JacquelineSouzaSilva_DISSERT

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 114

INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA:

um espaço para ciência no Rio Grande do Norte (1960-1973)

Jacqueline Souza Silva


UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA - MESTRADO
ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: HISTÓRIA E ESPAÇOS
LINHA DE PESQUISA: NATUREZA, RELAÇÕES ECONÔMICO-SOCIAIS E
PRODUÇÃO DOS ESPAÇOS

INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA:
um espaço para ciência no Rio Grande do Norte (1960-1973)

Jacqueline Souza Silva

Natal/RN
2014
Jacqueline Souza Silva

INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA:
um espaço para ciência no Rio Grande do Norte (1960-1973)

Dissertação apresentada como requisito parcial


para obtenção do grau de Mestre no Curso de Pós-
graduação em História, Área de Concentração em
História e Espaços, Linha de Pesquisa: Natureza,
Relações Econômico-Sociais e Produção dos
Espaços, da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, sob orientação do Prof. Dr. Douglas
Araújo.

Natal/RN
2014
UFRN. Biblioteca Central Zila Mamede.

Silva, Jacqueline Souza.

Instituto de antropologia: um espaço para ciência no Rio Grande do Norte (1960-1973) /


Jacqueline Souza Silva. – Natal, RN, 2014.
113 f. : il.

Orientador: Prof. Dr. Douglas Araújo.

Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas,
Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em História.

1. Instituições científicas - Dissertação. 2. Espaços de Ciência - Dissertação. 3. Campo científico -


Dissertação. 4. Instituto de Antropologia – Dissertação. I. Araújo, Douglas. II. Universidade Federal do Rio
Grande do Norte. III. Título.

RN/UF/BCZM CDU 94
Jacqueline Souza Silva

INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA:
um espaço para ciência no Rio Grande do Norte (1960-1973)

Dissertação aprovada como requisito parcial


para obtenção do grau de Mestre no Curso de
Pós-Graduação em História da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, pela
comissão formada pelos professores:

___________________________________________________________________________
Dr. Douglas Araújo
Orientador

___________________________________________________________________________
Dr. Heloisa Maria Bertol Domingues
Avaliador Externo ao Programa

___________________________________________________________________________
Dr. Raimundo Pereira Alencar Arrais
Avaliador Interno

___________________________________________________________________________
Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha
Suplente

Natal/RN, 15 de setembro de 2014.


Essas palavras que escrevo me protegem da completa loucura.

Charles Bukowski
AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, o professor doutor Douglas Araújo, que colaborou e me incentivou a


desenvolver este trabalho.

Aos professores doutores Raimundo Arrais (UFRN) e Raimundo Nonato (UFRN), pelas
críticas e sugestões na banca de Qualificação.

Aos professores e colegas do Programa de Pós-graduação em História (PPGH) da UFRN


pelas leituras, motivação e paixão pelo estudo da História.

Aos colegas do Museu Câmara Cascudo, em especial à diretora Sônia Othon e à professora
Maria de Fátima Santos, pelo apoio e compreensão durante o período o qual estive ausente.

À Jorge Tavares, pela colaboração e paciência em abrir o Arquivo do Museu Câmara Cascudo
para consulta.

À Jailma Medeiros, pelas eternas discussões e brigas que muito ajudaram nesta pesquisa.

Aos funcionários do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), por
facilitarem a pesquisa.

À Roberta Smania, pela orientação, dicas, experiência compartilhada e amizade.

À Moab Felipe, o maior peste ruim da paróquia, pelas birras, chiliques, cervejas, sucos de
maracujá, chocolates, acarajés, picanhas e, sobretudo, pela preocupação, incentivo, carinho e
amizade.

Aos meus pais, Dona Neide e Seu Assis, por me perturbarem e me obrigarem para buscar os
meus sonhos.

À minha gata Chiquinha da Silva, pelos ronrons, miados e arranhões que me trazem paz e
acalmam a alma.

Por fim, gostaria de agradecer a todos que direta ou indiretamente estiveram presentes ao
longo dessa etapa.
RESUMO

O objetivo desta dissertação é analisar como o Instituto de Antropologia da Universidade


Federal do Rio Grande do Norte se formou como um espaço da ciência, durante o período de
1960 a 1973, considerando o espaço social no qual ele estava inserido, as questões políticas e
econômicas que estavam em pauta ao longo do período, assim como a atuação dos intelectuais
ligados a sua criação: Luís da Câmara Cascudo, José Nunes Cabral de Carvalho, Veríssimo
Pinheiro de Melo e Dom Nivaldo Monte. Levar em conta as trajetórias científicas dos seus
pesquisadores, assim como suas posições enquanto agentes sociais, no momento de criação do
Instituto de Antropologia, nos permite diferenciar suas práticas científicas e refletir sobre os
motivos que levaram esses agentes a definirem seus os objetos e constituírem um espaço
científico dedicado à suas práticas. Tentaremos compreender o Instituto de Antropologia
inserido em um universo no qual se encontravam indivíduos e outras instituições que
produziram, reproduziram e difundiram a ciência no Estado do Rio Grande do Norte,
contribuindo para construção de uma história local da ciência.

PALAVRAS-CHAVE: Instituições científicas. Espaços de ciência. Campo científico.


Instituto de Antropologia.
ABSTRACT

The aim of this dissertation is to analyze how the Institute of Anthropology from the Federal
University of Rio Grande do Norte was formed as a space of science, during the period 1960-
1973, considering the social space in which it was inserted, the political and economic issues
that were on the agenda over the period, as well as the role of intellectuals linked to its
creation: Luís da Câmara Cascudo, José Nunes Cabral de Carvalho, Veríssimo Pinheiro de
Melo and Dom Nivaldo Monte. Consider the trajectories of their scientific researchers, as well
as their positions as social agents at the time of creation of the Institute of Anthropology,
allows us to differentiate their scientific practices and think the reasons these agents define
their objects and constitute a scientific space dedicated to their practices. We try to understand
the Anthropology Institute (agent) as a universe on which were participating individuals and
institutions that produced, reproduced and spread the science in the state of Rio Grande do
Norte, contributing to the construction of a regional history of science.

KEYWORDS: Scientific institutions. Spaces of Science. Scientific Field. Institute of


Anthropology.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CE Ceará
CONSUNI Conselho Universitário
DGM Departamento de Geologia e Mineralogia
DNER Departamento Nacional de Estradas de Rodagem
DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
DNPM Departamento Nacional da Produção Mineral
EUA Estados Unidos da América
Fiocruz Fundação Oswaldo Cruz
IA Instituto de Antropologia
IHGRN Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
IFOCS Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas
MCC Museu Câmara Cascudo
MAE-USP Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo
PA Pará
PR Paraná
SCBEU Sociedade Cultural Brasil-Estados Unidos
SPHAN Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico e Cultural
SPLAN Sociedade de Pesquisas e Planejamento
RJ Rio de Janeiro
RN Rio Grande do Norte
SPLAN Sociedade de Pesquisas e Planejamento
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
URN Universidade do Rio Grande do Norte
USP Universidade de São Paulo
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Luís da Câmara Cascudo, s/d ................................................................ 54


Figura 2 Luís da Câmara Cascudo, no momento em que proferia o discurso de
instalação da Universidade do Rio Grande do Norte. Teatro Alberto Maranhão,
Natal, 21 de março de 1959 ......................................................................................... 58
Figura 3 Dom Nivaldo Monte, s/d ...................................................................... 60
Figura 4 Veríssimo de Melo, s/d ......................................................................... 63
Figura 5 José Nunes Cabral, s/d .......................................................................... 65
Figura 6 Antônio Campos e Silva, s/d ................................................................ 68
Figura 7 Protásio de Melo, s/d ............................................................................ 70
Figura 8 Fachada da primeira sede do IA, s/d ..................................................... 76
Figura 9 Coleta de peças osteológicas na Pedra dos Ossos, Serra do Ronco,
município de São Tomé (RN), s/d ................................................................................ 79
Figura 10 Planta baixa do piso inferior do prédio do Instituto de Antropologia
Câmara Cascudo, 1967 ................................................................................................. 93
Figura 11 Planta baixa do piso superior do prédio do Instituto de Antropologia
Câmara Cascudo, 1967 ................................................................................................. 94
Figura 12 Foto área do complexo do Instituto de Antropologia na década de 70
À frente, o prédio do Museu e ao fundo o Centro de Pesquisas, formado por
laboratórios e setor administrativo, década de 1970 .................................................... 94
LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Principais correspondentes nacionais do IA em 1962 ........................ 77

Tabela 2: Principais correspondentes internacionais do IA em 1962 ................. 78

Tabela 3: Viagens de campo do IA em 1962 ..................................................... 80


Tabela 4: Atividades do Curso de Introdução à Antropologia em 1963 e 1964
84
.............................................................................................................................
Tabela 5: Viagens de campo do IA em 1963 ..................................................... 85

Tabela 6: Quadro de pesquisadores do IA em 1964 ........................................... 87

Tabela 7: Viagens de campo do IA entre os anos de 1964 e 1966 ..................... 88


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 14

0.1 O estudo das instituições científicas no Brasil ........................................................... 15


0.2 Instituições Científicas – Espaços de Ciência, Campos e Capital Científico:
situando conceitos e debates ............................................................................................ 19

0.3 Procedimentos metodológicos e fontes ...................................................................... 26

CAPÍTULO 1
INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA NA UNIVERSIDADE DO RIO GRANDE
DO NORTE? E POR QUE NÃO? O contexto local e os condicionantes para a
criação do Instituto de Antropologia (IA) .................................................................... 30
1.1 Natal e o Rio Grande do Norte na Segunda Metade dos Anos Cinquenta - o futuro
que não chegava ............................................................................................................. 30
1.2 Pesquisa e Progresso - a solução para os problemas do Estado ................................. 33
1.3 Problemas do Nordeste – carência de inovação e estudos técnicos ........................... 39
1.4 O espaço do ensino superior, o progresso local e a produção científica .................... 41
1.5 A Universidade do Rio Grande do Norte – laboratório de projetos para o futuro do
Estado ............................................................................................................................... 45

CAPÍTULO 2
OS SÁBIOS DAS CIÊNCIAS: agentes de um campo científico em construção ...... 51
2.1 Luís da Câmara Cascudo – o mestre da casa .............................................................. 54
2.2 Nivaldo Monte – entre a ciência de Deus e a ciência dos homens ............................. 60
2.3 Veríssimo Pinheiro de Melo – o capitão-mor do folclore .......................................... 63
2.4 José Nunes Cabral – a anatomia de um cientista e um administrador ........................ 65
2.5 Antônio Campos e Silva – a milagre da cidade do Natal ........................................... 68
2.6 Protásio Pinheiro de Melo – o interprete potiguar ...................................................... 70
2.7 Espaço de relações – escolhas e posições dos agentes ............................................... 71
CAPÍTULO 3
UM ESPAÇO PARA VÁRIAS CIÊNCIAS: estratégias e desafios de uma
instituição científica do Rio Grande do Norte ............................................................. 74
3.1 Institui-se o espaço para a ciência .............................................................................. 74
3.2 As viagens de campo .................................................................................................. 79
3.3 Curso de Introdução à Antropologia – a necessidade de especialistas para a
pesquisa científica ............................................................................................................ 81
3.4 O Instituto e seus pequenos “museus expositores” .................................................... 90
3.5 A Revista Científica Arquivos do Instituto de Antropologia ...................................... 95
3.6 Desafios e pressões externas – o esgotamento do Instituto de Antropologia ............. 97

CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 103

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 106


14

INTRODUÇÃO

No final da década de 1950, o Rio Grande do Norte organizou duas instituições que
marcaram o cenário científico e cultural do Estado: a Universidade do Rio Grande do Norte
(URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em
1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974), o Instituto de Antropologia da
Universidade do Rio Grande do Norte (denominado, em seguida, Instituto de Antropologia
Câmara Cascudo) sediou e promoveu um modelo de pesquisa científica universitária que
tinha como particularidade a articulação entre a pesquisa básica com o ensino. O instituto
supracitado constituiu-se um espaço polivalente e multidisciplinar, dedicando-se à formação
de pesquisadores nas áreas da Antropologia cultural, Antropologia física e Paleontologia,
exercendo papel de grande relevância para a ciência do Rio Grande do Norte.
Embora tenha contribuído para o desenvolvimento da prática científica no Estado e
seja constantemente lembrado – e, por vezes, exaltado – como o primeiro centro de pesquisa
da Universidade, o Instituto de Antropologia nunca fora objeto de estudo, tendo como linha
norteadora a história da ciência e das instituições científicas nacionais.
Ao longo dos seus 14 anos de atuação, a importância do Instituto como espaço de
ciência no estado do Rio Grande do Norte é pouco conhecida. Por que um Instituto de
Antropologia? O que levou esses estudiosos a se agruparem e instituírem um espaço dedicado
à ciência no Rio Grande do Norte? Por que direcionaram, incialmente, suas pesquisas na área
da Antropologia e, como a partir desta, desenvolveram os estudos das ciências naturais?
Existiu alguma demanda local atrelada às questões políticas, econômicas ou os interesses
particulares se sobressaíram?
Existem muitas perguntas e grandes lacunas referentes aos aspectos históricos que
levaram à formação bem como à descontinuação do Instituto de Antropologia, além do papel
dos seus idealizadores na constituição desse espaço científico na cidade do Natal.
Diante disso, a principal meta desta dissertação é analisar como o Instituto de
Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte se formou como um espaço da
ciência, durante o período de 1960 a 1973, considerando o espaço social no qual ele estava
inserido, as áreas científicas que sediou, assim como a atuação dos intelectuais ligados à sua
15

criação: Luís da Câmara Cascudo, José Nunes Cabral de Carvalho, Veríssimo Pinheiro de
Melo e Dom Nivaldo Monte.

0.1 O estudo das instituições científicas no Brasil

O estudo da formação das instituições de pesquisa e de sua relação com as práticas


científicas se encontra, até certo modo, consolidado dentro da historiografia das ciências.
Ainda que sólido, o interesse específico pela história das instituições no Brasil é considerado
recente e se mostra, por vezes, secundário, segundo a historiadora brasileira Maria Amélia
Dantes, uma das personagens principais na formação da disciplina História da Ciência no
Brasil e que, junto com Shozo Motoyama, criou, no início dos anos de 1980, uma pós-
graduação em História da Ciência na Universidade de São Paulo (USP), profundamente
influenciada pela abordagem dos estudos sociais da ciência1.
A história das instituições nacionais é considerada secundária porque, apesar da
historiografia registrar a existência de instituições, o reconhecimento do papel desses espaços
na implantação e desenvolvimento das ciências só se deu a partir de uma mudança de
perspectiva metodológica. Essa mudança teve início, principalmente, a partir da década de
1970, tendo com marco a obra Gênese e Evolução da Ciência Brasileira, de 1975, da
historiadora inglesa Nancy Stepan, que trata de um estudo acerca da função e da importância
das instituições científicas no desenvolvimento científico no país, utilizando como marco
comparativo o Instituto Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro. Um estudo semelhante foi realizado
pelo sociólogo e cientista político José Murilo de Carvalho, na obra A Escola de Minas de
Outro Preto: o peso da glória, de 1978, que descreve a formação e a importância desse
espaço no processo de implantação da ciência no Brasil. Outra obra que chama a atenção para
a necessidade de valorizar o papel das instituições é A Formação da Comunidade Científica
no Brasil, de 1979, do sociólogo brasileiro Simon Schwartzman, que traça a história do
desenvolvimento científico e tecnológico do nosso país, com uma ênfase especial nas
instituições científicas que a protagonizaram.
Contudo, outros fatores influenciaram o quadro dos estudos das instituições científicas
brasileiras. Um deles encontra-se na posição de alguns historiadores em atestar que, antes da
criação das primeiras universidades brasileiras, na década de 1930, os únicos institutos
brasileiros relevantes dedicados à pesquisa científica seriam os institutos de ciências

1
DANTES, Maria Amélia. (Org). Espaços da Ciência no Brasil: 1800-1930. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz,
2001, p. 4.
16

biomédicas. Instituições como o Museu Nacional (1818), o Instituto Agronômico de


Campinas (1887), o Instituto Bacteriológico e o Museu Paulista (1893), o Instituto Butantã e o
Instituto Oswaldo Cruz (1899), eram considerados os principais espaços responsáveis pela
ciência produzida no Brasil até a década de 30. Como aponta o historiador Juan José Saldaña,
autor de mais de 80 obras acerca do desenvolvimento da história das ciências no México e na
América Latina: “a historiografia tradicional ignorou de maneira marcante a atividade
científica que teve lugar na região, a ponto de chegar-se a afirmar que aí não houvera
ciência”2.
Outro fator preocupante está no fato de esses estudos se concentrarem, sobretudo, nas
instituições localizadas no sul do país. Embora haja o reconhecimento da atuação de cientistas
em várias localidades brasileiras, os estudos ainda permanecem centralizados na ciência
produzida nos estados do Rio de Janeiro, capital federal até 1960 e local onde a Corte Real se
instalou, e São Paulo, sede de importantes instituições de pesquisa e casa de um número
significativo de pesquisadores. Exceção encontrada na historiografia à concentração no
sudeste seria o Museu Paraense Emílio Goeldi e as escolas médico-cirúrgicas da Bahia.
Ainda que a ciência seja baseada em constantes universais, a mudança na metodologia
levou a historiografia a perceber como a sua prática, seus cientistas e institutos são
influenciados por dinâmicas específicas locais, delimitadas por um conjunto de características
culturais, políticas e econômicas, principalmente em um país de grande extensão como o
Brasil. Essas implicações são enfatizadas pelo historiador espanhol Antonio Lafuente ao
apontar que a análise da prática científica deve direcionar o historiador não só para as
características intrínsecas da ciência (método, racionalidade, lógica), mas, também, para os
cientistas, sujeitos de um determinado espaço-tempo social, e para espaços institucionais que
sediam as práticas. Para Lafuente, a palavra atividade científica expressa “[...] que as ideias
existem sempre ligadas a homens e instituições; seu estudo nos coloca frente ao problema do
tempo e do espaço histórico”3.
A busca por questões locais tem contribuído, principalmente, para que nos últimos
anos aparecessem estudos sobre instituições de outras regiões do Brasil, que não do sudeste
do país, impulsionados, em especial, pelo Programa de Ps-graduação em Ensino, Filosofia e
História da Ciênciada Universidade Federal da Bahia, como por exemplo, as pesquisas de

2
SALDAÑA, J.J. Marcos conceptuales de la historia de las ciencias em Latinoamérica: Positivismo y
Economicsmo. In: SALDAÑA, J.J. (Ed.). El perfil de la ciência em América. México: Soc. Latinoam. Hist.
Ciencia y la Tecnol., 1986. (Cueadernos de Quipu, 1), p. 61-62.
3
LAFUENTE, A. La ciência periférica y su especialidad historiográfica. In: SALDAÑA, J.J.; LAFUENTE, A.
(Eds.). El perfil de la ciencia em América. México: Ed. Cuadernos Quipu, 1986, p. 33-34.
17

Araújo (2006) acerca da Escola Agrícola de São Bento das Lages, na Bahia, e Lima (2009),
que trata da Escola Politécnica da Paraíba.
No caso do Rio Grande do Norte, o estudo de suas instituições científicas ainda é
insuficiente, mesmo em relação aos outros estados da região Nordeste. Trabalhos já foram
publicados, notadamente, acerca da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e de suas
Faculdades e Escolas4. Encontramos algumas obras que trazem a história dessas instituições,
de forma cronológica, focalizando as figuras de seus diretores e reitores, por exemplo. Porém,
nenhuma das publicações encontradas explora essas instituições como espaços de produção
científica.
O Instituto de Antropologia, objeto desta pesquisa, já foi foco de atenção de outros
trabalhos acadêmicos5, contudo, identificamos nesses trabalhos uma tendência de analisá-lo
como espaço de cultura e memória, utilizando conceitos da área da museologia e patrimônio.
Acreditamos que isso aconteça porque o Instituto teve em sua estrutura um museu e desse
museu surgiu o Museu Câmara Cascudo (MCC/UFRN), atuante até os dias de hoje. A
ausência de abordagem na história da ciência desses estudos, ao não enquadrarem o Instituto
de Antropologia como um espaço que sediou práticas científicas, motivou ainda mais este
trabalho de pesquisa.

4
Ver: JUNIOR, C.N. (Org.). Portal da Memória: Universidade Federal do Rio Grande do Norte: 45 anos de
federalização (1960-2005). Brasília, DF: Senado Federal, 2005; AGUIAR, M.C.R.D. História do ensino
farmacêutico no Rio Grande do Norte (1920-1992). Natal: UFRN/Editora Universitária, 1992; GOUVEIA, E.C.
et. al. Memória da Escola do Serviço Social de Natal, 1945-1955. Natal: UFRN/Editora Universitária, 1993;
LIMA, D.G; MELO, J.C.M. 12 Anos de Universidade (1959-1971): implantação e desenvolvimento. Natal:
UFRN/Editora Universitária, 1971; MEDEIROS, T. Escola de Farmácia e Odontologia de Natal – A Pioneira de
1920. In: Tempo Universitário: Revista de Cultura da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, v.6,
n.1, p-155-160, 1980; MELO, V. Síntese Cronológica da UFRN (1958-1988). Natal: UFRN/Editora
Universitária, 1991.
5
Encontramos cinco monografias de graduação, uma de pós-graduação e duas dissertações de mestrado que, ao
adotarem o Museu Câmara Cascudo como objeto de estudo, evidenciam a história do Instituto de Antropologia.
São elas: VALE, Nelson Aderaldo Olsen Maia do. Turismo Cultural e Museu: estudo de caso no Museu Câmara
Cascudo em Natal. Natal, 2006. Monografia (Curso de Turismo) – UERN; PINHEIRO, Marisa de Castro. Museu
Câmara Cascudo: consagração de um Intelectual Potiguar. Natal, 2007. Monografia (Curso de Ciências Sociais)
– UFRN; VALE, Nelson Aderaldo Olsen Maia do. A Construção do Patrimônio Potiguar e o Museu: estudo de
caso do Museu Câmara Cascudo. Natal, 2007. Monografia (Curso de História) – UFRN; SILVA, Abrahão
Sanderson Nunes F. Musealização da Arqueologia: diagnóstico do Patrimônio Arqueológico em Museus
Potiguares. São Paulo, 2008. Dissertação (Programa de Pós- graduação em Arqueologia) – USP; SILVA, Aline
Gurgel. Instituto de Antropologia: história e memória de um itinerário científico-cultural na URN. Trabalho de
Conclusão de Curso (Graduação em História - Licenciatura e Bacharelado) - Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Natal, 2008. PESSOA, Nara da Cunha. Museu vivo: uma análise do Museu Câmara Cascudo.
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, Natal, 2009. SANTOS, J.S.M. A
Construção do Museu Câmara Cascudo. Monografia (Pós-graduação em História do Rio Grande do Norte) –
Universidade Potiguar. Pró-reitora de Pesquisa e Pós-graduação. Natal, 2010.
18

Dos estudos sobre o Instituto, escolhemos por destacar dois: a monografia de Aline
Gurgel da Silva6 e a monografia de Jailma da Silva Medeiros7. Em 2007, Aline Gurgel da
Silva desenvolveu sua monografia Instituto de Antropologia: história e memória de um
itinerário científico-cultural na URN, tendo como objetivo narrar a origem do Instituto e sua
atuação no campo da antropologia durante os seus primeiros cinco anos (1960-1965). Gurgel
explica que a escolha do recorte temporal se deve a uma maior concentração de documentos
do Instituto de Antropologia encontrados no Arquivo do Museu Câmara Cascudo: ofícios,
fotografias, relatórios, boletins universitários, a revista Arquivos do Instituto de Antropologia,
fichas catalográficas do acervo do Museu. Em seu texto, Gurgel utiliza um referencial teórico
da área da museologia para analisar a atuação do Instituto, adotando conceitos de autores
como Maria Margaret Lopes e Lilia Moritz Schwarcz. 8 No entanto, o trabalho monográfico
traz muitas afirmações que consideramos arbitrárias, justamente por caracterizar as ações do
Instituto a partir de um modelo museológico, quando nem mesmo os museus daquele período
seguiam tais padrões. No entanto, o seu trabalho é o único que reflete, mesmo de forma pouco
profunda e enquadrando o Instituto como museu, a antropologia enquanto “ciência do
homem” e como ela esteve presente naquele espaço.
O segundo trabalho, a monografia de pós-graduação A construção do Museu Câmara
Cascudo, de Jailma da Silva Medeiros Santos, tem como meta principal estudar a história do
Museu Câmara Cascudo e a formação de suas coleções. Como o Museu possui a sua gênese
no Instituto de Antropologia, Medeiros narra a criação do IA de forma mais detalhada que
Gurgel, no entanto, o seu trabalho é basicamente descritivo. Na sua busca por documentos que
evidenciassem a formação das coleções do Museu9, maioria constituída pelas atividades de
pesquisa em campo, Medeiros conseguiu listar boa parte das pesquisas realizadas pelo
Instituto de Antropologia, que foram bastante úteis do desenvolvimento do nosso trabalho.
Na busca de outros trabalhos que representassem a pesquisa sobre a história da ciência
e de instituições no Rio Grande do Norte, encontramos a obra Cientistas e Pesquisadores
Norte-rio-grandenses, publicada no ano de 1983, de autoria do jornalista Luiz Gonzaga

6
VER: SILVA, Aline Gurgel. Instituto de Antropologia: história e memória de um itinerário científico-cultural
na URN. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História - Licenciatura e Bacharelado) - Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008. O trabalho foi orientado por Wani Fernandes Pereira, professora
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
7
VER: SANTOS, J.S.M. A Construção do Museu Câmara Cascudo. Monografia (Pós-graduação em História do
Rio Grande do Norte) – Universidade Potiguar. Pró-reitora de Pesquisa e Pós-graduação. Natal, 2010.
8
VER: LOPES, Maria Margaret. O Brasil descobre a pesquisa cientifica: os museus e as ciências naturais no
século XIX. São Paulo, Hucitec, 1997; SCHWARCZ, Lilia Moritz. O nascimento dos museus brasileiros, 1870-
1910. In: MICELI, Sérgio. (Org.). Historia das Ciências Sociais no Brasil. São Paulo, Vertice, Editora dos
Tribunais: IDESP, 1989, p. 20-71.
9
O Museu Câmara Cascudo/UFRN foi criado para manter as coleções formadas pelo Instituto de Antropologia.
19

Cortez Gomes de Melo. O livro tem a intenção de registar a vida e a obra de, como diz o
próprio autor, “ilustres potiguares que atuaram em diversos ramos da ciência”. A coleta de
dados teve início no ano de 1966, mas a obra foi publicada apenas em 1983. Na apresentação
do livro, o autor se queixa de não ter encontrado apoio para publicação: “as primeiras
tentativas foram infrutíferas. Muita gente gozou com minha cara. Na verdade, pouca gente
acreditava que eu estivesse interessado em escrever um livro sobre os cientistas e
pesquisadores científicos nascidos no Rio Grande do Norte10.
Além de se debruçar sobre as obras e práticas científicas de personagens da ciência
potiguar, Luiz Gonzaga Cortez Gomes de Melo, menciona em seu livro algumas instituições
científicas do Rio Grande do Norte, nas quais os pesquisadores exerciam suas atividades.
Entre as instituições, estão o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (1902),
Associação Norte-rio-grandense de Astronomia (1956), Universidade do Rio Grande do Norte
(1958, federalizada em 1960, passando a Universidade Federal do Rio Grande do Norte –
UFRN), e o próprio Instituto de Antropologia (1960).
Conhecer a formação e a trajetória dos institutos de pesquisa é o ponto de partida,
como ressalta Dantes, não só para compreender o papel que estes desempenharam na
implantação de áreas científicas, mas também para uma reflexão mais geral sobre os fatores
presentes na implantação das ciências na sociedade brasileira11.

0.2 Instituições Científicas – Espaços de Ciência, Campos e Capital Científico:


situando conceitos e debates

Desde a fundação das primeiras sociedades científicas, durante o século XVII, na


Europa, a ciência moderna esteve atrelada a diferentes formas organizacionais que, em um
processo continuo, foram se diversificando com o surgimento dos primeiros laboratórios e
institutos de pesquisa durante os séculos XIX e XX. Embora se possa encontrar no passado
inciativas precedentes, como por exemplo, a Academia dei Lincei, em Roma (1600), a
Académie Royale des Sciences, Paris (1666), ou Observatório de Paris (1625), esses espaços
não são considerados institutos de pesquisa no sentido moderno do termo.
Essas organizações, segundo o historiador da ciência italiano Paolo Rossi, se
caracterizavam como lugares onde informações eram trocadas, hipóteses discutidas e

10
MELO, Luiz Gonzaga Cortez Gomes de. Cientistas e Pesquisadores Norte-rio-grandenses. UFRN, Editora
Universitária, Diário de Natal, IEL, 1983. p. 19.
11
DANTES, Espaços da Ciência no Brasil. loc. cit.
20

analisadas e experiências realizadas em conjunto, sobretudo onde avaliações e juízos sobre


experimentos eram emitidas e relatos apresentados por sócios e por indivíduos externos ao
grupo. Apesar de não objetivarem a difusão do saber, carregavam uma característica
importante presente na definição do instituto de pesquisa: a renúncia ao trabalho solitário
que caracteriza o fato de homens cultos se constituírem em grupo.
Para entendermos a concepção do projeto de um instituto de pesquisa, conforme
Rossi, devemos visualizar esse espaço como uma instituição que tenha como finalidade o seu
progresso mediante o trabalho de um grupo ou de uma equipe sob a orientação de um diretor
ou administrador científico12.
Assim como, quando buscamos entender os institutos de pesquisa e sua história, o
termo institucionalização é correntemente empregado para se referir ao estudo do surgimento
e desenvolvimento da atividade científica considerando suas organizações institucionais. De
tal modo que as formas organizacionais são consideradas como a forma social da atividade
científica13. Sendo assim, quando o historiador analisa o estudo da atividade científica por
meio da história das instituições, a ciência é observada em sua localização social
institucionalizada, representada por institutos de pesquisa, universidades, laboratórios,
observatórios, academias, sociedades, associações científicas, museus, órgãos financiadores,
entre outros.
Em um sentido mais amplo, as palavras institucionalização e instituição podem
possuir significados conexos que achamos necessários serem definidos. Segundo Ben-David,
institucionalização denota a aceitação por uma sociedade de determinada atividade como uma
importante função, assim como também a existência de normas que regulam a conduta em
determinado campo de atividade14, enquanto que a palavra instituição, de acordo com a
historiadora Silvia Figueirôa, possui um sentido sociológico que se refere a formas
continuadas de comportamento.
Dessa forma, institucionalização se refere ao processo de implantação e
desenvolvimento de atividades científicas num determinado espaço-tempo histórico. A
atividade científica como instituição social apoia-se então, citando Figueirôa, “num conjunto
articulado de valores particulares que normatizam e regulam o comportamento específico de
seus praticantes”.

12
ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa. Bauru, SP: EDUSC, 2001. p. 371-372.
13
FIGUEIRÔA, S. F. de M. As Ciências Geológicas no Brasil: Uma História Social e Institucional, 1875-1934.
São Paulo, Editora Hucitec, 1997. p. 24.
14
BEN-DAVID, J. O Papel do Cientista na Sociedade. São Paulo: Pioneira, 1974. p. 109-110.
21

Portanto, para fins deste trabalho, iremos chamar de instituição científica ou


instituição de pesquisa a atividade científica institucionalizada, entendida aqui como um
espaço conquistado por indivíduos e onde estes passam a sediar suas práticas por meio de um
trabalho coletivo. Com suas regras próprias, os institutos de pesquisa serão apreendidos como
micro sociedades que operam dentro de uma sociedade mais ampla e articulada15.
O conceito de comunidade científica, em seu sentido lato, será entendido como um
“grupo de indivíduos que compartilham valores e atitudes científicas, e que se inter-
relacionam por meio das instituições científicas a que pertencem”. Para o historiador e
sociólogo brasileiro Simon Schwartzman, a comunidade científica também funciona como um
sistema autoridade fundamental para a caracterização da ciência como sistema social, porque
abriga os critérios de probidade, plausibilidade e aceitabilidade dos resultados científicos16.
As palavras espaço, espaço de ciência e espaço científico serão utilizadas, conforme a
historiografia nacional, para definir o lugar onde é exercida a atividade científica17.
Ressaltamos que o estudo desse espaço institucional vai além da análise do seu prédio, sua
arquitetura, a disposição de seus laboratórios e objetos, e se volta, sobretudo, para algumas
dimensões sociais da prática científica.
A análise extremamente descritiva do espaço físico da instituição, sem a observação
de suas especificidades para além do espaço de concreto, é marca de uma história institucional
que se mostrou predominante até os anos 70, quando transformações conceituais apontaram
para um redimensionamento desta história. As novas perspectivas, conduzidas por debates
liderados por sociólogos, historiadores e filósofos, objetivaram ultrapassar os limites internos
da história institucional da ciência e buscaram, sobretudo, a análise da influência de fatores
externos à atividade científica18.
Entretanto, essa nova abordagem aplicada ao estudo das instituições não era tão nova
na historiografia da ciência. A análise de fatores externos remete à década de 1930, quando
intensos debates levaram o soviético Boris Hessen a apresentar o trabalho As Raízes Sócio-
Economicas da Mecânica de Newton, no qual apontava como um fator determinante ao
desenvolvimento científico fatores externos à ciência, como o contexto socioeconômico,
inaugurando, assim, uma linha de estudos denominada externalista19.

