JacquelineSouzaSilva_DISSERT
JacquelineSouzaSilva_DISSERT
JacquelineSouzaSilva_DISSERT
INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA:
um espaço para ciência no Rio Grande do Norte (1960-1973)
Natal/RN
2014
Jacqueline Souza Silva
INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA:
um espaço para ciência no Rio Grande do Norte (1960-1973)
Natal/RN
2014
UFRN. Biblioteca Central Zila Mamede.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas,
Letras e Artes. Programa de Pós-Graduação em História.
RN/UF/BCZM CDU 94
Jacqueline Souza Silva
INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA:
um espaço para ciência no Rio Grande do Norte (1960-1973)
___________________________________________________________________________
Dr. Douglas Araújo
Orientador
___________________________________________________________________________
Dr. Heloisa Maria Bertol Domingues
Avaliador Externo ao Programa
___________________________________________________________________________
Dr. Raimundo Pereira Alencar Arrais
Avaliador Interno
___________________________________________________________________________
Dr. Raimundo Nonato Araújo da Rocha
Suplente
Charles Bukowski
AGRADECIMENTOS
Aos professores doutores Raimundo Arrais (UFRN) e Raimundo Nonato (UFRN), pelas
críticas e sugestões na banca de Qualificação.
Aos colegas do Museu Câmara Cascudo, em especial à diretora Sônia Othon e à professora
Maria de Fátima Santos, pelo apoio e compreensão durante o período o qual estive ausente.
À Jorge Tavares, pela colaboração e paciência em abrir o Arquivo do Museu Câmara Cascudo
para consulta.
À Jailma Medeiros, pelas eternas discussões e brigas que muito ajudaram nesta pesquisa.
Aos funcionários do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), por
facilitarem a pesquisa.
À Moab Felipe, o maior peste ruim da paróquia, pelas birras, chiliques, cervejas, sucos de
maracujá, chocolates, acarajés, picanhas e, sobretudo, pela preocupação, incentivo, carinho e
amizade.
Aos meus pais, Dona Neide e Seu Assis, por me perturbarem e me obrigarem para buscar os
meus sonhos.
À minha gata Chiquinha da Silva, pelos ronrons, miados e arranhões que me trazem paz e
acalmam a alma.
Por fim, gostaria de agradecer a todos que direta ou indiretamente estiveram presentes ao
longo dessa etapa.
RESUMO
The aim of this dissertation is to analyze how the Institute of Anthropology from the Federal
University of Rio Grande do Norte was formed as a space of science, during the period 1960-
1973, considering the social space in which it was inserted, the political and economic issues
that were on the agenda over the period, as well as the role of intellectuals linked to its
creation: Luís da Câmara Cascudo, José Nunes Cabral de Carvalho, Veríssimo Pinheiro de
Melo and Dom Nivaldo Monte. Consider the trajectories of their scientific researchers, as well
as their positions as social agents at the time of creation of the Institute of Anthropology,
allows us to differentiate their scientific practices and think the reasons these agents define
their objects and constitute a scientific space dedicated to their practices. We try to understand
the Anthropology Institute (agent) as a universe on which were participating individuals and
institutions that produced, reproduced and spread the science in the state of Rio Grande do
Norte, contributing to the construction of a regional history of science.
CE Ceará
CONSUNI Conselho Universitário
DGM Departamento de Geologia e Mineralogia
DNER Departamento Nacional de Estradas de Rodagem
DNOCS Departamento Nacional de Obras Contra as Secas
DNPM Departamento Nacional da Produção Mineral
EUA Estados Unidos da América
Fiocruz Fundação Oswaldo Cruz
IA Instituto de Antropologia
IHGRN Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte
IFOCS Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas
MCC Museu Câmara Cascudo
MAE-USP Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo
PA Pará
PR Paraná
SCBEU Sociedade Cultural Brasil-Estados Unidos
SPHAN Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico e Cultural
SPLAN Sociedade de Pesquisas e Planejamento
RJ Rio de Janeiro
RN Rio Grande do Norte
SPLAN Sociedade de Pesquisas e Planejamento
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
URN Universidade do Rio Grande do Norte
USP Universidade de São Paulo
LISTA DE FIGURAS
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 14
CAPÍTULO 1
INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA NA UNIVERSIDADE DO RIO GRANDE
DO NORTE? E POR QUE NÃO? O contexto local e os condicionantes para a
criação do Instituto de Antropologia (IA) .................................................................... 30
1.1 Natal e o Rio Grande do Norte na Segunda Metade dos Anos Cinquenta - o futuro
que não chegava ............................................................................................................. 30
1.2 Pesquisa e Progresso - a solução para os problemas do Estado ................................. 33
1.3 Problemas do Nordeste – carência de inovação e estudos técnicos ........................... 39
1.4 O espaço do ensino superior, o progresso local e a produção científica .................... 41
1.5 A Universidade do Rio Grande do Norte – laboratório de projetos para o futuro do
Estado ............................................................................................................................... 45
CAPÍTULO 2
OS SÁBIOS DAS CIÊNCIAS: agentes de um campo científico em construção ...... 51
2.1 Luís da Câmara Cascudo – o mestre da casa .............................................................. 54
2.2 Nivaldo Monte – entre a ciência de Deus e a ciência dos homens ............................. 60
2.3 Veríssimo Pinheiro de Melo – o capitão-mor do folclore .......................................... 63
2.4 José Nunes Cabral – a anatomia de um cientista e um administrador ........................ 65
2.5 Antônio Campos e Silva – a milagre da cidade do Natal ........................................... 68
2.6 Protásio Pinheiro de Melo – o interprete potiguar ...................................................... 70
2.7 Espaço de relações – escolhas e posições dos agentes ............................................... 71
CAPÍTULO 3
UM ESPAÇO PARA VÁRIAS CIÊNCIAS: estratégias e desafios de uma
instituição científica do Rio Grande do Norte ............................................................. 74
3.1 Institui-se o espaço para a ciência .............................................................................. 74
3.2 As viagens de campo .................................................................................................. 79
3.3 Curso de Introdução à Antropologia – a necessidade de especialistas para a
pesquisa científica ............................................................................................................ 81
3.4 O Instituto e seus pequenos “museus expositores” .................................................... 90
3.5 A Revista Científica Arquivos do Instituto de Antropologia ...................................... 95
3.6 Desafios e pressões externas – o esgotamento do Instituto de Antropologia ............. 97
INTRODUÇÃO
No final da década de 1950, o Rio Grande do Norte organizou duas instituições que
marcaram o cenário científico e cultural do Estado: a Universidade do Rio Grande do Norte
(URN), fundada no ano de 1958; e, vinculada a ela, o Instituto de Antropologia (IA), em
1960. Por pouco mais de uma década (1960-1974), o Instituto de Antropologia da
Universidade do Rio Grande do Norte (denominado, em seguida, Instituto de Antropologia
Câmara Cascudo) sediou e promoveu um modelo de pesquisa científica universitária que
tinha como particularidade a articulação entre a pesquisa básica com o ensino. O instituto
supracitado constituiu-se um espaço polivalente e multidisciplinar, dedicando-se à formação
de pesquisadores nas áreas da Antropologia cultural, Antropologia física e Paleontologia,
exercendo papel de grande relevância para a ciência do Rio Grande do Norte.
Embora tenha contribuído para o desenvolvimento da prática científica no Estado e
seja constantemente lembrado – e, por vezes, exaltado – como o primeiro centro de pesquisa
da Universidade, o Instituto de Antropologia nunca fora objeto de estudo, tendo como linha
norteadora a história da ciência e das instituições científicas nacionais.
Ao longo dos seus 14 anos de atuação, a importância do Instituto como espaço de
ciência no estado do Rio Grande do Norte é pouco conhecida. Por que um Instituto de
Antropologia? O que levou esses estudiosos a se agruparem e instituírem um espaço dedicado
à ciência no Rio Grande do Norte? Por que direcionaram, incialmente, suas pesquisas na área
da Antropologia e, como a partir desta, desenvolveram os estudos das ciências naturais?
Existiu alguma demanda local atrelada às questões políticas, econômicas ou os interesses
particulares se sobressaíram?
Existem muitas perguntas e grandes lacunas referentes aos aspectos históricos que
levaram à formação bem como à descontinuação do Instituto de Antropologia, além do papel
dos seus idealizadores na constituição desse espaço científico na cidade do Natal.
Diante disso, a principal meta desta dissertação é analisar como o Instituto de
Antropologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte se formou como um espaço da
ciência, durante o período de 1960 a 1973, considerando o espaço social no qual ele estava
inserido, as áreas científicas que sediou, assim como a atuação dos intelectuais ligados à sua
15
criação: Luís da Câmara Cascudo, José Nunes Cabral de Carvalho, Veríssimo Pinheiro de
Melo e Dom Nivaldo Monte.
1
DANTES, Maria Amélia. (Org). Espaços da Ciência no Brasil: 1800-1930. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz,
2001, p. 4.
16
2
SALDAÑA, J.J. Marcos conceptuales de la historia de las ciencias em Latinoamérica: Positivismo y
Economicsmo. In: SALDAÑA, J.J. (Ed.). El perfil de la ciência em América. México: Soc. Latinoam. Hist.
Ciencia y la Tecnol., 1986. (Cueadernos de Quipu, 1), p. 61-62.
3
LAFUENTE, A. La ciência periférica y su especialidad historiográfica. In: SALDAÑA, J.J.; LAFUENTE, A.
(Eds.). El perfil de la ciencia em América. México: Ed. Cuadernos Quipu, 1986, p. 33-34.
17
Araújo (2006) acerca da Escola Agrícola de São Bento das Lages, na Bahia, e Lima (2009),
que trata da Escola Politécnica da Paraíba.
No caso do Rio Grande do Norte, o estudo de suas instituições científicas ainda é
insuficiente, mesmo em relação aos outros estados da região Nordeste. Trabalhos já foram
publicados, notadamente, acerca da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e de suas
Faculdades e Escolas4. Encontramos algumas obras que trazem a história dessas instituições,
de forma cronológica, focalizando as figuras de seus diretores e reitores, por exemplo. Porém,
nenhuma das publicações encontradas explora essas instituições como espaços de produção
científica.
O Instituto de Antropologia, objeto desta pesquisa, já foi foco de atenção de outros
trabalhos acadêmicos5, contudo, identificamos nesses trabalhos uma tendência de analisá-lo
como espaço de cultura e memória, utilizando conceitos da área da museologia e patrimônio.
Acreditamos que isso aconteça porque o Instituto teve em sua estrutura um museu e desse
museu surgiu o Museu Câmara Cascudo (MCC/UFRN), atuante até os dias de hoje. A
ausência de abordagem na história da ciência desses estudos, ao não enquadrarem o Instituto
de Antropologia como um espaço que sediou práticas científicas, motivou ainda mais este
trabalho de pesquisa.
4
Ver: JUNIOR, C.N. (Org.). Portal da Memória: Universidade Federal do Rio Grande do Norte: 45 anos de
federalização (1960-2005). Brasília, DF: Senado Federal, 2005; AGUIAR, M.C.R.D. História do ensino
farmacêutico no Rio Grande do Norte (1920-1992). Natal: UFRN/Editora Universitária, 1992; GOUVEIA, E.C.
et. al. Memória da Escola do Serviço Social de Natal, 1945-1955. Natal: UFRN/Editora Universitária, 1993;
LIMA, D.G; MELO, J.C.M. 12 Anos de Universidade (1959-1971): implantação e desenvolvimento. Natal:
UFRN/Editora Universitária, 1971; MEDEIROS, T. Escola de Farmácia e Odontologia de Natal – A Pioneira de
1920. In: Tempo Universitário: Revista de Cultura da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, v.6,
n.1, p-155-160, 1980; MELO, V. Síntese Cronológica da UFRN (1958-1988). Natal: UFRN/Editora
Universitária, 1991.
5
Encontramos cinco monografias de graduação, uma de pós-graduação e duas dissertações de mestrado que, ao
adotarem o Museu Câmara Cascudo como objeto de estudo, evidenciam a história do Instituto de Antropologia.
