Paulo (1Co 9.16) escreveu “... me é imposta essa obrigação; e ai de mim, se não anunciar o
evangelho!”, porém, há também a obrigação autoritária, dada pelo próprio Senhor Jesus, de “ligar” e
“desligar”, ou seja, exercer, caso precise, a disciplina.
A questão da disciplina deve ser bem delineada e compreendida pelo líder de determinada igreja,
porque em nome dela foi e ainda são praticados abusos inimagináveis. Conforme o texto esclarece, só
deverá ser aplicada a disciplina em caso de pecado: “Ora, se teu irmão pecar contra ti” e, ainda, para
aplicá-la corretamente faz-se de extrema importância classificar ou no mínimo diferenciar o pecado.
Saber o que pode ser considerado pecado ou não, exige antes, não só um profundo conhecimento
bíblico, mas, uma compreensão teológica do ensino do pecado. Caso contrário, aplicar-se-á a disciplina,
quando se poderia prover meios variados antes de chegar a tal ponto, ou o contrário, isto é, não aplicá-la,
quando o caso deveria ser resolvido com austeridade. A igreja, em geral, deve se conscientizar disso,
pois não detêm a onisciência divina e, portanto, cabe a Deus julgar moralmente o certo e o errado. Quem
teria o poder de perscrutar as entranhas do ser humano, com ênfase no homem interior, a fim de decidir
o que fazer senão Deus? Só Ele pode esquadrinhar o interior do homem: “Sonda-me, ó Deus, e conhece
o meu coração; prova-me, e conhece os meus pensamentos. E vê se há em mim algum caminho mau, e
guia-me pelo caminho eterno” (Sl 139.23,24). À igreja cabe apenas declarar o que já está determinado
em tais situações pelas Escrituras Sagradas. Não é também da competência da igreja perdoar pecados no
sentido em que o fazem os sacerdotes católicos, pois, a Bíblia afirma que só “o sangue de Jesus Cristo,
seu Filho (de Deus), nos purifica de todo o pecado” (1Jo 1.7), corroborando com este pensamento a
indagação dos fariseus e religiosos da época de Cristo: “Quem pode perdoar pecados, senão Deus?” (Mc
2.7). Portanto, a prática de perdoar as transgressões humanas, ao longo da vida cristã, por parte do clero
romano, não encontra guarida nas páginas bíblicas. Fato importante é que o ato de a igreja “ligar” ou
“desligar” remete-nos a concluir que ela nada mais estará fazendo do que ratificar o que Deus já decidiu
em algum tempo.

Apoio bíblico

É oportuno apresentar algumas passagens bíblicas em que a disciplina é executada, ou seja,


experimentada na prática, quando do início da igreja primitiva. Não devemos ignorar que os
ensinamentos que envolvem a questão da disciplina não se prendem ao período neotestamentário, mas
antes, o conceito de correção está espalhado por toda a Bíblia. Verifique as passagens a seguir:

 Da mesma forma que o pai corrige o filho, assim Deus (o nosso Pai) corrige os seus filhos: “O
que retém a vara aborrece seu filho, mas o que o ama, cedo o disciplina” (Pv 13.24). Compare
este texto com Hebreus 12.6: “Porque o Senhor corrige o que ama, e açoita a qualquer que recebe
por filho”.
 Alexandre e Himeneu foram “entregues a Satanás”, fato que a maioria dos estudiosos entendem
como sendo uma aplicação da disciplina: “E entre esses foram Himeneu e Alexandre, os quais
entreguei a Satanás, para que aprendam a não blasfemar” (1Tm 1.20).
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 Na igreja de Corinto havia a necessidade de disciplinar um irmão que estava cometendo incesto:
“Seja entregue a Satanás para destruição da carne, para que o espírito seja salvo no dia do Senhor
Jesus” (1Co 5.5). É interessante neste texto notar que Paulo invocou a autoridade da igreja para
impor a repreensão eclesiástica: “Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, juntos vós e o meu
espírito, pelo poder de nosso Senhor Jesus Cristo” (1Co 5.4). No caso, o apóstolo foi tão severo
que impôs à igreja: “Mas agora vos escrevi que não vos associeis com aquele que, dizendo-se
irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com o tal
nem ainda comais [...] tirai, pois, dentre vós a esse iníquo” (1Co 5.11,13).

Capítulo 5
As ordenanças da Igreja

Cristo, antes de ascender ao céu, deixou basicamente duas normas que deveriam ser prontamente
obedecidas pelos primeiros cristãos: a santa ceia e o batismo. Consoante ao batismo, lemos em Mateus
28.19 a respeito: “Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do
Filho, e do Espírito Santo”; da mesma forma Jesus enfatizou que a ceia deveria ser celebrada: “E,
quando comiam, Jesus tomou o pão, e abençoando-o, o partiu, e o deu aos discípulos, e disse: Tomai,
comei, isto é o meu corpo. E, tomando o cálice, e dando graças, deu-lho, dizendo: Bebei dele todos;
Porque isto é o meu sangue, o sangue do novo testamento, que é derramado por muitos, para remissão
dos pecados” (Mt 26.26-28).
Entre os aspectos que merecem atenção nestas duas normas impostas por Cristo à sua igreja, está
a importância conceitual referida pela igreja católica concernente à mistificação da ceia e do batismo em
águas. Nos círculos reformados e protestantes, estas normas são preferivelmente nomeadas de
ordenanças, enquanto que, na igreja católica, são designadas sacramentos. A igreja católica reivindica
que estes sacramentos outorgam às pessoas uma “graça especial” em si mesmos. Isto quer dizer que a
pessoa não precisa exercitar a fé para que seja interiormente agraciada, pois, somente os sacramentos
(ceia e batismo) são suficientes e independentes. Para diferenciarmos os termos e compreendermos as
profundas divergências teológicas que se apresentam faz-se necessário defini-los à parte.