15
ROSSI, op. cit., loc. cit.
16
SCHWARTZMAN, Simon. Um espaço para ciência: a formação da comunidade científica no Brasil. Brasília:
MCT, 2001. 276 p. 23
17
AZEVEDO, 1955; STEPAN, 1976; SCHWARTZMAN, 1979; FERRI, M.; MOTOYAMA, S. 1979/1981;
DANTES, 2001.
18
DANTES, Espaços da Ciência no Brasil. p. 14.
19
FIGUEIROA, op. cit., p.18-19.
22

Se, em um primeiro momento, os estudos históricos sobre a ciência tinham como foco
principal as histórias das disciplinas e as biográficas científicas, repletas de narrativas heroicas
com o intuito de registrar e, principalmente, legitimar nomes e/ou áreas do conhecimento, e
onde as instituições figuravam apenas como pano de fundo da ciência, essa nova perspectiva
possibilitou à história institucional a exploração de questões mais complexas, abordando
temas como os esforços individuais, as relações pessoais entre cientistas, os interesses
políticos, as demandas econômicas e sociais.
A ruptura com a velha história institucional foi indicada principalmente pelo
historiador norte-americano Roger Hahn, em sua obra sobre a Academia de Ciências de Paris.
Na obra, considerada pioneira, Hahn chama a atenção para o estudo das instituições
científicas como espaços em que interesses sociais e científicos se encontram e no qual são
moldados os valores, por algumas vezes conflitantes, da ciência e da sociedade, mostrando a
influência de fatores externos nesses espaços20.
Essa nova história institucional trouxe como foco, sobretudo, as dimensões sociais das
práticas científicas, procurando mostrar a estreita relação de dependência entre sociedade e
ciência, além de defender que a prática científica seja determinada pelas estruturas sociais e
econômicas existentes numa determinada sociedade21. A ciência não mais caminhava por
pernas próprias, não mais era considerada um campo autônomo, sendo condicionada apenas
pelos métodos científicos, ela passava a ser vista como um campo dependente de arranjos
sociais, sendo concebida como

uma atividade exercida por seres humanos agindo e interagindo; portanto


uma atividade social. Seu conhecimento, suas afirmações, suas técnicas
foram criados por seres humanos e desenvolvidos, implementados e
compartilhados por grupos de seres humanos. Conhecimento científico é,
fundamentalmente, portanto, conhecimento social. Como atividade social, a
ciência é claramente um produto da História e dos processos que ocorreram
no tempo e no espaço, envolvendo seres humanos. Esses atores tiveram
vidas não somente na ciência, mas nas sociedades mais amplas das quais eles
eram membros22.

A crítica à história interna se direcionou principalmente ao seu enfoque no método


científico para o entendimento de ciência como conhecimento autônomo, onde se fazia

20
DANTES, Espaços da Ciência no Brasil. loc. cit.
21
VIDEIRA, A. A. P. Historiografia e história da ciência. Escritos: revista da Casa de Rui Barbosa, v. 1. 2007,
p. 125.
22
MENDELSOHN, E. The Social Construction of Scientific Knowledge. In: MENDELSOHN, E; WEINGART,
P. & WHITLEY, R. (Eds.). The Social Production of Scientific Knowledge. Dordrecht: D. Reidel Publ. Co.,
1977, p. 3-4.
23

desnecessário qualquer explicação sócio histórica. No entanto, convêm ressaltar que a


abordagem externalista, predominante ainda hoje nos estudos históricos desse tema, também é
passível de críticas quando defende a ideia de que a ciência deva ser explicada apenas pelas
forças sociais. Conforme Roberto de Andrade Martins, físico e historiador da ciência, a
abordagem social é excessivamente estreita quando nega os aspectos internos da prática
científica, visto que “nem todos os cientistas dedicam todo o seu tempo apenas a estratégias
de negociação e convencimento, e muitos possuem um desejo sincero de fazer ciência”. Para
Martins, o estudo das forças sociais é válido quando há, também, uma abordagem conceitual,
metodológica e filosófica da ciência, uma vez que esses estudos proporcionam uma
compreensão maior da dinâmica científica23.
A ideia de complementaridade das duas visões, internalista e externalista, ao supor
que a ciência seja composta por dois aspectos: um fator interno (as teorias acabadas, os
métodos, a neutralidade) e um fator externo (a sociedade, as instituições, os valores), é
adequada quando ressalta a existência da dependência entre os dois fatores, evitando assim
bipolarização de abordagem, caracterizada pela dualidade indivíduo/sociedade, micro/macro,
sociedade/comunidade, sujeito/estrutura. Esse enfoque vai de encontro com a explicação de
Figueiroa, de que devemos evitar a divisão entre

a estrutura social da atividade científica, de um lado, e a estrutura conceitual


e logica do conhecimento científico, de outro. Em outras palavras, trata-se de
fazer uma ecologia da ciência, isto é, estudar e conceber a ciência em suas
relações com o meio ambiente no qual nasce, cresce, se desenvolve e morre,
pois as proposições científicas não são estáveis em significação, mas são
reinterpretadas à medida que se movem de um contexto social para outro24.

A proposta de história da ciência como uma ecologia da ciência nos remete a


orientação da história tout court, presente na obra Le phénomène Nouvelle Histoire (1989), do
francês Hervé Coutau-Bégarie, considerada um excelente exemplo de como realizar uma
história das ciências. Coutau nos leva para uma história da atividade histórica por meio dos
seus agentes internos, suas conexões sociológicas em disputas, enfim, um modelo de como
historiar uma atividade cognitiva, tratando simultaneamente da ciência, como conhecimento,
dos agentes sociais e de suas emanações cognitivas, expondo jogos de poder no interior
daquele grupo ou espaço25.

23
MARTINS, R. de A. Que tipo de história da ciência esperamos ter nas próximas décadas? Episteme, n. 10,
2000, p. 6-12.
24
FIGUEIROA, op. cit., p.20-21.
25
MAIA, Carlos Alvarez. História das ciências: uma história de historiadores ausentes: precondições para o
aparecimento dos sciences studies. Rio de Janeiro: Ed UERJ, 2013, p. 56.
24

Sendo assim, as considerações sociais não mais ficam confinadas apenas às análises de
influências externas, visto que, como explica a antropóloga social Hebe Vessuri, “o fato de
que muitos processos sejam internos à ciência não os torna menos sociais”26.
Nesse sentido, privilegiando a quebra da barreira internalismo/externalismo,
direcionamos a orientação teórica desta pesquisa a partir do trabalho de Pierre Bourdieu,
sociólogo francês que nos auxiliará a pensar para além das questões exclusivamente internas
ou externas da ciência, ao introduzir os conceitos de campo científico e de capital científico.
Segundo Bourdieu, para compreendermos a ciência não basta referir-se ao seu conteúdo
textual, muito menos ao seu contexto social, contentando-se em estabelecer uma conexão
direta entre ambos. Sua hipótese consiste em supor que, entre esses dois polos, existe um
universo intermediário o qual ele chama de campo científico. É nesse campo científico onde
estão inseridos os agentes, indivíduos e instituições, que produzem, reproduzem e difundem
ciência. O campo científico é um mundo social como os outros, mas que obedece a leis
sociais mais ou menos específicas. A noção de campo científico de Bourdieu serve para
designar um espaço, percebido como um microcosmo, com características relativamente
autônomas e dotado de leis próprias27.
Uma das questões que Bourdieu levanta acerca do campo científico é o seu grau de
autonomia em relação às leis sociais impostas pelo mundo externo. Devemos entender o
campo científico como um mundo social que sofre pressões e demandas externas, mas que
possui certo grau de autonomia para retraduzir essas pressões. O grau de autonomia de um
campo terá como indicador principal o seu poder de refração das pressões. Quanto mais um
campo científico é autônomo, mais ele escapa às leis sociais externas. O que nos leva a
questionar qual a força de um fenômeno externo, por exemplo, uma doença ou uma catástrofe,
em um campo da ciência?
No cenário brasileiro, a historiografia nos mostra que pressões e demandas externas
geradas a partir da expansão das atividades econômicas e a crescente urbanização,
impulsionadas pelo desenvolvimento da lavoura cafeeira, verificadas no final do século XIX e
início do século XX, levaram a criação de importantes institutos de pesquisa, sediados em São
Paulo e Rio de Janeiro. Com o objetivo de realizar estudos práticos e científicos sobre o café e
outras culturas que mostrassem viabilidade econômica, foi criado o Instituto Agronômico de
Campinas, em 1887. Para estudar e combater a broca do café que dizimava os cafezais

26
VESSURI, H.M.C. Qué investigar em América Latina? Acta Científica Venezolana, 35:1-5, 1984, p. 1.
27
BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo:
Editora UNESP, 2004. p. 18-25.
25

paulistas foi criado o Instituto Biológico de Defesa Agrícola e Animal, em 1927. A área
biomédica passou por um forte desenvolvimento científico no final do ano de 1899, resultado
de um surto de doenças epidêmicas, como a peste bubônica e a malária, que culminou com a
criação de uma das principais instituições científicas do país, o Instituto Soroterápico de
Manguinhos, atual Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, em um momento em que a
saúde pública passou a ser uma das prioridades nas políticas públicas do governo28.
Os exemplos citados acima mostram como o campo científico, influenciado por
demandas externas à atividade científica, não mais se sustentava unicamente por esforços
individuais, o que levou à criação de espaços próprios para a prática científica. Concebidos
para atender necessidades econômicas e sociais urgentes, muitos institutos de pesquisa
passaram a depender do esforço conjunto de muitos cientistas, o que significou uma mudança
na forma de se fazer ciência29.
Além disso, conforme Bourdieu, todo campo científico se apresenta como um espaço
que comporta relações de força entre os seus agentes. Conforme o autor, o espaço ou campo
científico só existe devido às relações entre os agentes que aí se encontram, onde as relações
e as posições que eles ocupam dentro dessa estrutura de relações são responsáveis por
determinar ou orientar o que os mesmos podem e não podem fazer, como os temas e os
objetos escolhidos, os lugares e formas de publicação, as intervenções científicas etc.
Por fim, essa estrutura é determinada pela distribuição de capital científico dos
agentes em um dado momento, isto é, a capacidade dos agentes em submeter um campo às
suas forças. O capital científico é uma espécie particular de capital simbólico que consiste no
conhecimento e reconhecimento do agente (individuo ou instituição) pelos pares-concorrentes
no interior do campo científico30.
Nesse sentido, qualquer que seja o campo, ele é objeto de luta dos agentes sociais
cujas posições dependem do seu capital. “[...] as oportunidades que um agente singular tem de
submeter as forças do campo aos seus desejos são proporcionais à sua força sobre o campo, isto é, ao
seu capital de crédito científico ou, mais precisamente, à sua posição na estrutura da distribuição do
capital”.
O historiador e sociólogo brasileiro Simon Schwartzman, também nos auxilia a
compreender que, por trás da lógica e da racionalidade da ciência, há um mundo humano onde

28
Para maiores informações, ver: STEPAN, N. Gênese e Evolução da Ciência Brasileira. Rio de Janeiro:
Artenova, 1976.
29
LUNARDI, M. E. Organização da Ciência no Paraná: a contribuição do IBPT. Curitiba: Tecpar; Banestado,
1993. p. 27.
30
BOURDIEU, Os usos sociais da ciência, loc. cit.
26

as decisões são baseadas em interesses, ideias aproximadas, disputas de poder, decisões


oportunistas e o uso da retórica, ferramenta importante para conquistar aliados e afastar
inimigos. De acordo com Schwartzman, a existência de um mundo científico desligado do
mundo histórico e social, “um mundo de carne e osso das pessoas, dos animais e dos objetos
da natureza” tornou-se ultrapassado para a história da ciência. Não podemos mais tratar a
atividade científica sem entender, de modo profundo, como “ela se estrutura, se organiza,
busca seus recursos, estabelece suas verdades e reordena os atores e objetos que dela
participam, ou que são por elas influenciados”.
Na obra Um espaço para a ciência, esse autor destaca, sobretudo, a importância de
tomar a atividade científica como o resultado de uma manifestação da ação humana,
afirmando que a ciência consiste acima de tudo em

uma comunidade de indivíduos com boa educação que empregam com


entusiasmo o melhor da inteligência e criatividade. Os resultados desse
trabalho – artigos, dados científicos, aplicações tecnológicas – não passam
da ponta de um iceberg que não se pode sustentar sem sua base oculta: os
indivíduos que os produzem31.

0.3 Procedimentos metodológicos e fontes

Nessa perspectiva, para investigarmos o Instituto de Antropologia da Universidade


Federal do Rio Grande do Norte (IA/UFRN), como um espaço de ciência, partiremos de sua
análise como um campo construído por meio dos arrolamentos de forças, relações sociais de
dominação, pela concentração de capital e poder de seus agentes. A opção metodológica, aqui
utilizada, pretendeu estudar esse espaço a partir das práticas e valores compartilhados pelos
seus agentes (indivíduos). Essa opção, segundo Lafuente, recai não no estudo da ciência, mas
sim no estudo de atividades científicas, que segundo esse autor,

nos defrontaria, com toda a crueza, com o problema do tempo e espaço


históricos, e obrigaria a um dialogo concreto, preciso, profundo, com as
fontes manuscritas e documentais. [...] a documentação manuscrita mostra a
existência de relações muito ricas e estreitas entre os cientistas, as
instituições acadêmicas, as organizações políticas e os governos de plantão32.

Segundo Figueirôa, esse enfoque metodológico ressalta o processo de


desenvolvimento de atividades científicas e as insere em um processo histórico geral, no qual

31
SCHWARTZMAN, Simon. Um espaço para ciência: a formação da comunidade científica no Brasil.
Brasília: MCT, 2001. p. 20.
32
LAFUENTE, op. cit., loc. cit.
27

há uma mistura inseparável do contexto e conteúdo da ciência, das ações de negociação de


seus agentes e na afirmação e sustentação dessas atividades num determinado tempo e espaço
histórico33.
O estudo da origem, funcionamento e evolução de instituições científicas, bem como
seus relacionamentos com outras instituições de ensino e pesquisa, agentes financiadores
internos e externos, órgãos públicos e privados, associações profissionais etc., podem
contribuir, de acordo com a historiadora Maria Elizabeth Lunardi, para a melhor compreensão
do valor que as atividades científicas auferiram junto a determinados sociedade e espaço
histórico. Para a autora, esses estudos demonstram também que a criação e manutenção das
instituições revelam relações que abrangem desde a comunidade científica, organismos
públicos e privados até relações estritamente pessoais de cientistas com outros segmentos da
sociedade34.

O estudo de caso, além de contribuir para a análise da trajetória institucional,


é considerado como ponto de partida para a reflexão mais geral sobre “os
fatores, científicos e extra-científicos presentes na implantação das ciências
na sociedade brasileira35.

Para análise e relato das circunstâncias que levaram à formação do Instituto de


Antropologia (IA) foi realizado o levantamento fontes e documentos oficiais da instituição
depositados no Arquivo Documental do Museu Câmara Cascudo/UFRN. Sendo assim,
utilizamos: ofícios expedidos e recebidos, relatórios anuais, livros de ata e livros de visitação,
correspondências expedidas e recebidas, fotografias de registros das atividades do Instituto,
boletins universitários, Leis, Decretos e Regulamentos. Além do veículo de divulgação do
Instituto, a revista Arquivos do Instituto de Antropologia, que traz a produção científica do IA
e de colaboradores de outros espaços científicos. Esse conjunto de fontes envolve desde o
período de sua fundação, no ano de 1960, até o ano em que se deu sua extinção, 1974.
Buscamos reportagens publicadas nos principais jornais que circularam na cidade do
Natal durante os anos de 1956 a 1975, como A República, Jornal de Natal e Diário de Natal,
que noticiavam as atividades do Instituto e de seus cientistas. A presença de temas científicos
em artigos publicados sobre e pelos os cientistas nos jornais que circulavam em Natal era
constante. A impressa noticiava as atividades dos cientistas locais, suas viagens, como
também a presença de cientistas estrangeiros, suas biografias, além de realizar entrevistas e

33
FIGUEIRÔA, op. cit., p. 23.
34
LUNARDI, op. cit., p.18.
35
DANTES, Os usos sociais da ciência, p. 9.
28

reproduzir discursos proferidos nas principais instituições da época. Escolhemos por aumentar
o recorte temporal dos periódicos na tentativa de cruzar dados que possam ter levado à criação
e descontinuidade do Instituto de Antropologia.
Sendo assim, o recorte temporal escolhido tem início na segunda metade da década de
50, quando surgem as principais faculdades e escolas de ensino superior na cidade do Natal –
espaços que agruparam parte de grupos sociais interessados e que apoiavam as atividades
científicas, onde se encontravam os personagens que fundaram o Instituto de Antropologia. A
pesquisa encerra-se no ano de descontinuação do IA, 1974, quando o mesmo passa a
responsabilidade de toda sua estrutura física, suas coleções e seus funcionários para o Museu
Câmara Cascudo/UFRN, criado oficialmente, um ano antes, em 1973, para “preservar os
resultados das pesquisas e estruturar as atividades de proteção, utilização e exposição das
peças do acervo”36.
Nos parágrafos anteriores, expusemos uma síntese da história das instituições
científicas no Brasil e no Rio Grande do Norte. Sem a intenção de realizar um extenso
levantamento sobre a bibliografia relativa ao tema, buscamos entender e situar o leitor sobre o
papel desses espaços no desenvolvimento da ciência. Apresentamos o Instituto de
Antropologia e as principais inquietações que nos levaram a escolha deste como objeto de
estudo. Procuramos também apresentar os referenciais teóricos e a definição dos termos
Instituição, Espaço Científico, Campo Científico, Capital Científico, para então, debater a
questão do Instituto de Antropologia como espaço de ciência.
Em vistas disso, o trabalho está divido em três capítulos, além da corrente introdução e
das considerações finais.
No Capítulo 1, direcionamos o nosso olhar para algumas questões políticas que
influenciaram o desenvolvimento científico e cultural do Rio Grande do Norte ao longo da
década de 1950. Nessa senda, apresentamos uma breve caracterização do Estado e de sua
capital, utilizando como tema principal a relação entre o desenvolvimento local e a sua
produção científica. Registramos a criação do IA em um cenário não apenas local, mas
nacional, onde as Universidades eram vistas como ambiente essencial para o desenvolvimento
da ciência brasileira e especialização dos cientistas.
No capítulo 2, buscamos apresentar os quatros membros fundadores do IA: Luís da
Câmara Cascudo, José Nunes Cabral de Carvalho, Veríssimo Pinheiro de Melo e Dom
Nivaldo Monte. Não pretendemos apresentar uma análise minuciosa de suas biografias, mas

36
Resolução do CONSUNI 1973 - Cria o Museu Câmara Cascudo/UFRN.
29

registrar como estes intelectuais, utilizando o seu capital científico e suas posições como
agentes sociais de um campo científico, pensaram este espaço de ciência.
O Capítulo 3 mostra como o Instituto de Antropologia configurou um espaço da
ciência, considerando suas estratégias institucionais e suas relações com outras instituições
científicas nacionais e internacionais, tendo como foco a atuação de seus pesquisadores.
Acreditamos que este trabalho possa representar uma contribuição importante para o
debate acerca dos indivíduos e instituições que produziram, reproduziram e difundiram a
ciência no Estado do Rio Grande do Norte, contribuindo, assim, para o desenvolvimento da
história da ciência local.
30

CAPÍTULO 1

INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA EM NATAL? E POR QUE NÃO?


O contexto local e os condicionantes para criação do Instituto de Antropologia (IA)

Para entender como ocorreu a formação desse espaço para prática científica no Rio
Grande do Norte, escolhemos, primeiramente, direcionar nosso olhar para alguns
acontecimentos políticos que possuem influência direta na economia e no desenvolvimento
social do estado ao longo da década de 1950.
Nesse sentido, neste capítulo, trazemos uma breve caracterização do Rio Grande do
Norte e de sua capital Natal durante a segunda metade dos anos 1950, especificamente dos
anos de 1956 a 1960, tendo como fio condutor as relações entre o desenvolvimento local e a
produção técnica e científica potiguar. Para tanto, utilizamos como fontes artigos publicados
nos jornais impressos do período, em especial, uma série de seis textos publicados no Jornal A
República, no mês de julho do ano de 1956, que revelam de forma clara essa relação.

1.1 Natal e o Rio Grande do Norte na Segunda Metade dos Anos Cinquenta – o
futuro que não chegava

E, ao sopro de sua vontade enérgica, a cidade antiga sepultou-se na sombra


de uma recordação do passado, para ceder o lugar à Natal moderna, bela e
radiante, com suas avenidas, parques e praças, com suas árvores, muitas
árvores, sombreando o asfalto e oxigenando o ar. Todos os serviços
municipais foram reorganizados. Dinheiro não faltava porque o estrangeiro
disputava a colocação de seus capitais nas obras de melhoramentos duma
cidade que se destinava a ser uma das maiores metrópoles do Novo
Mundo37.

Quando Manoel Dantas, jornalista e intelectual local, proferiu a conferência Natal


Daqui a Cinquenta Anos, no ano de 1909, ele expôs o modelo do que seria a cidade do Natal
do futuro, mais precisamente a do ano de 1959. Uma cidade moderna, a cidade que a elite
intelectual natalense almejava. Ao longo do discurso, Manoel Dantas torna visível, sobretudo,
a crença dos intelectuais locais nas inovações científicas e técnicas como o caminho correto

37
DANTAS, Manoel. Natal daqui a cinquenta anos. In: EMERENCIANO, João Gothardo Dantas. (Org.). Natal
Não-Há-Tal: Aspectos da História da Cidade do Natal. Natal: Departamento de Informação, Pesquisa e
Estatística, 2007. p. 87.
31

para conduzir a sociedade norte-rio-grandense em direção ao progresso. Contudo, a Natal do


ano de 1959 ainda apresentava os mesmos problemas da de 1909.
Até a década de cinquenta do século XX, o estado do Rio Grande do Norte, sobretudo
sua capital Natal, já havia vivenciado algumas transformações que alteraram, sobretudo, a
dinâmica do seu espaço urbano e a vida social de sua população. Alterações justificadas pelo
forte desejo de modernização da elite intelectual, que se encontrava seduzida pelos ideais de
progresso e avanços científicos da época.
Nos primeiros vinte anos dos anos 1900, intensas ações visando melhorias urbanas –
como a chegada do bonde e da energia elétrica, a construção de estradas, obras no porto,
alargamento das ruas, construção de praças, jardins, teatro, cinemas, cafés, clubes –,
marcaram a edificação de uma cidade moderna38. Já na década de 1940, durante a Segunda
Guerra Mundial, a presença norte-americana em Natal e na Base Aérea de Parnamirim,
provocou um expressivo crescimento demográfico, ocasionado pela invasão de contingentes
militares brasileiros e americanos. Com o boom populacional, veio a necessidade de
redimensionamento do espaço urbano e dos serviços de infraestrutura, principalmente para
atender a demanda dos norte-americanos que movimentavam as ruas da cidade e a atividade
comercial dos cafés, bares, hotéis, restaurantes e lojas da capital39.
Terminada a Segunda Guerra Mundial, aqui ficaram, além de novos hábitos de trajar e
no alimentar da sociedade natalense, novos modos de pensar e um bom acervo de
conhecimentos responsáveis por impulsionar a economia potiguar40.
O envolvimento do Rio Grande do Norte na Segunda Guerra Mundial é, para muitos
historiadores, um ponto determinante para o crescimento intelectual do Estado. Explicado,
sobretudo, segundo o historiador Itamar de Souza, pela “presença de oficiais brasileiros e
norte-americanos, especializados em diversos ramos da ciência e da tecnologia”, o que fez
com que “as elites de Natal percebessem o atraso intelectual que viviam”41.
Num artigo intitulado Raio-x de uma cidade o jornal A República mostrava no ano de
1956 que esse pensamento não era apenas compartilhado pelos intelectuais locais, mas

38
ANDRADE, Alenuska Kelly Guimarães. A eletricidade chega à cidade: inovação e técnica e a vida urbana em
Natal (1911-1940). Dissertação (Mestrado em História) – UFRN, CCHLA, PPGH, Natal, 2009. p. 24.
39
A população de Natal praticamente duplicou. De uma população de 55 mil habitantes, em 1940-1941, passou
para 85 mil em 1943 (ARAÚJO, 2009, p.53). Segundo Flávia de Sá Pedreira, esse aumente teve como
consequência imediata “o desencadeamento de uma tremenda crise de abastecimento, acompanhada pelo
aumento absurdo nos preços, especialmente no setor imobiliário” (PEDREIRA, 2005, p. 100). O aumento
também foi influenciado pela população que fugia da seca que assolava o interior do Estado naquele período.
40
SANTOS, Paulo Pereira dos. Evolução econômica do Rio Grande do Norte: século XIX ao XX. Natal: Clima,
1994. p. 129.
41
SOUZA, Itamar de. Universidade: para que? Para quem? Natal: Clima, 1984. p. 33.
32

também por quem visitava a cidade no período próximo ao pós-guerra. No artigo o jornalista
gaúcho, Heron Domingues, discursa brevemente sobre como a influência dos norte-
americanos na cidade fez com que Natal despertasse “de um sono profundo e abrisse os olhos
para o progresso”42.
Apesar dos períodos acima descritos serem apontados pela historiografia como os
momentos de efetivo desenvolvimento e transformação pela qual a capital potiguar passou até
a década de 1950, eles não foram suficientes para colocar o Rio Grande do Norte, e nem
Natal, em uma posição de destaque no cenário nacional. Nem mesmo entre os outros estados
da Região Nordeste o Rio Grande do Norte possuía evidência.
Segundo o economista Denílson da Silva Araújo, que pesquisou o processo de
urbanização e a dinâmica econômica no Rio Grande do Norte a partir da década de 1940, a
inexpressiva posição do Estado nesse período é resultado, principalmente, do lento
crescimento e baixo dinamismo de sua economia. Explicado, nas palavras de Araújo, pela
“supremacia das relações capitalistas mercantis sobre as industriais (...) somadas às históricas
concentrações de terra e da renda”43. Nas mãos de uma classe social politicamente poderosa, o
modelo econômico existente no Rio Grande do Norte, com fortes bases nos setores
tradicionais, possuía um baixo nível tecnológico, se comparado à economia regional e,
sobretudo, à nacional. Uma consequência direta das frágeis estratégias de crescimento
econômico local, que priorizavam o investimento em infraestrutura e indústria de base, sem
geração de progresso científico e tecnológico44. “No centro desse bairro, sobre um pedestal de
granito em forma de algodoeiro, ergue-se a estátua de um grande homem tocando a máquina
do progresso [...]”45
Podemos citar a cultura do algodão como um exemplo claro de como a administração
pública potiguar daquele período delineou políticas econômicas ultrapassadas e ineficazes
para o desenvolvimento científico e tecnológico do Estado.
Assim como Manoel Dantas considerava o algodão a atividade econômica que levaria
Natal ao progresso, o Governador do Rio Grande do Norte no ano de 1956, Dinarte Mariz,
representante fiel da região do Seridó, afirmava que o futuro do Estado estava na cultura do

42
DOMINGUES, Heron. Raio-x de uma cidade. Jornal A República, 11 de julho de 1956, p. 4.
43
ARAÚJO, Denílson da Silva. Dinâmica econômica, urbanização e metropolização no Rio Grande do Norte
(1940-2006). Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto
de Economia, 2009. p. 5-6.
44
Além disso, as atividades econômicas desenvolvidas, baseadas na agroindústria e no extrativismo, além de
possuírem intenso uso de mão-de-obra, eram pouco utilizadoras de máquinas e equipamentos industriais e não
exigiam grandes investimentos tecnológicos.
45
DANTAS, op. cit. p. 83.
33

algodão46. Motivado principalmente pelo fato de o Rio Grande do Norte produzir o melhor
algodão nacional – o tipo mocó de fibra longa e mais resistente. No entanto, pela incapacidade
de elevar sua produção e produtividade, resultado, entre outras coisas, do baixo nível
tecnológico, o Estado não conseguiu criar as bases para a implantação de um setor industrial
competitivo. Isso porque, conforme Araújo, as elites políticas estavam mais preocupadas em
“reproduzir suas riquezas, e notadamente, a produtiva não foi a mais ‘preferida’”47.
A fragilidade econômica se traduzia em outros setores da sociedade potiguar e
preocupava as lideranças intelectuais que discursavam em prol do conhecimento técnico e
científico, o defendendo como o pilar para o desenvolvimento do estado e de sua capital.
Muitos desses discursos são encontrados nas páginas dos jornais que circulavam por Natal
naquele período.

1.2 Pesquisa e progresso – a solução para os problemas do estado

Com base em artigos publicados no jornal A República, em julho de 1956, em uma


sessão específica na terceira página e todos sem autoria mencionada, é possível observar a
fragilidade econômica que o Rio Grande do Norte se encontrava, como também observar os
anseios e o pensamento vigente da elite local que criticava a situação do estado potiguar.
É válido assinalar que o jornal A República, fundado em 1889, pela iniciativa de Pedro
Velho de Albuquerque Maranhão, representava os políticos que detinham o poder no período.
Contudo, por tratar-se de um periódico formado por diversos indivíduos, encontramos vários
artigos que criticam a gestão municipal e estadual vigente.
O artigo Produção e Pesquisas, por exemplo, recrimina de forma bastante direta a
administração política do Rio Grande do Norte. De acordo com o texto, a administração se
caracteriza como uma “administração apressada”, por realizar obras e ações sem possuir o
devido conhecimento básico das condições geológicas, agronômicas, meteorológicas, como
também das condições sociais do estado. “Ninguém poderá em nossos dias pensar em
produção, quantitativa e qualitativamente, sem primeiro pensar nos meios de pesquisa que
devem preceder a qualquer trabalho objetivando essa finalidade”48.

46
O prefeito Djalma Maranhão (1956-1959) também defendia a importância da produção do algodão para o Rio
Grande do Norte. Um dos discursos mais lembrados de sua carreira política, já como Deputado Estadual, em
1959, é em defesa do algodão nordestino. Nele, Djalma Maranhão faz análise econômica do papel do algodão no
Brasil, especialmente no Nordeste, denunciando a existência dos trustes internacionais, e apresenta o Projeto de
Lei que defende o produtor nacional.
47
ARAÚJO, op. cit. p. 80.
48
PRODUÇÃO E PESQUISAS, A Republica, 13 jul 1956, p. 3.
34

Conforme o texto, essa pressa tem sido um dos principais motivos do atraso na
solução de certos problemas recorrentes no estado, como a seca. Criticando o que ele chama
de “método de empirismo rotineiro”, o texto sugere ao governador Dinarte Mariz a
contratação de pesquisadores especializados para que seja feito, primeiramente, o
levantamento de dados exatos e seguros para que só então quaisquer obras pudessem ser
executadas.
Importante destacar que o problema das secas na região Nordeste do Brasil é
considerado pela historiografia da ciência como um dos quadros que mais mobilizou
cientistas, médicos e engenheiros. Isso porque a construção de açudes e de estradas de
rodagem de terra demandou a presença de diversos especialistas para conduzir “estudos de
hidrologia e climatologia, além de técnicas para a construção de barragens”49. Para a
historiadora Marilda Nagamini, o problema das secas é responsável, em parte, pela criação do
Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, em 1907, vinculado ao Ministério da Indústria,
Viação e Obras Públicas, e que tinha entre os seus objetivos o estudo científico

da estrutura geológica, mineralógica, meios e recursos minerais do território


da República, tendo sobretudo em vista o aproveitamento dos recursos
minerais e das águas superficiais e subterrâneas e a coleta de informações
sobre a natureza geológica e fisiográfica do terreno que possam servir de
base à organização de projetos de vias de comunicação e outras obras
públicas, especialmente as de prevenção contra os efeitos das secas50.