São elas: VALE, Nelson Aderaldo Olsen Maia do. Turismo Cultural e Museu: estudo de caso no Museu Câmara
Cascudo em Natal. Natal, 2006. Monografia (Curso de Turismo) – UERN; PINHEIRO, Marisa de Castro. Museu
Câmara Cascudo: consagração de um Intelectual Potiguar. Natal, 2007. Monografia (Curso de Ciências Sociais)
– UFRN; VALE, Nelson Aderaldo Olsen Maia do. A Construção do Patrimônio Potiguar e o Museu: estudo de
caso do Museu Câmara Cascudo. Natal, 2007. Monografia (Curso de História) – UFRN; SILVA, Abrahão
Sanderson Nunes F. Musealização da Arqueologia: diagnóstico do Patrimônio Arqueológico em Museus
Potiguares. São Paulo, 2008. Dissertação (Programa de Pós- graduação em Arqueologia) – USP; SILVA, Aline
Gurgel. Instituto de Antropologia: história e memória de um itinerário científico-cultural na URN. Trabalho de
Conclusão de Curso (Graduação em História - Licenciatura e Bacharelado) - Universidade Federal do Rio
Grande do Norte, Natal, 2008. PESSOA, Nara da Cunha. Museu vivo: uma análise do Museu Câmara Cascudo.
Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, Natal, 2009. SANTOS, J.S.M. A
Construção do Museu Câmara Cascudo. Monografia (Pós-graduação em História do Rio Grande do Norte) –
Universidade Potiguar. Pró-reitora de Pesquisa e Pós-graduação. Natal, 2010.
18
Dos estudos sobre o Instituto, escolhemos por destacar dois: a monografia de Aline
Gurgel da Silva6 e a monografia de Jailma da Silva Medeiros7. Em 2007, Aline Gurgel da
Silva desenvolveu sua monografia Instituto de Antropologia: história e memória de um
itinerário científico-cultural na URN, tendo como objetivo narrar a origem do Instituto e sua
atuação no campo da antropologia durante os seus primeiros cinco anos (1960-1965). Gurgel
explica que a escolha do recorte temporal se deve a uma maior concentração de documentos
do Instituto de Antropologia encontrados no Arquivo do Museu Câmara Cascudo: ofícios,
fotografias, relatórios, boletins universitários, a revista Arquivos do Instituto de Antropologia,
fichas catalográficas do acervo do Museu. Em seu texto, Gurgel utiliza um referencial teórico
da área da museologia para analisar a atuação do Instituto, adotando conceitos de autores
como Maria Margaret Lopes e Lilia Moritz Schwarcz. 8 No entanto, o trabalho monográfico
traz muitas afirmações que consideramos arbitrárias, justamente por caracterizar as ações do
Instituto a partir de um modelo museológico, quando nem mesmo os museus daquele período
seguiam tais padrões. No entanto, o seu trabalho é o único que reflete, mesmo de forma pouco
profunda e enquadrando o Instituto como museu, a antropologia enquanto “ciência do
homem” e como ela esteve presente naquele espaço.
O segundo trabalho, a monografia de pós-graduação A construção do Museu Câmara
Cascudo, de Jailma da Silva Medeiros Santos, tem como meta principal estudar a história do
Museu Câmara Cascudo e a formação de suas coleções. Como o Museu possui a sua gênese
no Instituto de Antropologia, Medeiros narra a criação do IA de forma mais detalhada que
Gurgel, no entanto, o seu trabalho é basicamente descritivo. Na sua busca por documentos que
evidenciassem a formação das coleções do Museu9, maioria constituída pelas atividades de
pesquisa em campo, Medeiros conseguiu listar boa parte das pesquisas realizadas pelo
Instituto de Antropologia, que foram bastante úteis do desenvolvimento do nosso trabalho.
Na busca de outros trabalhos que representassem a pesquisa sobre a história da ciência
e de instituições no Rio Grande do Norte, encontramos a obra Cientistas e Pesquisadores
Norte-rio-grandenses, publicada no ano de 1983, de autoria do jornalista Luiz Gonzaga
6
VER: SILVA, Aline Gurgel. Instituto de Antropologia: história e memória de um itinerário científico-cultural
na URN. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História - Licenciatura e Bacharelado) - Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2008. O trabalho foi orientado por Wani Fernandes Pereira, professora
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
7
VER: SANTOS, J.S.M. A Construção do Museu Câmara Cascudo. Monografia (Pós-graduação em História do
Rio Grande do Norte) – Universidade Potiguar. Pró-reitora de Pesquisa e Pós-graduação. Natal, 2010.
8
VER: LOPES, Maria Margaret. O Brasil descobre a pesquisa cientifica: os museus e as ciências naturais no
século XIX. São Paulo, Hucitec, 1997; SCHWARCZ, Lilia Moritz. O nascimento dos museus brasileiros, 1870-
1910. In: MICELI, Sérgio. (Org.). Historia das Ciências Sociais no Brasil. São Paulo, Vertice, Editora dos
Tribunais: IDESP, 1989, p. 20-71.
9
O Museu Câmara Cascudo/UFRN foi criado para manter as coleções formadas pelo Instituto de Antropologia.
19
Cortez Gomes de Melo. O livro tem a intenção de registar a vida e a obra de, como diz o
próprio autor, “ilustres potiguares que atuaram em diversos ramos da ciência”. A coleta de
dados teve início no ano de 1966, mas a obra foi publicada apenas em 1983. Na apresentação
do livro, o autor se queixa de não ter encontrado apoio para publicação: “as primeiras
tentativas foram infrutíferas. Muita gente gozou com minha cara. Na verdade, pouca gente
acreditava que eu estivesse interessado em escrever um livro sobre os cientistas e
pesquisadores científicos nascidos no Rio Grande do Norte10.
Além de se debruçar sobre as obras e práticas científicas de personagens da ciência
potiguar, Luiz Gonzaga Cortez Gomes de Melo, menciona em seu livro algumas instituições
científicas do Rio Grande do Norte, nas quais os pesquisadores exerciam suas atividades.
Entre as instituições, estão o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (1902),
Associação Norte-rio-grandense de Astronomia (1956), Universidade do Rio Grande do Norte
(1958, federalizada em 1960, passando a Universidade Federal do Rio Grande do Norte –
UFRN), e o próprio Instituto de Antropologia (1960).
Conhecer a formação e a trajetória dos institutos de pesquisa é o ponto de partida,
como ressalta Dantes, não só para compreender o papel que estes desempenharam na
implantação de áreas científicas, mas também para uma reflexão mais geral sobre os fatores
presentes na implantação das ciências na sociedade brasileira11.
10
MELO, Luiz Gonzaga Cortez Gomes de. Cientistas e Pesquisadores Norte-rio-grandenses. UFRN, Editora
Universitária, Diário de Natal, IEL, 1983. p. 19.
11
DANTES, Espaços da Ciência no Brasil. loc. cit.
20
12
ROSSI, Paolo. O nascimento da ciência moderna na Europa. Bauru, SP: EDUSC, 2001. p. 371-372.
13
FIGUEIRÔA, S. F. de M. As Ciências Geológicas no Brasil: Uma História Social e Institucional, 1875-1934.
São Paulo, Editora Hucitec, 1997. p. 24.
14
BEN-DAVID, J. O Papel do Cientista na Sociedade. São Paulo: Pioneira, 1974. p. 109-110.
21
15
ROSSI, op. cit., loc. cit.
16
SCHWARTZMAN, Simon. Um espaço para ciência: a formação da comunidade científica no Brasil. Brasília:
MCT, 2001. 276 p. 23
17
AZEVEDO, 1955; STEPAN, 1976; SCHWARTZMAN, 1979; FERRI, M.; MOTOYAMA, S. 1979/1981;
DANTES, 2001.
18
DANTES, Espaços da Ciência no Brasil. p. 14.
19
FIGUEIROA, op. cit., p.18-19.
22
Se, em um primeiro momento, os estudos históricos sobre a ciência tinham como foco
principal as histórias das disciplinas e as biográficas científicas, repletas de narrativas heroicas
com o intuito de registrar e, principalmente, legitimar nomes e/ou áreas do conhecimento, e
onde as instituições figuravam apenas como pano de fundo da ciência, essa nova perspectiva
possibilitou à história institucional a exploração de questões mais complexas, abordando
temas como os esforços individuais, as relações pessoais entre cientistas, os interesses
políticos, as demandas econômicas e sociais.
A ruptura com a velha história institucional foi indicada principalmente pelo
historiador norte-americano Roger Hahn, em sua obra sobre a Academia de Ciências de Paris.
Na obra, considerada pioneira, Hahn chama a atenção para o estudo das instituições
científicas como espaços em que interesses sociais e científicos se encontram e no qual são
moldados os valores, por algumas vezes conflitantes, da ciência e da sociedade, mostrando a
influência de fatores externos nesses espaços20.
Essa nova história institucional trouxe como foco, sobretudo, as dimensões sociais das
práticas científicas, procurando mostrar a estreita relação de dependência entre sociedade e
ciência, além de defender que a prática científica seja determinada pelas estruturas sociais e
econômicas existentes numa determinada sociedade21. A ciência não mais caminhava por
pernas próprias, não mais era considerada um campo autônomo, sendo condicionada apenas
pelos métodos científicos, ela passava a ser vista como um campo dependente de arranjos
sociais, sendo concebida como
20
DANTES, Espaços da Ciência no Brasil. loc. cit.
21
VIDEIRA, A. A. P. Historiografia e história da ciência. Escritos: revista da Casa de Rui Barbosa, v. 1. 2007,
p. 125.
22
MENDELSOHN, E. The Social Construction of Scientific Knowledge. In: MENDELSOHN, E; WEINGART,
P. & WHITLEY, R. (Eds.). The Social Production of Scientific Knowledge. Dordrecht: D. Reidel Publ. Co.,
1977, p. 3-4.
23
23
MARTINS, R. de A. Que tipo de história da ciência esperamos ter nas próximas décadas? Episteme, n. 10,
2000, p. 6-12.
24
FIGUEIROA, op. cit., p.20-21.
25
MAIA, Carlos Alvarez. História das ciências: uma história de historiadores ausentes: precondições para o
aparecimento dos sciences studies. Rio de Janeiro: Ed UERJ, 2013, p. 56.
24
Sendo assim, as considerações sociais não mais ficam confinadas apenas às análises de
influências externas, visto que, como explica a antropóloga social Hebe Vessuri, “o fato de
que muitos processos sejam internos à ciência não os torna menos sociais”26.
Nesse sentido, privilegiando a quebra da barreira internalismo/externalismo,
direcionamos a orientação teórica desta pesquisa a partir do trabalho de Pierre Bourdieu,
sociólogo francês que nos auxiliará a pensar para além das questões exclusivamente internas
ou externas da ciência, ao introduzir os conceitos de campo científico e de capital científico.
Segundo Bourdieu, para compreendermos a ciência não basta referir-se ao seu conteúdo
textual, muito menos ao seu contexto social, contentando-se em estabelecer uma conexão
direta entre ambos. Sua hipótese consiste em supor que, entre esses dois polos, existe um
universo intermediário o qual ele chama de campo científico. É nesse campo científico onde
estão inseridos os agentes, indivíduos e instituições, que produzem, reproduzem e difundem
ciência. O campo científico é um mundo social como os outros, mas que obedece a leis
sociais mais ou menos específicas. A noção de campo científico de Bourdieu serve para
designar um espaço, percebido como um microcosmo, com características relativamente
autônomas e dotado de leis próprias27.
Uma das questões que Bourdieu levanta acerca do campo científico é o seu grau de
autonomia em relação às leis sociais impostas pelo mundo externo. Devemos entender o
campo científico como um mundo social que sofre pressões e demandas externas, mas que
possui certo grau de autonomia para retraduzir essas pressões. O grau de autonomia de um
campo terá como indicador principal o seu poder de refração das pressões. Quanto mais um
campo científico é autônomo, mais ele escapa às leis sociais externas. O que nos leva a
questionar qual a força de um fenômeno externo, por exemplo, uma doença ou uma catástrofe,
em um campo da ciência?