Sacramentos
Por sacramento entendem-se os ritos e conjuntos de cerimônias que, segundo a igreja católica,
conferem divinas graças ao indivíduo. É importante saber que no catolicismo os sacramentos não se
restringem somente à ceia (Eucaristia) e ao Batismo, expandindo a sete outros sacramentos que são:
batismo, confirmação, confissão, eucaristia, ordem, matrimônio e extrema-unção. Há um relato muito
importante sobre o contexto cultural, referido à prática e uso do sacramento, pelo teólogo Michael
Dusing:
“O termo ‘sacramento’ (que provém de sacramentum, em latim) é mais antigo e aparentemente
de uso mais generalizado que o termo ‘ordenança’. No mundo antigo, um sacramentum referia-se
originalmente a uma soma em dinheiro depositada num lugar sagrado por duas partes envolvidas num
litígio civil. Pronunciada a sentença do tribunal, devolvia-se o dinheiro da parte vencedora, enquanto a
perdedora tinha de entregar o seu para ‘sacramento’ obrigatório, considerado sagrado porque passava a
ser oferecido aos deuses pagãos [...] A Vulgata Latina (de 400 d.C) emprega o termo sacramentum como
tradução da palavra grega mustêrion (mistério), o que veio a acrescentar uma conotação um tanto
reticente, misteriosa, às coisas consideradas ‘sagradas’”.
Toda essa mística, através do tempo, acabou por influenciar o clero romano, pois, conforme já foi
explicado, doutrinam que os sacramentos transmitiam, e ainda transmitem, segundo a teologia romana,
uma “graça especial”.
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Ordenanças
O renomado teólogo Russel Norman Champlin esclarece que o vocábulo “ordenança” vem do
latim, de ordo (inis), relativo a ordinari, “ordenar”. Desta fonte é que se deriva a palavra ordinans
(antis), “ordenança”, significando “uma regra autoritária, um decreto, uma lei, um rito religioso, uma
disposição ou posição, um desígnio”. Há um grupo de protestantes que preferem usar o termo
“sacramento”, quando se refere à ceia e ao batismo. A questão de maior relevância não está
simplesmente no uso técnico do termo, mas no que se entende por sacramento. Se ficar claro que estes
“sacramentos” não transmitem “graça divina” em si mesmos, irrelevante é o uso etimológico. Contudo, a
preferência entre a maioria dos protestantes é o uso do termo “ordenanças”. Passemos nos próximos
tópicos a tratar destas duas importantes ordenanças deixada pelo Senhor Jesus Cristo.

Batismo
“Quem crer e for batizado será salvo; mas quem não crer será condenado” (Mc 16.16).
É necessário entender que o texto exposto (Mc 16.16), se não for interpretado corretamente, pode
trazer sérias conseqüências doutrinárias à igreja. Entretanto, independente de qual seja a interpretação
denominacional, esta não invalida a imperativa ordem quanto ao ato batismal. Omitir-se a esta ordem de
Cristo é permanecer em estado de desobediência e, portanto, estar em falta com as determinadas
exigências do cristianismo. Não transmitir “graça salvadora” também não significa rejeitar o batismo,
como entendem alguns grupos religiosos.

Definição
A palavra batismo no original grego é baptizo e tem o sentido de “imergir, afundar, mergulhar”.
No Dicionário Internacional de Teologia de Collin Brown verifica-se outro sentido desta palavra com
vistas ainda à língua original do Novo Testamento. Collin Brown apresenta os termos louo e nipto que
significam “lavar” (o corpo inteiro) e “lavar” ou “enxaguar” (partes do corpo) respectivamente, e ainda
rhaino, que significa “aspergir”. De maneira pluralizada os dicionários de Teologia concordam que o
batismo era o ato que iniciava o novo convertido ao cristianismo, mostrando assim, de forma externa,
que este fazia concordar suas atitudes com a nova vida, dando ênfase ao caráter interno (regeneração)
sem o qual não deveria ser batizado. Este aspecto não é aceito por algumas igrejas protestantes na sua
plenitude, já que admitem o “pedobatismo” ou batismo de crianças, isto pelo fato de não haver por parte
da criança a conversão, conforme aceita pelos cristãos em sua maioria. O Conciso Dicionário de
Teologia Cristã, de Millard J. Erickson, define desta forma o batismo: “Ato de iniciação cristã, no qual
se aplica água em uma pessoa por imersão, derramamento (afusão) ou aspersão”.
Quanto ao batismo de crianças, trataremos mais adiante sobre o assunto, lembrando que o nosso
objetivo é informar ao aluno sem ser parcial e influenciar no modelo adotado por sua denominação
evangélica. Algumas igrejas protestantes e a igreja católica adotam o modelo por aspersão.
Verificaremos biblicamente as formas, sempre do ponto de vista, não partidário de um outro em si, mas,
informativo.

Aspersão e afusão
Segundo o Dicionário Aurélio, aspergir é o ato de “borrifar ou respingar com gotas de água ou de
outro líquido”, enquanto que afusão remete ao “banho ou à aspersão”. Já a afusão, segundo Collin
Brown, é definida como o ato de “lavar” (o corpo inteiro) e “lavar” ou “enxaguar” (partes do corpo). Há
uma tímida distinção entre estes dois termos. Algumas das obras de teologia, ao comentar sobre a forma
da não imersão do batismo, usam de forma generalizada o termo aspersão. Os que defendem este modo
batismal acentuam que o simbolismo empregado no ato do batismo é o de ser purificado e limpo dos
pecados, enquanto que os “imersionistas” vêem no batismo, adicionando-se ao que pensam os
praticantes da aspersão, uma figura de descer à sepultura e do sepultamento. Quando o batizado, na
concepção dos “imersionistas”, sai das águas, isto seria uma figura da ressurreição com Cristo, em que
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morto o velho homem, ressurge, nasce, ressuscita um novo, em novidade de vida. Corroborando ao
pensamento de que o batismo é um símbolo de lavar e ser purificado do pecado, estão os textos de Tito
3.5: “Não pelas obras de justiça que houvéssemos feito, mas segundo a sua misericórdia, nos salvou pela
lavagem da regeneração e da renovação do Espírito Santo”, e Atos 22.16: “Levanta-te, e batiza-te, e lava
os teus pecados, invocando o nome do Senhor”.

Imersão
É o modo pelo qual a pessoa é inteiramente “afundada” na água. Os defensores deste modelo
apóiam-se na definição grega da palavra baptizo. Entre outros textos que costumam se apoiar os
defensores da imersão explicaremos os seguintes:

 “E, logo que saiu da água, viu os céus abertos, e o Espírito, que como pomba descia sobre ele”
(Mc 1.10);
 “E, indo eles caminhando, chegaram ao pé de alguma água, e disse o eunuco: Eis aqui água;
que impede que eu seja batizado?” (At 8.36).

No texto de Marcos, uma grande multidão afluiu para o batismo, o que facilitaria e sugeriria o
batismo por aspersão, fosse esse o caso. Conforme Wayne Grudem “o texto grego especifica que ele
saiu ‘para fora da’ (ek) água, e não que ele veio da água (mais bem comunicado pelo gr. apo)”. Segundo
Grudem, o fato de João e Jesus saírem da água, aventa que o modo batismal foi o da imersão. No
segundo texto a expressão de Filipe ao eunuco, “eis aqui água”, expressa que os dois desceram do carro
e entraram na água. Segundo o pensamento dos defensores da imersão, caso o modo habitual fosse a
aspersão, teria água em estoque, no carro do eunuco, e não necessitaria de descer às águas para ser
imerso. Entendemos que, independente da polêmica em torno das formas em que deve ser praticado o
batismo, não deve ser suplantada a essência do mesmo. Nesse ínterim, há ainda outro assunto acalorado
entre os vários ramos do protestantismo, o qual seja, o batismo infantil. Visto os dois pontos de vista que
acolhem esta prática, falaremos também da posição contrária.