Visando solucionar o problema das secas, também foi criada, em 1909, a Inspetoria
Federal de Obras contra a Seca (IFOCS), formada por duas equipes, uma encarregada dos
estudos ecológicos, econômicos e sociais, e outra dos aspectos técnicos. Em Natal, funcionou
o 5º Distrito do órgão, que na década de 1950 já se chamava Departamento Nacional de Obras
Contra as Secas (DNOCS).
Apesar dos quase cinquenta anos de atuação no Rio Grande do Norte, o DNOCS, em
1956, ainda não possuía sede própria em Natal, funcionando em um “incômodo” casarão no
bairro da Ribeira. Seu diretor, o engenheiro Carlos Cabral de Andrade, em reportagem ao
jornal A República, relata a dificuldade em distribuir os setores técnicos e os equipamentos de
laboratório, assim como grave problema no armazenamento de materiais para análise: “os

49
NAGAMINI, Marilda. 1889-1930: Ciência e Tecnologia nos processos de urbanização e industrialização. In:
MOTOYAMA, Shozo. (Org.). Prelúdio para uma história - ciência e tecnologia no Brasil. São Paulo: Edusp/
Fapesp, 2004, p. 205.
50
DECRETO n. 6323, de 10 de janeiro de 1907.
35

equipamentos e veículos permanecem em depósitos emprestados ou alugados, dificultando a


boa marcha dos trabalhos”51.
As dificuldades do órgão são, em parte, reflexos na mudança da política administrativa
do mesmo. Seu objetivo, quando criado, além da construção de açudes, estradas e pontes, era
também promover a pesquisa e estudos básicos da região. Sob a orientação do seu primeiro
diretor, o engenheiro Miguel Arrojado, o IFOCS, em seus primeiros anos de funcionamento,
promoveu, sobretudo, a pesquisa científica na região. Para tanto, foram contratados
topógrafos, geólogos, engenheiros, botânicos, hidrólogos, sociólogos, entre outros
especialistas para estudar e desvendar os “mistérios dos solos e clima da região”. Para
Arrojado, os trabalhos realizados pelo IFOCS, deveriam ser conduzidos para permitir

[...] abranger, em conjunto, as condições diferentes das regiões flageladas,


sob os seus vários aspectos, geográfico, climatérico, botânico, social e
econômico, e assim poderá a inspetoria traçar o programa dos seus serviços
apoiada em fatos de pura e real observação no terreno.

No entanto, o Governo Federal e os Governos Estaduais esperavam do órgão


resultados imediatos e não concordavam com o alto custo das atividades de natureza
científica. Com a mudança de orientação do IFOCS, Arrojado foi exonerado e os trabalhos de
pesquisa científica reduzidos de maneira drástica, permanecendo em um plano secundário,
visto que “a tônica era construir obras”52.
Tem-se notícia da existência de alguns laboratórios funcionando em departamentos
públicos em Natal, como o Laboratório Distrital de Solo do 14º Distrito Rodoviário Federal
ligado ao Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER). Instalado no bairro do
Alecrim, sob a direção do engenheiro Malef Victório de Carvalho, o laboratório tinha como
finalidade realizar a análise do solo e a escolha de materiais que seriam utilizados na
pavimentação rodoviária, requisito preliminar nas obras da engenharia que aconteciam pelo
interior do Estado.
Natal possuía um terceiro laboratório que, também, enfrentava problemas de
funcionamento. O Laboratório de Produção Mineral, chamado também de Laboratório de
Análise de Minérios, filiado ao Departamento Nacional de Produção Mineral. Apesar de
concluído em 1956, um ano depois continuava parado sem realizar as suas finalidades por
falta de equipamentos e pessoal técnico necessário. A ausência desses elementos obrigava o
Rio Grande do Norte a subordinar ao estado da Paraíba a sua produção de minérios, que
51
AMPLIA OS SEUS RUMOS O 5º DISTRITO DO DNOCS, A Republica, 05 agosto 1956, p. 4.
52
DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS – DNOCS. Disponível em:
<http://www.dnocs.gov.br/>. Acesso em: 15 jul 2013.
36

seguia para análise em Campina Grande e era exportada via porto de Cabedelo, situação que
colocava em detrimento a economia potiguar53.
A produção de minérios representava um promissor futuro econômico para o Estado,
sobretudo pela forte procura de scheelita e o berilo pela indústria bélica mundial. Apesar de o
Estado ter um dos subsolos mais ricos do Brasil, a extração industrial era feita de forma
rudimentar54.
Em janeiro de 1957, o Governador Dinarte Mariz apresentou ao Ministro da
Agricultura uma exposição de motivos em que reivindicava para o Laboratório de Produção
Mineral a autonomia de analisar o minério do Estado para que o mesmo fosse exportado via
porto de Natal: “Em precárias situações em que vive o Laboratório local não pode realizar
funções que lhe deveriam estar atentas, nem sequer fornecer certificado para que os
exportadores possam embarcar os produtos”55.
Na exposição, o Governador solicitava a designação de um químico e de outros
técnicos que formariam o quadro de pessoal, assim como a aquisição do material e
equipamentos para a realização de análise dos minérios. Segundo Dinarte, essas seriam as
condições básicas para que a produção e a economia de minérios do Rio Grande do Norte não
sofressem mais com limitações e dificuldades provenientes do exame e exportação de seus
produtos.
No Rio Grande do Norte, os trabalhos de pesquisa empírica dos laboratórios citados
acima, com exceção do último, ocorreram, sobretudo, por meio dos estudos geológicos da
região de Mossoró. A história de grande parte dessas pesquisas pode ser encontrada nos seis
volumes da coleção Minhas Memórias da Paleontologia Mossoroense, organizada por Vingt-
un Rosado, intelectual potiguar da cidade supracitada, que se dedicou aos estudos dos fósseis
e da cultural local. Entre os especialistas que passaram pela região, nomes como Luciano
Jacques de Moraes, reconhecido engenheiro e geógrafo mineiro, e Llewellyn Ivor Price, um
dos primeiros paleontólogos brasileiros e considerado o pai da paleontologia de vertebrados
no Brasil, são lembrados constantemente na narrativa das pesquisas geológicas e
paleontológicas do Estado. Ambos são descritos por Vingt-un Rosado como “homens de

53
FUNCIONAMENTO, BREVE, DO LABORATÓRIO..., Jornal de Natal, 08 Janeiro 1957. p. 1.
54
SANTOS, Paulo Pereira dos. Evolução econômica do Rio Grande do Norte: século XIX ao XX. Natal: Clima,
1994. p. 130.
55
AUTONOMIA PARA O LABORATÓRIO..., Jornal A República, 10 jan 1957, p.v8.
37

ciência” e “grandes Geólogos do Brasil”. São chamados também de “sábios estudando com as
luzes de sua cultura especializada, os nossos problemas de Geologia e Paleontologia”56.
Porém, como apontado anteriormente, por mais que muitos especialistas estivessem
interessados na pesquisa empírica, o governo se interessava pela Geologia econômica e
estrutural, que possuía importância imediata para o desenvolvimento econômico. A utilidade
da pesquisa geológica era vista pelo Estado como um meio de mapear os depósitos minerais e
descobrir plantas e animais que pudessem ser consumidos ou exportados.
Apesar de esses espaços estarem associados a uma produção científica utilitária, que
servia às necessidades imediatas, que tanto o texto analisado recrimina, não podemos deixar
de apontar a sua importância no desenvolvimento da ciência local durante a década de 1950.
Isso porque, foi nesses espaços, que alguns dos cientistas locais iniciaram suas atividades.
Como exemplo, Antônio Campos e Silva, considerado um dos principais paleontólogos do
Rio Grande do Norte, contratado pelo DNOCS para realizar o trabalho técnico de
levantamento e análise de solo, também desenvolvia, por iniciativa própria, pesquisas no
campo da geologia e paleontologia. Antônio Campos permaneceu trabalhando no DNOCS até
o ano de 1962, quando foi convidado a integrar a equipe de pesquisadores de uma recém-
criada instituição científica, o Instituto de Antropologia da Universidade do Rio Grande do
Norte, objeto de nossa pesquisa.
Voltando ao artigo em análise, ele ainda ressalta a ausência de instituições voltadas à
pesquisa e, também, à formação técnica de especialistas no estado. Enquanto Recife é
elogiada pelo seu Instituto Joaquim Nabuco, criado no ano de 1949 e descrito como um
espaço “empenhado na solução dos mais graves problemas sociais, políticos e econômicos do
Nordeste brasileiro”, Natal e o Rio Grande do Norte continuavam, segundo o texto,
estagnados em uma fase de “empirismo colonial, administrando com os simples dados da
experiência, do esforço pessoal, da intuição, sem nenhuma base científica”57.
No cenário nacional do início do século XX, a ciência já era considerada a mais
elevada manifestação da inteligência humana. É nesse momento que, no Brasil, os diferentes
territórios da ciência foram, aos poucos, sendo demarcados com o surgimento de associações
profissionais, instituições de pesquisa, revistas especializadas, conferências e congressos.
Duas das principais instituições científicas nacionais são criadas: o Instituto Soroterápico, em
1900, responsável pela fabricação de soros e vacinas contra a peste bubônica, e que se tornou

56
ROSADO, Vint-Un. Minhas Memórias da Paleontologia Mossoroense: 1935 a 1962. Mossoró: Fundação
Vignt-Um Rosado. Coleção Mossoroense. Série C, 2. v., 1999. p. 27-30.
57
PRODUÇÃO E PESQUISAS, A Republica, 13 julho 1956, p. 3.
38

a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); e o Instituto Butantan, com mesma missão institucional
da Fiocruz, e hoje um dos maiores centros de pesquisa biomédica do mundo58. Nesse período,
a ciência deixava de ser uma atividade praticada somente por indivíduos, de forma isolada, e
passava a ser praticada por grupos de cientistas reunidos em institutos, laboratórios,
departamentos e repartições do governo.
Apesar do Rio Grande do Norte não possuir instituições específicas voltadas à ciência
e à formação de cientistas, o Estado contava com alguns espaços de atuação científica e
cultural que serviam de vitrine para as pesquisas de alguns intelectuais. Podemos citar, como
exemplo, o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), fundado em
Natal em março de 1902, a partir da iniciativa da elite intelectual e política, como Manuel
Dantas, Henrique Castriciano, Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, Eloy de Souza, dentre
outros. Com a finalidade de reunir e divulgar, por meio da sua Revista, documentos e estudos
relacionados à história, geografia, arqueologia e etnografia, principalmente do Rio Grande do
Norte, o IHGRN era o principal espaço de sociabilidade e consagração dos intelectuais locais.
Um segundo artigo, intitulado Pesquisas Sociais, foi publicado pelo A República,
reforçando o discurso do anterior, ou seja, da necessidade de introduzir métodos de pesquisa
“em vários campos de atividade do homem nordestino”. O texto enfatiza a importância do
trabalho em conjunto dos técnicos das áreas como Geologia, Agronomia e de especialistas em
Antropologia, Sociologia e Folclore nas ações no interior do estado. Uma descrição de como
deveria funcionar uma instituição científica naquele momento: um espaço com cientistas de
diferentes áreas, trabalhando em conjunto na resolução de problemas específicos.
O texto finaliza mencionando a Escola de Serviço Social de Natal, criada em 1945,
como um espaço local de atuação de alguns intelectuais que realizam estudos científicos,
como o professor Otto Guerra59. No entanto, pela forte ligação com a igreja e pelo cunho
extremamente assistencialista da referida instituição, o texto incube à Escola e aos seus
professores o papel de apenas fornecer apoio para os almejados técnicos, e não como um
espaço capaz de formar os especialistas tão necessários60.
As escolas e faculdades de nível superior existentes em Natal destacavam-se nesse
período como espaços de atuação de muitos potiguares dedicados à ciência. Além disso, as
58
CARVALHO, Zulmara Virgínia de; PANTALEON, Efrain; RODRIGUES, Ramon César; ORRICO, Pablo
Pekos Costa; NOBRE, Augusto Cesar Bezerra. História econômica brasileira do empreendedorismo e inovação
potencialidades e impactos no Estado do Rio Grande do Norte. 2012. Disponível em <
http://www.aahe.fahce.unlp.edu.ar/Jornadas/iii-cladhe-xxiii-jhe/>.
59
Desde a década de 1930, Otto Guerra vinha publicando no jornal local A Ordem, onde atuava como jornalista
e editor, artigos, fruto de seus estudos sobre questões regionais – particularmente dos problemas ligados à
economia e à questão da seca.
60
PESQUISAS SOCIAIS, A Republica, 19 julho 1956, p. 3.
39

aulas e conferências que abriam o ano letivo desses espaços atraiam autoridades e intelectuais
por serem ministradas por professores renomados, principalmente de instituições de ensino de
outros estados. Vários diretores e professores das faculdades locais, quando participavam de
eventos, congressos e reuniões profissionais pelo Brasil e exterior, ganhavam destaque nas
páginas dos jornais impressos da capital.
Porém, com exceção das pesquisas conduzidas isoladamente por alguns intelectuais
ligados às faculdades do estado, esses espaços e seus professores eram vistos, nesse período,
apenas como pontos de apoio para pesquisas e pesquisadores de instituições de outros estados
que constantemente excursionavam pelo interior potiguar.
Encontramos alguns exemplos que foram noticiados pela impressa escrita local.
Quando, em janeiro de 1957, o Instituto Joaquim Nabuco de Recife enviou ao Rio Grande do
Norte geógrafos para estudar o Rio Ceará Mirim, no município de mesmo nome, com o
objetivo de estudar os rios da região canavieira do Nordeste brasileiro, a equipe, chefiada pelo
Prof. Gilberto Osorio, recebeu apoio de Edgar Barbosa, Luiz da Câmara Cascudo e Boanerges
Soares, diretor e professores da Faculdade de Filosofia de Natal, e que acompanharam in-loco
os cientistas pernambucanos61. Em setembro do mesmo, um grupo da Faculdade de Filosofia
da Paraíba também visitou o Estado para realizar estudos acerca da cultura local, contando
novamente com o apoio do professor Edgar Barbosa, diretor da Faculdade de Filosofia de
Natal62.

1.3 Problemas do Nordeste – carência de inovação e estudos técnicos

Outros dois artigos, Problemas do Nordeste e Problemas do Nordeste e o Orçamento


Federal, igualmente apontam a carência de inovação técnica na econômica do Rio Grande do
Norte, descrita como “uma monocultura asfixiante e mirrada, pobre de técnica e desfalcada de
maquinários”, e sua relação com a ausência de estudos técnicos especializados, visto que,
segundo o texto, o Nordeste, como um todo, teria problemas que “por sua natureza e
complexidade, merecem um estudo mais acurado dos técnicos e de todos aqueles que se
dedicam às ciências especializadas no campo da agronomia, geologia, finanças e economia”63.
Abordando a relação entre os avanços da ciência e a urgência na especialização das
diversas áreas do conhecimento, o artigo Industrialização e Progresso, critica o atraso do

61
GEÓGRAFOS PERNAMBUCANOS ESTUDAM..., Jornal de Natal, 18 jan 1957, p. 5.
62
VISITARÁ O ESTADO UMA DELEGAÇÃO..., Jornal de Natal, 28 ago 1957, p. 1.
63
PROBLEMAS DO NORDESTE E O ORÇAMENTO FEDERAL, A Republica, 15 jul 1956, p. 3.
40

campo industrial do estado e anuncia que já é tempo de o Rio Grande do Norte despertar para
“as alvoradas da civilização e do progresso” por meio de uma “mentalidade baseada na
ciência”64.
O tema “industrialização e progresso”, segundo o historiador Shozo Motoyama, já
figurava como destaque na pauta da economia nacional desde a década de 1930, período no
qual o Brasil viveu um processo de modernização, ainda que retardatário. Porém, a
industrialização iniciada na era Vargas não trouxe a modernidade pretendida na economia,
isso porque a ciência não era valorizada como cultura e sim como um meio utilitário capaz de
produzir riqueza65.
A necessidade de a ciência ser amparada pelo poder público já era reiterada, na década
de 1930, pelo diretor do Instituto Geológico Brasileiro, Euzébio de Oliveira, que julgava ser
fundamental para o crescimento do progresso econômico o cultivo de todos os ramos da
ciência. De acordo com Oliveira,

[...] o nosso progresso econômico está em estreita dependência com o valor


dos seus homens de ciência. Precisamos trabalhar no sentido de ampliarmos
os meios da cultura científica no país, procurando criar nesse sentido uma
opinião científica. Devemos evitar que a solução de nossos problemas
econômicos e sociais continue a ser procurada, como tem sido até agora,
usando processos predominantemente empíricos66.

No entanto, como já apontado anteriormente, a modernização desejada pelos círculos


governamentais caracterizava-se por ser apressada e dependente, a mesma que, segundo os
textos publicados no jornal A República, ainda predominava no Rio Grande do Norte da
segunda metade da década de 1950. Motoyama destaca esse fato ao assinalar que a
industrialização não havia levado a modernidade pretendida à economia, já que “o
pragmatismo dos senhores do poder discriminava a pesquisa básica, favorecendo a aplicada,
argumentando sobre a sua utilidade imediata”67. E, complementa, “[...] a industrialização não teve
influência direta em promover a investigação científica ou tecnológica. [...] movida por propósitos
imediatistas, prestou escassa atenção à realização de pesquisas ou formação de recursos humanos”68.
Contudo, à medida que a política governamental encontrava-se centralizada em uma
perspectiva imediatista, a elite intelectual dava o primeiro passo para quebrar, em parte, esse
64
INDUSTRIALIZAÇÃO E PROGRESSO, A Republica, 26 jul 1956, p. 3.
65
MOTOYAMA, Shozo. 1930-1964: Período Desenvolvimentista. In: MOTOYAMA, Shozo. (Org.). Prelúdio
para uma história - ciência e tecnologia no Brasil. São Paulo: Edusp/ Fapesp, 2004, p. 255.
66
E.P. de Oliveira. Ata de 16 de maio de 1933. Livro de Atas da ABC de 1933-1934 apud MOTOYAMA,
Shozo. 1930-1964: Período Desenvolvimentista. In: MOTOYAMA, Shozo. (Org.). Prelúdio para uma história -
ciência e tecnologia no Brasil. São Paulo: Edusp/ Fapesp, 2004, p. 255.
67
MOTOYAMA, Shozo. op. cit. loc. cit.
68
Ibidem, p. 253.
41

círculo vicioso. Enquanto os homens que faziam ciência no Brasil discutiam sobre o papel
exercido pela ciência no país e buscavam consolidar os seus espaços de atuação profissional,
constante eram também os seus esforços pela criação de instituições de ensino superior,
sobretudo, universidades. A defesa da fundação das universidades pelos cientistas explica-se,
segundo Sá, pela forte associação que eles faziam entre educação superior e a promoção do
progresso do Brasil. E, para que isso fosse possível, na visão deles, uma mudança profunda
deveria ser efetivada no modo de ensinar no Brasil. Em outras palavras,

[...] à intelectualidade brasileira, toda ela reunida em instituições com


esforços congregados, caberia a avaliação e a direção da vida social, politica,
econômica e cultural do país, e esse seu papel só seriam bem exercido com a
criação das “casas de ciência”, que fariam as elites repontar “da massa
anônima como os cristais no seio das águas-mães”69.

1.4 O espaço do ensino superior, o progresso local e a produção científica

As primeiras mudanças relacionadas à associação entre ciência, progresso e ensino


superior no Brasil, teve início, principalmente, quando, em 1931, o Governo Federal, por
meio da primeira reforma educacional de caráter nacional, realizada pelo então Ministro da
Educação e Saúde Francisco Campos, reconheceu a necessidade de criar e manter
universidades brasileiras modernas, com objetivos de formação das elites tanto na área
profissional e científica como na realização de pesquisas. Pesquisas essas, viabilizadas pela
autonomia universitária e pela criação de órgãos de investigação científica70. Na opinião de
Francisco Campos, a universidade deveria ser:

[...] uma instituição administrativa e educacional que une toda a educação


superior sob uma única liderança intelectual e técnica, seja o seu ensino de
natureza pragmática e profissional ou puramente científica, sem aplicação
imediata, com o duplo objetivo de proporcionar à elite da nação um
treinamento técnico, e criando ao mesmo tempo um clima propicio para que
os talentos puristas e especulativos persigam a sua meta, indispensável par
ao crescimento cultural da nação – a investigação e a ciência pura71.

69
SÁ, D.M. de. Notas sobre “Ciência e Cientistas do Brasil” In: LIMA, N.T & SÁ, D.M. de (Orgs).
Antropologia brasiliana: ciência e educação na obra de Edgard Roquette-Pinto. Belo Horizonte: Editora
UFMG, Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008, p.168.
70
MOTOYAMA, op. cit, p. 252-253.
71
SCHWARTZMAN, op. cit p.10
42

Essas medidas levaram a ampliação das universidades no país e, como consequência,


a absorção dos cientistas e da produção científica. Consolidando-se a partir dos anos 30, a
universidade brasileira é considerada tardia, sobretudo, se considerarmos que a América
hispânica já contava com universidades desde o século XVI72. Fato que levou Anísio
Teixeira a criticar a deficiência do projeto nacional de educação brasileiro: “como aceitar que
se tenha perdido todo o século XIX e cerca de um terço do Século XX para somente serem
possíveis em 1934 e em 35 as primeiras universidades brasileiras com a Universidade do
Distrito Federal e a Universidade de São Paulo?”73.
A expansão do sistema universitário chegou ao Nordeste mais precisamente no ano de
1946, com a fundação da Universidade do Recife, no Estado do Pernambuco. Logo vieram a
Universidade do Ceará, 1954, a Universidade da Paraíba, criada em 1955 e Universidade do
Rio Grande do Norte, em 1958. Todas estas criadas e organizadas por meio da incorporação
de faculdades e escolas de nível superior, previamente existentes74.
De acordo com Motoyama, as diversas universidades que foram criadas na época eram
“celeiros em potencial de pesquisadores e difusores da ciência”. Em particular, a
Universidade de São Paulo (USP), criada em 1934, e que, por meio de sua Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras, se tornou o principal centro de investigações científicas de alto
nível no país, contrariando a visão corrente do imediatismo ao investir pesadamente na
formação de pessoal “acreditando na potencialidade dos seus diplomados para a resolução de
problemas de importância da nação”. Segundo Motoyama, a elite paulista já sabia que “para
resolver questões difíceis, mais do que receitas e fórmulas mágicas, ter-se-ia de recorrer a
homens e a mulheres qualificados e preparados para enfrentá-las com sucesso”75.
Importante observar que a série de artigos publicados no jornal A República segue
criticando justamente a linha de acontecimentos narrada pela historiografia da ciência
brasileira. De modo que, o último texto da série, intitulado Visão do Futuro, traz como
solução definitiva para os problemas enfrentados pelo Rio Grande do Norte a “formação de
homens com visão não só do futuro, mas, sobretudo, visão de conjunto”. Para isso, ressalta a
importância da criação das Faculdades de Odontologia, Direito e Medicina, consideradas o
primeiro passo para a organização da futura Universidade do Rio Grande do Norte: “com essa

72
JUNIOR, Carlos Newton. Breve Histórico da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. In: JUNIOR,
Carlos Newton (Org.) Portal da Memória: Universidade Federal do Rio Grande do Norte: 45 anos da
federalização (1960-2005). Brasília, DF: Senado Federal, 2005, p.22
73
TEIXEIRA, Anísio. Ensino superior no Brasil: análise e interpretação de sua evolução até 1969. Rio de
Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1989, p. 89.
74
MOTOYAMA, op. cit., p. 253-257.
75
MOTOYAMA, op. cit., p. 258.
43

iniciativa mostrariam os pioneiros do movimento universitário do nosso Estado que têm vistas
largas para o futuro e visão clara dos problemas fundamentais da nossa região”76.
No Rio Grande do Norte, as escolas e faculdades de ensino de superior eram tidas,
sobretudo a partir da década de 1940, com o término da Segunda Guerra Mundial, como
espaços primordiais para desenvolvimento científico e cultural do estado77. Os registros dos
jornais da época evidenciam a importância dada a esses espaços na promoção da ciência local.
Em julho de 1956, o jornal A República publicava uma reportagem intitulada
Impressões sobre o progresso científico-cultural da cidade na qual, o Presidente da
Associação Médica do Distrito Federal, Álvaro Dória, em visita à Natal, se referia
principalmente à qualidade das Faculdades, além de ressaltar o papel da Sociedade de
Medicina e Cirurgia:

As instalações da Faculdade de Farmácia e Odontologia e as de Medicina,


impressionaram-me sobremaneira, tanto em sua parte técnica, como pela
eficiência pedagógica. As Escolas de Serviço Social, Doméstica e de
Enfermagem, são outras instituições tidas como padrões dentro de suas
finalidades. A Associação Hospitalar e a Sociedade de Medicina e Cirurgia,
no plano científico têm contribuído com eficiência para o progresso cultural
da cidade. Estimo que a terra potiguar continue nesse impulso progressista,
muito embora lutando contra as adversidades da natureza78.

A reportagem do Jornal Tribuna do Norte, de janeiro do mesmo ano, intitulada Bem


impressionado o professor Oliviere com as instalações da Faculdade de Medicina, apresenta
os elogios que o professor italiano Luigie Oliviere, convidado a assumir a cadeira de
Anatomia da Faculdade de Medicina, faz a citada instituição79. Outro texto do mesmo jornal,
denominado Faculdade de Medicina de Natal, de março de 1956, escrito pelo médico
pernambucano Edilton Sampaio, exaltava a importância desta instituição como a “expressão
da cultura médico-científica” potiguar. Dizia também que a faculdade era para Natal “um
novo passo em nova gigantesca estrada do seu progresso” e chamava o vestibular de “festa
intelectual de marcada repercussão na ufanosa cidade”. No entanto, Sampaio chamava a
atenção para a falta de amadurecimento da cidade se comparada aos outros centros do ensino
médico brasileiro, como Recife, Rio de Janeiro e Bahia, mas acreditava que estudiosos

76
VISÃO DO FUTURO. A República, 28 jul 1956, p. 3.
77
O envolvimento do Rio Grande do Norte na Segunda Guerra Mundial, por meio das cidades de Natal e
Parnamirim, é para muitos historiadores um ponto determinante para o crescimento intelectual do estado. Esse
crescimento ocorreu, segundo com o historiador Itamar de Souza, principalmente, porque “a presença de oficiais
brasileiros e norte-americanos, especializados em diversos ramos da ciência e da tecnologia, possibilitou que as
elites de Natal percebessem o atraso intelectual em que viviam”.
78
A República, Natal, 14 jul 1956. p. 3.
79
Tribuna do Norte, Natal, 4 jan 1956. p. 11.
44

potiguares estavam se esforçando para “engrandecimento cultural” da capital. E


complementa: “O meio científico de proporções adequadas às condições da cidade, o campo
hospitalar e o material humano, permitem uma esperança” 80.
À Faculdade de Filosofia era atribuída a responsabilidade de vencer a batalha da
“renascença intelectual, cívica, moral, literária, científica” e formar professores e técnicos,
sobretudo, de História e de Geografia para o Rio Grande do Norte81.
A Faculdade de Medicina era a instituição que mais recebia a atenção no que tange ao
seu papel no desenvolvimento científico e cultural do Estado, principalmente por promover
cursos, conferências e aulas com especialistas de outros estados:

[...] essa jovem Faculdade de Medicina, apesar de sua dificuldade de se


organizar, apesar de encontrar dificuldade na arregimentação de recursos
humanos e, sobretudo, de recursos materiais, apesar disso tudo, ela teve uma
presença notável aqui no Nordeste, podendo se comparar às melhores
faculdades que estavam funcionando no seu tempo82.

Onofre Lopes, médico e então diretor da Faculdade de Medicina, afirmava o papel


fundamental dessa instituição para criação da Universidade do Rio Grande do Norte, no ano
de 1958: “[...] e é preciso que se diga que foi a Faculdade de Medicina que deu o passo, que deu a
origem, que foi o elemento catalisador para que aparecesse a Universidade do Rio Grande do Norte”83.
Diversas reportagens destacando a ação das escolas e faculdades eram publicadas
quase que diariamente nos jornais locais, salientando, sobretudo, a importância desses espaços
para a criação da futura Universidade:

Possuímos as unidades de Direito, Medicina, Odontologia e Farmácia,


Filosofia, e andamos em vésperas de instalar as Faculdades de Ciências
Econômicas e Engenharia.

Urge, no entanto, que esse esforço não sofra de continuidade, porque assim
teremos em breve a Universidade de natal. Essa ideia da Universidade deve
ser a oração mental de todas as horas, dos responsáveis pelo destino do
ensino universitário entre nós. 84

Dias antes da data de fundação da Universidade do Rio Grande do Norte, o jornal A


República publicou um texto, intitulado Criação da Universidade, exaltando a importância
daquela instituição para o desenvolvimento científico e cultural do Estado.
80
Tribuna do Norte, Natal, 27 mar 1956. p. 3.
81
FACULDADE DE FILOSOFIA E A REFORMA DO ENSINO, Jornal A República, 08 março 1957, p. 3.
82
GURGEL, Tarcísio. (Org.). A memória viva de Onofre Lopes. 2. ed. Natal, RN : EDUFRN, 2007, p. 55.
83
Ibidem.
84
UNIVERSIDADES, Jornal A República, 07 agosto 1957, p. 3.
45

Vários Estados da federação possuem já suas universidades e o nosso não


poderia ficar em segundo plano, não só porque dispõe de todos os elementos
necessários à instalação desse conjunto de altos estudos que constituem a
Universidade no sentido técnico do termo, como porque é dever precípuo do
governo apoiar inciativas como essa [...].

A Universidade, centro mais desenvolvido de estudos técnicos e científicos


há de incentivar também um maior intercambio cultural entre este e os
demais Estados do país [...].85

1.5 A Universidade do Rio Grande do Norte – laboratório de projetos para o futuro


do estado

Criada em 25 de junho de 1958, através da Lei nº 2.307, a Universidade do Rio


Grande do Norte (URN) logo assumiu o cargo de maior instituição científica e cultural do
estado, abrigando grande parte dos intelectuais locais que faziam ciência. Sua estrutura
incorporou a Faculdade de Farmácia e Odontologia e a Faculdade de Direito (mantidos pelo
Estado) e agregou a Faculdade de Medicina, a Faculdade de Filosofia e a Escola de Serviço
Social (mantidas por entidades privadas). Este modelo de universidade, resultado da união de
cursos isolados que têm como ligação entre si a Reitoria e o Conselho Universitário, foi base
de muitas das universidades brasileiras, que se constituíram de instituições agregadas e não
integradas.
É importante mencionar que o esforço para criação de uma Universidade no Estado
data do final dos anos 40, quando em 1948, Luís da Câmara Cascudo, liderou um movimento
que culminou na criação da Universidade Popular, “iniciativa pioneira cujo maior objetivo
era despertar nos natalenses a consciência do seu valor e fomentar a ideia de Universidade”.
Funcionando no prédio do IHGRN, a Universidade Popular funcionou naquele ano e contou
com 18 (dezoito) aulas, sob os mais variados assuntos, indo da “História da Literatura do Rio
Grande do Norte”, ministrada por Cascudo, até “A Batalha Anti-Malária”86.
Já em 21 de março de 1959, Cascudo, responsável por proferir o discurso da instalação
solene da recém-criada Universidade do Rio Grande do Norte (URN), definia a Universidade
como uma instituição “plasmadora de cultura em defesa ascensional da civilização”. Com o
tema Universidade e Civilização, Cascudo falou em nome de todos os professores e, no inicio
do discurso, que hoje é reconhecido como a certidão de nascimento da Universidade, diz: “o

85
CRIAÇÃO DA UNIVERSIDADE, Jornal A República, 05 jun 1958, p. 3.
86
LUDOVICUS – INSTITUTO CÂMARA CASCUDO. Cronologia. Disponível em:
<http://www.cascudo.org.br/biblioteca/vida/cronologia/> Acesso em: 18 de fevereiro de 2014.
46

homem moderno deve estar sentado numa pilha de livros com um telescópio em um olho e
um microscópio no outro”87.
O homem moderno, o qual Cascudo se refere, denotava uma renuncia ao tipo
universalista, aquele marcado pela produção enciclopédica e indefinida do ponto de vista
disciplinar. Buscava agora uma especialização, em meio às várias áreas do conhecimento. A
criação da Universidade era vista como fator fundamental para a efetivação dessa
especialização, sendo vista como o espaço definitivo de formação profissional da
intelectualidade local.
Para o então governador do Estado, Dinarte Mariz, lembrado até hoje como o “criador
da URN”, a Universidade seria como um “[...] farol que aponta novos rumos para os nautas
políticos que navegam nos oceanos das mudanças sociais. [...] cumprem a função histórica de
laboratório de projetos do futuro do País”88.
Dinarte Mariz, em muitos de seus discursos, não deixava de incluir a URN como uma
das principais obras do seu governo com a finalidade de solucionar os problemas do estado:

A Universidade do Rio Grande do Norte será em futuro não muito remoto


uma das maiores obras do atual governo, que a par dos problemas mais
urgentes da comunidade potiguar, aos quais vem dando as soluções mais
adequadas dentro das possibilidades econômico-financeiras [...]89

Ao longo dos meses que decorreram desde a data de sua criação até a data de sua
instalação, diversas reportagens e artigos exaltando a Universidade do Rio Grande do Norte
eram publicados quase que diariamente nos principais jornais impressos de Natal. A temática
era sempre a mesma: a Universidade como a principal obra para a solução dos maiores
problemas do estado.