No cenário brasileiro, a historiografia nos mostra que pressões e demandas externas
geradas a partir da expansão das atividades econômicas e a crescente urbanização,
impulsionadas pelo desenvolvimento da lavoura cafeeira, verificadas no final do século XIX e
início do século XX, levaram a criação de importantes institutos de pesquisa, sediados em São
Paulo e Rio de Janeiro. Com o objetivo de realizar estudos práticos e científicos sobre o café e
outras culturas que mostrassem viabilidade econômica, foi criado o Instituto Agronômico de
Campinas, em 1887. Para estudar e combater a broca do café que dizimava os cafezais
26
VESSURI, H.M.C. Qué investigar em América Latina? Acta Científica Venezolana, 35:1-5, 1984, p. 1.
27
BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo:
Editora UNESP, 2004. p. 18-25.
25
paulistas foi criado o Instituto Biológico de Defesa Agrícola e Animal, em 1927. A área
biomédica passou por um forte desenvolvimento científico no final do ano de 1899, resultado
de um surto de doenças epidêmicas, como a peste bubônica e a malária, que culminou com a
criação de uma das principais instituições científicas do país, o Instituto Soroterápico de
Manguinhos, atual Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, em um momento em que a
saúde pública passou a ser uma das prioridades nas políticas públicas do governo28.
Os exemplos citados acima mostram como o campo científico, influenciado por
demandas externas à atividade científica, não mais se sustentava unicamente por esforços
individuais, o que levou à criação de espaços próprios para a prática científica. Concebidos
para atender necessidades econômicas e sociais urgentes, muitos institutos de pesquisa
passaram a depender do esforço conjunto de muitos cientistas, o que significou uma mudança
na forma de se fazer ciência29.
Além disso, conforme Bourdieu, todo campo científico se apresenta como um espaço
que comporta relações de força entre os seus agentes. Conforme o autor, o espaço ou campo
científico só existe devido às relações entre os agentes que aí se encontram, onde as relações
e as posições que eles ocupam dentro dessa estrutura de relações são responsáveis por
determinar ou orientar o que os mesmos podem e não podem fazer, como os temas e os
objetos escolhidos, os lugares e formas de publicação, as intervenções científicas etc.
Por fim, essa estrutura é determinada pela distribuição de capital científico dos
agentes em um dado momento, isto é, a capacidade dos agentes em submeter um campo às
suas forças. O capital científico é uma espécie particular de capital simbólico que consiste no
conhecimento e reconhecimento do agente (individuo ou instituição) pelos pares-concorrentes
no interior do campo científico30.
Nesse sentido, qualquer que seja o campo, ele é objeto de luta dos agentes sociais
cujas posições dependem do seu capital. “[...] as oportunidades que um agente singular tem de
submeter as forças do campo aos seus desejos são proporcionais à sua força sobre o campo, isto é, ao
seu capital de crédito científico ou, mais precisamente, à sua posição na estrutura da distribuição do
capital”.
O historiador e sociólogo brasileiro Simon Schwartzman, também nos auxilia a
compreender que, por trás da lógica e da racionalidade da ciência, há um mundo humano onde
28
Para maiores informações, ver: STEPAN, N. Gênese e Evolução da Ciência Brasileira. Rio de Janeiro:
Artenova, 1976.
29
LUNARDI, M. E. Organização da Ciência no Paraná: a contribuição do IBPT. Curitiba: Tecpar; Banestado,
1993. p. 27.
30
BOURDIEU, Os usos sociais da ciência, loc. cit.
26
31
SCHWARTZMAN, Simon. Um espaço para ciência: a formação da comunidade científica no Brasil.
Brasília: MCT, 2001. p. 20.
32
LAFUENTE, op. cit., loc. cit.
27
33
FIGUEIRÔA, op. cit., p. 23.
34
LUNARDI, op. cit., p.18.
35
DANTES, Os usos sociais da ciência, p. 9.
28
reproduzir discursos proferidos nas principais instituições da época. Escolhemos por aumentar
o recorte temporal dos periódicos na tentativa de cruzar dados que possam ter levado à criação
e descontinuidade do Instituto de Antropologia.
Sendo assim, o recorte temporal escolhido tem início na segunda metade da década de
50, quando surgem as principais faculdades e escolas de ensino superior na cidade do Natal –
espaços que agruparam parte de grupos sociais interessados e que apoiavam as atividades
científicas, onde se encontravam os personagens que fundaram o Instituto de Antropologia. A
pesquisa encerra-se no ano de descontinuação do IA, 1974, quando o mesmo passa a
responsabilidade de toda sua estrutura física, suas coleções e seus funcionários para o Museu
Câmara Cascudo/UFRN, criado oficialmente, um ano antes, em 1973, para “preservar os
resultados das pesquisas e estruturar as atividades de proteção, utilização e exposição das
peças do acervo”36.
Nos parágrafos anteriores, expusemos uma síntese da história das instituições
científicas no Brasil e no Rio Grande do Norte. Sem a intenção de realizar um extenso
levantamento sobre a bibliografia relativa ao tema, buscamos entender e situar o leitor sobre o
papel desses espaços no desenvolvimento da ciência. Apresentamos o Instituto de
Antropologia e as principais inquietações que nos levaram a escolha deste como objeto de
estudo. Procuramos também apresentar os referenciais teóricos e a definição dos termos
Instituição, Espaço Científico, Campo Científico, Capital Científico, para então, debater a
questão do Instituto de Antropologia como espaço de ciência.
Em vistas disso, o trabalho está divido em três capítulos, além da corrente introdução e
das considerações finais.
No Capítulo 1, direcionamos o nosso olhar para algumas questões políticas que
influenciaram o desenvolvimento científico e cultural do Rio Grande do Norte ao longo da
década de 1950. Nessa senda, apresentamos uma breve caracterização do Estado e de sua
capital, utilizando como tema principal a relação entre o desenvolvimento local e a sua
produção científica. Registramos a criação do IA em um cenário não apenas local, mas
nacional, onde as Universidades eram vistas como ambiente essencial para o desenvolvimento
da ciência brasileira e especialização dos cientistas.
No capítulo 2, buscamos apresentar os quatros membros fundadores do IA: Luís da
Câmara Cascudo, José Nunes Cabral de Carvalho, Veríssimo Pinheiro de Melo e Dom
Nivaldo Monte. Não pretendemos apresentar uma análise minuciosa de suas biografias, mas
36
Resolução do CONSUNI 1973 - Cria o Museu Câmara Cascudo/UFRN.
29
registrar como estes intelectuais, utilizando o seu capital científico e suas posições como
agentes sociais de um campo científico, pensaram este espaço de ciência.
O Capítulo 3 mostra como o Instituto de Antropologia configurou um espaço da
ciência, considerando suas estratégias institucionais e suas relações com outras instituições
científicas nacionais e internacionais, tendo como foco a atuação de seus pesquisadores.
Acreditamos que este trabalho possa representar uma contribuição importante para o
debate acerca dos indivíduos e instituições que produziram, reproduziram e difundiram a
ciência no Estado do Rio Grande do Norte, contribuindo, assim, para o desenvolvimento da
história da ciência local.
30
CAPÍTULO 1
Para entender como ocorreu a formação desse espaço para prática científica no Rio
Grande do Norte, escolhemos, primeiramente, direcionar nosso olhar para alguns
acontecimentos políticos que possuem influência direta na economia e no desenvolvimento
social do estado ao longo da década de 1950.
Nesse sentido, neste capítulo, trazemos uma breve caracterização do Rio Grande do
Norte e de sua capital Natal durante a segunda metade dos anos 1950, especificamente dos
anos de 1956 a 1960, tendo como fio condutor as relações entre o desenvolvimento local e a
produção técnica e científica potiguar. Para tanto, utilizamos como fontes artigos publicados
nos jornais impressos do período, em especial, uma série de seis textos publicados no Jornal A
República, no mês de julho do ano de 1956, que revelam de forma clara essa relação.
1.1 Natal e o Rio Grande do Norte na Segunda Metade dos Anos Cinquenta – o
futuro que não chegava
37
DANTAS, Manoel. Natal daqui a cinquenta anos. In: EMERENCIANO, João Gothardo Dantas. (Org.). Natal
Não-Há-Tal: Aspectos da História da Cidade do Natal. Natal: Departamento de Informação, Pesquisa e
Estatística, 2007. p. 87.
31
38
ANDRADE, Alenuska Kelly Guimarães. A eletricidade chega à cidade: inovação e técnica e a vida urbana em
Natal (1911-1940). Dissertação (Mestrado em História) – UFRN, CCHLA, PPGH, Natal, 2009. p. 24.
39
A população de Natal praticamente duplicou. De uma população de 55 mil habitantes, em 1940-1941, passou
para 85 mil em 1943 (ARAÚJO, 2009, p.53). Segundo Flávia de Sá Pedreira, esse aumente teve como
consequência imediata “o desencadeamento de uma tremenda crise de abastecimento, acompanhada pelo
aumento absurdo nos preços, especialmente no setor imobiliário” (PEDREIRA, 2005, p. 100). O aumento
também foi influenciado pela população que fugia da seca que assolava o interior do Estado naquele período.
40
SANTOS, Paulo Pereira dos. Evolução econômica do Rio Grande do Norte: século XIX ao XX. Natal: Clima,
1994. p. 129.
41
SOUZA, Itamar de. Universidade: para que? Para quem? Natal: Clima, 1984. p. 33.
32
também por quem visitava a cidade no período próximo ao pós-guerra. No artigo o jornalista
gaúcho, Heron Domingues, discursa brevemente sobre como a influência dos norte-
americanos na cidade fez com que Natal despertasse “de um sono profundo e abrisse os olhos
para o progresso”42.
Apesar dos períodos acima descritos serem apontados pela historiografia como os
momentos de efetivo desenvolvimento e transformação pela qual a capital potiguar passou até
a década de 1950, eles não foram suficientes para colocar o Rio Grande do Norte, e nem
Natal, em uma posição de destaque no cenário nacional. Nem mesmo entre os outros estados
da Região Nordeste o Rio Grande do Norte possuía evidência.
Segundo o economista Denílson da Silva Araújo, que pesquisou o processo de
urbanização e a dinâmica econômica no Rio Grande do Norte a partir da década de 1940, a
inexpressiva posição do Estado nesse período é resultado, principalmente, do lento
crescimento e baixo dinamismo de sua economia. Explicado, nas palavras de Araújo, pela
“supremacia das relações capitalistas mercantis sobre as industriais (...) somadas às históricas
concentrações de terra e da renda”43. Nas mãos de uma classe social politicamente poderosa, o
modelo econômico existente no Rio Grande do Norte, com fortes bases nos setores
tradicionais, possuía um baixo nível tecnológico, se comparado à economia regional e,
sobretudo, à nacional. Uma consequência direta das frágeis estratégias de crescimento
econômico local, que priorizavam o investimento em infraestrutura e indústria de base, sem
geração de progresso científico e tecnológico44. “No centro desse bairro, sobre um pedestal de
granito em forma de algodoeiro, ergue-se a estátua de um grande homem tocando a máquina
do progresso [...]”45
Podemos citar a cultura do algodão como um exemplo claro de como a administração
pública potiguar daquele período delineou políticas econômicas ultrapassadas e ineficazes
para o desenvolvimento científico e tecnológico do Estado.
Assim como Manoel Dantas considerava o algodão a atividade econômica que levaria
Natal ao progresso, o Governador do Rio Grande do Norte no ano de 1956, Dinarte Mariz,
representante fiel da região do Seridó, afirmava que o futuro do Estado estava na cultura do
42
DOMINGUES, Heron. Raio-x de uma cidade. Jornal A República, 11 de julho de 1956, p. 4.
43
ARAÚJO, Denílson da Silva. Dinâmica econômica, urbanização e metropolização no Rio Grande do Norte
(1940-2006). Tese (Doutorado em Desenvolvimento Econômico) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto
de Economia, 2009. p. 5-6.
44
Além disso, as atividades econômicas desenvolvidas, baseadas na agroindústria e no extrativismo, além de
possuírem intenso uso de mão-de-obra, eram pouco utilizadoras de máquinas e equipamentos industriais e não
exigiam grandes investimentos tecnológicos.