Batismo infantil
Uma criança deve ser batizada? A liderança da igreja primitiva batizava criança? Há base bíblica
para tal procedimento?
Temos de considerar, neste caso, a posição romana e a posição protestante. Este batismo é levado
a efeito tanto no catolicismo quanto em algumas igrejas protestantes, entretanto, mesmo entre o
entendimento sobre os requisitos e finalidades para o batismo infantil, há diferenças, entre o catolicismo
e o protestantismo, na questão dos propósitos e finalidades dos objetivos. A posição que apóia o batismo
infantil é conhecida também como “pedobatismo”. Analisemos o ponto de vista católico e adiante o
protestante.

O batismo infantil e a igreja católica


Para a igreja católica a criança não pode deixar de se batizar, ou melhor, os pais devem trazer as
crianças para serem batizadas, sendo que, o método utilizado é o da aspersão. Agem desta forma, pois
entendem que o batismo “regenera” a pessoa e possui poder necessário e eficaz para a salvação. É uma
doutrina sacramental que confere graça divina à pessoa. O batismo de crianças para a Igreja Católica é
extremamente válido. Na definição romanista, a criança não necessita exercer fé para alcançar a
justificação, visto que, a Igreja substitui a fé da criança. Entretanto, para nós, autênticos cristãos, a fé do
indivíduo é indispensável para a salvação: “Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem
de vós, é dom de Deus” (Ef 2.8). Nenhum ritual religioso deve dirimir a verdadeira exigência para que o
ser humano alcance a salvação. Analogicamente, observamos no Novo Testamento, os legalistas
ensinando que a circuncisão (rito) deveria ser estritamente obedecida para a conquista soteriológica. O
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apóstolo Paulo foi enfático na sua repreensão, quando advertiu os legalistas, que para a salvação não era
necessário nenhum tipo de “obra”, pois, a graça, estabelecida por Cristo no período neotestamentário,
sobrepujava qualquer conceito legal. Se para a igreja católica a ênfase do batismo infantil era de que
esse “regenerava” a criança, o mesmo não se pode dizer do ponto de vista protestante, não obstante esse,
também promover o batismo infantil.

O batismo infantil e o protestantismo


A observância deste batismo aqui não é feito com a mesma arbitrariedade romana. O detalhe
mais importante é que ele não contém efeito salvífico. Nem todas as crianças, de forma generalizada, no
caso, filhos de pais não cristãos, devem ser batizadas, mas, somente os filhos de pais cristãos. Os que
entendem assim a questão baseiam-se na “aliança” entre Deus e seu povo. As referências bíblicas e o
apoio teológico para a prática do batismo pueril é fundamentado, segundo esta interpretação, na
circuncisão, pacto feito entre Deus e Abraão no Antigo Testamento, assim como no batismo de famílias
no período do Novo Testamento. Vejamos um pouco mais sobre estes dois aspectos:

O batismo comparado à circuncisão


Para comprovar a fidelidade de Abraão, Deus pactua com ele, acordando ambas as partes à
prática de um ritual que seria “o ato de circuncidar o prepúcio” de todo o filho nascido até o prazo de
oito dias: “Disse mais Deus a Abraão: Tu, porém, guardarás a minha aliança, tu, e a tua descendência
depois de ti, nas suas gerações. Esta é a minha aliança, que guardareis entre mim e vós, e a tua
descendência depois de ti: Que todo o homem entre vós será circuncidado. E circuncidareis a carne do
vosso prepúcio; e isto será por sinal da aliança entre mim e vós” (Gn 17.9-11).
Neste aspecto, assim como a circuncisão, que era um ato externo, conferia condições favoráveis
para que a criança ingressasse na comunidade de Israel, assim, analogicamente, o batismo infantil, seria
correto e necessário, pois, condiciona a criança a fazer parte da comunidade do povo de Deus. Entre os
textos bíblicos, podemos contemplar essa comparação em Colossenses 2.11,12: “No qual também estais
circuncidados com a circuncisão não feita por mão no despojo do corpo dos pecados da carne, a
circuncisão de Cristo; sepultados com ele no batismo, nele também ressuscitastes pela fé no poder de
Deus, que o ressuscitou dentre os mortos”.

Famílias batizadas no Novo Testamento


Neste aspecto depreende–se de alguns textos bíblicos o fato de que quando as pessoas aceitavam a
Cristo, com suas famílias, que no caso possivelmente tinham crianças, todos eram batizados. Vejamos
alguns textos bíblicos:

 “Porque a promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe, a
tantos quantos Deus nosso Senhor chamar” (At 2.39). A expressão “a vossos filhos”, denotaria
uma participação em todas as bênçãos divinas, decorrentes do recebimento do Evangelho, o
que inevitavelmente estaria incluso o batismo.
 “E, tomando-os ele consigo naquela mesma hora da noite, lavou-lhes os vergões; e logo foi
batizado, ele e todos os seus” (At 16.33).
 “E, depois que foi batizada, ela e a sua casa, nos rogou, dizendo: Se haveis julgado que eu seja
fiel ao Senhor, entrai em minha casa, e ficai ali. E nos constrangeu a isso” (At 16.15).
 “E batizei também a família de Estéfanas” (1Co 1.16).

Há que se diferenciar, comparando o sentido do batismo infantil entre o catolicismo e o


protestantismo, que os protestantes que observam esta prática não pregam que a criança batizada é
regenerada no momento do batismo e nem que o batismo simboliza a regeneração final da criança, mas
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que pode simbolizar uma regeneração futura, quando a criança tiver idade suficiente para escolher seguir
a Cristo ou não.