[...] uma Universidade real, com suas Faculdades, os seus centros de


pesquisa e de estudo, os seus mestres eminentes. [...] é uma promessa e uma
esperança que os ventos da politica aldeã não destruirão. Tenhamos fé na
força de eclosão da semente e o Rio Grande do Norte se libertará do
colonialismo intelectual e cultural [...]90

87
UNIVERSIDADE E CIVILIZAÇÃO, Discurso pronunciado por Luís da Câmara Cascudo, na noite de 21 de
março de 1959, por ocasião da instalação da Universidade do Rio Grande do Norte, e em nome das
Congregações de todas as Faculdades.
88
MELO, Paulo de Tarso Correia. Os Quatro Precursores. In: JUNIOR, Carlos Newton (Org.) Portal da
Memória: Universidade Federal do Rio Grande do Norte: 45 anos da federalização (1960-2005). Brasília, DF:
Senado Federal, 2005, p.35-36
89
O GOVERNO ENCAMINHOU..., Jornal A República, 04 junho 1958, p. 3.
90
A UNIVERSIDADE DO RIO GRANDE DO NORTE, Jornal A República, 26 junho 1958, p. 3.
47

Como assinalado ao longo desse capítulo, a solução dos problemas econômicos,


segundo a elite intelectual, passava pelo desenvolvimento científico e cultural dos estados
que, por sua vez, só poderia ocorrer com a formação de técnicos e especialistas. Pensamento
compartilhado também pelo professor Onofre Lopes, que deixava a direção da Faculdade de
Medicina para assumir o cargo de primeiro Reitor da URN. Em carta endereçada ao
Presidente da República, Juscelino Kubitschek, solicitando a federalização da Universidade,
Onofre Lopes, dizia:

Universidade e desenvolvimento econômico são elementos do mesmo


problema global, da promoção humana, por isso que a Universidade deve
fazer parte integrante do meio onde atua, servindo-o e elevando-o.

Tem-se visto que, de fato, onde uma Universidade se instala, logo depois o
espírito de investigação, o gosto pela cultura se desenvolvem de maneira
surpreendente. [...] sobretudo em países como o Brasil, em fase de rápido
desenvolvimento, por isso mesmo com enorme e urgente demanda de
técnicos, em todo o seu vasto território91.

Na carta, Onofre Lopes também cita uma análise do economista Celso Furtado, para
enfatizar o papel fundamental da Universidade na formação dos técnicos tão necessitados e,
também, de uma elite intelectual capaz de dirigir de forma responsável os negócios públicos
do Brasil.
Menos de dois anos após sua instalação oficial, a URN, primeiramente de âmbito
estadual, foi federalizada pela Lei nº 3.849, sancionada a 18 de dezembro de 1960, pelo
Presidente Juscelino Kubitschek, passando a Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN).
Registra-se também, como fator essencial para a concretização da Universidade, o
esforço dos professores e intelectuais ligados às Faculdades já existentes no estado. A eles era
atribuída a formação de um ambiente propício para o nascimento de uma Universidade no
estado. Nomes como o de Onofre Lopes, já citado acima, Otto Guerra, diretor da Faculdade
de Direito, José Cavalcante de Melo, diretor da Faculdade de Odontologia, Edgar Barbosa e
Luís da Câmara Cascudo, diretor e professor da Faculdade de Filosofia, respectivamente,
eram mencionados constantemente nas reportagens e em documentos referentes à criação
dessa instituição de ensino. Em troca, os mesmos, em discursos, reproduziam todo o

91
Carta datilografada, redigida por Onofre Lopes e Otto de Brito Guerra, respectivamente Reitor e Vice-Reitor
da Universidade do Rio Grande do Norte, e dirigida ao Presidente da República, Juscelino Kubitschek,
solicitando a federalização da instituição. Maio de 1959. Acervo da UFRN, Reitoria.
48

entusiasmo que envolvia a criação da Universidade do Rio Grande do Norte naquele


momento.
Em edição especial do jornal A República de julho de 1958, referente à criação da
Universidade, os diretores e professores das Faculdades declaravam o entusiasmo pelas
possibilidades de melhor aperfeiçoamento e estrutura que as Faculdades teriam com a
unificação do ensino superior no estado, trazendo como consequência o “nivelamento do
nosso ensino superior aos outros estados da Federação”. Os diretores traçavam planos para
criação de novos cursos, ampliação do quadro de funcionários e, sobretudo, de alunos, assim
como a criação de bibliotecas especializadas, museus e centros de pesquisa92.
Pensada para ser uma instituição de ensino superior e de alta pesquisa, a URN contava
em sua estrutura com as Faculdades e Escolas de nível superior, incorporadas e agregadas,
para formar os profissionais especializados que, no discurso de Cascudo, eram necessários
para conduzir o Rio Grande do Norte à “valorização da civilização e ampliação da cultura do
homem potiguar”.

Precisamos de quem atenda aos enfermos, erga edifícios, estradas, pontes e


túneis, manipule [...] nos laboratórios e farmácias, dê assistência ao Social,
conheça Odontologia, as Línguas Neolatinas, Geografia, História, em cursos
especializados, e ainda a ciência da Economia e Finanças, Belas-Artes,
Música [...]93.

Deste modo, entre as primeiras deliberações do Conselho Universitário da URN, no


início do ano de 1959, estava criação de sua Biblioteca Central, a pilha de livros da qual
discorria Cascudo, assim como a autorização para instalação do seu primeiro centro dedicado
à pesquisa, o espaço do telescópico e microscópio, o INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA
(IA).
No primeiro número do seu Boletim Universitário, publicado em 1963, que traz um
resumo das principais atividades da Universidade nos seus primeiros anos, encontramos um
trecho que define o papel do Instituto dentro da URN: “dentro de suas finalidades, a Universidade
transpôs as áreas do ensino profissional para se dedicar, também, à investigação e à pesquisa. Instalou,
por isso, o Instituto de Antropologia”94.
A ciência praticada no interior das universidades brasileiras é considerada um marco
imprescindível para o desenvolvimento do campo científico, pois, segundo Dantes, sinaliza a

92
EDIÇÃO ESPECIAL HOMENAGEIA A UNIVERSIDADE, 2º Caderno, 01 julho 1958. p. 12.
93
CASCUDO, Luís da Câmara. Universidade e civilização. 2. ed. Natal: EDUFRN, 1988. p. 1-5.
94
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE, Bolem Universitário, ano 1, nº1, setembro de
1963.
49

implantação no país de uma ciência profissionalizada, dedicada à atividade de produção de


conhecimento e ao reconhecimento social da atividade científica95. Porém, Sá sinaliza que, a
institucionalização universitária deve ser entendida como o “remate do processo de
especialização dos saberes e individualização das disciplinas, e não como o seu
nascimento”96.
Apesar de todo o discurso em pró da ciência dentro das universidades, a estrutura
universitária nem sempre foi favorável ao desenvolvimento da pesquisa científica. Isso por
que a educação universitária, quando extremamente acadêmica e focada em disciplinas
básicas, inicia tardiamente seus estudantes na pesquisa científica. Entre outras dificuldades
encontradas, podemos destacar: 1) A ênfase na pesquisa básica, em oposição à ciência
aplicada, o que leva a um desequilíbrio entre a oferta e a procura em diferentes áreas. 2)
Isolamento do cientista dentro do ambiente universitário, o distanciando da indústria, o que
reduz a possibilidade de troca de ideias e informações entre os diferentes tipos de ciência. 3)
A estrutura disciplinar e a autoridade do professor dentro de seu departamento, que pode
impedir a variedade de pesquisa. Os professores quase sempre têm obrigações de meio
expediente, como a presença em sala de aula, e o seu tempo disponível para a pesquisa é
reduzido.
Buscando amenizar os conflitos mencionados acima, muitos institutos de pesquisa
foram criados dentro das universidades, alguns vinculados a departamentos, outros
independentes. Esses espaços de pesquisa permitiram a formação de grupos de cientistas
trabalhando juntos, seja em um problema único ou em um conjunto de problemas
relacionados, como também proporcionaram uma maior chance aos estudantes de se lançarem
à pesquisa e, também, adquirir experiência técnica.
O Instituto de Antropologia (IA) da Universidade do Rio Grande do Norte funcionou
relativamente nesses termos. No entanto, como veremos mais a frente, o modelo de pesquisa o
qual o IA se propôs, ou seja, a pesquisa básica, não tinha como propósito solucionar os
problemas da produção e do desenvolvimento econômico do Estado. Os cientistas que
formou, focados na pesquisa acadêmica, não eram os técnicos que regeriam as ações do
governo estadual. Fato que, ao lado de questões diretamente relacionadas à estrutura do
ambiente universitário, contribuiu para o esgotamento do Instituto de Antropologia como
espaço científico.

95
DANTES, M. A. As instituições Imperiais na historiografia das ciências no Brasil. In: HEIZER, A.;
VIDEIRA, A. (Orgs.) Ciência civilização e Impérios nos Trópicos. Rio de Janeiro: Access, 2001.
96
SÁ, Dominichi Miranda. A ciência como profissão. p. 16.
50

Da análise das fontes relativas à criação do Instituto de Antropologia (IA) em Natal


encontramos dois cenários intimamente conectados. Um, trabalhado nesse primeiro capítulo,
pertinente a questões políticas, econômicas e sociais que, ao longo da segunda metade da
década de 1950, nos revelam alguns dos elementos fundamentais para entendermos as
condições que levaram à criação do IA, como, por exemplo, interesses políticos, demandas
locais e ambiente intelectual favorável ou não.
E, outro, que apresentaremos no segundo capítulo, no qual nos deparamos com os
intelectuais envolvidos diretamente da criação do IA que, como os agentes sociais pensaram
esse espaço de ciência e enfrentaram alguns desafios para sua organização inicial.
51

CAPÍTULO 2

OS SÁBIOS DAS CIÊNCIAS:


agentes de um campo científico em construção

Um ano antes da criação do Instituto de Antropologia (IA), em setembro de 1959, Luís


da Câmara Cascudo apresentava para a população potiguar, por meio de um texto publicado
na sua coluna Acta Diurna, no jornal A República, a ideia da concepção desse espaço
dedicado à pesquisa científica em Natal.
No texto, intitulado Instituto de Antropologia em Natal, Cascudo informa que o reitor
da Universidade do Rio Grande do Norte, Onofre Lopes, havia encaminhado ao Governador
do Estado, Dinarte Mariz, um pequeno memorial sugerindo a criação do Instituto de
Antropologia na Universidade do Rio Grande do Norte97. Ressalta, ainda, o futuro promissor
da instituição que seria motivo de orgulho, principalmente para aqueles a favor da sua criação:

O Governador do Estado encaminhou à Assembleia Legislativa a mensagem


solicitatória e, graças a Deus, não haverá um só Deputado que não sinta
orgulho de participar na criação de uma entidade que, de futuro, será um
título de alta benemerência para quantos possibilitaram seu aparecimento e
movimentação98.

De acordo com Cascudo, o IA representaria para Universidade um ambiente capaz de


“iluminar ângulos ainda obscuros e desconhecidos de nossa existência material e espiritual”.
Seria um espaço apropriado para aumentar o patrimônio científico da Universidade e valorizar
as pesquisas do “homem norte-rio-grandense no tempo e no espaço” em três áreas científicas:
Antropologia Física, Antropologia Cultural e Paleontologia, “abrangendo o campo imenso e
virgem da Etnografia, do Folclore, da Geografia Humana e Econômica, da Pré-História
(Arqueológica e Paleontológica)”99.
Para que o Instituto de Antropologia fosse concretizado, Cascudo enfatiza, em seu
texto, o clima de cooperação, apoio e estímulo presente entre os envolvidos no projeto:

97
O referido memorial não foi encontrado no Arquivo da Reitoria da UFRN e nem no Arquivo da Assembleia
Legislativa de Natal.
98
INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA EM NATAL. A República, Natal. 25 set 1959. p. 1.
99
Idem.
52

Tudo quanto se anuncia nesse futuro Instituto nasce sob a estrela da


cooperação, da boa vontade, do auxilio geral, de um clima de simpatia, de
apoio e de estimulo, indispensáveis para a vitória difícil nas fases difíceis de
inciativa e aparelhamento100.

E, em tom provocativo, questiona quem seriam os responsáveis por tamanha


iniciativa:

Meu Deus! Um Instituto de Antropologia na Cidade do Natal? Que gente


afoita! Que atrevimento irresponsável! Que audácia imprudente! Onde estão
os recursos materiais para a sustentação desse empreendimento? Onde estão
os “sabedores” dessas disciplinas? Onde estão os “sábios” dessas ciências?
Estão aqui mesmo101.

Entre os sábios das ciências que se atreveram a pensar um Instituto de Antropologia


em Natal estava o próprio Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), considerado a maior
autoridade intelectual norte-rio-grandense, pelo seu trabalho de pesquisa e escrita sobre o
folclore, etnografia, literatura e história. Os outros “atrevidos e irresponsáveis” foram: Dom
Nivaldo Monte (1918-2006), religioso e diretor da Escola de Serviço Social de Natal, e que
se dedicava à pesquisa do solo, botânica e genética; Veríssimo de Melo (1921-1996) que,
seguindo os passos de Cascudo, pesquisava e escrevia sobre etnografia e folclore, sendo
professor da Faculdade de Filosofia de Natal; e José Nunes Cabral de Carvalho (1913-
1979), cientista na área da antropologia física, formado em odontologia no Rio de Janeiro e
que, ao retornar a Natal, buscou criar na capital potiguar uma instituição científica inspirada
nos grandes espaços de ciência da época.
Esses indivíduos formaram a primeira equipe de cientistas do Instituto de
Antropologia da Universidade do Rio Grande do Norte, responsáveis por iniciar as atividades
desse espaço no ano de 1962.
Antes de tudo, é importante entendemos que a Antropologia foi um campo de
conhecimento estruturado numa época em que as ciências biológicas apareciam como
principal abordagem. A antropologia como ciência biológica teve, em um primeiro momento,
como objeto principal de seus estudos o “homem antigo”, ou seja, o homem de Lagoa Santa,
o homem do sambaqui e os indígenas. Assim, a antropologia se fundamentou, por muito
tempo, tanto na anatomia quanto na geologia. Em seguida, a antropologia voltou-se para o
problema da mestiçagem, em termos de cruzamentos entre raças distintas e das consequências

100
Idem.
101
Idem.
53

desses cruzamentos, com a emergência da genética. Ou seja, ninguém poderia fazer essa
antropologia sem ter uma formação em Biologia102.
No Brasil, temos um vasto período de hegemonia desta Antropologia Física ou
Biológica. Praticadas por antropólogos que não possuíam formação acadêmica em
Antropologia, mas na área médica, sobretudo especialistas em anatomia, a antropologia física
se desenvolveu fora dos espaços de ensino superior. O Museu Nacional foi a instituição que
mais se destacou nos estudos de mestiçagem e populações indígenas, seguido pelo Museu
Paraense Emílio Goeldi. Duas instituições que serviram de modelo para o Instituto de
Antropologia.
Além do mais, por muito tempo, o lugar de algumas ciências, não só no caso da
antropologia, mas de diversas ciências naturais, não era nas escolas de ensino superior, era
nos Museus e Institutos de Pesquisa. Portanto, zoólogos, botânicos e geólogos, no Brasil,
tinham outra formação escolar, porque só a partir de 1940 é que foram criados das Faculdades
de Filosofia no Brasil e os cursos de História Natural103.
Em um segundo momento, houve uma “diminuição” das pesquisas de Antropologia
Física, e surge uma Antropologia que passa a ser tratada como ciência social, com
designações tais como etnografia e etnologia. A prática inicial dessa Antropologia é bem clara
quando nos voltamos aos naturalistas das expedições científicas e ao colecionismo de
artefatos indígenas. Os seus alvos são as sociedades tribais, os estudos sobre “sincretismo” e
“aculturação" dos negros, com Arthur Ramos, sobre a cultura brasileira e as representações
sobre herança, com Tavares Bastos e Sérgio Buarque de Holanda. Logo, surgem os estudos
sobre folclore que, no Museu Nacional, recebem o nome de etnografia regional a partir de
Roquete Pinto. No Nordeste, tem-se, sobretudo, a contribuição de Cascudo e Veríssimo de
Melo.

102
FARIA, Luiz de Castro. Antropologia: duas ciências. Notas para uma história da antropologia no Brasil.
Orgs.: Alfredo Wagner Berno de Almeida e Heloisa Maria Bertol Domingues. Brasília: CNPq; Rio de Janeiro:
MAST, 2006. p. 19.
103
FARIA, Luiz de Castro. Antropologia: duas ciências. Notas para uma história da antropologia no Brasil.
Orgs.: Alfredo Wagner Berno de Almeida e Heloisa Maria Bertol Domingues. Brasília: CNPq; Rio de Janeiro:
MAST, 2006. p. 30.
54

2.1 Luís da Câmara Cascudo – o etnógrafo e pesquisador potiguar

Cascudo iniciou sua atividade intelectual no


ano de 1918, atuando como jornalista e publicando
pequenas biografias e crônicas sobre a cidade do
Natal e do estado do Rio Grande do Norte, no jornal
A Imprensa, de propriedade de seu pai104. Nesse
mesmo ano, mudou-se para Salvador, onde
ingressou na Escola de Medicina da Bahia,
cursando até o quarto ano, quando desistiu da área
médica. Figura 1: Luis da Câmara Cascudo, s/d
Fonte: http://www.memoriaviva.com.br/

Sobre sua desistência do curso de medicina, explicou:

Meu pai empobrecendo, não poderia eu ser um pesquisador na terapêutica


tradicional, como sonhara. Não tinha vocação médica. Minha vocação era o
Laboratório. Eu queria um laboratório meu. Já não era possível105.

Cascudo não era o único que, dentro da medicina, não mais se interessava pela clínica
médica. De acordo com Sá, grande parte das atividades reconhecidas como científicas no
Brasil daquele período ainda se confundiam com a prática da medicina, visto que, na falta de
outras instituições especializadas, muitos tinham nas faculdades de medicina o único caminho
para ciência. Por isso, muitos cientistas que ingressavam na área médica, como Oswaldo Cruz
e Miguel Ozório de Almeida106, passaram a defender a sua profissionalização como uma
atividade cada vez mais distante do exercício exclusivo da clinica médica. Se afastando cada
vez mais do ato de clinicar, do “passar receitas, ver a língua, tomar o pulso”, eles se voltaram
aos estudos experimentais e passaram a ser reconhecidos como homens de laboratório,
criando a imagem da carreira científica como profissão107.

104
O jornal A Impressa circulou até o ano de 1927, mas a função foi desempenhada até o ano de 1966,
ininterruptamente, em outros jornais locais.
105
CASCUDO, Luís da Câmara. O tempo e Eu. Natal, Imprensa Universitária, 1968. p. 47.
106
Oswaldo Cruz foi pioneiro no estudo das moléstias tropicais e da medicina experimental no Brasil. Fundou
em 1900 o Instituto Soroterápico Nacional, no Rio de Janeiro, hoje Instituto Oswaldo Cruz, respeitado
internacionalmente. Miguel Ozório de Almeida, médico neurologista e cientista brasileiro, chefiou o Instituto
Soroterápico Nacional, e pelos seus estudos sobre a fisiologia do sistema nervoso, recebeu o Prêmio Einstein
concedido pela Academia Brasileira de Ciências.
107
Sá, Dominichi Miranda de. A ciência como profissão: médicos, bacharéis e cientistas no Brasil (1895-1935).
Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006. p. 110-114.
55

Sem vocação para a clínica médica e sem condições de ter o seu laboratório, por
ocasião do empobrecimento de seu pai, comerciante que sempre havia gozado de excelente
situação financeira, mas que no final daquela década passava por sérias dificuldades, Cascudo
desistiu da área e ingressou na Faculdade de Direito do Recife, formando-se a duras penas em
Ciências Jurídicas e Sociais no ano de 1928.
Como o Rio Grande do Rio somente ganhou suas escolas de nível superior na década
de 1940, principalmente após o término da Segunda Guerra Mundial, a Faculdade de Direito
de Recife teve papel importante na formação de muitos intelectuais potiguares nos temas da
sociologia e da antropologia, tendo como enfoque a valorização do homem brasileiro e a
investigação do caráter nacional, sempre em debate com correntes teóricas europeias, como o
positivismo e o evolucionismo. Outro destino que intelectuais seguiam nesse período era para
os dois espaços onde o Brasil viu nascer sua ciência médica, a Faculdade de Medicina do Rio
de Janeiro, onde os médicos das campanhas sanitaristas, como Oswaldo Cruz e Carlos
Chagas, se destacaram, e a Faculdade de Medicina da Bahia, casa de Nina de Rodrigues e sua
teoria antropológica-criminal.
Durante a passagem de Cascudo por essas escolas, cresceu o seu interesse pela cultura
brasileira – os costumes, as lendas e tradições -, considerada pelos estudiosos da década de
1920 e 1930, a exemplo de Mário de Andrade, como um caminho para a compreensão do
Brasil. Sua dedicação pelo tema fez com que em fins de 1928 e início de 1929, embarcasse
em uma viagem ao lado de Mário de Andrade percorrendo o interior do estado do Rio Grande
do Norte, com a finalidade de catalogar e coletar objetos sobre a cultura popular potiguar.
Já no ano de 1941, Cascudo fundou a Sociedade Brasileira de Folclore, primeira
instituição no gênero do país, e com sede na sua própria residência108.

O grande objetivo da instituição foi a realização de atividades em defesa do


folclore de Natal e do Nordeste. Estabeleceu um importante intercâmbio
internacional com diversos pesquisadores tais como Stith Thompson e
Archer Taylor (Estados Unidos), Duilearga (Irlanda), von Sydow (Suécia),
Schmidt (Suíça), Castillo de Lucas (Espanha), entre outros que eram
correspondentes constantes da sociedade.

De 1921, data da publicação do seu primeiro livro Alma Patrícia, uma crítica literária
sobre poetas natalenses, até o ano de 1959, quando surge a ideia de criação do Instituto de
Antropologia, Cascudo já havia publicado mais de 90 obras. Sua produção o levou não só a

108
http://www.cascudo.org.br/biblioteca/vida/cronologia/.
56

um reconhecimento local e nacional, mas também internacional, como mostra suas


participações como membro de instituições como a Academia Nacional de História e
Geografia do México, o Instituto Português d’Arqueologia, História e Etnografia, a Folk-
Lore Society, de Londres, a mais antiga sociedade de folclore do mundo, e Sociedade de
Folclore da Irlanda, um grupo fechado, da qual só participavam, até então, quatro folcloristas
de fama mundial: Archer Taylor e Stith Thompson (norte-americano), Reider Christiansen
(norueguês) e Wilhelm von Sydow (sueco). Com mais esta distinção internacional, ele
alcança um nível invejável de reconhecimento e respeito intelectual.
Se considerarmos o reconhecimento e respeito intelectual, corroborados pela
quantidade de produção intelectual resultado de anos de pesquisa praticamente solitária, por
vezes com o apoio pontual de alguns intelectuais, e a posição social de destaque que Cascudo
possuía, não só no estado, mas fora dele, como membro de importantes instituições, nos
indagamos sobre o motivo que o levou a participar na organização de um instituto de pesquisa
que, como vimos, se mostraria como um espaço que possui entre as suas principais
características a dedicação em conjunto à prática científica.
Em um primeiro momento, o extenso currículo de Cascudo nos leva a crer que não
havia necessidade, de sua parte, de ingressar em um instituto para desenvolver suas pesquisas
ou publicar suas obras. No entanto, notemos que os institutos de pesquisa são espaços
constituídos não apenas por interesses científicos individuais, mas onde esses interesses se
encontram com outros interesses sociais, que constituem um campo científico, explicado pela
noção bourdieusiana. Por exemplo, associar-se a outros cientistas em um instituto de pesquisa
significaria estabelecer e ter acesso a uma rede de contatos entre os agentes que fazem o
campo científico, indivíduos e instituições. Os contatos poderiam levar também a
oportunidades de negócios, que enxergamos como uma motivação financeira. Lembremos
que, com a falência de seu pai, Cascudo não gozava de grande fortuna naquele momento. A
atividade intelectual, apesar de fornecer prestígio social, não fornecia as condições de sua
sobrevivência109. Ressaltamos, também, que a sua participação na organização de uma
instituição seria capaz de gerar poder e influência, garantindo certos privilégios e benefícios
que extrapolam o campo científico. O ensejo de status ou, nas palavras do próprio Cascudo, o
título de alta benemerência110.

109
O pai de Cascudo, o coronel Francisco Cascudo, dizia sobre o filho: “Meu filho é um monstro para trabalhar,
mas só procura trabalho que não dá dinheiro...”.
110
ARDIGÓ, Fabiano. Histórias de uma ciência regional: cientistas e suas instituições no Paraná (1940-1960).
São Paulo. Contexto, 2011. p. 105.
57

Ao refletirmos como o encontro dos interesses sociais e científicos, entendido aqui


como as relações entre os agentes, é responsável por determinar o que eles podem ou não
podem fazer dentro de um campo científico, percebemos que a posição que os agentes
ocupam dentro dessa estrutura é a responsável por determinar ou orientar suas tomadas de
posição, seja na escolha dos lugares de atuação como também a seleção de temas e objetos a
serem pesquisados111.
Se a sua participação em uma instituição lhe concedia os bônus citados acima, seria
também o Instituto privilegiado pela presença de Cascudo? Acreditamos que sim. Para
demonstrar como um agente é capaz de deformar todo um espaço do campo científico,
Bourdieu utiliza como exemplo a posição do físico alemão Albert Einstein. Para Bourdieu
“não há físico, pequeno ou grande, em Brioude ou em Harvard que [...] não tenha sido tocado,
perturbado, marginalizado pela intervenção de Einstein [...]”112. A intervenção da qual
Bourdieu fala está relacionada com a quantidade de capital científico que um agente detém
num dado momento, que consiste no reconhecimento pelos pares do peso que ele possuí no
interior do campo científico, representado principalmente pela ocupação de cargos,
nomeações, títulos, publicações, entre outras categorias de percepção113.
Portanto, é notável o peso de capital científico que Cascudo detinha no momento de
criação do Instituto. Além de ser membro de diversas organizações, Cascudo havia exercido
várias funções públicas. Foi professor do tradicional colégio Ateneu Norte Riograndense
(1928), Secretário Geral da Academia Norte Riograndense de Letras (1936), diretor do
Arquivo e Museu do Estado do Rio Grande do Norte (1950). Em 1951, fora nomeado
professor de Direito Internacional Público da Faculdade de Direito de Natal e, em 1956,
professor de Etnografia Geral do curso de Geografia da Faculdade de Filosofia de Natal,
ambas integradas à Universidade do Rio Grande do Norte no ano de 1959. Além do mais,
Cascudo fora o orador oficial do discurso de instalação da Universidade do Rio Grande do
Norte, em 1959.

111
BOURDIEU, Usos sociais da ciência, p. 23.
112
Idem.
113
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas/SP: Papirus, 2011. 11. ed. p. 107.
58

Figura 2: Luís da Câmara Cascudo, no momento em que proferia o discurso de instalação da Universidade do
Rio Grande do Norte. Teatro Alberto Maranhão, Natal, 21 de março de 1959.
Fonte: Acervo Particular de Dinarte Mariz Junior

O seu capital científico era, além de tudo, um capital simbólico objetivado, aquele
garantido pelo estado, que age como uma espécie de banco de capital simbólico. Um capital
garantido através de atos de autoridade, pertencente à categoria de atos oficiais,
simbolicamente eficientes porque realizados em situação de autoridade, por pessoas
autorizadas114.
Nesse sentido, seria quase inconcebível organizar uma instituição de pesquisa na área
da antropologia no Rio Grande do Norte sem a participação de Cascudo. Não é de se
surpreender que ele tenha sido nomeado o primeiro diretor do Instituto de Antropologia pelo
Reitor Onofre Lopes da Silva, na ocasião da primeira reunião de seus membros, em 19 de
dezembro de 1961.
Apesar das palavras de grande entusiasmo que Cascudo utiliza para apresentar o
Instituto de Antropologia à população natalense, sua atuação no primeiro ano de
funcionamento desse espaço é esporádica, culminando em seu desligamento do IA no ano de
1962. Em correspondência do IA para o então Ministro de Estado da Educação e Cultura,
Jarbas Passarinho (s/d), encontramos um trecho que cita o afastamento de Cascudo, assim
como de outro membro fundador, Dom Nivaldo Monte, do Instituto:

114
Ibidem. p. 113.
59

No ano de 1962, [...] foi fundado o Instituto de Antropologia [...] iniciativa


que contou, inicialmente, com a colaboração dos professores Luís da Câmara
Cascudo, D. Nivaldo Monte e Veríssimo de Melo. Logo no segundo ano de
sua instalação, os dois primeiros professores acima citados se afastaram
espontaneamente da instituição, ficando o prof. José Nunes Cabral de
Carvalho na sua direção115.

Não há qualquer referência ao motivo de sua saída nos documentos oficiais do IA, a
não ser uma passagem escrita por Veríssimo de Melo no relatório Breve Notícias sobre o
Museu Câmara Cascudo, de 1977, onde diz que Cascudo teria renunciando sua participação
no Instituto justificando seu afastamento com os seguintes apalavras: “Eu não posso
acompanhar o ritmo de trabalho de vocês. Enquanto eu caminho de carro-de-boi, vocês voam
de avião a jato”116.
Talvez sua declaração de “caminhar a carro de boi” remeta ao volume de viagens de
campo ao interior do estado que o restante da equipe empreendia. Só na primeira metade de
1962, por exemplo, a equipe do IA já havia percorrido quase todas as regiões do estado na
busca de material etnográfico, sítios arqueológicos e paleontológicos.
No entanto, conforme depoimento de Nássaro Nasser, arqueólogo formado pelo IA e
que veio compor a sua equipe em 1963, o afastamento de Cascudo do Instituto se deve a
desentendimentos com outro membro da equipe, José Nunes Cabral de Carvalho. Ao que
parece, Cabral enxergava o Instituto não como um espaço exclusivo para abrigar cientistas,
mas sim como um espaço capaz de formar novos pesquisadores por meio de cursos e
treinamento. Algo que não interessava Cascudo, que visualizava um Instituto como um
espaço destinado apenas para abrigar as pesquisas de profissionais já estabelecidos em suas
áreas117.