45
DANTAS, op. cit. p. 83.
33
algodão46. Motivado principalmente pelo fato de o Rio Grande do Norte produzir o melhor
algodão nacional – o tipo mocó de fibra longa e mais resistente. No entanto, pela incapacidade
de elevar sua produção e produtividade, resultado, entre outras coisas, do baixo nível
tecnológico, o Estado não conseguiu criar as bases para a implantação de um setor industrial
competitivo. Isso porque, conforme Araújo, as elites políticas estavam mais preocupadas em
“reproduzir suas riquezas, e notadamente, a produtiva não foi a mais ‘preferida’”47.
A fragilidade econômica se traduzia em outros setores da sociedade potiguar e
preocupava as lideranças intelectuais que discursavam em prol do conhecimento técnico e
científico, o defendendo como o pilar para o desenvolvimento do estado e de sua capital.
Muitos desses discursos são encontrados nas páginas dos jornais que circulavam por Natal
naquele período.
46
O prefeito Djalma Maranhão (1956-1959) também defendia a importância da produção do algodão para o Rio
Grande do Norte. Um dos discursos mais lembrados de sua carreira política, já como Deputado Estadual, em
1959, é em defesa do algodão nordestino. Nele, Djalma Maranhão faz análise econômica do papel do algodão no
Brasil, especialmente no Nordeste, denunciando a existência dos trustes internacionais, e apresenta o Projeto de
Lei que defende o produtor nacional.
47
ARAÚJO, op. cit. p. 80.
48
PRODUÇÃO E PESQUISAS, A Republica, 13 jul 1956, p. 3.
34
Conforme o texto, essa pressa tem sido um dos principais motivos do atraso na
solução de certos problemas recorrentes no estado, como a seca. Criticando o que ele chama
de “método de empirismo rotineiro”, o texto sugere ao governador Dinarte Mariz a
contratação de pesquisadores especializados para que seja feito, primeiramente, o
levantamento de dados exatos e seguros para que só então quaisquer obras pudessem ser
executadas.
Importante destacar que o problema das secas na região Nordeste do Brasil é
considerado pela historiografia da ciência como um dos quadros que mais mobilizou
cientistas, médicos e engenheiros. Isso porque a construção de açudes e de estradas de
rodagem de terra demandou a presença de diversos especialistas para conduzir “estudos de
hidrologia e climatologia, além de técnicas para a construção de barragens”49. Para a
historiadora Marilda Nagamini, o problema das secas é responsável, em parte, pela criação do
Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil, em 1907, vinculado ao Ministério da Indústria,
Viação e Obras Públicas, e que tinha entre os seus objetivos o estudo científico
Visando solucionar o problema das secas, também foi criada, em 1909, a Inspetoria
Federal de Obras contra a Seca (IFOCS), formada por duas equipes, uma encarregada dos
estudos ecológicos, econômicos e sociais, e outra dos aspectos técnicos. Em Natal, funcionou
o 5º Distrito do órgão, que na década de 1950 já se chamava Departamento Nacional de Obras
Contra as Secas (DNOCS).
Apesar dos quase cinquenta anos de atuação no Rio Grande do Norte, o DNOCS, em
1956, ainda não possuía sede própria em Natal, funcionando em um “incômodo” casarão no
bairro da Ribeira. Seu diretor, o engenheiro Carlos Cabral de Andrade, em reportagem ao
jornal A República, relata a dificuldade em distribuir os setores técnicos e os equipamentos de
laboratório, assim como grave problema no armazenamento de materiais para análise: “os
49
NAGAMINI, Marilda. 1889-1930: Ciência e Tecnologia nos processos de urbanização e industrialização. In:
MOTOYAMA, Shozo. (Org.). Prelúdio para uma história - ciência e tecnologia no Brasil. São Paulo: Edusp/
Fapesp, 2004, p. 205.
50
DECRETO n. 6323, de 10 de janeiro de 1907.
35
seguia para análise em Campina Grande e era exportada via porto de Cabedelo, situação que
colocava em detrimento a economia potiguar53.
A produção de minérios representava um promissor futuro econômico para o Estado,
sobretudo pela forte procura de scheelita e o berilo pela indústria bélica mundial. Apesar de o
Estado ter um dos subsolos mais ricos do Brasil, a extração industrial era feita de forma
rudimentar54.
Em janeiro de 1957, o Governador Dinarte Mariz apresentou ao Ministro da
Agricultura uma exposição de motivos em que reivindicava para o Laboratório de Produção
Mineral a autonomia de analisar o minério do Estado para que o mesmo fosse exportado via
porto de Natal: “Em precárias situações em que vive o Laboratório local não pode realizar
funções que lhe deveriam estar atentas, nem sequer fornecer certificado para que os
exportadores possam embarcar os produtos”55.
Na exposição, o Governador solicitava a designação de um químico e de outros
técnicos que formariam o quadro de pessoal, assim como a aquisição do material e
equipamentos para a realização de análise dos minérios. Segundo Dinarte, essas seriam as
condições básicas para que a produção e a economia de minérios do Rio Grande do Norte não
sofressem mais com limitações e dificuldades provenientes do exame e exportação de seus
produtos.
No Rio Grande do Norte, os trabalhos de pesquisa empírica dos laboratórios citados
acima, com exceção do último, ocorreram, sobretudo, por meio dos estudos geológicos da
região de Mossoró. A história de grande parte dessas pesquisas pode ser encontrada nos seis
volumes da coleção Minhas Memórias da Paleontologia Mossoroense, organizada por Vingt-
un Rosado, intelectual potiguar da cidade supracitada, que se dedicou aos estudos dos fósseis
e da cultural local. Entre os especialistas que passaram pela região, nomes como Luciano
Jacques de Moraes, reconhecido engenheiro e geógrafo mineiro, e Llewellyn Ivor Price, um
dos primeiros paleontólogos brasileiros e considerado o pai da paleontologia de vertebrados
no Brasil, são lembrados constantemente na narrativa das pesquisas geológicas e
paleontológicas do Estado. Ambos são descritos por Vingt-un Rosado como “homens de
53
FUNCIONAMENTO, BREVE, DO LABORATÓRIO..., Jornal de Natal, 08 Janeiro 1957. p. 1.
54
SANTOS, Paulo Pereira dos. Evolução econômica do Rio Grande do Norte: século XIX ao XX. Natal: Clima,
1994. p. 130.
55
AUTONOMIA PARA O LABORATÓRIO..., Jornal A República, 10 jan 1957, p.v8.
37
ciência” e “grandes Geólogos do Brasil”. São chamados também de “sábios estudando com as
luzes de sua cultura especializada, os nossos problemas de Geologia e Paleontologia”56.
Porém, como apontado anteriormente, por mais que muitos especialistas estivessem
interessados na pesquisa empírica, o governo se interessava pela Geologia econômica e
estrutural, que possuía importância imediata para o desenvolvimento econômico. A utilidade
da pesquisa geológica era vista pelo Estado como um meio de mapear os depósitos minerais e
descobrir plantas e animais que pudessem ser consumidos ou exportados.
Apesar de esses espaços estarem associados a uma produção científica utilitária, que
servia às necessidades imediatas, que tanto o texto analisado recrimina, não podemos deixar
de apontar a sua importância no desenvolvimento da ciência local durante a década de 1950.
Isso porque, foi nesses espaços, que alguns dos cientistas locais iniciaram suas atividades.
Como exemplo, Antônio Campos e Silva, considerado um dos principais paleontólogos do
Rio Grande do Norte, contratado pelo DNOCS para realizar o trabalho técnico de
levantamento e análise de solo, também desenvolvia, por iniciativa própria, pesquisas no
campo da geologia e paleontologia. Antônio Campos permaneceu trabalhando no DNOCS até
o ano de 1962, quando foi convidado a integrar a equipe de pesquisadores de uma recém-
criada instituição científica, o Instituto de Antropologia da Universidade do Rio Grande do
Norte, objeto de nossa pesquisa.
Voltando ao artigo em análise, ele ainda ressalta a ausência de instituições voltadas à
pesquisa e, também, à formação técnica de especialistas no estado. Enquanto Recife é
elogiada pelo seu Instituto Joaquim Nabuco, criado no ano de 1949 e descrito como um
espaço “empenhado na solução dos mais graves problemas sociais, políticos e econômicos do
Nordeste brasileiro”, Natal e o Rio Grande do Norte continuavam, segundo o texto,
estagnados em uma fase de “empirismo colonial, administrando com os simples dados da
experiência, do esforço pessoal, da intuição, sem nenhuma base científica”57.
No cenário nacional do início do século XX, a ciência já era considerada a mais
elevada manifestação da inteligência humana. É nesse momento que, no Brasil, os diferentes
territórios da ciência foram, aos poucos, sendo demarcados com o surgimento de associações
profissionais, instituições de pesquisa, revistas especializadas, conferências e congressos.
Duas das principais instituições científicas nacionais são criadas: o Instituto Soroterápico, em
1900, responsável pela fabricação de soros e vacinas contra a peste bubônica, e que se tornou
56
ROSADO, Vint-Un. Minhas Memórias da Paleontologia Mossoroense: 1935 a 1962. Mossoró: Fundação
Vignt-Um Rosado. Coleção Mossoroense. Série C, 2. v., 1999. p. 27-30.
57
PRODUÇÃO E PESQUISAS, A Republica, 13 julho 1956, p. 3.
38
a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz); e o Instituto Butantan, com mesma missão institucional
da Fiocruz, e hoje um dos maiores centros de pesquisa biomédica do mundo58. Nesse período,
a ciência deixava de ser uma atividade praticada somente por indivíduos, de forma isolada, e
passava a ser praticada por grupos de cientistas reunidos em institutos, laboratórios,
departamentos e repartições do governo.
Apesar do Rio Grande do Norte não possuir instituições específicas voltadas à ciência
e à formação de cientistas, o Estado contava com alguns espaços de atuação científica e
cultural que serviam de vitrine para as pesquisas de alguns intelectuais. Podemos citar, como
exemplo, o Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), fundado em
Natal em março de 1902, a partir da iniciativa da elite intelectual e política, como Manuel
Dantas, Henrique Castriciano, Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, Eloy de Souza, dentre
outros. Com a finalidade de reunir e divulgar, por meio da sua Revista, documentos e estudos
relacionados à história, geografia, arqueologia e etnografia, principalmente do Rio Grande do
Norte, o IHGRN era o principal espaço de sociabilidade e consagração dos intelectuais locais.
Um segundo artigo, intitulado Pesquisas Sociais, foi publicado pelo A República,
reforçando o discurso do anterior, ou seja, da necessidade de introduzir métodos de pesquisa
“em vários campos de atividade do homem nordestino”. O texto enfatiza a importância do
trabalho em conjunto dos técnicos das áreas como Geologia, Agronomia e de especialistas em
Antropologia, Sociologia e Folclore nas ações no interior do estado. Uma descrição de como
deveria funcionar uma instituição científica naquele momento: um espaço com cientistas de
diferentes áreas, trabalhando em conjunto na resolução de problemas específicos.
O texto finaliza mencionando a Escola de Serviço Social de Natal, criada em 1945,
como um espaço local de atuação de alguns intelectuais que realizam estudos científicos,
como o professor Otto Guerra59. No entanto, pela forte ligação com a igreja e pelo cunho
extremamente assistencialista da referida instituição, o texto incube à Escola e aos seus
professores o papel de apenas fornecer apoio para os almejados técnicos, e não como um
espaço capaz de formar os especialistas tão necessários60.
As escolas e faculdades de nível superior existentes em Natal destacavam-se nesse
período como espaços de atuação de muitos potiguares dedicados à ciência. Além disso, as
58
CARVALHO, Zulmara Virgínia de; PANTALEON, Efrain; RODRIGUES, Ramon César; ORRICO, Pablo
Pekos Costa; NOBRE, Augusto Cesar Bezerra. História econômica brasileira do empreendedorismo e inovação
potencialidades e impactos no Estado do Rio Grande do Norte. 2012. Disponível em <
http://www.aahe.fahce.unlp.edu.ar/Jornadas/iii-cladhe-xxiii-jhe/>.