Argumentos contra o batismo infantil


Doravante, apresentamos os argumentos dos que contestam tanto o romanismo como o
protestantismo na questão do batismo infantil. A primeira ênfase dada neste ponto de vista é a de que o
batismo deve ser ministrado apenas a quem ingressou na fé cristã, pois o batismo é um símbolo desta fé.
Segundo este pensamento, a criança deve ter idade para satisfazer o critério adotado pelas Escrituras
para ser salva, ou seja, a condição de crer. Alegam que uma criança não tem a consciência despertada
para esta fé e daí não ter nenhuma responsabilidade quanto ao batismo, e, portanto, não devendo ser
batizada. Ao nos referirmos aos textos bíblicos defendidos pelos protestantes que batizam crianças,
percebemos que os argumentos são desenvolvidos baseados na “integralidade” do ato sobre as famílias.
Vejamos o que pensam os protestantes que não adotam este posicionamento:

 “Porque a promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe, a tantos
quantos Deus nosso Senhor chamar” (At 2.39). Com respeito ao Evangelho, a bênção da
promessa é para os filhos, mas em se tratando do batismo só “os que aceitaram a palavra”
deveriam obedecer à imperativa da pregação de Pedro submetendo-se ao batismo (At 2.41).
 “E, tomando-os ele consigo naquela mesma hora da noite, lavou-lhes os vergões; e logo foi
batizado, ele e todos os seus” (At 16.33). O versículo 32 que diz: “E lhe pregavam a palavra do
Senhor, e a todos os que estavam em sua casa”, denota que não obstante a família ter sido
batizada, supõem-se que todos os presentes tiveram condições e idade suficiente para entender
a pregação e expressar a sua fé. E, após a família ser batizada, como defesa de que a família
demonstrou ter fé em Cristo, meio este que uma criança não tem condições de exercer, a Bíblia
relata que o carcereiro “...na sua crença em Deus alegrou-se com toda a sua casa” (At 16.34).
 “E, depois que foi batizada, ela e a sua casa, nos rogou, dizendo: Se haveis julgado que eu seja
fiel ao Senhor, entrai em minha casa, e ficai ali. E nos constrangeu a isso” (At 16.15). Este é o
texto bíblico que narra a conversão de Lídia, e mais uma vez o que está em evidência é a fé da
família, e não há nenhum informe sobre se havia ou não crianças na residência de Lídia.
 “E batizei também a família de Estéfanas” (1Co 1.16). Por meio do contexto (1Co 1.10-16), é
possível perceber que os irmãos a que Paulo se refere já eram convertidos e labutavam na obra
de Deus, o que evidencia a necessidade prévia de crer para apenas depois ser batizado.

Analisamos estes pontos para que o aluno de teologia possa ter algum conhecimento sobre a
posição do batismo nas duas frentes protestantes, e o pensamento da teologia católica. Não eximimos a
necessidade de se batizar e nem queremos dogmatizar as normas a serem procedidas pelas igrejas.
Cremos também que não é o batismo ou como proceder à sua prática que irá dividir a koinonia
(comunhão) entre os irmãos dos mais diversos ramos protestantes.
Passemos agora a estudar sobre a ceia, outra ordenança deixada por Cristo.

Ceia

Também denominada por algumas igrejas de “Ceia do Senhor” (gr. Kyriakon deipnon) é uma
palavra proveniente do latim coena, “ceia”. Os elementos da ceia são o pão e o vinho, que simbolizam o
corpo e o sangue de Jesus respectivamente e que é levado a efeito tendo em mente a celebração da morte
de Jesus. A ceia representa a “Nova Aliança” estabelecida por Cristo com a sua Igreja, conforme atesta
Paulo em 1Coríntios 11.25 (Almeida Atualizada): “Este cálice é a nova aliança no meu sangue, fazei
isto, todas as vezes que o beberdes, em memória de mim”.
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É importante não perdermos de vista o sentido e significado da ceia, pois é uma ordenança que
sofre depreciação por parte de alguns movimentos religiosos. A santa ceia apresenta, antes de tudo,
mediante seus elementos, uma lembrança da morte de Cristo, ao participarmos do pão e do vinho. Quase
todo o ritual na ceia reportar-nos a esta lembrança, e a própria Bíblia nos informa que ao celebrarmos a
ceia, estamos anunciando sua morte (do Senhor) até que Ele volte (1Co 11.26). Encontramos paralelo
bíblico, no ato da ceia com o episódio do cordeiro pascoal de Êxodo 12. O fato mais forte nesta
passagem é que o cordeiro teria de ser morto e seu sangue aspergido nos umbrais da porta das
residências dos hebreus, o que garantiria a sobrevivência dos primogênitos de suas famílias. Por meio da
ceia, também, não somente anunciamos a morte de Cristo, como proclamamos a sua ressurreição. Não
obstante isso, não devemos entender a celebração da Ceia como se Jesus estivesse presente
corporalmente, mistificado no pão e no vinho, como entendem e ensinam, por exemplo, os católicos
romanos. Analisemos, a seguir, este ensino.

Transubstanciação

Segundo o dogma católico, Jesus Cristo se acha presente sob as aparências do pão e do vinho,
com seu corpo, sangue, alma e divindade. Isto é o que geralmente se entende por transubstanciação
(alteração de substâncias). A teologia católica ensina a transubstanciação durante a Eucaristia. Após
serem consagrados os elementos, pão e vinho, pelo padre e repetidas as palavras de Cristo, “isto é o meu
corpo” e “isto é o meu sangue”, os fiéis católicos crêem que misteriosamente o pão se transforma na
carne de Cristo e o vinho, no sangue. Levando as palavras de Cristo a um “literalismo” bruto,
interpretam ser o pão o próprio corpo de Cristo presente na hóstia. Essa doutrina é baseada
principalmente no trecho do evangelho de João 6.53, que reza: “se não comerdes a carne do Filho do
homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmos”. Contudo, daremos algumas
razões para a rejeição a essa doutrina errônea e perigosa:

1. Se na frase “isto é o meu corpo” o verbo “ser (é)” implica a conversão literal do pão no corpo de
Cristo, segue-se igualmente que nas palavras “eu sou o pão da vida” (Jo 6.35) o verbo “ser (sou)” deve
implicar em igual mudança, ensinando-nos que Cristo se converte no pão, de modo que, se o primeiro é
uma “prova” da transubstanciação, o segundo demonstra necessariamente o contrário; se o primeiro
demonstra que o pão pode converter-se em Cristo, o segundo demonstra que Cristo pode converter-se
em pão, o que é um verdadeiro absurdo, mas é isto o que a lógica dessa filosofia nos leva a entender.
2. Se acreditarmos que nesse episódio Jesus estava se referindo à eucaristia, então forçosamente
ninguém pode se salvar sem o sacramento, e todo aquele que o recebe não pode se perder. Seria sempre
necessário ao fiel comungar-se para não perder a bênção da vida eterna. E aqueles que não podem tomá-
la? Estariam destinados ao inferno? Crêem os católicos que todo aquele que comunga tem a vida eterna?
Pois Jesus disse que, sem exceção, “todo aquele” que comesse a sua carne teria de fato a vida eterna. E o
que dizer então daqueles que bebem indignamente (1Co 11.28)? Tal é a contradição e confusão que nos
mostra tão descabida teoria se levada ao pé da letra.
3. Se tomadas literalmente essas palavras o beber o sangue é tão importante quanto o comer a carne. Em
outras palavras, é tão necessário comer o pão (hóstia) como beber o cálice (vinho). E por que então o
padre nega aos fiéis o direito de tomar o cálice, desobedecendo a Bíblia?