115
Correspondência de José Nunes Cabral de Carvalho para Jarbas Passarinho. s/d.
116
Notícias sobre o Museu Câmara Cascudo (1977). Relatório de Atividades do Museu Câmara Cascudo,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte 1977.
117
SANTOS, R.B dos. Antropologia, Arqueologia e identidade no nascimento do Museu Câmara Cascudo
1960-1973). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, MAST, Rio de Janeiro, 2013, p. 91.
60

2.2 Nivaldo Monte – entre a ciência de Deus e a ciência dos homens

Dom Nivaldo Monte (1918-2006) veio de


uma família de três irmãos dedicados às ciências
da saúde – um médico, um dentista e um
farmacêutico, e três dedicados ao sacerdócio,
sendo um de seus irmãos o Padre Luiz Gonzaga
do Monte (1905-1944). Padre Monte, como lhe
chamavam, era considerado pela classe intelectual
local não só um homem de Deus, mas um homem
de ciência e um homem de letras. De acordo com
Cascudo, Padre Monte representava “a cultura
Figura 3: Dom Nivaldo Monte, s/d
mais ampla do estado do Rio Grande do Norte”, Fonte: www.arquidiocesedearacaju.org
pois conseguia “articular a ciência com a
religião”118.
Dom Nivaldo seguiu os caminhos do irmão Padre Monte, ingressando no seminário
aos 13 anos, onde completou os estudos em Filosofia e Teologia e, como autodidata, passou a
se dedicar à pesquisa do solo e realizar experimentos na área da botânica e genética em um
sítio de sua propriedade. Dizia que tudo o fascinava na genética, no entanto, a genética que
pesquisava não era a genética ligada à Antropologia Física, que focava os problemas de
cruzamento e diferenciação racial. Dom Nivaldo realizava pesquisas sobre fecundidade e
desenvolvimento de plantas. No campo das pesquisas agronômicas, estudou as
potencialidades do solo dos tabuleiros do Rio Grande do Norte, solos pobres e que possuem
pouca capacidade de armazenamento de água119.
A relação entre religião e ciência pode nos parecer incoerente nos dias atuais, contudo,
no Brasil do início e metade do século XX as questões religiosas e científicas possuíam
ligações bastante intensas. Esse fato se explica pelo forte domínio que os religiosos tinham
sob o setor educacional, onde as instituições de educação religiosas eram reconhecidas por
oferecer o ensino de disciplinas como Filosofia, Lógica, Matemática, Metafísica, Moral, além

118
Para maiores informações sobre o Padre Monte ver: NAVARRO, Jurandyr. (Org.). Antologia do Padre
Monte. Natal/RN: Fundação José Augusto. 1976-1996.
119
LIMA, Diógenes da Cunha. O Semeador de alegria: uma biografia de Dom Nivaldo Monte. Natal, Sebo
Vermelho Editora. 2007. p. 109.
61

de Ciências Físicas e Naturais120. Enquanto que Clero, na figura de padres, bispos, arcebispos,
participava ativamente da vida social e política das cidades. A presença dos religiosos era
bastante forte, sobretudo, nas cidades do interior do Brasil. Tanto que, desde o ano de 1950, o
Brasil organizava a Semana Ruralista para o Clero, com a finalidade de “proporcionar aos
padres que trabalham no interior do Brasil novos conhecimentos tipicamente rurais”121.
O Rio Grande do Norte também organizava suas semanas rurais. A Décima Semana
Rural do Estado, ocorrida no ano de 1957, contou com cursos e conferências, ministrados por
intelectuais locais como Oto Guerra e Luís da Câmara Cascudo. Havia também, dentro da
programação, um curso específico para o Clero rural, com a participação de sacerdotes do
122
Nordeste do brasileiro com interesse em se tornarem “lideres rurais” . A participação da
igreja, por meio dos lideres rurais, era tida como uma das bases para recuperação da economia
agrícola, sobretudo no Nordeste, por colaborar com a fixação do homem ao solo ao fornecer
assistência nos momentos críticos da seca, evitando assim um maior êxodo para os grandes
centros urbanos 123.
Também no ano de 1957, com a presidência de Dom Nivaldo, o Colégio Santo
Antônio (Marista), por meio da Arcádia Natalense, uma sociedade cultural que funcionava
naquele educandário, promoveu a I Semana de Estudos Potiguares. Uma semana com
conferências diárias com temas diversos sobre o Rio Grande do Norte. Participaram da
semana intelectuais como o professor Boanerges Soares, da Faculdade de Filosofia de Natal,
com o tema “Instituições culturais do Rio Grande do Norte”, o Prof. Manuel Rodrigues de
Melo, Presidente da Academia Norte Riograndense de Letras, com a palestra “Confederação
Tapuia no Rio Grande do Norte”, e o próprio Dom Nivaldo que falou sobre “Fitogeografia e
Geografia do Rio Grande do Norte”. A conferência de Dom Nivaldo ganhou destaque na
impressa local, com o jornal A República publicando um texto no qual aponta a importância
do tema para o Estado:

Assunto por demais oportuno, pois sempre desperta interesse geral


qualquer estudo acerca da distribuição das planas na terra, mais agora
pelo fato de estarmos presenciando a um trabalho de âmbito nacional,
constate de reflorestamento de nossas áreas desnudas124.

120
CARVALHO, André de Souza. Jesus Moure: religiosamente cientista. In: ARDIGÓ, Fabiano. (Org).
Histórias de uma ciência regional: cientistas e suas instituições no Paraná (1940-1960). São Paulo. Contexto,
2011. p. 182.
121
O CLERO VAI ESTUDAR RURALISMO, A República, Natal. 05 jan. 1957. p. 1.
122
X SEMANA RURAL..., A República, Natal. 10 jan. 1957. p. 2.
123
A IGREJA E A RECUPERAÇÃO ECONOMICA..., A República, Natal. 03 mar. 1957. p.22.
124
FITOGEOGRAFIA E GEOGRAFIA..., A República, Natal, 23 out. 1957. p.4.
62

Inserido no meio intelectual potiguar, Dom Nivaldo, além de se ocupar com


conferências sobre temas como ciência, psicologia e, também, religião, exercia a função de
professor da disciplina de História Natural no Seminário São Pedro de Natal e foi um dos
fundadores e diretores da Escola de Serviço Social, agregada à URN, onde também era
professor. Como representante da Escola de Serviço Social, participou ativamente da
instituição da URN, sendo membro do Conselho Universitário, coordenado pelo Reitor
Onofre Lopes, de onde partiu a autorização para a instalação do Instituto de Antropologia em
1959.
Assim como Cascudo, Dom Nivaldo integrou a equipe do IA apenas nos seus
primeiros meses de funcionamento. De acordo com o Livro de Atas do IA, participou somente
da primeira reunião, ocorrida em 19 de dezembro de 1961. Não encontramos qualquer
declaração sua sobre o Instituto em seus livros ou falas a jornais. Foram encontrados apenas
dois documentos que quase nada revelam sobre suas atividades no IA, na documentação
analisada. O primeiro é um relatório de sua autoria, no qual assina como geneticista, intitulado
Aspectos Fitogeográficos da Região do Ronca, referente a primeira viagem de campo do IA, e
talvez a única da qual D. Nivaldo participou no ano de 1962. E uma nota de agradecimento de
José Nunes Cabral de Carvalho pelas suas observações fitogeográficas em um trabalho
publicado no ano de 1964125.
De acordo com depoimento de Jurandyr Navarro126, Dom Nivaldo parecia enxergar
sua dedicação à ciência mais como uma distração do que algo digno de intensa dedicação.
Talvez por isso ele tenha se afastado do IA. Contudo, em seu discurso quando eleito para a
Academia Norte-rio-grandense de Letras, no ano de 1977, Dom Nivaldo reivindicou o
acolhimento naquela casa de pesquisadores e cientistas. Desejava que ali também fosse uma
Academia de Ciência, pois só assim os intelectuais potiguares seriam valorizados por
completo.
O motivo oficial de seu desligamento foi a sua transferência para a cidade de Aracaju,
Sergipe, para assumir o cargo de Bispo Auxiliar, onde permaneceu durante dois anos (1963-
1965), sendo transferido posteriormente para Natal parar exercer a função de Administrador
Apostólico. Porém, seu regresso à Natal não significou um retorno ao IA. Dom Nivaldo
continuou a desenvolver, sozinho, suas experiências genéticas na área da botânica em sua

125
CABRAL DE CARVALHO, José Nunes – Nota prévia sobre a jazida osteológica da Pedra dos Ossos, Serra
do Ronco (Município de São Tomé). In: Arquivos do Instituto de Antropologia da URN, Natal. Vol. 1, n. 1.
1964. p. 35-39.
126
Autor da obra biográfica Antologia do Padre Monte, sobre o irmão de Dom Nivaldo.
63

granja, localizada em Emaús127. Dessa experiência nasceram dois livros: “A Granja e eu”,
publicado em 1980, e “Experiência nos Tabuleiros do Rio Grande do Norte”, ainda inédito128.
Com a sua saída, o Departamento de Genética do Instituto ficou sem responsável
direto até o ano de 1964, quando deixou de existir, vindo a aparecer novamente na estrutura
do IA somente na década de 1970.

2.3 Veríssimo Pinheiro de Melo – o capitão-mor do folclore

Nascido em Natal, Veríssimo Pinheiro de


Melo (1921-1996), seguiu os passos de muitos
intelectuais locais, mudando-se inicialmente para Rio
de Janeiro, onde ingressou na Faculdade de Direito
da PUC, em 1942. Posteriormente, se transferiu para
a Faculdade de Direito do Recife, formando-se em
Ciências Jurídicas e Sociais, em 1948.
Atuando como jornalista, ainda no Rio de
Janeiro, escrevia crônicas para o Diário de Notícias. Figura 4: Veríssimo de Melo, s/d
Fonte: Arquivo do Museu Câmara Cascudo.
Retornando a Natal, passou a publicar suas crônicas,
primeiramente, no O Diário, e em seguida no jornal A República, com a coluna diária
Acontecimentos da Cidade. Foi durante esse período que começou a frequentar a casa de Luís
da Câmara Cascudo, interessado pelo estudo do folclore e da etnografia brasileira.
Passou a dedicar-se aos estudos do tema e empreendeu diversas viagens pelo interior
do Rio Grande do Norte e por todo o Brasil, com intuito de pesquisar e recolher material
etnográfico. Fruto de suas pesquisas, logo publicou sua primeira obra em 1948 e, até o ano de
1959, havia publicado mais quatro livros129.
Na época de criação do IA, sua produção cultural o colocava ao lado de nomes locais
como Cascudo e Manuel Dantas130. Quando eleito para a Academia Norte-Riograndense de
Letras, em 1956, o jornal A República se referia à Veríssimo como o “capitão-mór do

127
Ainda em vida, Dom Nilvado cedeu sua granja para a instalação do Mosteiro das Filhas de Santana
Contemplativas – Adoradoras Perpétuas, onde permanecem até hoje.
128
GALVÃO, Hélio. Discurso de recepção na Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, publicado na Revista
daquela instituição, Ano XXV, nº 13, Natal-RN, novembro de 1977, págs. 123-128.
129
Os livros são: “Adivinhas” (1948), “Acalantos” (1949), “Parlendas” (1949), “Rondas Infantis Brasileiras” e
“Jogos populares do Brasil” (1956).
130
Manoel Dantas (1867-1924) foi um jornalista, advogado e político potiguar, considerado o precursor dos
estudos de folclore no Rio Grande do Norte e, segundo Veríssimo de Melo, “o primeiro a recolher e valorizar, na
imprensa, os contos, crenças, lendas, superstições, velhos costumes” (MELO, 1972).
64

folclore” local. Seu capital científico na área da etnografia e do folclore só não era maior que
o de Cascudo, como publicava o jornal A República em 1956: “Em Natal, depois de Luís da
Câmara Cascudo, (Veríssimo) é o mais autorizado pesquisador de assuntos folclóricos”131.
Assim como Cascudo, Veríssimo também carregava como agente desse campo o capital
simbólico objetivado, presidindo, por exemplo, ao longo da década de 50, as Comissões
Estaduais de Folclore nos inúmeros Congressos Brasileiros e pertencendo a quase todas as
sociedades de folclore do mundo.
Em março de 1959, meses antes da criação do IA, Veríssimo fundou um Museu
Etnográfico na Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Norte, onde
lecionava a cadeira de Etnografia do Brasil. Ao divulgar a criação do museu em sua coluna
Acontecimentos da Cidade, publicada no jornal A República, Veríssimo, além de ressaltar o
apoio recebido pelo Reitor Onofre Lopes e pelos professores Edgar Barbosa e Luís da Câmara
Cascudo, creditava à utilidade desse espaço à sua capacidade de valorizar e conservar “as
sobrevivências materiais dos nossos indígenas, negros e elementos de outras etnias” que,
segundo ele, estariam sendo descaracterizadas por influências externas.
Inspirado no Museu de Etnografia da Universidade de São Paulo132, fundado em
1935, pelo professor Plínio Ayrosa, Veríssimo enxergava o Museu de Natal como um
instrumento didático e afirmava que diante de uma peça etnográfica, o aluno teria a “visão
completa do material estudado, não se restringindo apenas à simples descrição verbal ou
fotografias de livros”133.
Não sabemos se o Museu Etnográfico realmente chegou a funcionar. Acreditamos que,
apesar de criado, sua instalação nunca foi efetivada. No entanto, percebemos pela descrição
que Veríssimo faz do Museu que ele transportou, posteriormente, o mesmo conceito para o
Instituto de Antropologia: divido em três seções – índio, negro e outras etnias. No Instituto,
Veríssimo direcionou o seu trabalho para o estudo da cultura material a das manifestações
(mitos, música, costumes) dos indígenas e do potiguar, se engajando, sobretudo, na coleta de
material etnográfico para a criação de um Museu de Cultura Popular dentro do seu setor.

131
VOCAÇÃO QUE NÃO SE PERDEU, A República, Natal, 03 Ago. 1956. p. 35-39.
132
O acervo do Museu de Etnografia foi incorporado na década de 1970 ao Museu de Arqueologia e Etnologia
da Universidade de São Paulo (MAE-USP), sendo conhecido hoje como Acervo Plínio Ayrosa.
133
UM MUSEU ETNOGRÁFICO, A República, Natal, 14 mar. 1959. p.3.
65

2.4 José Nunes Cabral – a anatomia de um cientista e administrador

José Nunes Cabral de Carvalho (1913-1979),


natural do município de Macaíba, Rio Grande do
Norte, mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro na
década de 1930. Diferentemente dos intelectuais
locais que partiam para o sudeste para estudarem
Direito ou Medicina, Cabral, sem apoio financeiro,
pois seus pais já eram falecidos, começou a trabalhar
como estivador no Porto do Rio Janeiro. Em
seguida, conseguiu empregar-se como servente no
Instituto Anatômico Antônio Pedro, localizado em Figura 5: José Nunes Cabral, s/d
Fonte: Arquivo do Museu Câmara Cascudo.
Niterói, então capital do estado do Rio de Janeiro.
No Instituto Anatômico, Cabral, que chegou a morar em suas instalações enquanto
trabalhava na sua limpeza, se interessou pela área médica e ingressou no curso de Medicina
da Faculdade Fluminense, que funcionava no mesmo prédio no Instituto. No entanto, não
chegou a concluí-lo, ingressando, posteriormente, na Escola de Odontologia da mesma
faculdade, formando-se Cirurgião Dentista no ano de 1941. Entrou para o Magistério Superior
como professor da Cadeira de Anatomia do Curso Odontológico da Faculdade Fluminense de
Medicina, onde permaneceu até 1959. Nesse período, dedicou-se ao seu consultório privado e,
segundo algumas reportagens em jornais de Natal, realizou pesquisas no Museu Nacional do
Rio de Janeiro, tornando-se conhecido pelos seus pares na capital potiguar134. O jornal A
República, em 05 de julho de 1959, ao noticiar uma de suas vindas à Natal, anunciava o “prof.
Dr. José Nunes Cabral de Carvalho, docente da cadeira de Anatomia da Faculdade
Fluminense de Medicina e Antropologista do Museu Nacional”135. No entanto, não temos
maiores dados que comprovem a atuação de Cabral como pesquisador do Museu Nacional,
seu nome não foi encontrado no quadro de pesquisadores e colaboradores da instituição
durante aquele período.
Cabral retornou a Natal em 1958 para ministrar o curso de extensão Atualização de
Anatomia, promovido pela Faculdade de Odontologia da Universidade do Rio Grande do
Norte e a convite do seu diretor, José Cavalcanti Melo, assumiu em 1959 a cadeira de

134
De acordo com Lenilson Carvalho, aluno de Cabral e hoje escritor e professor. VER: CARVALHO, Lenilson.
Odontologia: Ofício e Literatura. Natal, Sebo Vermelho Editora. 2002; ____. Humor & Curiosidades da
Odontologia. Natal, Sebo Vermelho Editora. 2012.
135
A República, Natal, 03 jul. 1959. p.1.
66

Anatomia da citada faculdade. Como professor na Faculdade de Odontologia, Cabral deu


início à construção de um Instituto Anatômico, claramente inspirado no Instituto Anatômico
Antônio Pedro de Niterói. Aqui, Cabral almejava um Instituto Anatômico constituído de
laboratórios, ossuário, anfiteatro e um museu, descrito como “uma sala especial onde as peças
anatômicas ficarão depositadas em estantes de vidro” 136. Contudo, por causa de divergências
com o diretor da Faculdade, Cabral solicitou transferência exclusiva para o IA, sendo seu
diretor até 1974, ano em que o Instituto de Antropologia foi descontinuado.
Meses antes do texto Instituto de Antropologia de Cascudo ser publicado, Cabral, em
entrevista publicada em Julho de 1959, no mesmo jornal, falava sobre os seus planos para o
ensino da anatomia em Natal e dizia ter sido convidado pelo Reitor Onofre Lopes para
orientar as pesquisas em Antropologia Física de um instituto que seria fundado em breve.

Foi-se o tempo em que a Anatomia era um estudo bizantino de ranhuras e


traços [...] Nós nos preocupamos com aqueles setores essenciais, de vital
interesse para o profissional de amanhã. É um estudo de anatomia dinâmico,
útil que vibra.

De acordo com Cabral, sua pretensão como pesquisador do futuro Instituto seria
organizar

toda a evolução do homem, desde os peixes, até os animais superiores. [...]


conservando cem por cento a morfologia dos animais que caracterizam as
várias etapas da evolução na terra. Será uma verdadeira história muda da
evolução do homem.

E complementa:

Iremos organizar um fichário de todos os mestiços [...], com fotografias,


tipos de sangue, pigmentação, tipos de cabelos, todos os traços enfim que
interessam à antropologia física. [...] estudaremos então a parte óssea,
medindo crâneos e demais partes do esqueleto. Esse fichário será de alta
utilidade para estudos de confronto e conhecimento antropológico do
mestiço brasileiro.

No que tange à caracterização da Antropologia Física, nota-se, na fala de Cabral, a


ênfase nos conceitos de raça e de tipo e em determinações de herança biológica, pensamento
vigente na época. Sua declaração também é um exemplo claro do desejo de todo antropólogo

136
CARVALHO, Lenilson. Professor José Nunes Cabral de Carvalho – Anatomia de um Vencedor, 2009.
Disponível em: <http://www.sbde-dentistasescritores.zip.net/>. Acesso em 02/06/2012.
67

dedicado ao estudo da Antropologia Física naquele período: “organizar uma coleção


sistematicamente e cientificamente classificada”137.
Baseado, principalmente, em modelos de craniometria e na análise da anatomia
humana, o estudo da Antropologia física direcionou seu exercício principalmente à formação
de coleções de ossos humanos. Essa prática se inseria em um amplo debate evolucionista que
buscava comprovar o início da civilização. Percebemos que tanto Cabral quanto Veríssimo
demonstram como a prática do colecionismo articulava-se com uma visão positivista da
ciência, calcada na evidencia empírica necessária para a comprovação das questões
formuladas pelos cientistas138.
Responsável pelo departamento de Antropologia Física, Cabral passou a responder
pela direção do IA, com o afastamento de Cascudo, em julho de 1962, assinando como diretor
em exercício, conforme os ofícios expedidos naquele mês em diante. Após 1963, Cabral
passou a assinar como diretor, embora sua nomeação oficial só tenha ocorrido no ano de
1964.
Se considerarmos que o espaço do campo científico é construído de tal modo em que
os agentes são distribuídos em função de sua posição e dos princípios de diferenciação,
caraterizados pelo capital científico, como afirma Bourdieu, percebemos que as áreas
científicas definidas para o Instituto de Antropologia foram estabelecidas pela presença do
capital científico dos agentes engajados nos determinados campos naquele momento, algo
comum em espaços onde o campo científico ainda se encontra em formação: Cascudo e
Veríssimo, dois pesquisadores da etnografia potiguar; Dom Nivaldo, que além de cientista,
figurava como líder religioso no estado; e Cabral, vindo do Rio Janeiro com prestígio
suficiente para se inserir no espaço intelectual da época139.
Analisamos apropriado apresentar, ainda nesse momento, mais dois personagens que
fizeram parte da equipe inicial do Instituto de Antropologia. O primeiro é o paleontólogo
Antônio Campos e Silva (1940-1972), convidado por Cabral para assumir o Departamento de
Paleontologia do IA ainda no ano de 1962. O segundo é Protásio de Melo, estudioso da língua
e da literatura norte-americana, além de colecionador de conchas, convidado a coordenar a
subseção de Malacologia.

137
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 87.
138
ABREU, Regina. Colecionando o outro: o olhar antropológico nos primeiros anos da República no Brasil. In:
HEIZER, A.; VIDEIRA, A.A.P. (Orgs.) Ciência, Civilização e República nos Trópicos. Rio de Janeiro: Mauad
X; Faperj, 2010. p. 250.
139
BOURDIEU, Os usos sociais da ciência, p. 26.
68

2.5 Antônio Campos e Silva – o milagre da cidade do Natal

O convite para chefiar as pesquisas


paleontológicas do IA havia sido dirigido,
inicialmente, à Vingt-Un Rosado, conhecido
pesquisador na área da geologia e paleontologia da
região de Mossoró, bastante explorada pela riqueza de
minérios, rochas e fósseis. Vingt-Un era o responsável
pela criação de um dos primeiros espaços de ciência
do Rio Grande do Norte, o Museu Municipal de
Mossoró de Paleontologia, atual Museu Lauro da
Escóssia. No entanto, o pesquisador acabou recusando Figura 6: Antônio Campos e Silva, s/d
Fonte: Arquivo do Museu Câmara Cascudo.
o convite o Cabral, pois se dizia ser apenas um “leigo
da paleontologia sem pretensão de fazer paleontologia”. Em um pequeno texto autobiográfico,
Vingt-Un falava que seus trabalhos tinham apenas a finalidade de informar sobre o assunto,
seus achados eram devido à sorte e o reconhecimento que obtivera era por generosidade.

Cabral veio à Mossoró convidar-me para dirigir o setor de Paleontologia do


seu Instituto de Antropologia. Expliquei-lhe que era um simples juntador de
pedras e não me sentia preparado para assumir um posto que devia caber a
um cientista. [...] Não podia aceitá-lo, era um simples amador de
paleontologia140.

No entanto, Vingt-Un mantinha uma forte relação de amizade com Antônio Campos e
Silva, um jovem estudioso da Paleontologia e que teve seu nome indicado a Cabral, que
prontamente repassou o convite141.
Quando ingressou no Instituto de Antropologia, Antônio Campos tinha apenas 22
anos. Autodidata, começou a pesquisar sobre temas da Paleontologia e Geologia ainda como
estudante secundarista do Colégio Marista em Natal, explorando o solo dos municípios
vizinhos em busca de fósseis, fazendo palestras e publicando textos sobre o assunto em
jornais locais.

140
ROSADO, Vingt-Un. Minhas Memórias da Paleontologia Mossoroense. 2º Volume – 1935 a 1962. Fundação
Vingt-Un Rosado, Coleção Mossoroense, Série C – Volume 1077, Agosto de 1999. p. 213.
141
Acreditamos que a recusa de Vingt-Un vá muito além do seu discurso de hulmide curioso de rochas. Vugt-
Un, já havia se estabelecido no seu campo de trabalho e, também, era responsável pela construção do Museu de
Paleontologia em Mossoró. Participar do Instituto seria um trabalho árduo, quase como recomeçar o que ele já
havia conquistado.
69

Aos quinze anos, no ano de 1955, conseguiu emprego no Departamento Nacional de


Obras Contra as Secas (DNOCS), que atuava no estado com inciativas direcionadas
principalmente ao combate à seca. Antônio Campos realizava no DNOCS um trabalho técnico
de levantamento e análise de solo e aproveitava para desenvolver, por iniciativa própria, suas
pesquisas no campo da geologia e paleontologia. Em uma das inúmeras cartas que trocou com
Vingt-Un Rosado, Antônio Campos, relata: “Realizei, para o DNOCS, algumas pesquisas
geológicas em Ceará Mirim e [...] escrevi um trabalho sobre a geologia daquela região”142.
Em sua primeira carta direcionada à Vingt-Un Rosado, no ano de 1958, Antônio
Campos se apresenta como um estudante com o desejo de aprender sobre a História Natural
do Estado e solicita “auxílio intelectual” para a realização de seus estudos sobre Paleontologia
norte-rio-grandense. Em um dos trechos da carta, diz “a tarefa pode parecer árdua, mas tenho
o entusiasmo da juventude e o amor à ciência”143.
Podemos afirmar que sua relação com Vingt-Un, que enxergava em Antônio Campos
um pesquisador com “extraordinária vocação para a ciência dos fósseis”, foi fundamental para
o crescimento e reconhecimento do seu trabalho como cientista tanto no Rio Grande do Norte,
como em outros estados brasileiros. Vignt-Un se referia a Antônio Campos da seguinte
maneira:

Este menino de 19 anos, que já escreve com tanta precisão científica,


prudência e seriedade de um pesquisador já amadurecido, eu quase que
tenho vontade de chama-lo “o milagre da Cidade do Natal”. [...] Honrou-me
muito a tarefa de falar dêsse menino, que já está se tornando conhecido de
categorizados círculos científicos do Sul do País144.

Ainda em 1958, Antônio Campos foi convidado a fazer um estágio no Departamento


de Geologia e Mineralogia (DGM) do Departamento Nacional da Produção Mineral (DNPM)
no Rio Janeiro, pelos paleontólogos Llewellyn Ivor Price e Luciano Jacques de Moraes,
notáveis pesquisadores que marcaram o percurso histórico dessa ciência no país. Contudo,
não teve condições de aceitar o convite em razão de seus estudos e trabalho no DNOCS.
Teve o seu primeiro trabalho Notas sobre a Geologia do Município de Ceará-Mirim
publicado em 1959. Pretendia ingressar na Faculdade de Geologia em Recife, mas fracassou
nas duas tentativas. Foi quando recebeu o convite de Cabral para integrar o Instituto de

142
ROSADO, Vingt-Un. Antônio Campos e Silva, numa viagem de 14 anos através de 50 cartas. 2º Edição.
Coleção Mossoroense. Série “C”, 2001. p. 36.
143
Ibidem. p. 8.
144
ROSADO, Vingt-Un. Minhas Memórias da Paleontologia Mossoroensse, op. cit. p. 67-68.
70

Antropologia, em 1962. Decidiu entrar no curso de Geografia da UFRN, concluindo-o em


1963. Em 1964, entrou para a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, da UFRN, como
professor do curso de Geografia.
No IA, Antônio Campos logo estruturou o seu campo de trabalho, ampliando suas
pesquisas e seus contatos. Foi altamente produtivo durante o período que esteve à frente da
Geologia e Paleontologia no Instituto. Em plena atividade, em 10 de fevereiro de 1972,
Antônio Campos faleceu, vítima de um acidente automobilístico no interior do estado. Em sua
última carta endereçada à Vingt-Un, explicava que estava viajando com a família por
recomendação médica: “estou com a cabeça até a tampa de cheia e o médico recomendou-me
repouso”.
É simples entender a sua participação no IA pensando em sua posição no espaço
científico e social daquele momento. O seu capital científico, ainda em construção, foi
acrescido do capital científico de Vingt-Un Rosado. A sua posição como agente de um campo
científico, com seus estudos sobre a Geologia e Paleontologia, predispôs a uma aproximação
com as pessoas inscritas em um setor restrito desse espaço, ou seja, aqueles que pensavam o
Instituto.

2.6 Protásio Pinheiro de Melo – o intérprete potiguar

O natalense Protásio de Melo (1914-


2006), irmão de Veríssimo de Melo, foi
convidado a integrar à equipe do IA no ano de
1963, onde assumiu a subseção de
Malacologia.
Formado em Ciências Jurídicas pela
Faculdade de Direito de Recife, chegou a
exercer o cargo de Promotor Adjunto da
comarca de Natal. No entanto, abandonou a Figura 7: Protásio de Melo, s/d
Fonte: Arquivo do Museu Câmara Cascudo.
carreira jurídica para se dedicar ao ensino do
idioma inglês.
Protásio foi o principal responsável pela comunicação entre as tropas norte-americanas
e o governo norte-rio-grandense ao longo do período de participação do Rio Grande do Norte
na II Guerra Mundial, atuando também como professor de português dos oficiais e praças
estrangeiros que aqui se instalaram.
71

Participou, ao lado de intelectuais como o médico Onofre Lopes, o jurista Edgar


Barbosa, os professores Dom Nivaldo Monte e Otto Guerra, entre outros, da fundação da
Sociedade Cultural Brasil-Estados Unidos (SCBEU). Segundo Juarez Chagas, a escola criada
em 1957 por intelectuais, que um ano depois criariam a Universidade do Rio Grande do
Norte, possuía na capital potiguar o status de academia. Era um dos principais espaços de
sociabilidade natalense, onde “gente da alta sociedade, artistas e intelectuais” se reuniam nas
salas da primeira biblioteca e nas cadeiras do primeiro cinema driving in da cidade145.
Protásio de Melo participava ativamente do meio intelectual local, proferindo
conferências e destacando-se como o principal intérprete da língua inglesa no estado. Além de
exercer a profissão de professor, Protásio de Melo se dedicou, sobretudo, ao estudo da
linguagem potiguar e escreveu diversos artigos sobre o tema. Era também conhecido por
possuir em sua casa um museu particular, onde guardava uma grande coleção de selos,
insetos, conchas e material etnográfico.
Não encontramos qualquer documento que fale sobre o ingresso de Protásio de Melo
no IA. Sabe-se apenas que uma das suas primeiras ações no Instituto foi montar e organizar a
coleção de conchas da subseção de Malacologia, muitas doadas pelo próprio Protásio de
Melo146. Além de também atuar na seção de Linguística do Setor de Antropologia Cultural,
campo em que já atuava profissionalmente. Supomos apenas que sua posição como intelectual
e seu prestígio a frente de um dos espaços de sociabilidade da classe letrada local, seu
parentesco com Veríssimo de Melo e seu interesse pelo tema da Malacologia, corroborado
pela prática do colecionismo, sejam os fatores que o levaram a integrar o Instituto.