59
Desde a década de 1930, Otto Guerra vinha publicando no jornal local A Ordem, onde atuava como jornalista
e editor, artigos, fruto de seus estudos sobre questões regionais – particularmente dos problemas ligados à
economia e à questão da seca.
60
PESQUISAS SOCIAIS, A Republica, 19 julho 1956, p. 3.
39
aulas e conferências que abriam o ano letivo desses espaços atraiam autoridades e intelectuais
por serem ministradas por professores renomados, principalmente de instituições de ensino de
outros estados. Vários diretores e professores das faculdades locais, quando participavam de
eventos, congressos e reuniões profissionais pelo Brasil e exterior, ganhavam destaque nas
páginas dos jornais impressos da capital.
Porém, com exceção das pesquisas conduzidas isoladamente por alguns intelectuais
ligados às faculdades do estado, esses espaços e seus professores eram vistos, nesse período,
apenas como pontos de apoio para pesquisas e pesquisadores de instituições de outros estados
que constantemente excursionavam pelo interior potiguar.
Encontramos alguns exemplos que foram noticiados pela impressa escrita local.
Quando, em janeiro de 1957, o Instituto Joaquim Nabuco de Recife enviou ao Rio Grande do
Norte geógrafos para estudar o Rio Ceará Mirim, no município de mesmo nome, com o
objetivo de estudar os rios da região canavieira do Nordeste brasileiro, a equipe, chefiada pelo
Prof. Gilberto Osorio, recebeu apoio de Edgar Barbosa, Luiz da Câmara Cascudo e Boanerges
Soares, diretor e professores da Faculdade de Filosofia de Natal, e que acompanharam in-loco
os cientistas pernambucanos61. Em setembro do mesmo, um grupo da Faculdade de Filosofia
da Paraíba também visitou o Estado para realizar estudos acerca da cultura local, contando
novamente com o apoio do professor Edgar Barbosa, diretor da Faculdade de Filosofia de
Natal62.
61
GEÓGRAFOS PERNAMBUCANOS ESTUDAM..., Jornal de Natal, 18 jan 1957, p. 5.
62
VISITARÁ O ESTADO UMA DELEGAÇÃO..., Jornal de Natal, 28 ago 1957, p. 1.
63
PROBLEMAS DO NORDESTE E O ORÇAMENTO FEDERAL, A Republica, 15 jul 1956, p. 3.
40
campo industrial do estado e anuncia que já é tempo de o Rio Grande do Norte despertar para
“as alvoradas da civilização e do progresso” por meio de uma “mentalidade baseada na
ciência”64.
O tema “industrialização e progresso”, segundo o historiador Shozo Motoyama, já
figurava como destaque na pauta da economia nacional desde a década de 1930, período no
qual o Brasil viveu um processo de modernização, ainda que retardatário. Porém, a
industrialização iniciada na era Vargas não trouxe a modernidade pretendida na economia,
isso porque a ciência não era valorizada como cultura e sim como um meio utilitário capaz de
produzir riqueza65.
A necessidade de a ciência ser amparada pelo poder público já era reiterada, na década
de 1930, pelo diretor do Instituto Geológico Brasileiro, Euzébio de Oliveira, que julgava ser
fundamental para o crescimento do progresso econômico o cultivo de todos os ramos da
ciência. De acordo com Oliveira,
círculo vicioso. Enquanto os homens que faziam ciência no Brasil discutiam sobre o papel
exercido pela ciência no país e buscavam consolidar os seus espaços de atuação profissional,
constante eram também os seus esforços pela criação de instituições de ensino superior,
sobretudo, universidades. A defesa da fundação das universidades pelos cientistas explica-se,
segundo Sá, pela forte associação que eles faziam entre educação superior e a promoção do
progresso do Brasil. E, para que isso fosse possível, na visão deles, uma mudança profunda
deveria ser efetivada no modo de ensinar no Brasil. Em outras palavras,
69
SÁ, D.M. de. Notas sobre “Ciência e Cientistas do Brasil” In: LIMA, N.T & SÁ, D.M. de (Orgs).
Antropologia brasiliana: ciência e educação na obra de Edgard Roquette-Pinto. Belo Horizonte: Editora
UFMG, Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2008, p.168.
70
MOTOYAMA, op. cit, p. 252-253.
71
SCHWARTZMAN, op. cit p.10
42
72
JUNIOR, Carlos Newton. Breve Histórico da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. In: JUNIOR,
Carlos Newton (Org.) Portal da Memória: Universidade Federal do Rio Grande do Norte: 45 anos da
federalização (1960-2005). Brasília, DF: Senado Federal, 2005, p.22
73
TEIXEIRA, Anísio. Ensino superior no Brasil: análise e interpretação de sua evolução até 1969. Rio de
Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1989, p. 89.
74
MOTOYAMA, op. cit., p. 253-257.
75
MOTOYAMA, op. cit., p. 258.
43
iniciativa mostrariam os pioneiros do movimento universitário do nosso Estado que têm vistas
largas para o futuro e visão clara dos problemas fundamentais da nossa região”76.
No Rio Grande do Norte, as escolas e faculdades de ensino de superior eram tidas,
sobretudo a partir da década de 1940, com o término da Segunda Guerra Mundial, como
espaços primordiais para desenvolvimento científico e cultural do estado77. Os registros dos
jornais da época evidenciam a importância dada a esses espaços na promoção da ciência local.
Em julho de 1956, o jornal A República publicava uma reportagem intitulada
Impressões sobre o progresso científico-cultural da cidade na qual, o Presidente da
Associação Médica do Distrito Federal, Álvaro Dória, em visita à Natal, se referia
principalmente à qualidade das Faculdades, além de ressaltar o papel da Sociedade de
Medicina e Cirurgia:
76
VISÃO DO FUTURO. A República, 28 jul 1956, p. 3.
77
O envolvimento do Rio Grande do Norte na Segunda Guerra Mundial, por meio das cidades de Natal e
Parnamirim, é para muitos historiadores um ponto determinante para o crescimento intelectual do estado. Esse
crescimento ocorreu, segundo com o historiador Itamar de Souza, principalmente, porque “a presença de oficiais
brasileiros e norte-americanos, especializados em diversos ramos da ciência e da tecnologia, possibilitou que as
elites de Natal percebessem o atraso intelectual em que viviam”.
78
A República, Natal, 14 jul 1956. p. 3.
79
Tribuna do Norte, Natal, 4 jan 1956. p. 11.
44
Urge, no entanto, que esse esforço não sofra de continuidade, porque assim
teremos em breve a Universidade de natal. Essa ideia da Universidade deve
ser a oração mental de todas as horas, dos responsáveis pelo destino do
ensino universitário entre nós. 84
85
CRIAÇÃO DA UNIVERSIDADE, Jornal A República, 05 jun 1958, p. 3.
86
LUDOVICUS – INSTITUTO CÂMARA CASCUDO. Cronologia. Disponível em:
<http://www.cascudo.org.br/biblioteca/vida/cronologia/> Acesso em: 18 de fevereiro de 2014.
46
homem moderno deve estar sentado numa pilha de livros com um telescópio em um olho e
um microscópio no outro”87.
O homem moderno, o qual Cascudo se refere, denotava uma renuncia ao tipo
universalista, aquele marcado pela produção enciclopédica e indefinida do ponto de vista
disciplinar. Buscava agora uma especialização, em meio às várias áreas do conhecimento. A
criação da Universidade era vista como fator fundamental para a efetivação dessa
especialização, sendo vista como o espaço definitivo de formação profissional da
intelectualidade local.
Para o então governador do Estado, Dinarte Mariz, lembrado até hoje como o “criador
da URN”, a Universidade seria como um “[...] farol que aponta novos rumos para os nautas
políticos que navegam nos oceanos das mudanças sociais. [...] cumprem a função histórica de
laboratório de projetos do futuro do País”88.
Dinarte Mariz, em muitos de seus discursos, não deixava de incluir a URN como uma
das principais obras do seu governo com a finalidade de solucionar os problemas do estado:
Ao longo dos meses que decorreram desde a data de sua criação até a data de sua
instalação, diversas reportagens e artigos exaltando a Universidade do Rio Grande do Norte
eram publicados quase que diariamente nos principais jornais impressos de Natal. A temática
era sempre a mesma: a Universidade como a principal obra para a solução dos maiores
problemas do estado.
87
UNIVERSIDADE E CIVILIZAÇÃO, Discurso pronunciado por Luís da Câmara Cascudo, na noite de 21 de
março de 1959, por ocasião da instalação da Universidade do Rio Grande do Norte, e em nome das
Congregações de todas as Faculdades.
88
MELO, Paulo de Tarso Correia. Os Quatro Precursores. In: JUNIOR, Carlos Newton (Org.) Portal da
Memória: Universidade Federal do Rio Grande do Norte: 45 anos da federalização (1960-2005). Brasília, DF:
Senado Federal, 2005, p.35-36
89
O GOVERNO ENCAMINHOU..., Jornal A República, 04 junho 1958, p. 3.
90
A UNIVERSIDADE DO RIO GRANDE DO NORTE, Jornal A República, 26 junho 1958, p. 3.
47
Tem-se visto que, de fato, onde uma Universidade se instala, logo depois o
espírito de investigação, o gosto pela cultura se desenvolvem de maneira
surpreendente. [...] sobretudo em países como o Brasil, em fase de rápido
desenvolvimento, por isso mesmo com enorme e urgente demanda de
técnicos, em todo o seu vasto território91.
Na carta, Onofre Lopes também cita uma análise do economista Celso Furtado, para
enfatizar o papel fundamental da Universidade na formação dos técnicos tão necessitados e,
também, de uma elite intelectual capaz de dirigir de forma responsável os negócios públicos
do Brasil.
Menos de dois anos após sua instalação oficial, a URN, primeiramente de âmbito
estadual, foi federalizada pela Lei nº 3.849, sancionada a 18 de dezembro de 1960, pelo
Presidente Juscelino Kubitschek, passando a Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN).
Registra-se também, como fator essencial para a concretização da Universidade, o
esforço dos professores e intelectuais ligados às Faculdades já existentes no estado. A eles era
atribuída a formação de um ambiente propício para o nascimento de uma Universidade no
estado. Nomes como o de Onofre Lopes, já citado acima, Otto Guerra, diretor da Faculdade
de Direito, José Cavalcante de Melo, diretor da Faculdade de Odontologia, Edgar Barbosa e
Luís da Câmara Cascudo, diretor e professor da Faculdade de Filosofia, respectivamente,
eram mencionados constantemente nas reportagens e em documentos referentes à criação
dessa instituição de ensino. Em troca, os mesmos, em discursos, reproduziam todo o
91
Carta datilografada, redigida por Onofre Lopes e Otto de Brito Guerra, respectivamente Reitor e Vice-Reitor
da Universidade do Rio Grande do Norte, e dirigida ao Presidente da República, Juscelino Kubitschek,
solicitando a federalização da instituição. Maio de 1959. Acervo da UFRN, Reitoria.
48
92
EDIÇÃO ESPECIAL HOMENAGEIA A UNIVERSIDADE, 2º Caderno, 01 julho 1958. p. 12.
93
CASCUDO, Luís da Câmara. Universidade e civilização. 2. ed. Natal: EDUFRN, 1988. p. 1-5.
94
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE, Bolem Universitário, ano 1, nº1, setembro de
1963.
49
95
DANTES, M. A. As instituições Imperiais na historiografia das ciências no Brasil. In: HEIZER, A.;
VIDEIRA, A. (Orgs.) Ciência civilização e Impérios nos Trópicos. Rio de Janeiro: Access, 2001.
96
SÁ, Dominichi Miranda. A ciência como profissão. p. 16.
50
CAPÍTULO 2
97
O referido memorial não foi encontrado no Arquivo da Reitoria da UFRN e nem no Arquivo da Assembleia
Legislativa de Natal.
98
INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA EM NATAL. A República, Natal. 25 set 1959. p. 1.
99
Idem.
52
100
Idem.
101
Idem.
53
desses cruzamentos, com a emergência da genética. Ou seja, ninguém poderia fazer essa
antropologia sem ter uma formação em Biologia102.