Analisando João 6
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Diz o padre Alberto Luiz Gambarini1: “Jesus não deixou dúvidas quanto a esta questão: a
eucaristia ou ceia não é uma mera lembrança, e sim a presença por inteiro de Jesus Cristo”.2
Pois bem, analisemos essa questão dentro de seu contexto imediato, pois tais palavras tomadas
isoladamente e sem explicação podem ter um sentido, mas dentro do seu respectivo contexto, levando
em consideração a aplicação que o Senhor lhes deu, têm outro sentido bem distinto.
“Respondeu-lhes Jesus: Na verdade, na verdade vos digo que me buscais, não pelos sinais que
vistes, mas porque comestes do pão e vos saciastes. Trabalhai, não pela comida que perece, mas pela
comida que permanece para a vida eterna, a qual o Filho do homem vos dará; porque a este o Pai, Deus,
o selou” (Jo 6.26,27). Essas palavras deram princípio ao discurso e são a chave para compreendermos o
sentido exato e a razão pela qual Jesus usou a figura de “comer” e “beber”.
A única dificuldade que há para a compreensão desse discurso de Jesus está relacionada à falta
de consideração à figura que lhe deu origem; ou seja, os judeus seguiam Jesus por causa do milagre dos
pães, por causa do alimento material. Ao contrário, Jesus elucida que a comida que ele tem é algo maior:
“a comida que permanece para a vida eterna” (v. 27). Então, os judeus apelam para o episódio do maná
que desceu do céu. Jesus explica que o verdadeiro pão não era o maná, mas que o pão verdadeiro é
outro, o próprio Cristo. Daí, disseram os judeus: “Senhor, dá-nos sempre desse pão” (Jo 6.34).
Até aqui, percebemos que os judeus não estavam entendendo a mensagem de Jesus e, por isso,
interpretavam-na de modo literal, assim como os católicos fazem. Jesus então explica que o sentido de
sua mensagem era simbólico, espiritual, não literal: “E Jesus lhes disse: Eu sou o pão da vida; aquele
que vem a mim não terá fome, e quem crê em mim nunca terá sede” (Jo 6.35). Esse versículo é muito
importante, pois nos explica que comer a carne e beber o sangue de Jesus é somente crer e ter fé nele,
recebendo-o; nada mais que isso. É justamente isso que significa o alimento do seu corpo: “Porquanto a
vontade daquele que me enviou é esta: Que todo aquele que vê o Filho, e crê nele, tenha a vida eterna”
(Jo 6.40). Jesus rechaça qualquer tipo de confusão quanto a isso quando arremata: “O espírito é o que
vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu vos disse são espírito e vida” (Jo 6.63). Jesus
estava falando espiritualmente, não fisicamente. Estava explicando que a vida vem por meio da fé nele, e
não comendo o seu corpo.
Então, como explicar esse versículo: “... e o pão que eu der é a minha carne, que eu darei pela
vida do mundo” (Jo 6.51)? Será que com isso Jesus não estava ensinando sobre a eucaristia, quando os
seus seguidores iriam alimentar-se dele por meio da hóstia num tempo futuro? Não necessariamente. A
Bíblia ensina, sem sombra de dúvidas, que a vida eterna viria por meio de sua morte na cruz, dando seu
corpo, isto é, sua carne, para ser sacrificada. E isso está em perfeita concordância com o restante das
Escrituras. Veja como o apóstolo Paulo entendeu essa questão: “Porque ele é a nossa paz, o qual de
ambos os povos fez um; e, derrubando a parede de separação que estava no meio, na sua carne desfez a
inimizade” (Ef 2.14).
A Bíblia nos diz que Cristo realmente deu seu sangue e sua carne ao mundo para alcançarmos a
vida eterna. Vejamos: “E que, havendo por ele feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele
reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, tanto as que estão na terra, como as que estão nos céus. A
vós também, que noutro tempo éreis estranhos, e inimigos no entendimento pelas vossas obras más,
agora contudo vos reconciliou no corpo da sua carne, pela morte, para perante ele vos apresentar santos,
e irrepreensíveis, e inculpáveis” (Cl 1.20-22), e, “Pelo novo e vivo caminho que ele nos consagrou, pelo
véu, isto é, pela sua carne” (Hb 10.20).
A conclusão a que chegamos, lendo o contexto, é que o “alimentar-se” de Jesus (seu corpo), por
meio da sua carne e do seu sangue, é a mesma figura de linguagem utilizada por ele em João 4.14: “Mas

1
Renomado padre católico, pároco da Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Prazeres, em Itapecerica da
Serra/SP. Escritor de mais de dezessete obras.
2
Quem fundou sua igreja?, padre Alberto Luiz Gambarini, p. 46.
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aquele que beber da água que eu lhe der nunca terá sede, porque a água que eu lhe der se fará nele uma
fonte de água que salte para a vida eterna”. Assim como essa “água” era espiritual, a bebida e a comida
também, tanto é que quando os discípulos entenderam de modo literal essa mensagem Jesus prontamente
os corrigiu explicando que: “O espírito é o que vivifica, a carne para nada aproveita; as palavras que eu
vos disse são espírito e vida” (Jo 6.63). O “alimentar-se” de Cristo seria “crer nele”, quando então o Pai
entregaria seu Filho na cruz para ser sacrificado por nossos pecados. Muitos pais da igreja primitiva
concordavam com este ponto de vista, entre eles Agostinho, considerado um dos maiores doutores da
Igreja Católica.

Lembrança ou presença real?

“Isto é o meu corpo que é partido por vós; fazei isto em memória de mim” (1Co 11.24).