2.7 Espaço de relações - escolhas e posições dos agentes

Nos parágrafos anteriores não procuramos apresentar uma análise minuciosa das
biografias dos agentes envolvidos com a criação do IA, mas sim, traçar, a partir de momentos
específicos de suas trajetórias, suas atividades como membros de um campo científico em
construção.
Percebemos, então, uma divisão de ideais entre os fundadores do IA. De um lado,
temos Cascudo e Dom Nivaldo, que representavam uma geração que ainda se mostrava

145
SILVA, Yuno. A cultura pós-guerra na terra do sol. Tribuna do Norte, Natal, 16 junho 2011. Disponível em:
<http://tribunadonorte.com.br/print.php?not_id=185471>. Acesso em: 04 de abril de 2014.
146
A coleção de conchas do IA é a única que possui um livro de registros detalhado, guardado no Arquivo
Histórico do Museu Câmara Cascudo/UFRN. Apesar de encontrarmos citações sobre a existência de livros de
registros das outras coleções, estes não se encontram no Arquivo e não há informações de onde eles possam
estar.
72

distante em suas práticas do formato de cientista inserido em um instituto de pesquisa. A


figura do pesquisador solitário de ambos se sobressai à identidade do pesquisador trabalhando
em um espaço coletivo. O IA, talvez, fosse visto mais como um espaço de vínculo
institucional e de sociabilidade, aos quais ambos estavam acostumados a pertencer. E não
como um espaço para a prática e desenvolvimento de atividades científicas coletivas, o que
caracteriza a formação do IA como um espaço científico. E ao pesquisador, dentro de um
espaço científico, não mais bastaria ser um livre pensador. De um cientista naquele período se
exigia dedicação exclusiva147.
Essa divisão é visível, principalmente, quando entendemos a presença e obstinação de
Cabral, reconhecido tanto como um cientista, quanto um administrador científico. Cabral
representava fortemente outra tradição de pensamento e seus anseios para o IA iam muito
além do que almejam os outros três fundadores. Sua maneira, descrita por muitos, como
rigorosa, não somente no exercício de pesquisador, mas, sobretudo, como administrador, pode
ser vista como uma extensão da sua experiência e contato com outras instituições de pesquisa,
como o Instituto Anatômico de Niterói e o Museu Nacional no Rio de Janeiro. Cabral tentou
levar para o IA a associação entre a formação intelectual e a atividade profissional de seus
estudantes. E a sua força de vontade culminou no afastamento do membro de maior capital
científico envolvido na criação do IA, Cascudo, que não concordava com os planos que ele
tinha para aquele espaço.
Com o apoio de Veríssimo de Melo, que demonstrava, ainda de forma tímida, visão
semelhante, e, sobretudo, do Reitor Onofre Lopes, Cabral, ao assumir a direção do IA, deu
início a uma série de ações que fez dessa instituição o principal espaço de produção científica
do Rio Grande do Norte durante pouco mais de uma década, sendo reconhecido
nacionalmente, ao lado de instituições científicas como o Museu Nacional e o Museu
Paraense Emílio Goeldi, em Belém.
O Instituto de Antropologia, como espaço social ou o microcosmo social, onde se
produziu um campo científico, como explica Bourdieu, foi antes de tudo um espaço de
relações entre os seus fundadores, agentes daquele campo científico. Sendo que, para
compreendermos incialmente como se deu esse espaço, buscamos nas linhas acima situar cada
agente no momento de criação do IA, visto que

é no horizonte particular dessas relações de força específicas, e de lutas que


têm por objetivo conserva-las ou transforma-las, que se engendram as

147
SÁ, op. cit., p. 137.
73

estratégias dos produtores, [...] as alianças que estabelecem, e isso por meio
dos interesses específicos que são aí determinados148.

Sendo assim, conseguimos agrupar alguns pontos que nos revelam elementos
favoráveis à criação do Instituto de Antropologia. Em primeiro lugar, temos quatro agentes de
um campo científico ainda em construção, que desenvolviam suas pesquisas individualmente,
na ausência de uma instituição adequada para receber a prática científica. Sendo que cada um
possuía capital científico suficiente para interferir no campo naquele momento. Por outro
lado, a identidade do cientista ainda estava em construção, justamente pela falta de uma
organização social que reconhecesse oficialmente seu exercício.
Esses agentes, como professores e intelectuais, pertenciam aos espaços de ensino
superior, onde, naquela época, borbulhavam os ideais da ciência e da especialização
profissional. Pela própria dinâmica de seus trabalhos e do meio social, mantinham, de certa
forma, uma relação próxima entre si. É relevante ressaltar que dois deles, Cabral e Veríssimo,
já haviam tentado criar em Natal outros espaços científicos. E, por último, a visão, não apenas
de um pesquisador, mas de administrador científico de Cabral, que se mostra como peça
fundamental para o desenvolvimento do Instituto de Antropologia como um espaço destinado
à prática científica e a formação de pesquisadores.
Como agentes detentores de capital científico, estes ansiavam por um espaço, uma
instituição científica, que abrigasse, estimulasse e reconhecesse suas pesquisas em seus
campos definidos.
Contudo, procuramos demostrar, nesses dois primeiros capítulos que o Instituto de
Antropologia foi criado não somente pelas escolhas e posições dos agentes envolvidos no
campo daquele determinado espaço e tempo. Embora estas tenham sido fundamentais para a
definição de sua área de atuação.
Entendemos que a pesquisa científica é guiada por estratégias que são muito mais
complexas que uma simples busca indiferente pelo conhecimento. Embora muitos cientistas
afirmem que suas decisões de pesquisa se baseiam somente no interesse pessoal pelo tema
escolhido, sabe-se que suas decisões são fortemente influenciadas pela combinação de
questões práticas e incentivos materiais e institucionais149.

148
BOURDIEU, Razões práticas, p. 61.
149
SCHWARTZMAN, op. cit. p. 25-26.
74

CAPÍTULO 3

UM ESPAÇO PARA VÁRIAS CIÊNCIAS:


estratégias e desafios de uma instituição científica no Rio Grande do Norte

Nos capítulos anteriores, procuramos compreender as posições dos fundadores do


Instituto de Antropologia em um ambiente intelectual que ainda buscava construir um espaço
de ciência para suas práticas. Elementos que consideramos fundamentais para o entendimento
dos condicionantes que levaram à criação e ao desenvolvimento desse espaço dedicado à
prática científica no Rio Grande do Norte. Mostramos, também, como a criação de um espaço
para a ciência no Estado encontrou-se relacionada não somente com as escolhas individuais e
posições dos agentes daquele campo, mas, sobretudo, com as questões políticas que estavam
em pauta nacionalmente e que tiveram início a partir da década de 1930.
Desse modo, nesse terceiro capítulo, mostramos como o Instituto de Antropologia se
organizou como um espaço de ciência por meio da análise das suas estratégias, a partir do
momento de sua criação. Para tanto, são apresentados os espaços físicos onde funcionou, as
viagens de campo e cursos de formação que empreendeu, a formação de suas coleções
científicas e seu museu, assim como a publicação de sua revista científica. Não é nossa
proposta apresentar uma história cronológica do Instituto, mas situar os principais elementos
que o caracterizaram como um espaço científico.

3.1 Institui-se o espaço para a ciência

Criado por meio da Lei Estadual nº 2.694, de 22 de novembro de 1960, o Instituto de


Antropologia tinha como finalidade “promover e a divulgar estudos sôbre o homem em seus
diversos aspectos físico e cultural, inclusive tradição, hábitos e costumes, além de pesquisas
relativas às jazidas pré-históricas do território norteriograndensse”150, tendo como
principais áreas de estudo a Antropologia Física e Cultural e a Paleontologia.
Como já explicamos anteriormente, devemos entender que, etimologicamente, o
estudo da antropologia refere-se ao estudo da história natural da espécie humana, isto é, a
antropologia física ou biológica. Já no seu sentido lato, abrange também a análise comparativa

150
Lei nº 2.694, de 22 de novembro de 1960 - Cria na Universidade do Rio Grande do Norte, INSTITUTO DE
ANTROPOLOGIA e dá outras providências.
75

tanto de sua biologia quanto de manifestações culturais, que inclui a Antropologia Cultural ou
Social, a Arqueologia e a Linguística, além da antropologia física ou biológica151.
Nesse sentido, pensado para ser um espaço com enfoque nos estudos antropológicos, o
IA contemplou seus quatro campos - Antropologia Cultural, Arqueologia, Linguística e
Antropologia Física. Além dos estudos na área da Paleontologia.
A instituição do IA se deu de forma vagarosa. Como vimos anteriormente, Cascudo e
Cabral já falavam da ideia de sua concepção no ano de 1959. No entanto, sua Lei de criação
só foi publicada um ano depois, em 1960. Sendo que seus fundadores somente realizaram a
primeira reunião oficial em 19 de setembro de 1961, conforme Livro de Atas152. Com a
presença do reitor da Universidade, Onofre Lopes, os professores Cascudo, nomeado na
ocasião diretor do IA, Veríssimo, Dom Nivaldo e Cabral discutiram o início das atividades do
IA, assim como os planos de pesquisa de cada para o ano seguinte153.
Apesar da Lei de criação definir que o IA seria organizado da seguinte maneira:

I. Seção de Administração
II. Seção de Antropologia Física
III. Seção de Antropologia Cultural
IV. Seção de Paleontologia
V. Museu
VI. Biblioteca
VII. Laboratório
VIII. Oficinas

durante a sua primeira reunião foi definido que sua organização inicial seria composta por três
departamentos, sendo eles:

1. Antropologia Física, com a responsabilidade de José Nunes Cabral de Carvalho;


2. Etnografia Geral, chefiado por Luís da Câmara Cascudo;

151
Relevante também é perceber a relação entre a Antropologia e a Paleontologia brasileira, isso porque ambas
possuem como precursor o mesmo personagem, o naturalista dinamarquês Peter W. Lund (1801-1880), quando
este descobriu, em 1835, o material ósseo de cerca de trinta indivíduos misturados à fósseis de animais em uma
caverna em Lagoa Santa, Minas Gerais. Apesar de não ter sido o primeiro a relatar a presença de fósseis no
Brasil, Lund foi o pioneiro em seu estudo sistemático, o que lhe garantiu o título de pai tanto da Antropologia
como da Paleontologia.
152
Ata de Fundação do Instituto de Antropologia da Universidade do Rio Grande do Norte, 19 de dezembro de
1960, Natal.
153
A ata da reunião não informa quais os planos definidos.
76

2.1. Secção Folclore, ligada ao departamento de Etnografia, e coordenada por


Veríssimo Pinheiro de Melo;
3. Genética, sendo Dom Nivaldo Monte o responsável.

Notamos que nesse primeiro momento a Paleontologia não é citada. Na verdade, ela só
vai aparecer como departamento no ano de 1963, com o ingresso de Antônio Campos e Silva
no Instituto.
O Instituto de Antropologia instalou-se provisoriamente apenas no dia 18 de maio de
1962, em um pequeno prédio alugado, localizado na Avenida Hermes da Fonseca nº 961, no
bairro do Tirol, região onde estavam também instaladas a Reitoria, a Biblioteca e Faculdades
que integravam a Universidade.

Figura 8: Fachada do primeiro prédio do IA, década de 1960.


Fonte: Arquivo do Museu Câmara Cascudo.

Devidamente instalado em um prédio provisório, onde, por dois anos, de 1962 a 1964,
funcionaram os pequenos laboratórios, salas de estudo, biblioteca e museu, uma das primeiras
ações do IA, no ano de 1962, foi se fazer conhecer pelos agentes do campo científico do qual
desejava fazer parte. Para tanto, buscou manter contato com diversas instituições científicas e
pesquisadores, nacionais e internacionais. Ofícios foram encaminhados comunicando a
criação do Instituto. Nestes documentos, havia a apresentação dos seus objetivos, da sua
77

estrutura organizacional, dos seus pesquisadores. Também solicitava o envio de publicações


especializadas que serviriam para compor a biblioteca do IA. Esse conjunto de
correspondências é principal documentação que mostra a participação de Cascudo à frente do
IA naquele ano, já que meses depois ele deixaria a instituição.
O professor Verissimo de Melo declarava, em 1962, que o Instituto de Antropologia
nascia e crescia “sob segura e rígida orientação científica, voltada para os mesmos ideais que
animam as melhores instituições do gênero no país ou estrangeiro”154. Nas tabelas 1 e 2
encontramos as principais instituições com qual o IA buscou manter contato e estabelecer
vínculos de pesquisa no seu primeiro ano de existência, assim como os assuntos tratados:

Tabela 1: Principais correspondentes nacionais do IA em 1962

DESTINO ASSUNTO
Centro de Estudos Afro-Orientais Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
da Universidade Federal da Bahia sua biblioteca
Comando da Base Aérea de Natal Solicitação do Mapa aero fotográfico do Rio Grande do Norte
Consulado Americano no Recife Informações sobre as pesquisas antropológicas nos Estados Unidos
Departamento de Antropologia da Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
Universidade do Paraná sua biblioteca
Departamento de Estatística do Informações sobre o IA e solicitação de publicações e mapas dos
Estado do RN municípios do Rio Grande do Norte
Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras da Universidade de São Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
Paulo sua biblioteca
(Prof. Egon Schaden)
Instituto Brasileiro de Geografia e
Solicitação de mapas dos municípios do Rio Grande do Norte
Estatística
Instituto de Biologia e Pesquisas Informações sobre o IA e solicitação de publicações sobre
Tecnológicas (PR) sambaquis
Instituto do Patrimônio Histórico e Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
Artístico Nacional (RJ) sua biblioteca
Museu Municipal de Mossoró Doação de material fóssil ao IA
Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
Museu Nacional (RJ)
sua biblioteca
Informações sobre o IA, solicitação de publicações para compor
Museu Paraense Emílio Goeldi
sua biblioteca, aquisição de acervo etnográfico e material didático,
(PA)
ida de pesquisadores do IA ao Museu
Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
Museu Paranaense (PR) sua biblioteca

Sociedade de Pesquisas e Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor


Planejamento (SPLAN), (RJ) sua biblioteca e dados de pesquisa
União Brasileira de Ciências Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
Antropológicas e Etnológicas (CE) sua biblioteca

154
Ofício: 47/1962, Natal, 16 de agosto de 1962. De Veríssimo de Melo ao Sr. Prof. Efraín Morote Best –
Catedrático de Folklore e Língua indígena da University of North Carolina (UNC).
78

Tabela 2: Principais correspondentes internacionais do IA em 1962

DESTINO ASSUNTO
Associação Americana de Antropologia Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
(EUA) sua biblioteca
Folklore Americas, Flórida (EUA) Informações sobre o IA e proposta de intercambio e colaboração
Instituto de Antropologia da Universidade Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
Nacional de Tucumán, México. sua biblioteca
Informações sobre o IA, solicitação de publicações para compor
Instituto de Folclore de Bucarest, Romênia
sua biblioteca e proposta de intercambio de pesquisadores
Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
Instituto de História do México
sua biblioteca
Instituto de Linguistica da Universidad Informações sobre o IA, solicitação de publicações para compor
Nacional de Cuyo, Argentina sua biblioteca e proposta de intercambio de pesquisadores
Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
Museo del Pueblo Español, Madri, Espanha
sua biblioteca
Informações sobre o IA, solicitação de publicações para compor
Museu Etnográfico de Gotemburgo, Suécia.
sua biblioteca e proposta de intercambio de pesquisadores
Secretariado Nacional de Informação, Informações sobre o IA e proposta de intercambio e colaboração
Cultura Popular e Turismo, Portugal. com instituições portuguesas
Sociedade de Antropologia do Havaí Informações sobre o IA, solicitação de publicações para compor
(EUA) sua biblioteca e proposta de intercambio de pesquisadores
Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
Societé Suisse des Americanistes, Suíça.
sua biblioteca
Universidad Nacional de San Cristobal de Informações sobre o IA e solicitação do plano de pesquisa da
Huamanga, Perú Universidade
Informações sobre crânios deformados de indígenas de Cusco,
University of North Carolina (EUA)
Peru.

Segundo Luiz de Castro Faria, a ciência só passa a existir, de fato, quando há um


grupo de profissionais, a que chamamos de grupo de pares, que se autoidentificam e se
identificam com os outros155. Individualmente, os membros do IA já mantinham certa relação
com alguns pesquisadores e instituições listadas acima, o que facilitou o contato inicial do
Instituto, assim como corroborou a importância do Instituto no campo científico.
Como podemos perceber, a maior parte dos ofícios no primeiro ano seguia o modelo
de informar sobre a criação do IA e solicitar publicações, sobretudo, a espaços ligados à
pesquisa antropológica. Entre as primeiras instituições contatadas, estavam também aqueles a
quais foram solicitados mapas dos municípios do Rio Grande do Norte, dos quais o IA
alegava ser de urgência necessidade para o início de suas atividades. Como exemplo, em
ofício s/n de junho de 1962, dirigido ao Comando da Base Aérea de Natal, Cascudo solicita e

155
FARIA, Luiz de Castro. Antropologia: duas ciências. Notas para uma história da antropologia no Brasil. Org.:
Alfredo Wagner Berno de Almeida e Heloisa Maria Bertol Domingues. Brasília: CNPq; Rio de Janeiro: MAST,
2006. p. 57.
79

explica a urgência dos mapas para o IA: “[...] para proceder ao levantamento das jazidas
paleontológicas do Rio Grande do Norte, vimos solicitar um mapa aero-fotográfico do Estado,
documento indispensável ao inicio das nossas tarefas”156.
Em julho do mesmo ano, Cabral, em ofício, também justificava a necessidade dos
mapas para o “levantamento cadastral das reversas minerais de cada município do Estado”157.

3.2 As viagens de campo

Entre as principais atividades programadas pela equipe do IA para a segunda metade


do ano de 1962 estavam as diversas viagens de campo ao interior do Estado. Cabral, com o
seu Departamento de Antropologia Física, empreendeu a primeira expedição científica do
Instituto no mês de junho, tendo como destino o município de São Tomé (RN) para
averiguação de uma suposta jazida osteológica localizada na Pedra dos Ossos, Serra do
Ronco. De acordo com Cabral, essa localidade despertou o interesse do Instituto de
Antropologia pela existência de uma lenda local de que ali havia ocorrido uma chacina de
índios cariri. De fato, a equipe do IA encontrou e coletou peças de seis esqueletos adultos e
vinte de crianças, mas todas sepultadas em épocas diferentes, o que refutou a lenda da
matança158.

Figura 9: Coleta de peças osteológicas na Pedra dos Ossos, Serra do Ronco, município de São Tomé (RN), s/d.
Fonte: Arquivo do Museu Câmara Cascudo.

156
OFICIO, s/n, junho de 1962.
157
OFICIO, nº 23, 18 de julho de 1962.
158
CABRAL-CARVALHO, José Nunes. op. cit., loc. cit.
80

Durante os meses de junho e julho, mais quatro expedições foram realizadas, tendo
como objetivo, sobretudo, o reconhecimento e coleta de sítios paleontólogos e arqueológicos.
O material coletado nessas primeiras viagens foi depositado no laboratório do citado
departamento, dando início a coleção científica de Antropologia Física. Contudo, de acordo
com Cabral, o estudo da coleção, realizado no laboratório, foi atrasado pela ausência dos
equipamentos necessários para o funcionamento adequado, assim como pela carência de
pessoal técnico.
O Departamento de Antropologia Cultural, sob a coordenação de Veríssimo, realizou
sua primeira expedição ao oeste do Estado no final de julho de 1962, visitando onze
municípios, com o objetivo de coletar e adquirir material etnográfico para a criação de um
Museu de Cultura Popular.
O oficio nº 21, de 13 de julho de 1962, endereçado ao reitor da Universidade, informa
que o Departamento de Antropologia Cultural estava iniciando a aquisição de material
destinando ao seu Museu e solicita autorização para que Veríssimo de Melo realize a viagem.
Segundo o ofício, a viagem de campo seria “altamente proveitosa no sentido de carrear para o
Museu de Cultura Popular um bom material”.
A viagem de campo foi autorizada e Veríssimo de Melo teve a companhia de Oswaldo
de Souza, Delegado no Estado do Serviço do Patrimônio Histórico e Artísitico Nacional
(SPHAN), que, conforme Veríssimo, “foi sumamente útil na orientação, localização e ajuda
para a aquisição de peças etnográficas”. Na viagem foram coletadas mais de cento e setenta
peças para o futuro Museu. No relatório da viagem, Veríssimo diz: “em face do material
obtido para o Museu do Instituto de Antropologia, além da parte de documentação
fotográfica, temos a convicção de que realizamos o nosso trabalho a contento”159.
Em dezembro, Veríssimo, em contato com o Museu Paraense Emílio Goeldi, viajou
para Belém, com o intuito de adquirir material indígena para compor o Museu do IA. Na
oportunidade, seguiu para Manaus, com o mesmo objetivo.
Ao todo, foram realizadas 20 (vinte) viagens de campo apenas no segundo semestre de
1962, como podemos conferir na tabela 3.

Tabela 3: Viagens de campo do IA em 1962

Local Objetivo Departamento Período


Jazida osteológica da Serra
São Tomé Antropologia Física Junho 1962
do Ronco

159
OFICIO, n. 26, 25 de julho de 1962.
81

São Rafael Coleta de material


Antropologia Física 29 junho 1962
Santa Cruz arqueológico
Santana do Matos Jazidas paleontológicas Antropologia Física 05 Julho 1962
Açu
Mossoró
Tibau
Grossos
Areia Branca Coleta e aquisição de
Apodi material etnográfico para o Antropologia Cultural 21 a 24 julho 1962
Caraúbas Museu de Cultura Popular
Augusto Severo
São Rafael
Florânia
Caicó
Coleta de material
São Rafael Antropologia Física 28 dezembro 1962
arqueológico
Praia de Pirangi do Sul,
Nísia Floresta Reconhecimento e coleta de
Antropologia Física 26 dezembro 1962
Praia de Mãe Luiza, material geológico
Natal
Belém -
Museu Paraense Emílio Observação e aquisição de
Goeldi material etnográfico para o Antropologia Cultural Dezembro 1962
Manaus - Museu de Cultura Popular
Colégio das Salesianas

3.3 Curso de Introdução à Antropologia – a necessidade de especialistas para a


pesquisa científica

Durante o seu primeiro ano de funcionamento, somente os Departamentos de


Antropologia Física, coordenado por Cabral, e Antropologia Cultural, por Veríssimo,
realizaram atividades. À medida que Cabral e Veríssimo desenvolviam suas pesquisas,
praticamente sozinhos, perceberam a necessidade urgente do auxílio de pesquisadores de
outras ciências, como a Geologia, Ecologia e a Paleontologia, sendo esta última já prevista na
estrutura do órgão. No entanto, com a Universidade do Rio Grande do Norte tão jovem, esta
ainda não havia formado os especialistas tão necessários para o auxilio nas pesquisas. A
solução encontrada pelo IA foi a formação do seu próprio pessoal por meio de um curso
intensivo de Introdução à Antropologia.
Para implementar o curso, foram convidados a integrar a equipe do IA dois
pesquisadores: Antônio Campos e Silva, ficando responsável pela seção de Geologia e
Paleontologia do Quaternário e Protásio de Melo, coordenando a subseção de Malacologia.
82

No ano de 1963, o IA ainda se dividia entre as duas Antropologias, porém ganhou


mais duas áreas de pesquisa e, consequentemente, dois membros, ficando organizado da
seguinte maneira160:

Antropologia Física Antropologia Cultural

Geologia e
Arqueologia Cultura
Paleontologia Genética
do Quaternário e Linguística Popular

Malacologia

O Curso de Introdução à Antropologia destinou-se a formar e habilitar futuros


pesquisadores em “técnicas essenciais à pesquisa antropológica no Rio Grande do Norte” e
teve sua aula inaugural Importância dos estudos de Antropologia, proferida pelo reitor Onofre
Lopes, no dia 10 de janeiro de 1963, com a participação de nove estudantes matriculados.
Funcionando em regime de tempo integral, o curso se dividiu em três etapas, sendo a
primeira com duração de seis meses e contanto com aulas teóricas das seguintes disciplinas:

 Antropologia Física – Prof. José Nunes Cabral de Carvalho


 Antropologia Cultural Brasileira – Prof. Veríssimo de Melo
 Geologia e Paleontologia do Quaternário – Prof. Antônio Campos
 Linguística e Língua Inglesa161 – Prof. Protásio de Melo

Com o término do primeiro ciclo, os alunos foram distribuídos pelos três setores
científicos do Instituto162. Durante os doze meses seguintes, o curso foi complementado com

160
OFICIO nº 167/63, de 05 de fevereiro de 1963.
161
A disciplina de Inglês era frequentada tanto pelos alunos do curso, como pelos professores/pesquisadores do
IA.
83

dois cursos de extensão: o primeiro, sobre Arqueologia e Etnologia Brasileira, a cargo do


prof. Arthur Napoleão Figueiredo, antropólogo e pesquisador da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da Universidade Federal do Pará163; o segundo, a cargo do prof. Egon
Schaden, antropólogo e pesquisador da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da
Universidade de São Paulo, tendo como tema Aculturação Indígena.
Além dos cursos de extensão, fizeram parte do programa conferências proferidas por
pesquisadores e professores de universidades brasileiras e estrangeiras. Essas atividades,
apesar de planejadas pelo e para os alunos e pesquisadores do IA, eram abertas ao público,
principalmente aos outros cursos da Universidade. Em nota publicada em 1964, a respeito dos
cursos de extensão, em especial o segundo, encontramos a seguinte passagem:

Ressalte-se que referido curso constituiu acontecimento sem precedente nas


atividades do Instituto de Antropologia da URN, pelo interesse despertado
nos meios universitários, atingindo frequência diária de mais de sessenta
alunos. Concorreu, sem dúvida, para esse resultado surpreendente, a
presença do eminente professor Egon Shaden, uma das maiores expressões
entre os metres da Etnologia brasileira contemporânea164.

O Prof. Egon Schaden, em sua passagem pelo Instituto e ao conhecer o trabalho


científico que vinha sendo desenvolvido na instituição, escreveu a seguinte nota no livro de
visitas do IA:

Instituição promissora, o Instituto de Antropologia virá desempenhar


um papel de grande alcance no desenvolvimento das Ciências do
Homem no Nordeste brasileiro. Entregue a uma equipe de
pesquisadores sérios e entusiastas, já realizou trabalhos de mérito.

Ao longo dos 18 (dezoito) meses de curso foram realizadas quatorze conferências e


dois cursos de extensão, os quais listamos na tabela abaixo:

162
Antropologia Física: o Terezinha W. de Sá Leitão, Francisco R. de Sá Benevides Filho, José Crispim, Leon
Diniz Dantas de Oliveira; Antropologia Cultural: Elizabeth Mafra Cabral, Nássaro Antonio de Souza Nasser,
Raimundo Teixeira da Rocha; Geologia e Paleontologia do Quaternário: Manoel Daylor T. de
Vasconcelos; Dario Dantas da Silva.
163
Foi também o responsável e o primeiro curador do acervo etnográfico constituído pelos conjuntos Etnologia
Indígena; População Urbana/Cultos Afro-Brasileiros e População Interiorana, pertencentes ao atual Laboratório
de Antropologia da Universidade Federal do Pará.
164
ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, v.1, n. 2, op.cit., p. 200.
84

Tabela 4: Atividades do Curso de Introdução à Antropologia em 1963 e 1964

Ano Período Tema


Importância dos Estudos de Antropologia
07 janeiro
Aula inaugural do Curso, ministrada pelo reitor Onofre Lopes
Baixa Prevalência de Cárie Dentária e Areia Branca e Grossos
15 janeiro
Conferência proferida por Aldo da Fonseca Tinoco
Costumes e Tradições Japonesas
28 janeiro
Conferência proferida por Confúcio Barbalho
Índios Ticunas no rio Jandiatuba
02 fevereiro
Conferência proferida pelo aluno Raimundo Teixeira da Rocha
Cabo Verde, elo antropológico entre o Brasil e a África
11 fevereiro
Conferência proferida pelo escritor cabo-verdiano Luís Romano.
Antropologia Moderna
03 março
Conferência proferida pelo prof. Estevão Pinto.
1963
Iugoslávia, México e Egito – Aspectos antropológicos
10 abril
Conferência proferida pelo diplomata Dr. Nestor dos Santos Lima Sobrinho
Folclore Gaúcho
25 abril
Conferência proferida pelo prof. Carlos Galvão Krebs
Arqueologia e Etnologia Brasileira
15 a 30 julho
Curso de Extensão ministrado pelo prof. Arthur Napoleão Figueiredo
Pesquisas de Malacologia na Nova Caledônia e Ceilão
03 dezembro
Conferência proferida pelo pesquisador George Kline
Fixação do Judeu na África
20 dezembro
Conferência proferida pelo escritor cabo-verdiano Luís Romano.
As Secas no Nordeste
26 dezembro
Conferência proferida por Rômulo Argentiere
Aculturação Indígena, Métodos e Técnicas de Pesquisa
15 a 25 julho
Curso de Extensão ministrado pelo prof. Egon Schaden
Literatura Negra nos Estados Unidos

1964 16 julho Conferência proferida pelo prof. Raymond Sayers da Universidade de


Columbia, EUA.
A Crítica de Costumes na primeira metade do século XIX em Pernambuco
27 julho
Conferência proferida pelo prof. Valdermar Valente da Universidade do Recife

A segunda fase do curso, considerada a fase de aperfeiçoamento, consistiu no trabalho


de campo, sobretudo, ao interior do Rio Grande do Norte, e no trabalho em laboratório, com
estudo e organização do acervo científico coletado durante as viagens. Em oficio de 11 de
85

março de 1963, encaminhado ao reitor da UFRN, Cabral relata a participação dos alunos nas
viagens de campo do IA:

De regresso de nossa viagem ao município de Pedro Velho, onde estivemos,


durante dois dias, procedendo à escavação do cemitério de Coitezeira,
juntamente com dez alunos do nosso Instituto de Antropologia [...] 165

Durante os anos de 1963 e 1964 foram realizadas, pela equipe de pesquisadores do IA,
20 (vinte) viagens de campo, sempre com participação e auxílio dos futuros pesquisadores.
Das 20 (vinte) viagens realizadas, 02 (duas) foram empreendidas pelo Departamento de
Geologia e Paleontologia do Quaternário, 02 (duas) pelo Departamento Antropologia Física e
13 (treze) pelo Departamento de Antropologia Cultural. A tabela abaixo demonstra com mais
detalhes as viagens.

Tabela 5: Viagens de campo do IA em 1963

Local Objetivo Departamento/Setor Período


Litoral Norte de
Excursão de Geologia prática Geologia e Paleontologia 7 fevereiro
Natal
Pesquisa no Cemitério
Pedro Velho Antropologia Física 9 março
abandonado de Coitezeira
Fazenda Arvoredo Pesquisas geológicas Geologia e Paleontologia 20 março
Aquisição de peças etnográficas
Florânia (ex-votos) da Devoção Popular Antropologia Cultural 10 julho
de José Leão
Mossoró
Upanema
Caraúbas
Apodi
Martins Pesquisa sobre inscrições
Antropologia Cultural Setembro
Marcelino Viera rupestres no Estado
José da Penha
Alexandria
Almino Afonso
Tenente Ananias
Contato com população isolada
Caraúbas Antropologia Física Outubro
do município de Caraúbas

165
OFICIO, nº 186, 11 março de 1963.
86

Registro da devoção popular de


Patu Antropologia Cultural Novembro
Nossa Senhora dos Impossíveis
Malacologia em colaboração com
Pititinga
George e Mary F. Kline,
Coleta de conchas pesquisadores da Academia de Dezembro
Maracajaú
Ciências Naturais da Filadélfia
Areia Branca (EUA)
Registro da Festa do Terço dos
Jardim do Serído Antropologia Cultural 30 e 31 dezembro
Negros de Jardim do Seridó

Nota-se 01 (uma) viagem realizada em colaboração com os pesquisadores George e


Mary F. Kline da Academia de Ciências Naturais da Filadélfia, Estados Unidos, que
desenvolviam um estudo sobre a malacologia no litoral do continente americano. Os cientistas
americanos foram convidados pelo Instituto para “treinamento e coleta de material
malacológico atual nas costas do Rio Grande do Norte”166 e, atendendo ao convite,
percorrerem boa parte do litoral potiguar durante o mês de dezembro de 1963 para pesquisa e
coleta de espécimes com o auxílio de Protásio de Melo, diretor da secção de Malacologia do
IA, e de dois alunos do curso. Além da atividade de campo, George Kline pronunciou uma
conferência para os alunos do curso. A seção Noticiário do Arquivos do IA, ao divulgar a
passagem do casal Kline pelo Instituto, diz:

Retornando aos Estados Unidos, o casal Kline incorporou ao acervo do


Instituto todo o material destinado à pesquisa. Ofereceram, ainda, uma bolsa
de estudos com a duração de 5 anos, na Academia, para um aluno do
Instituto. Dessa Forma, a direção do Instituto de Antropologia contraiu uma
dívida de gratidão para com George e Mary F. Kline, que ultrapassaram sua
tarefa como pesquisadores, identificando-se com o espirito que anima nossa
Universidade167.