No Brasil, temos um vasto período de hegemonia desta Antropologia Física ou
Biológica. Praticadas por antropólogos que não possuíam formação acadêmica em
Antropologia, mas na área médica, sobretudo especialistas em anatomia, a antropologia física
se desenvolveu fora dos espaços de ensino superior. O Museu Nacional foi a instituição que
mais se destacou nos estudos de mestiçagem e populações indígenas, seguido pelo Museu
Paraense Emílio Goeldi. Duas instituições que serviram de modelo para o Instituto de
Antropologia.
Além do mais, por muito tempo, o lugar de algumas ciências, não só no caso da
antropologia, mas de diversas ciências naturais, não era nas escolas de ensino superior, era
nos Museus e Institutos de Pesquisa. Portanto, zoólogos, botânicos e geólogos, no Brasil,
tinham outra formação escolar, porque só a partir de 1940 é que foram criados das Faculdades
de Filosofia no Brasil e os cursos de História Natural103.
Em um segundo momento, houve uma “diminuição” das pesquisas de Antropologia
Física, e surge uma Antropologia que passa a ser tratada como ciência social, com
designações tais como etnografia e etnologia. A prática inicial dessa Antropologia é bem clara
quando nos voltamos aos naturalistas das expedições científicas e ao colecionismo de
artefatos indígenas. Os seus alvos são as sociedades tribais, os estudos sobre “sincretismo” e
“aculturação" dos negros, com Arthur Ramos, sobre a cultura brasileira e as representações
sobre herança, com Tavares Bastos e Sérgio Buarque de Holanda. Logo, surgem os estudos
sobre folclore que, no Museu Nacional, recebem o nome de etnografia regional a partir de
Roquete Pinto. No Nordeste, tem-se, sobretudo, a contribuição de Cascudo e Veríssimo de
Melo.
102
FARIA, Luiz de Castro. Antropologia: duas ciências. Notas para uma história da antropologia no Brasil.
Orgs.: Alfredo Wagner Berno de Almeida e Heloisa Maria Bertol Domingues. Brasília: CNPq; Rio de Janeiro:
MAST, 2006. p. 19.
103
FARIA, Luiz de Castro. Antropologia: duas ciências. Notas para uma história da antropologia no Brasil.
Orgs.: Alfredo Wagner Berno de Almeida e Heloisa Maria Bertol Domingues. Brasília: CNPq; Rio de Janeiro:
MAST, 2006. p. 30.
54
Cascudo não era o único que, dentro da medicina, não mais se interessava pela clínica
médica. De acordo com Sá, grande parte das atividades reconhecidas como científicas no
Brasil daquele período ainda se confundiam com a prática da medicina, visto que, na falta de
outras instituições especializadas, muitos tinham nas faculdades de medicina o único caminho
para ciência. Por isso, muitos cientistas que ingressavam na área médica, como Oswaldo Cruz
e Miguel Ozório de Almeida106, passaram a defender a sua profissionalização como uma
atividade cada vez mais distante do exercício exclusivo da clinica médica. Se afastando cada
vez mais do ato de clinicar, do “passar receitas, ver a língua, tomar o pulso”, eles se voltaram
aos estudos experimentais e passaram a ser reconhecidos como homens de laboratório,
criando a imagem da carreira científica como profissão107.
104
O jornal A Impressa circulou até o ano de 1927, mas a função foi desempenhada até o ano de 1966,
ininterruptamente, em outros jornais locais.
105
CASCUDO, Luís da Câmara. O tempo e Eu. Natal, Imprensa Universitária, 1968. p. 47.
106
Oswaldo Cruz foi pioneiro no estudo das moléstias tropicais e da medicina experimental no Brasil. Fundou
em 1900 o Instituto Soroterápico Nacional, no Rio de Janeiro, hoje Instituto Oswaldo Cruz, respeitado
internacionalmente. Miguel Ozório de Almeida, médico neurologista e cientista brasileiro, chefiou o Instituto
Soroterápico Nacional, e pelos seus estudos sobre a fisiologia do sistema nervoso, recebeu o Prêmio Einstein
concedido pela Academia Brasileira de Ciências.
107
Sá, Dominichi Miranda de. A ciência como profissão: médicos, bacharéis e cientistas no Brasil (1895-1935).
Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2006. p. 110-114.
55
Sem vocação para a clínica médica e sem condições de ter o seu laboratório, por
ocasião do empobrecimento de seu pai, comerciante que sempre havia gozado de excelente
situação financeira, mas que no final daquela década passava por sérias dificuldades, Cascudo
desistiu da área e ingressou na Faculdade de Direito do Recife, formando-se a duras penas em
Ciências Jurídicas e Sociais no ano de 1928.
Como o Rio Grande do Rio somente ganhou suas escolas de nível superior na década
de 1940, principalmente após o término da Segunda Guerra Mundial, a Faculdade de Direito
de Recife teve papel importante na formação de muitos intelectuais potiguares nos temas da
sociologia e da antropologia, tendo como enfoque a valorização do homem brasileiro e a
investigação do caráter nacional, sempre em debate com correntes teóricas europeias, como o
positivismo e o evolucionismo. Outro destino que intelectuais seguiam nesse período era para
os dois espaços onde o Brasil viu nascer sua ciência médica, a Faculdade de Medicina do Rio
de Janeiro, onde os médicos das campanhas sanitaristas, como Oswaldo Cruz e Carlos
Chagas, se destacaram, e a Faculdade de Medicina da Bahia, casa de Nina de Rodrigues e sua
teoria antropológica-criminal.
Durante a passagem de Cascudo por essas escolas, cresceu o seu interesse pela cultura
brasileira – os costumes, as lendas e tradições -, considerada pelos estudiosos da década de
1920 e 1930, a exemplo de Mário de Andrade, como um caminho para a compreensão do
Brasil. Sua dedicação pelo tema fez com que em fins de 1928 e início de 1929, embarcasse
em uma viagem ao lado de Mário de Andrade percorrendo o interior do estado do Rio Grande
do Norte, com a finalidade de catalogar e coletar objetos sobre a cultura popular potiguar.
Já no ano de 1941, Cascudo fundou a Sociedade Brasileira de Folclore, primeira
instituição no gênero do país, e com sede na sua própria residência108.
De 1921, data da publicação do seu primeiro livro Alma Patrícia, uma crítica literária
sobre poetas natalenses, até o ano de 1959, quando surge a ideia de criação do Instituto de
Antropologia, Cascudo já havia publicado mais de 90 obras. Sua produção o levou não só a
108
http://www.cascudo.org.br/biblioteca/vida/cronologia/.
56
109
O pai de Cascudo, o coronel Francisco Cascudo, dizia sobre o filho: “Meu filho é um monstro para trabalhar,
mas só procura trabalho que não dá dinheiro...”.
110
ARDIGÓ, Fabiano. Histórias de uma ciência regional: cientistas e suas instituições no Paraná (1940-1960).
São Paulo. Contexto, 2011. p. 105.
57
111
BOURDIEU, Usos sociais da ciência, p. 23.
112
Idem.
113
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas/SP: Papirus, 2011. 11. ed. p. 107.
58
Figura 2: Luís da Câmara Cascudo, no momento em que proferia o discurso de instalação da Universidade do
Rio Grande do Norte. Teatro Alberto Maranhão, Natal, 21 de março de 1959.
Fonte: Acervo Particular de Dinarte Mariz Junior
O seu capital científico era, além de tudo, um capital simbólico objetivado, aquele
garantido pelo estado, que age como uma espécie de banco de capital simbólico. Um capital
garantido através de atos de autoridade, pertencente à categoria de atos oficiais,
simbolicamente eficientes porque realizados em situação de autoridade, por pessoas
autorizadas114.
Nesse sentido, seria quase inconcebível organizar uma instituição de pesquisa na área
da antropologia no Rio Grande do Norte sem a participação de Cascudo. Não é de se
surpreender que ele tenha sido nomeado o primeiro diretor do Instituto de Antropologia pelo
Reitor Onofre Lopes da Silva, na ocasião da primeira reunião de seus membros, em 19 de
dezembro de 1961.
Apesar das palavras de grande entusiasmo que Cascudo utiliza para apresentar o
Instituto de Antropologia à população natalense, sua atuação no primeiro ano de
funcionamento desse espaço é esporádica, culminando em seu desligamento do IA no ano de
1962. Em correspondência do IA para o então Ministro de Estado da Educação e Cultura,
Jarbas Passarinho (s/d), encontramos um trecho que cita o afastamento de Cascudo, assim
como de outro membro fundador, Dom Nivaldo Monte, do Instituto:
114
Ibidem. p. 113.
59
Não há qualquer referência ao motivo de sua saída nos documentos oficiais do IA, a
não ser uma passagem escrita por Veríssimo de Melo no relatório Breve Notícias sobre o
Museu Câmara Cascudo, de 1977, onde diz que Cascudo teria renunciando sua participação
no Instituto justificando seu afastamento com os seguintes apalavras: “Eu não posso
acompanhar o ritmo de trabalho de vocês. Enquanto eu caminho de carro-de-boi, vocês voam
de avião a jato”116.
Talvez sua declaração de “caminhar a carro de boi” remeta ao volume de viagens de
campo ao interior do estado que o restante da equipe empreendia. Só na primeira metade de
1962, por exemplo, a equipe do IA já havia percorrido quase todas as regiões do estado na
busca de material etnográfico, sítios arqueológicos e paleontológicos.
No entanto, conforme depoimento de Nássaro Nasser, arqueólogo formado pelo IA e
que veio compor a sua equipe em 1963, o afastamento de Cascudo do Instituto se deve a
desentendimentos com outro membro da equipe, José Nunes Cabral de Carvalho. Ao que
parece, Cabral enxergava o Instituto não como um espaço exclusivo para abrigar cientistas,
mas sim como um espaço capaz de formar novos pesquisadores por meio de cursos e
treinamento. Algo que não interessava Cascudo, que visualizava um Instituto como um
espaço destinado apenas para abrigar as pesquisas de profissionais já estabelecidos em suas
áreas117.
115
Correspondência de José Nunes Cabral de Carvalho para Jarbas Passarinho. s/d.
116
Notícias sobre o Museu Câmara Cascudo (1977). Relatório de Atividades do Museu Câmara Cascudo,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte 1977.
117
SANTOS, R.B dos. Antropologia, Arqueologia e identidade no nascimento do Museu Câmara Cascudo
1960-1973). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, MAST, Rio de Janeiro, 2013, p. 91.
60
118
Para maiores informações sobre o Padre Monte ver: NAVARRO, Jurandyr. (Org.). Antologia do Padre
Monte. Natal/RN: Fundação José Augusto. 1976-1996.
119
LIMA, Diógenes da Cunha. O Semeador de alegria: uma biografia de Dom Nivaldo Monte. Natal, Sebo
Vermelho Editora. 2007. p. 109.
61
de Ciências Físicas e Naturais120. Enquanto que Clero, na figura de padres, bispos, arcebispos,
participava ativamente da vida social e política das cidades. A presença dos religiosos era
bastante forte, sobretudo, nas cidades do interior do Brasil. Tanto que, desde o ano de 1950, o
Brasil organizava a Semana Ruralista para o Clero, com a finalidade de “proporcionar aos
padres que trabalham no interior do Brasil novos conhecimentos tipicamente rurais”121.
O Rio Grande do Norte também organizava suas semanas rurais. A Décima Semana
Rural do Estado, ocorrida no ano de 1957, contou com cursos e conferências, ministrados por
intelectuais locais como Oto Guerra e Luís da Câmara Cascudo. Havia também, dentro da
programação, um curso específico para o Clero rural, com a participação de sacerdotes do
122
Nordeste do brasileiro com interesse em se tornarem “lideres rurais” . A participação da
igreja, por meio dos lideres rurais, era tida como uma das bases para recuperação da economia
agrícola, sobretudo no Nordeste, por colaborar com a fixação do homem ao solo ao fornecer
assistência nos momentos críticos da seca, evitando assim um maior êxodo para os grandes
centros urbanos 123.