Esse é o argumento mais repetido entre os católicos para sustentar a transubstanciação. Não há
algo mais claro nessa passagem do que a verdade de que aquilo era realmente o corpo de Cristo, dizem
os católicos, contudo, não precisamos nos esforçar muito para desfazer essa interpretação, basta-nos
apenas recorrer ao contexto. Ora, é importante entender que Jesus instituiu a Santa Ceia na ocasião em
que estava comendo a ceia pascoal. Sem dúvida, ele recordava de que aquela Páscoa foi instituída para
comemorar, pela aspersão do sangue do cordeiro, a saída dos israelitas do cativeiro do Egito.
O pão que Jesus tomou e abençoou e deu aos discípulos era o pão pascoal. Muitos católicos
dizem que Jesus não comeu aquele pão, mas tal assertiva se mostra falsa quando lemos que Jesus iria
comer realmente aquela comida, veja: “E mandou a Pedro e a João, dizendo: Ide, preparai-nos a páscoa,
para que a comamos [...] E direis ao pai de família da casa: O Mestre te diz: Onde está o aposento em
que hei de comer a páscoa com os meus discípulos?” (Lc 22.8,11).
Todas as suas ações e palavras tinham alguma relação com a antiga páscoa. Tendo isso em vista,
devemos procurar na antiga festa uma explicação para a Santa Ceia que ele iria substituir, pois ele
(Jesus) é a nossa páscoa (1Co 5.7). Quando Moisés instituiu a páscoa, mandou os israelitas comerem a
carne e aspergirem o sangue do cordeiro em suas casas (Êx 12.7,8). Só que o cordeiro que comiam não
era a “páscoa”, pois tal palavra é derivada do verbo pasach, que significa “passar por cima”, dando a
idéia de “poupar e proteger” (Êx 12.13). A páscoa do Senhor era o “passar do anjo por toda a terra do
Egito”. Vê-se, pois, que o ato de passar por cima das casas dos israelitas era uma coisa e o cordeiro que
os israelitas comiam era outra essencialmente distinta: uma era um fato e a outra, a recordação desse
fato. Embora Moisés tivesse dito a respeito do cordeiro que este “é a páscoa” (a passagem do Senhor),
isso não significa, porém, que quisesse dizer que o cordeiro que os israelitas tinham assado e estavam
comendo poderia ter-se mudado ou transformado no ato de passar o Senhor por cima das casas. O
sentido simplesmente era “é uma recordação da páscoa ou da passagem do Senhor”. Temos, pois, aqui,
um exemplo clássico dessa figura de retórica pela qual se dá o nome da coisa que ela recorda, ou se põe
o sinal pela coisa significada. Quando, pois, as famílias se reuniam em torno da mesa para comer a
páscoa, o chefe da família dizia: “Esta é a páscoa do Senhor”, quando, na verdade, estava querendo dizer
o seguinte: “Esta é a recordação da páscoa do Senhor”.
Pois bem, fincado na essência dessa celebração, Jesus certamente se valeu da mesma expressão
conhecidíssima dos israelitas. Depois de a páscoa ter sido abolida e substituída pela Santa Ceia, Jesus
serviu-se da mesma expressão de que tinha feito uso na celebração antiga. Era natural que, do mesmo
modo que tinha dito da páscoa “Esta é a páscoa do Senhor”, recordando-se do que fora feito na época
de Moisés, Jesus usasse também mui naturalmente as palavras “Isto é o meu corpo” ou “Isto é o meu
sangue”, para significar que aquele rito devia ser usado como recordação do seu corpo e do seu sangue
oferecidos na cruz, sendo ele o verdadeiro cordeiro de Deus (Jo 1.29) que nos libertou do cativeiro do
pecado. Os discípulos, por serem judeus versados nas Escrituras, estavam, por certo, familiarizados com
tais figuras de linguagem (Sl 27.1,2; Is 9.18,20; 49.26), não lhes sendo difícil entender o que Jesus
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queria lhes dizer. Pois, antes disso, haviam ouvido o seguinte de Jesus: “Eu sou a porta” (Jo 10.7), “Eu
sou o caminho” (Jo 14.6) e “Eu sou a luz do mundo” (Jo 8.12), e entenderam perfeitamente a linguagem.
Então, quando Jesus, ao distribuir os elementos da ceia (pão e vinho), disse: “isto é o meu corpo” e “isto
é o meu sangue”, ele estava falando de maneira figurativa. Tanto é que ordenou: “fazei isto em memória
de mim”. Assim, temos razão para crer que a ceia era uma comemoração ou lembrança de sua morte na
cruz, e devemos prosseguir fazendo isso (ou seja, celebrando a Santa Ceia) até que ele venha. Veja que
mesmo depois de ter sido consagrado por Jesus, o vinho continuou sendo vinho, o que serve para
corroborar o nosso ponto de vista: “Porque vos digo que já não beberei do fruto da vide [não disse meu
sangue], até que venha o reino de Deus” (Lc 22.18).
O apóstolo Paulo simplesmente considerava os elementos da Santa Ceia como pão e vinho, e não
o corpo do Senhor transubstanciado: “Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice, dizendo: Este
cálice é a Nova Aliança no meu sangue; fazei isto todas as vezes que beberdes, em memória de mim.
Pois todas as vezes que comerdes este pão e beberdes este cálice, anunciais a morte do Senhor, até que
ele venha. Portanto, qualquer que comer o pão ou beber o cálice do Senhor, indignamente, será culpado
do corpo e do sangue do Senhor. Examine-se o homem a si mesmo antes de comer deste pão e beber
deste cálice” (1Co 11.25-28). O pão representava o corpo do Senhor e o vinho, o sangue. Todas as vezes
que nos reunimos para celebrar a Santa Ceia fazemos isto sempre em memória do Senhor, pois Ele
mesmo disse: “fazei isto em memória de mim”. Não podemos sacrificar Cristo novamente (Hb 7.24,27)!

Os contra-sensos da transubstanciação

Por darem ouvido ao dogma da transubstanciação, os católicos, além de incorrerem num terrível
engodo, acabam por abraçar uma teoria fictícia. Vejamos:

 Se naquela ocasião em que Jesus disse “Isto é o meu corpo” realmente tivesse ocorrido a tão
propalada “transubstanciação”, então somos levados a acreditar que existiam naquele momento
dois corpos do Senhor. Levando esse dogma às últimas conseqüências, teremos isto: Jesus pegou
aquele pedaço de pão, já transformado em seu corpo (com divindade e alma, segundo crêem os
católicos) e deu-se a si mesmo para seus discípulos comerem. Depois de terem comido o corpo
do Mestre, os discípulos sentaram-se ao seu lado. E mais: Jesus também teria comido e engolido
a si próprio, pois certo é que ele também participou da ceia!
 Se tal pão consagrado tivesse sido comido acidentalmente por um roedor, dar-se-ia o caso de o
animal também ter engolido o Cristo com seu corpo, alma e divindade.
 Se a hóstia se estragar e apodrecer, seria o caso de o corpo de Cristo, que está nesse elemento,
apodrecer também. Então, como fica Atos 2.31, que diz que a carne de Cristo não se corrompe?
 Se o que dá vida é o espírito, por que Deus se faria carne por meio da hóstia para nos vivificar?
 Se Cristo nos ordenou que celebrássemos a cerimônia até que ele voltasse, conforme 1Coríntios
11.26, como pode estar presente na hóstia? Se ele virá, quer dizer que não está! Devemos
ressaltar que tal vinda é escatológica, quando Cristo virá em corpo, pois, espiritualmente, ele está
conosco todos os dias (Mt 18.20, 28.20) e esta promessa não tem nada a ver com a Santa Ceia.
 O papa Pio IX se vangloriava com o dogma da transubstanciação, dizendo: “Não somos simples
mortais, somos superiores a Maria. Ela deu à luz um Cristo só, mas nós podemos fazer quantos
cristos quisermos; nós, os padres, criamos o próprio Deus”.