O Curso de Introdução à Antropologia foi encerrado oficialmente em 25 de julho de


1964, atingindo o seu objetivo ao formar nove jovens pesquisadores que foram prontamente
incorporados à equipe de IA com o título de Auxiliar de Pesquisador. Assim ficando o
Instituto de Antropologia com o seguinte quadro de pessoal:

166
Ata da 6ª Reunião da Congressão de professores do Instituto de Antropologia da UFRN, 30 de outubro
de1963.
167
ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, v. 1, n. 1, março 1964, p. 86.
87

Tabela 6: Quadro de pesquisadores do IA em 1964

Nome Atribuição
José Nunes Cabral de Carvalho Pesquisador em Antropologia Física
Veríssimo Pinheiro de Melo Pesquisador em Antropologia Cultural
Antônio Campos e Silva Pesquisador em Geologia
Protásio Pinheiro de Melo Pesquisador em Malacologia
Terezinha Wanderley de Sá Leitão Pesquisador em Antropologia Física
José Crispim Pesquisador em Antropologia Física
Elizabeth Mafra Cabral Pesquisador em Antropologia Cultural
Nássaro Antônio de Souza Nasser Pesquisador em Antropologia Cultural
Leon Diniz Dantas de Oliveira Pesquisador em Antropologia Física
Raimundo Teixeira da Rocha Pesquisador em Antropologia Cultural
Francisco Renato de Sá e Benevides Filho Pesquisador em Antropologia Física
Manoel Daylor Teixeira de Vasconcelos Pesquisador em Geologia
Dario Dantas da Silva Pesquisador em Geologia

Com o curso finalizado, restava, no entanto, uma terceira e última etapa, com inicio
programado para o ano de 1965, por meio da concessão de bolsas de estudo, no Brasil e no
exterior, para os pesquisadores auxiliares, finalizando assim o que seria considerado, por
Cabral e Veríssimo, a formação sólida de um cientista.
No ano de 1964 e 1965, o número de viagens diminuiu em comparação aos dois
primeiros anos. Entre os fatores da diminuição das viagens estava o rigoroso inverno que o
estado passou naquele ano, prejudicando as atividades de campo. Em tom de brincadeira,
Cabral diz que “as chuvas continuam disputando conosco as áreas de pesquisa”168.
No ano de 1965, as viagens de campo ficaram em segundo plano por dois motivos:
primeiro, o IA havia conseguido apoio financeiro do Conselho Nacional de Pesquisas
(CNPQ) para um projeto de dois anos de pesquisa paleontológica na Fazenda Lájea Formosa,
no município de São Rafael, interior do Rio Grande do Norte. O que tomou o tempo e
trabalho de Cabral e Antônio Campos. E segundo, porque alguns de seus pesquisadores
auxiliares estavam ausentes em virtude dos estágios empreendidos em outras instituições169.

168
Carta enviada à Paula Couto, pesquisador do Museu Nacional do Rio de Janeiro, em 02 de agosto de 1965.
169
Francisco Renato de Sá e Benevides Filho, estagiando no laboratório de Genética do Instituto de Ciências
Naturais da Universidade do Rio Grande do Sul; Theresinha Wanderley de Sá Leitão, estágio na Seção de
Paleontologia do Museu Nacional do Rio de Janeiro; Leon Diniz Dantas de Oliveira, estágio na Seção de
88

Os próprios Cabral e Antônio Campos, com intuito de se especializarem, realizaram


estágios de curto período em outras instituições científicas. Antônio Campos passou um
período no setor de Sedimentologia da Escola de Geologia do Recife, e Cabral seguiu para o
Museu Nacional do Rio de Janeiro, tendo apoio dos paleontólogos Carlos de Paula Couto e
Fausto Luis de Souza Cunha. Para Cabral, a sua ida ao Museu Nacional, considerada a maior
instituição científica do Brasil, iria proporcionar ao Instituto de Antropologia a chance de
trabalhar com “ [...] a maior equipe de cientistas, da mais significação e valia do país. [...]
todos eles trarão para nós o acervo de seus conhecimentos e mais a experiência de anos e anos
dedicados à Ciência”170. E complementa: “O Instituto de Antropologia nada fará sem a segura
colaboração do Museu Nacional do Rio de Janeiro e outras instituições congêneres, nas quais
se procura de fato fazer ciência”171.
Em 1966, o IA já havia estabelecido uma rede de colaboração com cientistas e
instituições científicas brasileiras e norte-americanas, principalmente por meio de pesquisas
de campo. O envio de peças fósseis para identificação e estudo, assim como a troca de
informações por correspondências aumentou consideravelmente.
Na tabela 7, notamos alguns trabalhos realizados pelo IA em colaboração com outros
cientistas e instituições. Como, por exemplo, o trabalho de pesquisa do geólogo Jannes
Markus Mabesoone, professor da Escola de Geologia do Recife que, ao lado do departamento
de Geologia e Paleontologia do IA, coordenado por Antonio Campos, percorreu alguns
municípios do Rio Grande do Norte, analisando suas bacias sedimentares.

Tabela 7: Viagens de campo do IA entre os anos de 1964 e 1966

Local Objetivo Departamento/Setor Período


Pesquisa do Grupo Isolado
Caraúbas de Caraúbas, “Os Antropologia Física 19 Janeiro de 1964
Caboclos”.

Natal Auxílio nas pesquisas dos


campos de dunas chefiada
Genipabu 17 a 20 Abril de
pelo geólogo João José Geologia e Paleontologia
Touros 1964
Bigarella, professor da
São Bento do Norte Universidade do Paraná.
Capuí (CE) Levantamento de Antropologia Cultural Julho de 1964

Roedores do Museu Nacional do Rio de Janeiro; Raimundo Teixeira, encaminhado para a expedição Xavantina-
Cachimbo, Norte do Brasil.
170
Carta endereçada ao jornalista Rubens de Azevedo, do estado de São Paulo, 15 de março de 1965.
171
Idem.
89

inscrições rupestres e
coleta de material
folclórico
Grossos Coleta de fósseis Geologia e Paleontologia Setembro de 1964
Coleta de fósseis na
Mossoró Caverna Olho D’Agua da Geologia e Paleontologia Setembro de 1964
Escada
Coleta de material
Santana do Matos Antropologia Física Setembro de 1964
osteológico
Escavação e prospecção
19 a 24 Outubro de
Mossoró da Caverna Olho D’Agua Antropologia Física
1964
da Escada
Coleta de “pelota de
22 municípios do Rio coruja”, pesquisa em 16 a 22 de Agosto
Antropologia Física
Grande do Norte parceria com o Museu de 1965
Nacional do Rio de Janeiro
Olho D’agua da Reconhecimento de área
Escada, distrito de para instalação de pesquisa Geologia e Paleontologia
Agosto de 1965
Barauna, Município de paleontológica e do Quaternário
Mossoró espeleológica
Ceará Mirim Pesquisa sobre sedimentos,
com apoio do geólogo
Serra Caiada
Jannes Markus Geologia e Paleontologia 04 a 08 de
Macaíba
Mabesoone, professor da do Quaternário setembro de 1965
Escola de Geologia do
Praia do Cotovelo
Recife
Olho D’agua da
Escada, distrito de Pesquisa paleontológica e Geologia e Paleontologia 10 a 25 de outubro
Barauna, Município de espeleológica do Quaternário de 1965
Mossoró
Florânia Coleta de ex-votos Antropologia Cultural Janeiro de 1966

Outro cientista que realizou pesquisas na área da geologia, em colaboração com o IA,
foi o geólogo João José Bigarella, do Instituto de Geologia da Universidade do Paraná. No
livro de visitas do Instituto, João José Bigarella manifestou a sua surpresa e admiração pelo
trabalho realizado no IA com as seguintes palavras:

A atividade desenvolvida no Instituto de Antropologia da Universidade do


Rio Grande do Norte faz com que se acredite, sinceramente, no rápido
90

desenvolvimento cultural do Brasil. Esperamos que o esforço empreendido


nesta entidade encontre eco e sirva de estimulo às outras instituições [...]172.

Além dos trabalhos de pesquisa, o IA continuou a receber pesquisadores para


conferências e cursos de extensão. No ano de 1964, por exemplo, o professor Raymond
Sayers, da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, que veio ao Instituto, por
intermédio de Protásio de Melo, proferir a conferência sobre “Literatura negra nos Estados
Unidos”173. No mesmo ano, o IA recebeu a visita dos arqueólogos Clifford Evans e Betty
Meggers que, em carta ao reitor Onofre Lopes, manifestaram a vontade do Instituto
Smithsonian em continuar colaborando com as pesquisas do IA.

3.4 O Instituto e seus pequenos “museus expositores”

Consequentemente à grande quantidade de viagens de campo e a coleta de objetos,


uma quantidade considerável de coleções científicas foi depositada nos pequenos laboratórios
do IA. As coleções, além de utilizadas pelos especialistas para análise e estudo, eram
colocadas à visitação pública, dando inicio a organização do museu do Instituto.

Já iniciamos vários trabalhos de campo, no setor da Antropologia


física e de cultura popular, estando em organização o nosso Museu
[...]. Enfim, temos um vasto campo de atividades a desenvolver,
174
visando o estudo sistemático da Antropologia do nosso Estado .

Um museu em uma instituição de pesquisa funcionava como uma estratégia que


rompia os limites do privado, levando o Instituto de Antropologia à vida pública. A
divulgação do IA encontrava na exposição pública de suas coleções um grande aliado,
principalmente para a população local175. É importante destacar que o Instituto não possuía
apenas um museu. Cada departamento possuía o que eles chamavam de um “pequeno museu
expositor”, que consistia em uma sala onde as peças eram expostas ao público. Essa
característica pode ser visualizada quando Veríssimo de Melo, em ofício, comunica ao reitor

172
ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, v.1, n.2. Natal , Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, Instituto de Antropologia, dezembro de 1964. p.204.
173
Protásio de Melo, que atuava ainda como professor e diretor da escola de inglês SCBEU exerceu um papel
fundamental no contato do IA com instituições norte-americanas.
174
Ofício nº 78, de 29/09/1962, endereçado ao Reitor Onofre Lopes, pelo Diretor em exercício José Nunes
Cabral de Carvalho.
175
LIMA, S. F. de.; CARVALHO, V. C. de. Cultura material e coleção em um museu de história: as formas
espontâneas de transcendência do privado. In: FIGUEIREDO, B. G.; VIDAL, D. G. (Orgs.). Museus – dos
Gabinetes de Curiosidades à Museologia Moderna. Argvmentvm, Belo Horizonte, p.85-110. p. 87.
91

da Universidade a intenção do seu departamento em organizar o seu Museu de Cultura


Popular:

O Departamento de Cultura popular do nosso Instituto [...] pretende


organizar o seu Museu de Cultura Popular – o primeiro do gênero, no
Estado, condensando tudo aquilo que os homens do campo, das praias e dos
bairros populares fazem no sentido da execução de suas tarefas profissionais
ou domésticas, práticas religiosas e atividades lúdicas, além da parte de Arte
popular. Vimos solicitar a V. Magnificência autorização para entrar em
entendimento com firmas ou pessoas desta praça que possam executar esses
primeiros móveis destinados à exposição das peças do nosso futuro Museu
de Cultura Popular176.

Em relatório, que consta um resumo das atividades do IA no ano de 1964,


encaminhado à reitoria da Universidade, Cabral informa a doação de acervo para os museus
do IA, ou seja, o museu de Antropologia Física, o museu de Antropologia Cultural, e o museu
de Geologia e Paleontologia177. “Ao lado de cada um desses setores funciona um museu
especializado, que vem sendo ampliado cada dia. Todas as peças recolhidas são tombadas em
livro próprio e expostas nas salas respectivas”178.
Esses vários museus dentro de uma única instituição podem ser entendidos como uma
estratégia de seus idealizadores em autobiografar-se por meio de seus trabalhos e coleções179.
A prática de individualizar-se em pequenos museus construiu formas de prestígio e distinção
individual naquele espaço, noção trabalhada por Bourdieu, com o conceito de agentes e suas
relações, onde a posição que os indivíduos ocupam no espaço determina ou orienta suas
ações. Ou seja, é visível que as coleções do Instituto não se dissociavam dos ideais de seus
pesquisadores180.
Em ofício endereçado ao Reitor, no ano de 1962, Câmara Cascudo solicita autorização
para viagem de campo e verba para aquisição de peças etnográficas e objetos de arte popular
para o Museu de Cultura Popular que, segundo o mesmo, prometia ser “uma mostra dos

176
Ofício: 47/1962, Natal, 16 de agosto de 1962. De Veríssimo de Melo ao Sr. Prof. Efraín Morote Best –
Catedrático de Folklore e Língua indígena da University of North Carolina (UNC). Observamos que Veríssimo,
em 1962, se referiu ao Museu de Cultura Popular do Instituto de Antropologia como sendo o primeiro do gênero
no Rio Grande do Norte. No entanto, no ano de 1959, o jornal A República, noticiava o funcionamento de um
Museu de Arte Popular em Natal, considerado “um dos interessantes do Nordeste”, ligado à Diretoria de
Documentação e Cultura da Prefeitura.
177
Resumo de atividades do Instituto de Antropologia, relativo ao ano de 1964, encaminhado ao Prof. Onofre
Lopes, reitor da URN. Natal, 17 de fevereiro de 1965.
178
Carta endereçada ao Consul da Alemanha em Pernambuco, 22 de dezembro de 1965.
179
LIMA, S. F. de.; CARVALHO, V. C. de. op. cit. p. 86.
180
BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo:
Editora UNESP, 2004. p. 25.
92

elementos mais característicos das atividades do homem Norte-riograndense”181, e descreve o


que seriam esses objetos:

[...] vestimenta completa do vaqueiro, arreios, miniatura de um carro-de-boi,


arado mais usual, ex-votos recolhidos de capelas ou cruzeiros, almofadas de
rendeiras sertanejas, cerâmicas, cestaria, modelos de objetos ligados a lúdica
infantil, enfim, um pouco de tudo aquilo que é normal na vida do nosso
homem do campo182.

Apesar de Cascudo listar objetos que para ele seriam “normal da vida do nosso homem
do campo”, essas coleções estão carregadas de uma função nostálgica, visto que o modelo
desse museu se mostrava como um “verdadeiro monumento à perda”. Esse ideal de museu de
cultura popular, arte popular, folclore ou etnográfico, promoveu a disseminação de traços
materiais de culturas consideradas tradicionais e que mereciam de alguma forma serem salvas
183
. Retornemos, como exemplo, o Museu Etnográfico da Faculdade de Filosofia de Natal,
criado por Veríssimo no ano de 1959. Para Veríssimo, o Museu fora criado para conservar “as
sobrevivências materiais” de indígenas, negros e povos de outras etnias, que corriam o risco
de se perderem por sofrerem com influências de outras culturas.
É conveniente observar que, dentre os quatro fundadores do Instituto de Antropologia,
três já estavam envolvidos na organização de museus. Além de Verissimo, Cascudo
participou da instalação do Museu do Arquivo Público do Estado, ocupando o cargo diretor ao
longo da década de 1950. Já Cabral iniciou a construção de um Instituto Anatômico na
Faculdade de Odontologia da URN, constituído de laboratórios, ossuário, anfiteatro e um
museu: “uma sala especial onde as peças anatômicas ficarão depositadas em estantes de
vidro”184.
Ainda em julho de 1959, o jornal A República, publicou a seguinte notícia: “NATAL
(COMO PARIS) TERA UM MUSEU DO HOMEM – FALA À REPORTAGEM DE “A
REPUBLICA” O PROFESSOR JOSÉ CABRAL DE CARVALHO”. O Museu do Homem,
de acordo com a fala de Cabral, era o próprio Instituto de Antropologia, denominação
divulgada posteriormente por Cascudo em setembro do mesmo ano185. Segundo Cabral, o
Museu do Homem de Natal se espelharia, guardadas as devidas proporções, no Museu do

181
Ofício: 21/1962, Natal, 13 de julho de 1962. De Luís da Câmara Cascudo ao reitor Onofre Lopes.
182
Ibid.
183
SANDBERG, Marl B. Efígie e narrativa: examinando o museu do folclore do século XIX. In: SCHWARTZ,
Vanessa; CHARNEY, Leo. (Orgs.). O Cinema e a Invenção da Vida Moderna. São Paulo: Cosac & Naify, 2001,
p. 441-496.
184
A República, Natal, 17 mar. 1960.
185
A República, Natal, 05 jul. 1959.
93

Homem de Paris, ou Musée de l'Homme, um museu etnográfico criado por ocasião da


Exposição Universal de 1937, detentor de coleções antropológicas, pré-históricas e outras
meramente exóticas.
No boletim universitário de setembro de 1963, encontramos um trecho onde a
Universidade relata as atividades do Instituto e fala sobre as coleções em exposição na sede
do IA: “Temos, já, na sede do Instituto, à Avenida Hermes da Fonseca, abundante e
interessante material em exposição”186.
O Museu do Instituto de Antropologia foi formado por vários “pequenos museus
expositores”, com cada departamento designando de museu o espaço no qual eles expunham
suas coleções. E foi assim que se caracterizou o Museu do IA: salas com peças expostas em
armários e vitrinas, divididas de acordo com a sua natureza: “Antropologia Física, Geologia e
Paleontologia do quaternário; indiologia e cultura popular”187.
Quando, em 1964, o Instituto de Antropologia iniciou a construção de sua sede
própria, em um terreno na mesma avenida, doado por Varela Santiago, presidente da
Sociedade de Defesa contra a Lepra, o plano era construir um prédio somente para o Museu
do IA. Após três anos, em dezembro de 1967, o IA transferiu-se para o prédio novo, embora
ainda não estivesse terminado. O projeto do prédio, encomendado por Cabral, trazia as
seguintes diretrizes: bloco único, com divisões de salas de exposição e um longo corredor. E
foi exatamente assim que o prédio foi construído, organizando-se da seguinte maneira:

Figura 10: Planta baixa do piso inferior do prédio do Instituto de Antropologia Câmara Cascudo, 1967.
Fonte: Acervo MCC/UFRN

186
Boletim Universitário, ano I, nº 1, de setembro de 1963.
187
Ofício: 163/1963, Natal, 05 de fevereiro de 1963. De José Nunes Cabral de Carvalho ao reitor Onofre Lopes.
94

Figura 11: Planta baixa do piso superior do prédio do Instituto de Antropologia Câmara Cascudo, 1967.
Fonte: Acervo MCC/UFRN

A inauguração oficial da nova sede do Instituto de Antropologia ocorreu no dia 21 de


março de 1969. Mas, somente em 1971, foi inaugurado um prédio destinado aos setores
técnicos e administrativos, denominado no projeto de Centro de Pesquisa, ficando o prédio
principal exclusivo para o Museu e suas exposições.

Figura 12: Foto área do complexo do Instituto de Antropologia na década de 1970. À frente, o prédio do Museu
e ao fundo o Centro de Pesquisas, formado por laboratórios e setor administrativo.
Fonte: Acervo MCC/UFRN
95

3.5 A Revista Científica – Arquivos do Instituto de Antropologia

Nesse período, o Instituto de Antropologia encontrava-se em intensa atividade. Seu


quadro de pesquisadores e áreas de pesquisa havia aumentado consideravelmente. Tinha se
transferido para prédio próprio, um espaço consideravelmente maior, onde instalou sua
Biblioteca, com a organização da bibliotecária Zila Mamede188, laboratórios e salas de estudos
espaçosas, além de dezenas de salas projetadas para expor o material coletado nas pesquisas,
construindo assim o seu grande Museu Expositor.
Se voltarmos a nossa atenção para as correspondências do Instituto nesse período,
1964-1966, os contatos estabelecidos com as instituições e pesquisadores durante o ano de
1962 se mantiveram, porém muitas relações foram estreitadas e outros assuntos passaram a se
tratados, sobretudo, relacionados à colaboração e intercâmbio entre pesquisadores e
instituições. O IA passou a desenvolver pesquisas na área da paleontologia em parceira com
Museu Nacional do Rio Janeiro. Com a Academia de Ciências Naturais da Filadélfia
(Academy of Natural Sciences of Philadelphia), o Instituto manteve intercâmbio de
pesquisadores e coleções científicas, além de aumentar a sua biblioteca com a doação de
publicações. Com o instituto norte-americano Smithsonian foi firmado uma parceira que
proporcionou ao IA o recebimento de um grande volume de publicações científicas, além de
financiamento de pesquisas arqueológicas e manutenção de uma bolsa para um dos
pesquisadores auxiliares.
Em conversa, principalmente, com as instituições que remetiam suas publicações ao
IA, Cabral anunciava, ainda em 1963, a pretensão de o Instituto futuramente enviar os
trabalhos e ensaios produzidos pela sua equipe de pesquisadores. Essa aspiração não demorou
muito a ser concretizada, pois em março de 1964 o IA lançou sua publicação própria, os
Arquivos do Instituto de Antropologia, uma revista de divulgação dos trabalhos realizados
pela Instituição e de outros pesquisadores nacionais e estrangeiros, com os quais o IA
mantinha parcerias.
Considerado um instrumento básico do cotidiano da prática científica, as revistas
científicas dos institutos de pesquisa constituíam-se como veículos privilegiados da produção
e do diálogo científico nesses espaços. É por meio das revistas que a produção científica dos

188
A bibliotecária Zila Mamede também exercia a mesma função na Biblioteca Central da UFRN. Foi
posteriormente homenageada, tendo seu nome sid[´[[o dado a essa Biblioteca Central.
96

espaços ganha visibilidade e onde, principalmente, a produção de um pesquisador é submetida


à avalição dos seus pares189.
Na nota de apresentação do primeiro volume do Arquivos do IA, Cabral fala sobre a
satisfação da equipe do Instituto em divulgar suas pesquisas para um maior número possível
de interessados. Os Arquivos do IA representava, nas palavras de Cabral, “um atestado de
vitalidade da equipe que há mais de um ano vem trabalhando em prol de um conhecimento
melhor do Rio Grande do Norte”190.
Além dos trabalhos de pesquisa, a revista Arquivos do IA também trazia uma sessão de
noticiários, que apresentava um resumo das atividades do Instituto. No primeiro volume, há
informações sobre o Curso de Introdução à Antropologia, sobre o trabalho de pesquisa em
conjunto com os cientistas norte-americanos, George e Mary Kline, as publicações que sua
biblioteca recebeu, entre outras notícias do ano de 1963. Na sessão ainda constava a
reprodução das principais impressões que os visitantes deixavam no livro de visitas do
Instituto. Entre os depoimentos, destacamos o de Gilberto Osório de Andrade, professor da
Faculdade de Filosofia da Universidade de Recife, que chama o Instituto de “célula
explosiva” pela quantidade expressiva de trabalho que aquele espaço e seus pesquisadores
haviam desenvolvido em apenas um ano de funcionamento:

Este Instituto de Antropologia é uma célula explosiva. Basta considerar o


quanto já tem feito em tão pouco tempo, e o quanto já lhe deram tão poucos
com tanto entusiasmo, para se ter a perspectiva duma notável projeção para o
futuro191.

Os arqueólogos Clifford Evans e Betty J. Meggers, no Smithsonian Insitution, em


carta endereçada ao reitor Onofre Lopes e reproduzida na sessão, diz que

[...] após visitar todas as grandes universidades do Brasil ondem funcionam


departamentos de Antropologia, como também vários museus, a fim de
inspecionar as instalações e avaliar o potencial de pesquisa e ensino da
Antropologia e seus campos relacionados. [...] o Instituto de Antropologia da
Universidade do Rio Grande do Norte [...] é um dos mais ativos em seu
país192.

189
CRUZ, Helena de Faria. As revistas científicas: espaço do debate público da academia paulista no final do
século XIX e início do XX. In: ALMEIDA, M.; VERGARA, M. de R. Ciência, história e historiografia. Rio de
Janeiro: MAST, 2008, p. 267.
190
ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, v.1, n.2, dezembro de 1964, p. 202.
191
ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, v.1, n.1, março de 1964, p. 93-94.
192
ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, v.2, n.1-2, dezembro de 1966, p. 413-414.
97

O segundo número do primeiro volume do Arquivos do IA apresenta uma série de


depoimentos acerca da repercussão entre os cientistas e instituições da publicação da própria
revista. São, ao todo, 31 (trinta e um) testemunhos de pesquisadores que receberam o primeiro
volume e manifestaram seus elogios e críticas à revista.
A revista teve apenas dois números, cada um com dois volumes. O primeiro número
do volume um, de março de 1964, trouxe 08 (oito) textos dos pesquisadores do IA, fruto do
trabalho de investigação em campo, e 02 (dois) de colaboradores externos. Os trabalhos, além
do texto, trazem fotografias, mapas e ilustrações. O segundo número, publicado em dezembro
de 1964, trazia mais que o dobro de artigos, sendo novamente 08 (oito) textos dos seus
pesquisadores e 09 (nove) de colaboradores. O segundo volume foi publicado em março de
1966, e contou com 21 (vinte e um) trabalhos, sendo 08 (oito) das pesquisas do IA e 13 (treze)
de colaboradores.
O terceiro número do Arquivos do IA deveria ter sido publicado no ano de 1968, no
entanto, a Universidade, a partir daquele ano, passou por sérias reformulações que interferiu
diretamente no funcionamento do IA e que culminou com o encerramento da revista.

3.6 Desafios e pressões externas - o esgotamento do Instituto de Antropologia

Nos primeiros três anos de funcionamento do Instituto de Antropologia, houve um


crescimento expressivo nos setores de pesquisa, ocasionando pelo o aumento do quadro de
pessoal. Esse crescimento ampliou os objetivos iniciais do Instituto que, segundo Cabral,
abriu-se para o campo mais vasto das Ciências Naturais. Funcionando o IA, no ano de 1965,
com os seguintes setores:

Antropologia Física

Antropologia Cultural

Arqueologia

Geologia e Paleontologia do Quaternário

Malacologia

Mastozoologia
98

Ninguém pense em visitar o Instituto de Antropologia em quinze


minutos. Quem não acreditar em milagre, entre nesta casa e veja como
em tão poucas paredes se expõe tanta pesquisa e se arruma tanta
riqueza. Quem olha para o Louvre sabe de antemão que muitos dias
não bastam ainda para observar as maravilhas artísticas contidas no
seu interior. Quem olha para o Instituto de Antropologia, pensa de
antemão que alguns minutos bastam para conhecer o que é que tem
para admirar. Uma vez no seu interior a gente pede que o relógio do
tempo pare; pare para que possamos ter contacto com tanta maravilha.
Não podemos imaginar como em tão pouco tempo se realiza tanto193.

No momento de intensa atuação e grande visibilidade, o Instituto de Antropologia


começou a sofrer com pressões externas que aos poucos foram interferindo em sua
autonomia. Ainda no ano de 1964, o Instituto recebeu a denominação de Instituto de
Antropologia Câmara Cascudo, em homenagem ao seu primeiro diretor e um dos seus
fundadores, Luís da Câmara Cascudo. Mais uma vez vemos presente nesse espaço o capital
científico de Câmara Cascudo. O nome Câmara Cascudo institui uma identidade social
constante e duradoura que, conforme Bourdieu, garantiu não só a identidade desse indivíduo
no espaço social, no qual ele intervém como agente, como também transferiu ao espaço
social, o Instituto de Antropologia, a sua individualidade socialmente representada. Através
desse espaço social de agentes diferentes, o nome Instituto de Antropologia Câmara Cascudo
manifestou essa individualidade194.
Essa identidade social acabou virando um problema para o Instituto, evidenciada
quando, em junho de 1966, Cabral expõe a necessidade de uma nova mudança de nome, agora
para Instituto de Ciências Naturais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Para
não causar conflitos com Cascudo, Cabral se justifica informando que sua intenção não era
tirar o nome de Câmara Cascudo do Instituto, explicando que o nome Instituto de
Antropologia Câmara Cascudo “limitava a expansão da pesquisa ao campo da Antropologia
[...] Fiquei sem saber como iria justificar o pedido de equipamentos para geologia e
paleontologia”195.
Se levarmos essa situação para a noção de campo científico de Bourdieu, visualizamos
o campo como um mundo social que faz imposições e lida com as relações de forças entre os
agentes. Cabral, como administrador do Instituto ao tentar modificar o nome da instituição
reconhecia as pressões externas desse campo. No entanto, a oportunidade que um agente tem
de submeter os seus desejos à essas forças externas é proporcional à sua própria força sobre o

193
ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA. v.1, n. 1, março de 1964. p. 95-96.
194
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas/SP: Papirus, 2011. 11. ed. p. 81.
195
Ofício: 059/1966, Natal, 16 de junho de 1966. De José Nunes Cabral ao Reitor Onofre Lopes.
99

campo, isto é, ao seu capital simbólico. Cabral, como agente, não teve força suficiente para
lutar com o peso do capital simbólico de Cascudo e o nome do Instituto permaneceu Instituto
de Antropologia Câmara Cascudo.
Desde a sua formação é possível perceber como o IA lidou com as pressões externas.
Seja na falta de pesquisadores, que o levou a formar o seu próprio pessoal, quanto na falta de
espaço físico, onde buscou doação de um terreno para construir sua sede própria. Entre outros
percalços inerentes a qualquer instituição, seja científica ou não.
No entanto, como os planos de Cabral eram aumentar ainda mais as áreas de pesquisa
do IA, o problema de pessoal ainda persistia. No departamento de Antropologia Física, o
principal problema apontado era a preparação de um Geneticista, considerado indispensável
aos trabalhos da área. O departamento de Geologia e Paleontologia do Quaternário apontava
como maior problema a preparação de um especialista em Micropaleontologia,
especificamente para a Palinologia, na época um campo praticamente inexplorado no Brasil e
completamente novo no Nordeste.
Contudo, o problema maior que o IA enfrentou em 1965 dizia respeito ao próprio
funcionamento do Instituto, que, nas palavras de Cabral, “periclita, face aos dispositivos
constantes do Estatuto do Magistério”. O Estatuto que Cabral faz referência é a Lei nº 4.881-
A, de 6 de dezembro de 1965, que dispõe sobre o Estatuto do Magistério Superior, que exige
ao cargo de pesquisador da Universidade a formação de nível superior. A lei do Magistério
revogou a Lei nº 4.723, de 9 de Julho de 1965, que enquadrava na classe de pesquisador
aqueles que à pesquisa se dedicavam, independentemente de nível superior. A situação do IA
era preocupante, pois quatro dos seus pesquisadores auxiliares ainda cursavam o 2º ano do
curso de Geografia da Faculdade de Filosofia de Natal. Em carta endereçada à Paula Couto,
do Museu Nacional, Cabral desabafa: “isso acarreta grandes transtornos, principalmente para
os trabalhos de campo. [...] Tudo foi por água a baixo e muitos dispõem-se a deixar a
Instituição”196.
Como solução para esse problema, Cabral propôs ao reitor Onofre Lopes considerar o
Curso de Introdução à Antropologia, assim como os trabalhos de campo e laboratório, como
um curso de formação de nível superior, enquadrando assim os pesquisadores auxiliares do IA
dentro da Lei do Magistério, com cargo equivalente ao de assistente de ensino.

196
Carta endereçada à Paula Couto, de 22 de dezembro de 1965.
100

Resolvido o problema, o IA conseguiu manter seus pesquisadores, promovendo alguns


a chefe de departamento. Adequando-se às necessidades de pesquisa, reorganizou novamente
os seus setores, contando, já no ano de 1970, com a seguinte estrutura:

Antropologia Cultural

Arqueologia

Antropologia Biológica

Genética

Zoologia

Paleontologia

Geologia

O final da década de 1960 foi decisivo para o Instituto, pois, mais uma vez, ele viu sua
autonomia ser pressionada por eventos externos. A partir do ano de 1968, a Universidade
passou pela reforma universitária, que ocasionou sua restruturação, marcou o fim das
faculdades e agrupou os diversos departamentos em centros acadêmicos. O Instituto de
Antropologia foi se tornando isolado da Universidade, tanto fisicamente, pois o campus
universitário encontrava-se em construção, quanto administrativamente, com o futuro do IA
tornando-se outra vez incerto.
“Desesperado!” É assim que Cabral se define, ao saber que o Instituto de Antropologia
estava sendo sufocado dentro da própria instituição a qual fazia parte. Em uma tentativa de
salvar a estrutura que o Instinto havia construído, Cabral consegue junto ao reitor a mudança
do nome Instituto de Antropologia Câmara Cascudo para Museu de Antropologia Câmara
Cascudo, medida, segundo Cabral, de “incalculável valor e importância, uma vez que o
museu poderá abrigar, de agora em diante, todos os campos da pesquisa”.
No entanto, não existe um documento que oficializa a mudança do nome Instituto de
Antropologia para Museu. O que existe é a Resolução 81/73 do Conselho Universitário
(CONSUNI), de 04 de outubro de 1973, que cria o Museu Câmara Cascudo (MCC) com
objetivo de manter o acervo do Instituto de Antropologia. Foi somente com o Decreto nº
74.211, de 24 de junho de 1974, que mais uma vez modificou a composição da Universidade,
que o IA some de sua estrutura. Com o Decreto o Instituto de Antropologia se funde com os
Institutos de Ciências Humanas, de Letras e Artes, com o do Serviço de Psicologia-Aplicada
101

(SEPA), a Escola de Música e o Núcleo de Estudos Brasileiros para formar o Centro de


Ciências Humanas, Letras e Artes.
O Museu Câmara Cascudo foi criado conforme as seguintes considerações: a
necessidade de preservar as pesquisas do IA; e de estruturar atividades de proteção e
exposição do acervo do IA. O nome “Câmara Cascudo” permanece, tendo como justificativa a
sua importância cultural como cientista social e humanista197.
O MCC nasceu com a finalidade explícita de manter as produções materiais de uma
instituição ameaçada, prestes a ser descontinuada. Cabral, que assumiu a direção do MCC,
aferiu grande importância à mudança do nome, colocando o Museu Câmara Cascudo no
mesmo nível dos principais museus brasileiros ligados à pesquisa científica naquela época, o
Museu Paraense Emílio Goeldi e o Museu Nacional do Rio de Janeiro:

[...] a mudança do nome do Instituto de Antropologia Câmara Cascudo para


Museu Câmara Cascudo, medida essa que colocava o IA nas mesmas
condições do Museu Paraense Emílio Goeldi e do Museu Nacional do Rio de
Janeiro198.