Também no ano de 1957, com a presidência de Dom Nivaldo, o Colégio Santo
Antônio (Marista), por meio da Arcádia Natalense, uma sociedade cultural que funcionava
naquele educandário, promoveu a I Semana de Estudos Potiguares. Uma semana com
conferências diárias com temas diversos sobre o Rio Grande do Norte. Participaram da
semana intelectuais como o professor Boanerges Soares, da Faculdade de Filosofia de Natal,
com o tema “Instituições culturais do Rio Grande do Norte”, o Prof. Manuel Rodrigues de
Melo, Presidente da Academia Norte Riograndense de Letras, com a palestra “Confederação
Tapuia no Rio Grande do Norte”, e o próprio Dom Nivaldo que falou sobre “Fitogeografia e
Geografia do Rio Grande do Norte”. A conferência de Dom Nivaldo ganhou destaque na
impressa local, com o jornal A República publicando um texto no qual aponta a importância
do tema para o Estado:
120
CARVALHO, André de Souza. Jesus Moure: religiosamente cientista. In: ARDIGÓ, Fabiano. (Org).
Histórias de uma ciência regional: cientistas e suas instituições no Paraná (1940-1960). São Paulo. Contexto,
2011. p. 182.
121
O CLERO VAI ESTUDAR RURALISMO, A República, Natal. 05 jan. 1957. p. 1.
122
X SEMANA RURAL..., A República, Natal. 10 jan. 1957. p. 2.
123
A IGREJA E A RECUPERAÇÃO ECONOMICA..., A República, Natal. 03 mar. 1957. p.22.
124
FITOGEOGRAFIA E GEOGRAFIA..., A República, Natal, 23 out. 1957. p.4.
62
125
CABRAL DE CARVALHO, José Nunes – Nota prévia sobre a jazida osteológica da Pedra dos Ossos, Serra
do Ronco (Município de São Tomé). In: Arquivos do Instituto de Antropologia da URN, Natal. Vol. 1, n. 1.
1964. p. 35-39.
126
Autor da obra biográfica Antologia do Padre Monte, sobre o irmão de Dom Nivaldo.
63
granja, localizada em Emaús127. Dessa experiência nasceram dois livros: “A Granja e eu”,
publicado em 1980, e “Experiência nos Tabuleiros do Rio Grande do Norte”, ainda inédito128.
Com a sua saída, o Departamento de Genética do Instituto ficou sem responsável
direto até o ano de 1964, quando deixou de existir, vindo a aparecer novamente na estrutura
do IA somente na década de 1970.
127
Ainda em vida, Dom Nilvado cedeu sua granja para a instalação do Mosteiro das Filhas de Santana
Contemplativas – Adoradoras Perpétuas, onde permanecem até hoje.
128
GALVÃO, Hélio. Discurso de recepção na Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, publicado na Revista
daquela instituição, Ano XXV, nº 13, Natal-RN, novembro de 1977, págs. 123-128.
129
Os livros são: “Adivinhas” (1948), “Acalantos” (1949), “Parlendas” (1949), “Rondas Infantis Brasileiras” e
“Jogos populares do Brasil” (1956).
130
Manoel Dantas (1867-1924) foi um jornalista, advogado e político potiguar, considerado o precursor dos
estudos de folclore no Rio Grande do Norte e, segundo Veríssimo de Melo, “o primeiro a recolher e valorizar, na
imprensa, os contos, crenças, lendas, superstições, velhos costumes” (MELO, 1972).
64
folclore” local. Seu capital científico na área da etnografia e do folclore só não era maior que
o de Cascudo, como publicava o jornal A República em 1956: “Em Natal, depois de Luís da
Câmara Cascudo, (Veríssimo) é o mais autorizado pesquisador de assuntos folclóricos”131.
Assim como Cascudo, Veríssimo também carregava como agente desse campo o capital
simbólico objetivado, presidindo, por exemplo, ao longo da década de 50, as Comissões
Estaduais de Folclore nos inúmeros Congressos Brasileiros e pertencendo a quase todas as
sociedades de folclore do mundo.
Em março de 1959, meses antes da criação do IA, Veríssimo fundou um Museu
Etnográfico na Faculdade de Filosofia da Universidade do Rio Grande do Norte, onde
lecionava a cadeira de Etnografia do Brasil. Ao divulgar a criação do museu em sua coluna
Acontecimentos da Cidade, publicada no jornal A República, Veríssimo, além de ressaltar o
apoio recebido pelo Reitor Onofre Lopes e pelos professores Edgar Barbosa e Luís da Câmara
Cascudo, creditava à utilidade desse espaço à sua capacidade de valorizar e conservar “as
sobrevivências materiais dos nossos indígenas, negros e elementos de outras etnias” que,
segundo ele, estariam sendo descaracterizadas por influências externas.
Inspirado no Museu de Etnografia da Universidade de São Paulo132, fundado em
1935, pelo professor Plínio Ayrosa, Veríssimo enxergava o Museu de Natal como um
instrumento didático e afirmava que diante de uma peça etnográfica, o aluno teria a “visão
completa do material estudado, não se restringindo apenas à simples descrição verbal ou
fotografias de livros”133.
Não sabemos se o Museu Etnográfico realmente chegou a funcionar. Acreditamos que,
apesar de criado, sua instalação nunca foi efetivada. No entanto, percebemos pela descrição
que Veríssimo faz do Museu que ele transportou, posteriormente, o mesmo conceito para o
Instituto de Antropologia: divido em três seções – índio, negro e outras etnias. No Instituto,
Veríssimo direcionou o seu trabalho para o estudo da cultura material a das manifestações
(mitos, música, costumes) dos indígenas e do potiguar, se engajando, sobretudo, na coleta de
material etnográfico para a criação de um Museu de Cultura Popular dentro do seu setor.
131
VOCAÇÃO QUE NÃO SE PERDEU, A República, Natal, 03 Ago. 1956. p. 35-39.
132
O acervo do Museu de Etnografia foi incorporado na década de 1970 ao Museu de Arqueologia e Etnologia
da Universidade de São Paulo (MAE-USP), sendo conhecido hoje como Acervo Plínio Ayrosa.
133
UM MUSEU ETNOGRÁFICO, A República, Natal, 14 mar. 1959. p.3.
65
134
De acordo com Lenilson Carvalho, aluno de Cabral e hoje escritor e professor. VER: CARVALHO, Lenilson.
Odontologia: Ofício e Literatura. Natal, Sebo Vermelho Editora. 2002; ____. Humor & Curiosidades da
Odontologia. Natal, Sebo Vermelho Editora. 2012.
135
A República, Natal, 03 jul. 1959. p.1.
66
De acordo com Cabral, sua pretensão como pesquisador do futuro Instituto seria
organizar
E complementa:
136
CARVALHO, Lenilson. Professor José Nunes Cabral de Carvalho – Anatomia de um Vencedor, 2009.
Disponível em: <http://www.sbde-dentistasescritores.zip.net/>. Acesso em 02/06/2012.
67
137
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p. 87.
138
ABREU, Regina. Colecionando o outro: o olhar antropológico nos primeiros anos da República no Brasil. In:
HEIZER, A.; VIDEIRA, A.A.P. (Orgs.) Ciência, Civilização e República nos Trópicos. Rio de Janeiro: Mauad
X; Faperj, 2010. p. 250.
139
BOURDIEU, Os usos sociais da ciência, p. 26.
68
No entanto, Vingt-Un mantinha uma forte relação de amizade com Antônio Campos e
Silva, um jovem estudioso da Paleontologia e que teve seu nome indicado a Cabral, que
prontamente repassou o convite141.
Quando ingressou no Instituto de Antropologia, Antônio Campos tinha apenas 22
anos. Autodidata, começou a pesquisar sobre temas da Paleontologia e Geologia ainda como
estudante secundarista do Colégio Marista em Natal, explorando o solo dos municípios
vizinhos em busca de fósseis, fazendo palestras e publicando textos sobre o assunto em
jornais locais.
140
ROSADO, Vingt-Un. Minhas Memórias da Paleontologia Mossoroense. 2º Volume – 1935 a 1962. Fundação
Vingt-Un Rosado, Coleção Mossoroense, Série C – Volume 1077, Agosto de 1999. p. 213.
141
Acreditamos que a recusa de Vingt-Un vá muito além do seu discurso de hulmide curioso de rochas. Vugt-
Un, já havia se estabelecido no seu campo de trabalho e, também, era responsável pela construção do Museu de
Paleontologia em Mossoró. Participar do Instituto seria um trabalho árduo, quase como recomeçar o que ele já
havia conquistado.
69
142
ROSADO, Vingt-Un. Antônio Campos e Silva, numa viagem de 14 anos através de 50 cartas. 2º Edição.
Coleção Mossoroense. Série “C”, 2001. p. 36.
143
Ibidem. p. 8.
144
ROSADO, Vingt-Un. Minhas Memórias da Paleontologia Mossoroensse, op. cit. p. 67-68.
70
Nos parágrafos anteriores não procuramos apresentar uma análise minuciosa das
biografias dos agentes envolvidos com a criação do IA, mas sim, traçar, a partir de momentos
específicos de suas trajetórias, suas atividades como membros de um campo científico em
construção.
Percebemos, então, uma divisão de ideais entre os fundadores do IA. De um lado,
temos Cascudo e Dom Nivaldo, que representavam uma geração que ainda se mostrava
145
SILVA, Yuno. A cultura pós-guerra na terra do sol. Tribuna do Norte, Natal, 16 junho 2011. Disponível em:
<http://tribunadonorte.com.br/print.php?not_id=185471>. Acesso em: 04 de abril de 2014.
146
A coleção de conchas do IA é a única que possui um livro de registros detalhado, guardado no Arquivo
Histórico do Museu Câmara Cascudo/UFRN. Apesar de encontrarmos citações sobre a existência de livros de
registros das outras coleções, estes não se encontram no Arquivo e não há informações de onde eles possam
estar.
72
147
SÁ, op. cit., p. 137.
73
estratégias dos produtores, [...] as alianças que estabelecem, e isso por meio
dos interesses específicos que são aí determinados148.
Sendo assim, conseguimos agrupar alguns pontos que nos revelam elementos
favoráveis à criação do Instituto de Antropologia. Em primeiro lugar, temos quatro agentes de
um campo científico ainda em construção, que desenvolviam suas pesquisas individualmente,
na ausência de uma instituição adequada para receber a prática científica. Sendo que cada um
possuía capital científico suficiente para interferir no campo naquele momento. Por outro
lado, a identidade do cientista ainda estava em construção, justamente pela falta de uma
organização social que reconhecesse oficialmente seu exercício.
Esses agentes, como professores e intelectuais, pertenciam aos espaços de ensino
superior, onde, naquela época, borbulhavam os ideais da ciência e da especialização
profissional. Pela própria dinâmica de seus trabalhos e do meio social, mantinham, de certa
forma, uma relação próxima entre si. É relevante ressaltar que dois deles, Cabral e Veríssimo,
já haviam tentado criar em Natal outros espaços científicos. E, por último, a visão, não apenas
de um pesquisador, mas de administrador científico de Cabral, que se mostra como peça
fundamental para o desenvolvimento do Instituto de Antropologia como um espaço destinado
à prática científica e a formação de pesquisadores.
Como agentes detentores de capital científico, estes ansiavam por um espaço, uma
instituição científica, que abrigasse, estimulasse e reconhecesse suas pesquisas em seus
campos definidos.
Contudo, procuramos demostrar, nesses dois primeiros capítulos que o Instituto de
Antropologia foi criado não somente pelas escolhas e posições dos agentes envolvidos no
campo daquele determinado espaço e tempo. Embora estas tenham sido fundamentais para a
definição de sua área de atuação.
Entendemos que a pesquisa científica é guiada por estratégias que são muito mais
complexas que uma simples busca indiferente pelo conhecimento. Embora muitos cientistas
afirmem que suas decisões de pesquisa se baseiam somente no interesse pessoal pelo tema
escolhido, sabe-se que suas decisões são fortemente influenciadas pela combinação de
questões práticas e incentivos materiais e institucionais149.
148
BOURDIEU, Razões práticas, p. 61.
149
SCHWARTZMAN, op. cit. p. 25-26.