Uma coisa tão extraordinária como essa. Um milagre tão estupendo: mudar um pedacinho de pão
no próprio Deus. Um milagre tão diferente de todos os que se têm notícia. Tudo isso deveria ter uma
prova muito mais clara e contundente do que meras formas de expressão. É, sem dúvida, algo que foge à
nossa compreensão, não por ser algo misterioso, mas por ser irracional e incoerente. Quando se prova o
pão, ele ainda é pão, tem cheiro de pão, o gosto ainda é de pão. E o mesmo se dá com o vinho!
25
Onde temos o corpo de Cristo nisso tudo? Esquivar-se, fazendo uma separação arbitrária de
milagres, visíveis para os incrédulos e invisíveis para os crentes (diga-se católicos), é ultrapassar o que
está escrito. Onde está tal divisão nas Escrituras? Em lugar nenhum!

Interpretação dos reformadores

Para a Reforma Protestante, são dois os sacramentos instituídos pelo próprio Cristo: o batismo,
que marca o início da vida cristã, e a Santa Ceia, que significa a manutenção dessa vida, a santificação.
Unidos sobre o sentido do batismo, apesar de ênfases diversas, os reformadores se dividiram
sobre o sentido da eucaristia. Lutero3 se opôs à missa como obra meritória e repetição eficaz do
sacrifício do Cristo. O oferecimento da graça se efetua sob duplo signo instituído por Cristo: não se pode
recusar a nenhum fiel o pão e o vinho oferecidos por Jesus, em oposição ao Concílio de Constança, de
1414, que proibiu o uso do cálice aos leigos. Contudo, Lutero opõe-se a uma presença meramente
simbólica de Cristo na ceia. Mantém a tese da “consubstanciação”, segundo a qual o pão e o vinho
permanecem presentes na ceia simultaneamente com o corpo e o sangue de Cristo.

Zwinglio - Zwinglio4 vê na ceia cristã o simples memorial que comemora o sacrifício único e
infinitamente suficiente de Cristo. Calvino5 queria mais do que uma presença somente simbólica à
maneira de Zwinglio, mas repudiou não só a posição católica como a luterana.

Calvino - Para Calvino, a “substância” não se refere a um substrato invisível na matéria do objeto, mas
significa a realidade profunda de um ser. O pão e o vinho não só representam a comunhão com o corpo e
o sangue de Cristo, mas também “apontam” a realidade desse significado. O que Calvino rejeitou foi a
idéia da “presença local”; ele acreditava no Espírito Santo e não num fenômeno especial, para relacionar
diretamente o comungante com o Cristo vivo.

Anglicanismo - O anglicanismo6 adotou o essencial das posições da Reforma. A confissão anglicana


conserva dois sacramentos (batismo e ceia), proíbe as procissões solenes do Santíssimo Sacramento e a
adoração das espécies consagradas. O corpo do Senhor é recebido mediante a fé (conceito calvinista).
De maneira geral os protestantes aceitam as noções de Calvino e Zwinglio.

Antes de finalizarmos este estudo é necessário fazer um adendo sobre a posição de Lutero.
Apesar de ter sido levantado por Deus, Lutero, no princípio, não pretendia separar-se da Igreja Católica,
mas reformá-la por dentro. Tendo esse pano de fundo histórico, podemos entender por que ele não
abdicou de certas noções católicas. Ele representava a primeira geração dos reformadores e, por isso,
muitas coisas ainda estavam enraizadas profundamente nele. Somente com o decorrer do tempo é que a
doutrina da reforma foi se purificando mais e mais. É bem parecido com o que aconteceu com o

3
Martinho Lutero (1483-1546). Principal líder da Reforma. Em oposição ao abuso da venda de
indulgências promovida pela Igreja Católica Romana, Lutero, em 31 de outubro de 1517, afixou suas 95
teses na porta da igreja do castelo de Wittenberg, causando repercussão mundial. Foi o estopim da
Reforma.
4
Huldreich Zwinglio (1484-1531). Expoente da Reforma que propagou seus ideais em Zurich, na Suíça.
5
João Calvino (1509-1564). Com suas obras foi, sem dúvida, o reformador responsável pela projeção
dos ideais protestantes na história política e religiosa mundial.
6
Surgiu no século XVI, na Inglaterra, com o rompimento do rei Henrique VIII com o papa Clemente VII.
26
cristianismo em relação ao judaísmo no começo de sua história. Esse problema já não aparece nas
gerações posteriores dos reformadores, que foram lapidando os lapsos teológicos do catolicismo dentro
do protestantismo.

Capítulo 6
Os objetivos da Igreja

A igreja é uma comunidade composta por vários segmentos da sociedade, por várias famílias, por
uma diversidade de pessoas, envolvendo uma vasta gama cultural, hábitos e costumes. Cada pessoa que
aceita a Cristo e começa a fazer parte desta comunidade, aos poucos mostra as variedades de hábitos,
próprios até do nosso vasto sistema geográfico. Contudo, a igreja deve promover a paz e harmonia, em
meio a tantas diferenças e explicitar aos seus membros que ela tem uma missão, um objetivo, um ideal.
Este objetivo é interno e externo. Para o bom funcionamento organizacional e espiritual da igreja é
relevante que ela observe, na prática, as regras e o ensino que irão nortear os cristãos que a freqüentam.
Como já falamos sobre a Ceia do Senhor e o Batismo, notemos que existem mais doutrinas que devem
ser praticadas entre os crentes, e estimuladas pela igreja. Vejamos:

A instrução bíblica
As Escrituras Sagradas são a primazia no ensino eclesial e na vida cristã de cada membro. Seus
efeitos na vida da pessoa que aceita o Evangelho e declara fé cristã em Jesus são perenes: “Sendo de
novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus, viva, e que
permanece para sempre” (1Pe 1.23). A explicação dada pelos estudiosos materialistas ao ser humano
que vivia em estado deplorável e agora vive uma “mágica” transformação, não passa de subterfúgios
para negar a veracidade e a realidade de que o Evangelho, através do ensino da Palavra de Deus, produz
na pessoa: “Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que
tudo se fez novo” (2Co 5.17). Esta mudança é incitada originalmente pela fé, através da Palavra de
Deus: “De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus” (Rm 10.17). A palavra de Deus é
luz: “Lâmpada para os meus pés é tua palavra, e luz para o meu caminho” (Sl 119.105). Ela penetra no
íntimo do ser humano: “Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que espada
alguma de dois gumes, e penetra até à divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para
discernir os pensamentos e intenções do coração”. Charles Hodge, importante teólogo, disse que “as
nações onde a Bíblia é desconhecida permanecem em trevas”. A palavra de Deus, o ensino bíblico, deve
ocupar relevante destaque nas igrejas, e a prática de seus ensinos, por parte dos membros, deve ser
vivenciada no dia-a-dia.