Em correspondência, datada de 23 de maio de 1977, dois anos antes de sua morte,


Cabral diz: “o maior sonho de minha vida foi construir na minha terra um ensino de Anatomia
que dignificasse por todos os títulos o curso odontológico brasileiro” e fala sobre os avisos
que recebeu: “Você quer um céu grande demais pra tão pouca terra. Não acreditei.” E
continua “há quem aqui afirme que das cinzas da minha anatomia nascia uma obra maior [...]:
o Museu Câmara Cascudo”199.
O entusiasmo de Cabral pode ser visto como a projeção do seu desejo de continuidade
dos trabalhos que vinha fazendo no IA. O que Cabral não avistava era que a mudança de
Instituto para Museu significaria também a descontinuidade de muitas das ações daquele
espaço. Desde que nasceu, o Instituto de Antropologia dedicou-se à pesquisa básica e
acadêmica que se fechava no seu próprio campo científico e não se constituía prioridade
política desde o início do século XIX. Conforme aponta a historiadora Heloísa Domingues, a
Antropologia e as Ciências Naturais, campo explorado pelo IA, não mais possuía utilidade
social ou econômica nos planos políticos do Estado brasileiro. A política científica nacional
incentivava a realização de pesquisas que fornecessem matéria prima para as indústrias, ou

197
Ibid.
198
ATA DA 39ª ATA DA REUNIÃO DA CONGREGAÇÃO DO MCC/UFRN, 1973.
199
Carta enviada por Cabral de 23 de maio de 1977.
102

seja, que priorizasse o desenvolvimento da economia. Nas palavras de Domingues: “sem


preocupação com a natureza ou com as populações locais”200.
A estrutura física e material do que um dia foi o Instituto de Antropologia permaneceu
a mesma, mas as relações administrativas com a Universidade foram modificadas.
Primeiramente, o Museu passou a ser vinculado ao Departamento de Geociências do Centro
de Ciências Exatas e Naturais201, tendo organização própria e definida em regimento
específico, conforme o item V do Art. 145, do Estatuto da UFRN/1975. Com a reformulação
do Estatuto da UFRN/1977, o MCC, dado à sua grande diversificação nas áreas do
conhecimento e da pesquisa foi mantido como órgão suplementar de acordo com o item V do
Art. 8º do Estatuto/1977, vinculado diretamente à Reitoria.
O Museu, sendo unidade suplementar da Universidade, não poderia mais lotar
professores em seu quadro. Sem poder contratar novos pesquisadores, as atividades de
pesquisa do Museu diminuíram consideravelmente, tornando-se quase inexpressivas, se
comparadas à produção do IA. Com uma produção científica pequena, o espaço expositivo
estagnou, a exposição permaneceu a mesma durante anos, sofrendo apenas pequenas
alterações pontuais.
Com o passar dos anos, o Museu se viu mais isolado da Universidade, perdendo boa
parte de seus professores, pesquisadores e produção científica. Transformou-se em um reflexo
da dura realidade dos museus universitários brasileiros. Uma realidade nunca imaginada pelos
seus idealizadores e colaboradores.

200
DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol. Heloisa Alberto Torres e o inquérito nacional sobre ciências naturais e
antropológicas, 1946. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciênc. Hum., Belém , v. 5, n. 3, Dec. 2010, p. 641.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1981-81222010000300005&script=sci_arttext>. Acesso
em: 23 abril 2014.
201
Criado da fusão dos Institutos de Matemática, Física e Química, Ciências Biológicas e Biologia Marinha.
103

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, analisamos a formação do Instituto de Antropologia como um espaço


dedicado à prática científica, durante o período de 1960 a 1973. Como assinalamos na
introdução, apesar do Instituto ter sido criado oficialmente no ano de 1960, escolhemos por
abranger o recorte temporal, dando início ao levantamento de dados a partir do ano de 1956.
Nesse período de cinco anos, que antecede a criação do Instituto, conseguimos resgatar, entre
as fontes, dois cenários que, juntos, formam a narrativa que possibilitou a criação de um
espaço de ciência no Rio Grande do Norte.
A ideia de criação do Instituto de Antropologia começou a aparecer um ano antes de
sua criação oficial, com a publicação de um texto escrito por Luís da Câmara Cascudo em
1959, no qual comunica à população norte-rio-grandense o surgimento dessa instituição de
pesquisa. No texto, que soa quase como uma certidão de nascimento da instituição, em alusão
clara ao discurso que Cascudo proferiu na instalação da Universidade do Rio Grande do Norte
e que hoje é considerado sua certidão de nascimento, Cascudo questiona em tom provocativo
quem seriam os responsáveis por pensar e levar adiante o audacioso projeto.
Apesar de não mencionar nomes, o próprio Cascudo figurava entre os intelectuais
responsáveis por pensar aquele espaço, juntamente com Dom Nivaldo Monte, Veríssimo de
Melo e José Nunes Cabral de Carvalho que, como agentes sociais, pensaram e fizeram o
Instituto de Antropologia. Apresentamos então, ao longo do capítulo 1, uma breve biografia
desses personagens, traçando a partir de momentos específicos de suas trajetórias
profissionais as suas atividades como membros de um campo científico ainda em construção.
Entendemos a participação de Cascudo como a maior autoridade local nos estudos
etnográficos, juntamente com Veríssimo de Melo, que seguia os seus passos. Dom Nivaldo,
líder religioso que dividia seu amor pela religião e pela ciência, e Cabral, que buscou criar em
Natal um espaço científico inspirado nas grandes instituições de pesquisa da época.
Mostramos como o peso do capital científico de cada um influenciou em suas
participações no projeto do Instituto e como suas posições definiram a sua permanência. Com
Cascudo e Dom Nivaldo, com a identidade de pesquisador solitária sobressaindo ao trabalho
coletivo, ocasionando as suas saídas do Instituto ainda no seu primeiro ano de funcionamento.
E Veríssimo e Cabral, que muito mais que cientistas, assumiram o papel de administradores
104

científicos, permanecendo e imprimindo ao Instituto os seus projetos naquele campo


científico.
Registramos que, por mais que as decisões desses personagens tenham se baseado em
interesses pessoais, elas foram fortemente influenciadas por questões externas. Como a
fragilidade econômica, que preocupava as lideranças intelectuais locais, que ansiavam pelo
desenvolvimento técnico e científico do Estado.
O discurso em prol da ciência e da técnica foi demostrado ao longo do segundo
capítulo por meio da análise de seis textos publicados no jornal A República e que mostra bem
a situação frágil da economia do Rio Grande do Norte, administrada com politicas públicas
imediatistas e que não investiam na formação de especialistas técnicos e nem em pesquisas
que poderiam revelar a realidade, assim como as soluções dos principais problemas do estado.
O Rio Grande do Norte encontrava-se em situação de desenvolvimento inexpressiva, se
comparado aos outros estados da nação. Um ponto que afligia bastante os intelectuais locais
que circulavam pelos outros estados brasileiros e almejavam para sua terra natal o mesmo
nível de desenvolvimento.
Encontramos, nos textos analisados, um discurso que pregava como solução para o
estado o seu desenvolvimento técnico e científico, tema que surge dentro do território
nacional ainda no início do século XX. Ao assinalar a situação precária na qual o Rio Grande
do Norte se encontrava, os textos apontam também como solução a formação de cientistas por
meio do ensino de nível superior. Outro tema que, a partir da década de 1930, ganhou bastante
força com a criação das primeiras universidades brasileiras, associadas constantemente como
espaços responsáveis pela promoção do progresso brasileiro.
Ressaltamos como na capital potiguar as Faculdades e Escolas de nível superior
apareciam como os principais espaços responsáveis pelo desenvolvimento científico do
estado, papel logo assumido pela Universidade do Rio Grande do Norte, quando criada no ano
de 1958. Ao ser instituída, incorporou as Faculdades e Escolas de nível e superior para formar
os especialistas que os intelectuais tanto almejavam e o estado tanto necessitava. E, para se
dedicar à pesquisa científica, criou o seu primeiro centro de pesquisa, o Instituto de
Antropologia.
Mostramos, assim, como a criação do Instituto de Antropologia esteve diretamente
relacionada não somente com as escolhas individuais de seus fundadores, mas também com
questões políticas, que figuravam em pauta no cenário nacional desde a década de 1930, mas
que só emergiram de forma imperativa no Rio Grande do Norte, no final da década de 1950.
105

Registrado esse primeiro quadro, no terceiro capítulo, mostramos como o Instituto de


Antropologia se organizou como um espaço de ciência, analisando suas principais estratégias
para se afirmar no campo científico. Revelamos como um espaço com tão poucos recursos, de
caráter financeiro, material e de pessoal, conseguiu, nos seus primeiros anos, executar
diversas ações, como o vasto programa de pesquisas e viagens de campo, que trouxe aos seus
laboratórios uma quantidade expressiva de coleções científicas, a formação do seu próprio
quadro de pesquisadores, tendo a sua frente apenas dois personagens: José Nunes Cabral de
Carvalho e Veríssimo de Melo, cada um a frente do departamento de sua especialidade.
Ao longo dos doze anos de atuação efetiva, o Instituto de Antropologia de Natal
colecionou elogios dos principais pesquisadores das instituições científicas do período.
Contudo, como toda organização social, o Instituto sofreu com pressões externas que
ameaçavam sua autonomia. Algumas foram superadas, como o problema da falta de
pesquisadores, resolvida com a criação do curso de Introdução à Antropologia. A dificuldade
com o espaço físico, que logo foi ultrapassada com a construção de sua nova sede, tendo um
prédio exclusivo para exposição das coleções e outro para os laboratórios e salas de pesquisa.
Entretanto, os maiores desafios do Instituto estavam na estrutura da própria
Universidade, instituição no qual estava inserido. Primeiro com a Lei do Magistério que por
pouco não deixou novamente o Instituto com um número insuficiente de pesquisadores em
seu quadro. Problema resolvido pela atuação de Cabral junto ao reitor Onofre Lopes. E
segundo, com a reforma universitária, que modificou totalmente a estrutura da Universidade e
interferiu diretamente no funcionamento do Instituto.
A reforma universitária decretou o esgotamento do seu primeiro espaço científico que
não mais se enquadrava dentro das novas regras do regime universitário. O Instituto de
Antropologia teve seu nome modificado para Museu Câmara Cascudo e foi enquadrado como
unidade suplementar. O orçamento, que já era pequeno, diminuiu mais ainda e com ele as
viagens de campo. O quadro de pesquisadores, que já se mostrava insuficiente para o tamanho
das pesquisas desenvolvidas, foi aos poucos se esvaziando. O Museu Câmara Cascudo, que
deveria dar continuidade e se equiparar ao Museu Nacional e ao Museu Emílio Goeldi,
estagnou, mantendo apenas os vestígios materiais de um espaço de ciência que um dia foi
considerado um dos mais ativos do Brasil.
106

REFERÊNCIAS

A REPÚBLICA. Natal, 14 julho 1956.

____________. Natal, 07 agosto 1956

____________. Natal, 03 julho 1959.

____________. Natal, 05 julho 1959.

____________. Natal, 25 setembro 1959.

____________. Natal, 03 fevereiro 1960.

____________. Natal, 17 março 1960.

A IGREJA E A RECUPERAÇÃO ECONOMICA..., A República, Natal, 3 mar. 1957. p. 22.

A UNIVERSIDADE DO RIO GRANDE DO NORTE, A República, Natal, 26 junho 1958. p.


3.

ABREU, Regina. Colecionando o outro: o olhar antropológico nos primeiros anos da


República no Brasil. In: HEIZER, A.; VIDEIRA, A.A.P. (Orgs.) Ciência, Civilização e
República nos Trópicos. Rio de Janeiro: Mauad X; Faperj, 2010.

AGUIAR, M. C. R. D. História do Ensino Farmacêutico no RN. Natal: Ed. Universitária,


1992.

AMPLIA OS SEUS RUMOS O 5º DISTRITO DO DNOCS, A Republica, Natal, 05 agosto


1956. p. 4.

ANDRADE, Alenuska Kelly Guimarães A eletricidade chega à cidade: inovação e técnica e


a vida urbana em Natal (1911-1940). Dissertação (Mestrado em História) – UFRN, CCHLA,
PPGH, Natal, 2009.

ARAÚJO, Denílson da Silva. Dinâmica econômica, urbanização e metropolização no Rio


Grande do Norte (1940-2006). Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) -
Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Economia, 2009.

ARDIGÓ, Fabiano. Histórias de uma ciência regional: cientistas e suas instituições no Paraná
(1940-1960). São Paulo. Contexto, 2011.

ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, v. 1, n. 1, Natal, Universidade do Rio


Grande do Norte, Instituto de Antropologia, março de 1964.

ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, v.1, n.2, Natal, Universidade do Rio


Grande do Norte, Instituto de Antropologia, dezembro de 1964.

ATA DE FUNDAÇÃO DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, 19 de dezembro de 1960.


107

ATA DA 6ª REUNIÃO DA CONGREGAÇÃO DE PROFESSORES DO INSTITUTO DE


ANTROPOLOGIA DA UFRN, 30 de outubro de 1963.

ATA DA 39ª ATA DA REUNIÃO DA CONGREGAÇÃO DO MCC/UFRN, 1973.

AUTONOMIA PARA O LABORATÓRIO..., Jornal A República, Natal, p. 8, 10 Janeiro


1957.

BEN-DAVID, J. O Papel do Cientista na Sociedade. São Paulo: Pioneira, 1974.

BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas/SP: Papirus, 2011. 11.
ed.

___________. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico.
São Paulo: Editora UNESP, 2004.

BOLETIM UNIVERSITÁRIO, ano I, n. 1, Natal, setembro de 1963.

CABRAL DE CARVALHO, José Nunes – Nota prévia sobre a jazida osteológica da Pedra
dos Ossos, Serra do Ronco (Município de São Tomé). In: Arquivos do Instituto de
Antropologia da URN, Natal. v. 1, n. 1, 1964. p. 35-39.

CARTA DATILOGRAFADA, redigida por Onofre Lopes e Otto de Brito Guerra,


respectivamente Reitor e Vice-Reitor da Universidade do Rio Grande do Norte, e dirigida ao
Presidente da República, Juscelino Kubitschek, solicitando a federalização da instituição.
Maio de 1959. Acervo da UFRN, Reitoria.

CARVALHO, A.S. Jesus Moure: religiosamente cientista. In: ARDIGÓ, Fabiano. (Org.)
Histórias de uma ciência regional: cientistas e suas instituições no Paraná (1940-1960). São
Paulo. Contexto, 2011.

CARVALHO, Lenilson. Professor José Nunes Cabral de Carvalho – Anatomia de um


Vencedor, 2009. Disponível em: <http://www.sbde-dentistasescritores.zip.net/>. Acesso em
02 jun 2012.

CARVALHO, Zulmara Virgínia de; PANTALEON, Efrain; RODRIGUES, Ramon César;


ORRICO, Pablo Pekos Costa; NOBRE, Augusto Cesar Bezerra. História econômica
brasileira do empreendedorismo e inovação potencialidades e impactos no Estado do Rio
Grande do Norte. 2012. Disponível em <http://www.aahe.fahce.unlp.edu.ar/Jornadas/iii-
cladhe-xxiii-jhe/>.

CARTA ENDEREÇADA À PAULA COUTO, Natal, 02 de agosto de 1965.

___________. Natal, 22 de dezembro de 1965.

CARTA ENDEREÇADA AO JORNALISTA RUBENS DE AZEVEDO, Natal, 15 de março


de 1965.
108

CARTA ENDEREÇADA AO CONSUL DA ALEMANHA EM PERNAMBUCO, Natal, 22


de dezembro de 1965.

CARTA ENVIADA POR CABRAL, 23 de maio de 1977.

CASCUDO, Luís da Câmara. O tempo e Eu. Natal, Imprensa Universitária, 1968.

__________. Universidade e civilização. 2. ed. Natal: EDUFRN, 1988.

__________. Seleta. Organização, notas e estudos de Américo Oliveira Costa. Rio de Janeiro:
J. Olympio: INL, 1972b, p.6 apud LIMA, M.S. Percurso Intelectual de Luís da Câmara
Cascudo: Modernismo, Folclore e Antropologia. Perspectivas, São Paulo, v. 34, p. 173 - 192,
jul./dez. 2008.

CASTRICIANO, Henrique. Lourival e seu tempo I. A Republica, Natal, 3 jul. 1907.

CONSUNI 1973 – Cria o Museu Câmara Cascudo/UFRN.

CRIAÇÃO DA UNIVERSIDADE, A República, Natal, p. 3, 05 junho 1958.

CRUZ, Helena de Faria. As revistas científicas: espaço do debate público da academia


paulista no final do século XIX e início do XX. In: ALMEIDA, M.; VERGARA, M. de R.
Ciência, história e historiografia. Rio de Janeiro: MAST, 2008.

CRUZ, Robson Nascimento da. História e historiografia da ciência: considerações para


pesquisa histórica em análise do comportamento. Rev. Bras. Ter. Comport. Cogn. [online].
2006, v.8, n.2.

DANTAS, Manoel. Natal daqui a cinquenta anos. In: EMERENCIANO, João Gothardo
Dantas. (Org.). Natal Não-Há-Tal: Aspectos da História da Cidade do Natal. Natal:
Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2007. p. 87.

DANTES, Maria Amélia M. Espaços da Ciência no Brasil (1800-1930). Rio de Janeiro:


Editora Fiocruz, 2011.

__________. As instituições Imperiais na historiografia das ciências no Brasil. In: HEIZER,


A. e VIDEIRA, A. (Org.). Ciência civilização e Impérios nos Trópicos. Rio de Janeiro:
Access, 2001.

DECRETO n. 6323, de 10 de janeiro de 1907.

__________n. 74.211, de 24 de junho de 1974.

DEPARTAMENTO NACIONAL DE OBRAS CONTRA AS SECAS – DNOCS. História.


Disponível em: < http://www.dnocs.gov.br/>. Acesso em: 15 julho 2013.

DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol. Heloisa Alberto Torres e o inquérito nacional sobre
ciências naturais e antropológicas, 1946. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciênc. hum., Belém,
v. 5, n. 3, Dec. 2010, p. 641. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1981-
81222010000300005&script=sci_arttext>. Acesso em: 23 abr 2014.
109

DOMINGUES, Heron. Raio-x de uma cidade. Jornal A República, Natal, 11 Julho 1956. p. 4.

EDIÇÃO ESPECIAL HOMENAGEIA A UNIVERSIDADE, A República, 2º Caderno, Natal,


12p, 01 jul 1958.

E.P. de Oliveira. Ata de 16 de maio de 1933. Livro de Atas da ABC de 1933-1934 apud
MOTOYAMA, Shozo. 1930-1964: Período Desenvolvimentista. In: MOTOYAMA, Shozo.
(Org.). Prelúdio para uma história - ciência e tecnologia no Brasil. São Paulo: Edusp/
Fapesp, 2004.

ESTATUTO DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DO RIO GRANDE DO NORTE,


1903.

FACULDADE DE FILOSOFIA E A REFORMA DO ENSINO, A República, Natal, 08 mar


1957. p. 3.

FARIA, Luiz de Castro. Antropologia: duas ciências. Notas para uma história da antropologia
no Brasil. Org.: Alfredo Wagner Berno de Almeida e Heloisa Maria Bertol Domingues.
Brasília: CNPq; Rio de Janeiro: MAST, 2006.

FIGUEIRÔA, S. F. de M. As Ciências Geológicas no Brasil: Uma História Social e


Institucional, 1875-1934. São Paulo, Editora Hucitec, 1997.

FITOGEOGRAFIA E GEOGRAFIA..., A República, Natal, 23 out. 1957. p. 4.

FUNCIONAMENTO, BREVE, DO LABORATÓRIO..., Jornal de Natal, Natal, 08 Janeiro


1957. p. 1.

GALVÃO, Hélio. Discurso de recepção na Academia Norte-Rio-Grandense de Letras,


publicado na Revista daquela instituição, Ano XXV, nº 13, Natal-RN, novembro de 1977,
págs. 123-128.

GEÓGRAFOS PERNAMBUCANOS ESTUDAM..., Jornal de Natal, Natal, 18 Janeiro 1957.


p. 5.

INDUSTRIALIZAÇÃO E PROGRESSO, A Republica, Natal, 26 julho 1956. p. 3.

INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA CÂMARA CASCUDO – Uma síntese, 1965.

INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA EM NATAL. A República, Natal, 25 set. 1959. p. 1.

JUNIOR, Carlos Newton. Breve Histórico da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
In: JUNIOR, Carlos Newton. (Org.) Portal da Memória: Universidade Federal do Rio Grande
do Norte: 45 anos da federalização (1960-2005). Brasília, DF: Senado Federal, 2005.

LAFUENTE, A. La ciência periférica y su especialidad historiográfica. In: SALDAÑA, J.J.;


LAFUENTE, A. (Eds.) El perfil de la ciencia em América. México: Ed. Cuadernos Quipu,
1986, p. 33-34.
110

LEI: 2.694/1960, Natal, 22 de novembro de 1960 - Cria na Universidade do Rio Grande do


Norte, INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA e dá outras providências.

LIMA, Diógenes da Cunha. O Semeador de alegria: uma biografia de Dom Nivaldo Monte.
Natal, Sebo Vermelho Editora. 2007. p. 109.

LIMA, S. F. de.; CARVALHO, V. C. de. Cultura material e coleção em um museu de


historia: as formas espontâneas de transcendência do privado. In: FIGUEIREDO, B.G.;
VIDAL, D.G. (Orgs.). Museus – dos Gabinetes de Curiosidades à Museologia Moderna.
Argvmentvm, Belo Horizonte, p. 85-110.

LIMA, N.T. & SÁ D.M. (Orgs). Antropologia Brasiliana: Ciência e Educação na obra de
Edgard Roquette-Pinto. Belo Horizonte: Editora UFMG/Rio de Janeiro: Editora Fiocruz,
2008.

LUDOVICUS – INSTITUTO CÂMARA CASCUDO. Cronologia. Disponível em:


<http://www.cascudo.org.br/biblioteca/vida/cronologia/> Acesso em: 18 de fevereiro de 2014.

LUNARDI, Maria Elizabeth. Organização da ciência no Paraná: a contribuição do IBPT.


Dissertação (Mestrado em Política Científica e Tecnológica) - Universidade Estadual de
Campinas, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. São Paulo,
1993.

LOPES, Maria Margaret. O Brasil descobre a pesquisa cientifica: os museus e as ciências


naturais no século XIX. São Paulo, Hucitec, 1997.

MAIA, Carlos Alvarez. História das ciências: uma história de historiadores ausentes:
precondições para o aparecimento dos sciences studies. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2013.

MARINHO, Márcia Maria Fonseca. Natal também civiliza-se: sociabilidade, lazer e esporte
na Belle Époque Natalense (1900-1930) / Márcia Maria Fonseca Marinho. Natal, RN, 2008.

MARTINS, R. de A. Que tipo de história da ciência esperamos ter nas próximas décadas?
Episteme, n. 10, 2000.

MELO, Luiz Gonzaga Cortez Gomes de. Cientistas e Pesquisadores Norte-rio-grandenses.


UFRN, Editora Universitária, Diário de Natal, IEL, 1983.

MELO, Paulo de Tarso Correia. Os Quatro Precursores. In: JUNIOR, Carlos Newton. (Org.)
Portal da Memória: Universidade Federal do Rio Grande do Norte: 45 anos da federalização
(1960-2005). Brasília, DF: Senado Federal, 2005.

MELO, Veríssimo Pinheiro de. Patronos e Acadêmicos. v. 1. Editora Pongetti, Rio de Janeiro,
1972.

MENDELSOHN, E. The Social Construction of Scientific Knowledge. In: MENDELSOHN,


E; WEINGART, P.; WHITLEY, R. (Eds.). The Social Production of Scientific Knowledge.
Dordrecht: D. Reidel Publ. Co., 1997.
111

MONTEIRO, Denise Mattos. Introdução à História do Rio Grande do Norte. Natal:


EDUFRN, 2000.

MOTOYAMA, Shozo. (Org.). Prelúdio para uma História: Ciência e Tecnologia no Brasil.
São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2004.

NAGAMINI, Marilda. 1889-1930: Ciência e Tecnologia nos processos de urbanização e


industrialização. In: MOTOYAMA, Shozo. (Org.). Prelúdio para uma história - ciência e
tecnologia no Brasil. São Paulo: Edusp/ Fapesp, 2004.

NAVARRO, Jurandyr. (Org.). Antologia do Padre Monte. Natal/RN: Fundação José Augusto,
1976-1996.

NOTÍCIAS SOBRE O MUSEU CÂMARA CASCUDO. Relatório de Atividades do Museu


Câmara Cascudo. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 1977.

O CLERO VAI ESTUDAR RURALISMO, A República, Natal, p.1, 05 jan. 1957.

O GOVERNO ENCAMINHOU..., A República, Natal, p. 3, 04 junho 1958.

OFÍCIO: s/n/1962, Natal, Junho de 1962.

_______:17/1962, Natal, 05 de julho de 1962.

_______:21/1962, Natal, 13 de julho de 1962.

_______:23/1962, Natal, 18 de julho de 1962.

_______:26/1962, Natal, 25 de julho de 1962.

_______:47/1962, Natal, 16 de agosto de 1962.

_______:78/1962, Natal, 29 de setembro de 1962.

_______:163/1963, Natal, 05 de fevereiro de 1963.

_______:167/1963, Natal, 05 de fevereiro de 1963.

_______:186/1963, Natal, 11 de março de 1963.

_______:059/1966, Natal, 16 de junho de 1966.

PESQUISAS SOCIAIS, A Republica, Natal, 19 julho 1956. p. 3.

PROBLEMAS DO NORDESTE E O ORÇAMENTO FEDERAL, A Republica, Natal, 15


julho 1956. p. 3.

PRODUÇÃO E PESQUISAS, A República, Natal, 13 julho 1956. p. 3.


112

RESUMO DE ATIVIDADES DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, relativo ao ano de


1964, encaminhado ao Prof. Onofre Lopes, reitor da URN. Natal, 17 de fevereiro de 1965.

ROSADO, Vingt-un. Minhas Memórias da Paleontologia Mossoroense - 2º Volume - 1935 a


1962. Mossoró: Fundação Vignt-Um Rosado Coleção Mossoroense. Série C, 1999.

________. Antônio Campos e Silva, numa viagem de 14 anos através de 50 cartas. 2. ed.
Coleção Mossoroense. Série “C”, 2001.

________. Um auto-retrato. Mossoró, 22 de novembro de 1999. Disponível em:


<http://www.colecaomossoroense.org.br/vingt_un.swf> Acesso em: 11 jul 2013.

ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa. Bauru, SP: EDUSC, 2001.

SÁ, Dominichi Miranda de. A ciência como profissão: médicos, bacharéis e cientistas no
Brasil (1895-1935). Rio de Janeiro: Editora Fio Cruz, 2006.

________. Notas sobre “Ciência e Cientistas do Brasil” In: LIMA, N.T; SÁ, D.M. de. (Orgs).
Antropologia brasiliana: ciência e educação na obra de Edgard Roquette-Pinto. Belo
Horizonte: Editora UFMG, Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008.

SALDAÑA, J. J. Marcos conceptuales de la historia de las ciencias em Latinoamérica:


Positivismo y Economicsmo. In: SALDAÑA, J. J. (Ed.). El perfil de la ciência em América.
México: Soc. Latinoam. Hist. Ciencia y la Tecnol., 1986. (Cueadernos de Quipu, 1).

SANDBERG, Marl B. Efígie e narrativa: examinando o museu do folclore do século XIX. In:
SCHWARTZ, Vanessa; CHARNEY, Leo. (Orgs.). O Cinema e a Invenção da Vida Moderna.
São Paulo: Cosac & Naify, 2001.

SANTOS, J. S. M. A Construção do Museu Câmara Cascudo. Monografia (Pós-graduação


em História do Rio Grande do Norte) – Universidade Potiguar. Pró-reitora de Pesquisa e Pós-
graduação. Natal, 2010.

SANTOS, Paulo Pereira dos. Evolução econômica do Rio Grande do Norte: século XXI ao
XX. Natal: Clima, 1994.

SANTOS, R. B dos. Antropologia, Arqueologia e identidade no nascimento do Museu


Câmara Cascudo (1960-1973). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, MAST,
Rio de Janeiro, 2013.

SCHIVANI, M. Educação não formal no processo de ensino e difusão da astronomia: ações


e papéis dos clubes e associações de astrônomos amadores. Dissertação (Mestrado).
Universidade de São Paulo. São Paulo, SP. 2010.

SCHWARCZ, Lilia Moritz. O nascimento dos museus brasileiros, 1870-1910. In: MICELI,
Sérgio. (Org.). Historia das Ciências Sociais no Brasil. São Paulo, Vertice, Editora dos
Tribunais: IDESP, 1989. p. 20-71.

________. O espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
113

SCHWARTZMAN, Simon. Um espaço para ciência: a formação da comunidade científica


no Brasil. Brasília: MCT, 2001.

SILVA, Aline Gurgel. Instituto de Antropologia: história e memória de um itinerário


científico-cultural na URN. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História -
Licenciatura e Bacharelado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008.

SILVA, Yuno. A cultura pós-guerra na terra do sol. Tribuna do Norte, Natal, 16 junho 2011.
Disponível em: <http://tribunadonorte.com.br/print.php?not_id=185471>. Acesso em: 04 de
abril de 2014

SOUZA, Itamar de. Universidade: para quê? Para quem? Natal: Clima, 1984.

STEPAN, N. Gênese e Evolução da Ciência Brasileira. Rio de Janeiro: Artenova, 1976.

TEIXEIRA, Anísio. Ensino superior no Brasil: análise e interpretação de sua evolução até
1969. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1989.

TRIBUNA DO NORTE. Natal, 01 janeiro 1956.

________. Natal, 14 janeiro 1956.

________. Natal, 27 março 1956.

UM MUSEU ETNOGRÁFICO, A República, Natal, 14 mar 1959. p. 3.

UNIVERSIDADE E CIVILIZAÇÃO, Discurso pronunciado por Luís da Câmara Cascudo, na


noite de 21 de março de 1959, por ocasião da instalação da Universidade do Rio Grande do
Norte, e em nome das Congregações de todas as Faculdades.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE, Bolem Universitário, ano 1,


n. 1, setembro de 1963.

UNIVERSIDADES, A República, Natal, 07 agosto 1957. p. 3.

VESSURI, H.M.C. Qué investigar em América Latina? Acta Científica Venezolana, 35:1-5,
1984.

VIDEIRA, A. A. P. Historiografia e história da ciência. Escritos: revista da Casa de Rui


Barbosa, v. 1, 2007.

VISITARÁ O ESTADO UMA DELEGAÇÃO..., Jornal de Natal, Natal, 28 Agosto 1957. p.


1.

VISÃO DO FUTURO. A República, Natal, 28 julho 1956. p. 3.

VOCAÇÃO QUE NÃO SE PERDEU, A República, Natal, 03 Ago. 1956. p. 3.

X SEMANA RURAL..., A República, Natal, 10 jan. 1957. p. 2.

Você também pode gostar