A harmonia fraternal
A comunhão entre as pessoas que professam a mesma fé cristã, e vivem no mesmo ambiente
comunitário, está claramente ordenada nas Escrituras Sagradas: “Oh! quão bom e quão suave é que os
irmãos vivam em união” (Sl 133.1). Não é cristão o comportamento e as atitudes dos que visam à
vingança, ao ódio, à traição, intriga, calúnia, mentira, etc, e ainda mais, no mesmo convívio e ambiente,
onde o objetivo deve ser espalhar a valia da boa convivência. Esta cooperação entre os crentes na igreja
deve ser mútuo: “Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo” (Gl 6.1). No início
da igreja cristã primitiva, os irmãos interagiam demonstrando que estavam preocupados uns com os
outros: “E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam juntos
com alegria e singeleza de coração, louvando a Deus, e caindo na graça de todo o povo. E todos os dias
acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar” (At 2.42).

Evangelismo
27
A queda do homem, no Jardim do Éden, não “pegou Deus de surpresa”, pois o Redentor já estava
preparado desde a fundação do mundo: “E adoraram-na todos os que habitam sobre a terra, esses cujos
nomes não estão escritos no livro da vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo” (Ap
13.8). Quando Deus escolheu a nação de Israel, tinha em mente que esta propagasse a salvação entre
todas as gentes. Vemos isso mediante Abraão (Gn 12.1-3), na responsabilidade que os hebreus tinham
de intermediar entre Deus e os homens (Ex 19.5,6), na exposição do nome de verdadeiro Deus face aos
falsos deuses (1Sm 17.45,46), e por todo o Antigo Testamento.
No período neotestamentário, temos em Jesus o exemplo do maior missionário que o mundo já
teve. Basta lermos os quatro evangelhos para presenciarmos suas curas, milagres, provisões, pregações,
tudo enfatizando o evangelismo, a salvação de almas. Antes de ser crucificado enviou os discípulos ao
trabalho de evangelização (Mt 10; Mc 6.7-13; Lc 9) e, após a sua ascensão, prosseguiu enfocando a
necessidade de anunciar o Evangelho (Mt 28.19,20; Mc 16.15,16). É responsabilidade da liderança
eclesiástica doutrinar os membros a respeito do evangelismo, e é da competência do povo de Deus levar
a efeito tão sublime tarefa.

Adoração
A igreja de Cristo tem a incumbência de adorá-lo em espírito e em verdade: “Deus é Espírito, e
importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade” (Jo 5.24). Deve ficar bem claro que
não podemos confundir o ritual litúrgico das igrejas com o ato de adorar ao Senhor. As formalidades no
culto judaico tornaram-se tão amparadas pelos sacerdotes, que acabaram excedendo à verdadeira
essência da adoração. Adorar a Deus é muito mais profundo que simplesmente cantar, pregar, dançar,
evangelizar, etc. Tudo isso é importante, mas se não houver integridade na adoração, isso de nada vale.

Conclusão

O conceito eclesial é muito superior às organizações que compõem as sociedades existentes no


mundo atual. É por isso fundamental saber todos os ensinos pertinentes a ela. Como podemos observar,
o estudo da eclesiologia (Doutrina da Igreja), é de vital importância para todo e qualquer membro de
igreja. No entanto, infelizmente, o privilégio desse saber está restrito a poucos, pois a grande maioria
não tem o privilégio de cursar um ensino teológico.
A igreja, como comunidade local, deve lutar e se esforçar para proporcionar o bem estar
espiritual e social de nossa sociedade e, como sal da terra e luz do mundo, deve ela influenciar os meios
em que vive e ser diferente do mundo secularizado. É exatamente isto o que reclama a definição do
termo igreja, “tirado para fora”, neste caso, do sistema anárquico secular para anunciar que Deus tem
“um povo especial, zeloso e de boas obras” (Tt 2.14).
Esta influência é possível, principalmente, porque Cristo é o principal fundamento em que a
igreja está alicerçada. Tendo Ele, como a “principal pedra da esquina”, somos as “pedras vivas” deste
grande edifício, que é a igreja. Contudo, apesar de sermos “a geração eleita, o sacerdócio real, a nação
santa, o povo adquirido”, isto não implica em que todos os que fazem parte da igreja visível
necessariamente componham a Igreja invisível de Cristo. Atentemos para este fato. Os salvos, dentro da
igreja, são a igreja que Deus vê.
Observamos também alguns pontos doutrinários e litúrgicos que são diferentes em cada igreja.
Em se tratando de doutrinas bíblicas fundamentais, a uniformidade deve ser acentuada, entretanto, em
práticas litúrgicas, cada denominação observa determinados procedimentos.
Acreditamos que este estudo servirá de proveito para a edificação de cada aluno. Esperamos que
cada estudante, representado como igreja, exerça o seu papel de legítimo herdeiro das bênçãos celestiais.
Ser uma igreja (dos salvos), dentro de outra igreja (comunidade local), é o nosso maior objetivo.

Questionário
28

1. Cite uma consideração importante sobre a exposição do teólogo Michael Dusing sobre a igreja?
2. Qual o conceito gramatical do termo igreja? Como os dicionários teológicos apresentam seus
significados?
3. Comente sobre como Deus vê a igreja.
4. Quais são os três fatos textuais que provam que Pedro não é o fundamento da igreja?
5. De quais textos bíblicos depreendemos que Jesus é o fundamento da igreja?
6. Explique por que, provavelmente, Pedro não esteve em Roma.
7. Comente sobre uma das três formas de governo da igreja.
8. A igreja tem autoridade para aplicar a disciplina corretiva? Justifique sua resposta.
9. Como se explica a diferença entre “sacramentos” e “ordenanças”? Quais são as duas ordenanças
bíblicas?
10. Defina a palavra “batismo”.
11. Qual a exposição usada pelos protestantes que apóiam o batismo infantil?
12. O que é transubstanciação? Como se interpreta a expressão “comer a carne” de João 6.53?
13. Como os reformadores interpretavam o sentido da Ceia do Senhor?
14. Quais são os objetivos da igreja sugeridos em nosso estudo? Comente especificamente sobre a
importância da “instrução bíblica”.
15. A igreja, como comunidade local, deve se esforçar com qual objetivo?

Referências bibliográficas

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