74
CAPÍTULO 3
150
Lei nº 2.694, de 22 de novembro de 1960 - Cria na Universidade do Rio Grande do Norte, INSTITUTO DE
ANTROPOLOGIA e dá outras providências.
75
tanto de sua biologia quanto de manifestações culturais, que inclui a Antropologia Cultural ou
Social, a Arqueologia e a Linguística, além da antropologia física ou biológica151.
Nesse sentido, pensado para ser um espaço com enfoque nos estudos antropológicos, o
IA contemplou seus quatro campos - Antropologia Cultural, Arqueologia, Linguística e
Antropologia Física. Além dos estudos na área da Paleontologia.
A instituição do IA se deu de forma vagarosa. Como vimos anteriormente, Cascudo e
Cabral já falavam da ideia de sua concepção no ano de 1959. No entanto, sua Lei de criação
só foi publicada um ano depois, em 1960. Sendo que seus fundadores somente realizaram a
primeira reunião oficial em 19 de setembro de 1961, conforme Livro de Atas152. Com a
presença do reitor da Universidade, Onofre Lopes, os professores Cascudo, nomeado na
ocasião diretor do IA, Veríssimo, Dom Nivaldo e Cabral discutiram o início das atividades do
IA, assim como os planos de pesquisa de cada para o ano seguinte153.
Apesar da Lei de criação definir que o IA seria organizado da seguinte maneira:
I. Seção de Administração
II. Seção de Antropologia Física
III. Seção de Antropologia Cultural
IV. Seção de Paleontologia
V. Museu
VI. Biblioteca
VII. Laboratório
VIII. Oficinas
durante a sua primeira reunião foi definido que sua organização inicial seria composta por três
departamentos, sendo eles:
151
Relevante também é perceber a relação entre a Antropologia e a Paleontologia brasileira, isso porque ambas
possuem como precursor o mesmo personagem, o naturalista dinamarquês Peter W. Lund (1801-1880), quando
este descobriu, em 1835, o material ósseo de cerca de trinta indivíduos misturados à fósseis de animais em uma
caverna em Lagoa Santa, Minas Gerais. Apesar de não ter sido o primeiro a relatar a presença de fósseis no
Brasil, Lund foi o pioneiro em seu estudo sistemático, o que lhe garantiu o título de pai tanto da Antropologia
como da Paleontologia.
152
Ata de Fundação do Instituto de Antropologia da Universidade do Rio Grande do Norte, 19 de dezembro de
1960, Natal.
153
A ata da reunião não informa quais os planos definidos.
76
Notamos que nesse primeiro momento a Paleontologia não é citada. Na verdade, ela só
vai aparecer como departamento no ano de 1963, com o ingresso de Antônio Campos e Silva
no Instituto.
O Instituto de Antropologia instalou-se provisoriamente apenas no dia 18 de maio de
1962, em um pequeno prédio alugado, localizado na Avenida Hermes da Fonseca nº 961, no
bairro do Tirol, região onde estavam também instaladas a Reitoria, a Biblioteca e Faculdades
que integravam a Universidade.
Devidamente instalado em um prédio provisório, onde, por dois anos, de 1962 a 1964,
funcionaram os pequenos laboratórios, salas de estudo, biblioteca e museu, uma das primeiras
ações do IA, no ano de 1962, foi se fazer conhecer pelos agentes do campo científico do qual
desejava fazer parte. Para tanto, buscou manter contato com diversas instituições científicas e
pesquisadores, nacionais e internacionais. Ofícios foram encaminhados comunicando a
criação do Instituto. Nestes documentos, havia a apresentação dos seus objetivos, da sua
77
DESTINO ASSUNTO
Centro de Estudos Afro-Orientais Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
da Universidade Federal da Bahia sua biblioteca
Comando da Base Aérea de Natal Solicitação do Mapa aero fotográfico do Rio Grande do Norte
Consulado Americano no Recife Informações sobre as pesquisas antropológicas nos Estados Unidos
Departamento de Antropologia da Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
Universidade do Paraná sua biblioteca
Departamento de Estatística do Informações sobre o IA e solicitação de publicações e mapas dos
Estado do RN municípios do Rio Grande do Norte
Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras da Universidade de São Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
Paulo sua biblioteca
(Prof. Egon Schaden)
Instituto Brasileiro de Geografia e
Solicitação de mapas dos municípios do Rio Grande do Norte
Estatística
Instituto de Biologia e Pesquisas Informações sobre o IA e solicitação de publicações sobre
Tecnológicas (PR) sambaquis
Instituto do Patrimônio Histórico e Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
Artístico Nacional (RJ) sua biblioteca
Museu Municipal de Mossoró Doação de material fóssil ao IA
Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
Museu Nacional (RJ)
sua biblioteca
Informações sobre o IA, solicitação de publicações para compor
Museu Paraense Emílio Goeldi
sua biblioteca, aquisição de acervo etnográfico e material didático,
(PA)
ida de pesquisadores do IA ao Museu
Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
Museu Paranaense (PR) sua biblioteca
154
Ofício: 47/1962, Natal, 16 de agosto de 1962. De Veríssimo de Melo ao Sr. Prof. Efraín Morote Best –
Catedrático de Folklore e Língua indígena da University of North Carolina (UNC).
78
DESTINO ASSUNTO
Associação Americana de Antropologia Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
(EUA) sua biblioteca
Folklore Americas, Flórida (EUA) Informações sobre o IA e proposta de intercambio e colaboração
Instituto de Antropologia da Universidade Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
Nacional de Tucumán, México. sua biblioteca
Informações sobre o IA, solicitação de publicações para compor
Instituto de Folclore de Bucarest, Romênia
sua biblioteca e proposta de intercambio de pesquisadores
Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
Instituto de História do México
sua biblioteca
Instituto de Linguistica da Universidad Informações sobre o IA, solicitação de publicações para compor
Nacional de Cuyo, Argentina sua biblioteca e proposta de intercambio de pesquisadores
Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
Museo del Pueblo Español, Madri, Espanha
sua biblioteca
Informações sobre o IA, solicitação de publicações para compor
Museu Etnográfico de Gotemburgo, Suécia.
sua biblioteca e proposta de intercambio de pesquisadores
Secretariado Nacional de Informação, Informações sobre o IA e proposta de intercambio e colaboração
Cultura Popular e Turismo, Portugal. com instituições portuguesas
Sociedade de Antropologia do Havaí Informações sobre o IA, solicitação de publicações para compor
(EUA) sua biblioteca e proposta de intercambio de pesquisadores
Informações sobre o IA e solicitação de publicações para compor
Societé Suisse des Americanistes, Suíça.
sua biblioteca
Universidad Nacional de San Cristobal de Informações sobre o IA e solicitação do plano de pesquisa da
Huamanga, Perú Universidade
Informações sobre crânios deformados de indígenas de Cusco,
University of North Carolina (EUA)
Peru.
155
FARIA, Luiz de Castro. Antropologia: duas ciências. Notas para uma história da antropologia no Brasil. Org.:
Alfredo Wagner Berno de Almeida e Heloisa Maria Bertol Domingues. Brasília: CNPq; Rio de Janeiro: MAST,
2006. p. 57.
79
explica a urgência dos mapas para o IA: “[...] para proceder ao levantamento das jazidas
paleontológicas do Rio Grande do Norte, vimos solicitar um mapa aero-fotográfico do Estado,
documento indispensável ao inicio das nossas tarefas”156.
Em julho do mesmo ano, Cabral, em ofício, também justificava a necessidade dos
mapas para o “levantamento cadastral das reversas minerais de cada município do Estado”157.
Figura 9: Coleta de peças osteológicas na Pedra dos Ossos, Serra do Ronco, município de São Tomé (RN), s/d.
Fonte: Arquivo do Museu Câmara Cascudo.
156
OFICIO, s/n, junho de 1962.
157
OFICIO, nº 23, 18 de julho de 1962.
158
CABRAL-CARVALHO, José Nunes. op. cit., loc. cit.
80
Durante os meses de junho e julho, mais quatro expedições foram realizadas, tendo
como objetivo, sobretudo, o reconhecimento e coleta de sítios paleontólogos e arqueológicos.
O material coletado nessas primeiras viagens foi depositado no laboratório do citado
departamento, dando início a coleção científica de Antropologia Física. Contudo, de acordo
com Cabral, o estudo da coleção, realizado no laboratório, foi atrasado pela ausência dos
equipamentos necessários para o funcionamento adequado, assim como pela carência de
pessoal técnico.
O Departamento de Antropologia Cultural, sob a coordenação de Veríssimo, realizou
sua primeira expedição ao oeste do Estado no final de julho de 1962, visitando onze
municípios, com o objetivo de coletar e adquirir material etnográfico para a criação de um
Museu de Cultura Popular.
O oficio nº 21, de 13 de julho de 1962, endereçado ao reitor da Universidade, informa
que o Departamento de Antropologia Cultural estava iniciando a aquisição de material
destinando ao seu Museu e solicita autorização para que Veríssimo de Melo realize a viagem.
Segundo o ofício, a viagem de campo seria “altamente proveitosa no sentido de carrear para o
Museu de Cultura Popular um bom material”.
A viagem de campo foi autorizada e Veríssimo de Melo teve a companhia de Oswaldo
de Souza, Delegado no Estado do Serviço do Patrimônio Histórico e Artísitico Nacional
(SPHAN), que, conforme Veríssimo, “foi sumamente útil na orientação, localização e ajuda
para a aquisição de peças etnográficas”. Na viagem foram coletadas mais de cento e setenta
peças para o futuro Museu. No relatório da viagem, Veríssimo diz: “em face do material
obtido para o Museu do Instituto de Antropologia, além da parte de documentação
fotográfica, temos a convicção de que realizamos o nosso trabalho a contento”159.
Em dezembro, Veríssimo, em contato com o Museu Paraense Emílio Goeldi, viajou
para Belém, com o intuito de adquirir material indígena para compor o Museu do IA. Na
oportunidade, seguiu para Manaus, com o mesmo objetivo.
Ao todo, foram realizadas 20 (vinte) viagens de campo apenas no segundo semestre de
1962, como podemos conferir na tabela 3.
159
OFICIO, n. 26, 25 de julho de 1962.
81
Geologia e
Arqueologia Cultura
Paleontologia Genética
do Quaternário e Linguística Popular
Malacologia
Com o término do primeiro ciclo, os alunos foram distribuídos pelos três setores
científicos do Instituto162. Durante os doze meses seguintes, o curso foi complementado com
160
OFICIO nº 167/63, de 05 de fevereiro de 1963.
161
A disciplina de Inglês era frequentada tanto pelos alunos do curso, como pelos professores/pesquisadores do
IA.
83
162
Antropologia Física: o Terezinha W. de Sá Leitão, Francisco R. de Sá Benevides Filho, José Crispim, Leon
Diniz Dantas de Oliveira; Antropologia Cultural: Elizabeth Mafra Cabral, Nássaro Antonio de Souza Nasser,
Raimundo Teixeira da Rocha; Geologia e Paleontologia do Quaternário: Manoel Daylor T. de
Vasconcelos; Dario Dantas da Silva.
163
Foi também o responsável e o primeiro curador do acervo etnográfico constituído pelos conjuntos Etnologia
Indígena; População Urbana/Cultos Afro-Brasileiros e População Interiorana, pertencentes ao atual Laboratório
de Antropologia da Universidade Federal do Pará.
164
ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, v.1, n. 2, op.cit., p. 200.
84
março de 1963, encaminhado ao reitor da UFRN, Cabral relata a participação dos alunos nas
viagens de campo do IA:
Durante os anos de 1963 e 1964 foram realizadas, pela equipe de pesquisadores do IA,
20 (vinte) viagens de campo, sempre com participação e auxílio dos futuros pesquisadores.
Das 20 (vinte) viagens realizadas, 02 (duas) foram empreendidas pelo Departamento de
Geologia e Paleontologia do Quaternário, 02 (duas) pelo Departamento Antropologia Física e
13 (treze) pelo Departamento de Antropologia Cultural. A tabela abaixo demonstra com mais
detalhes as viagens.
165
OFICIO, nº 186, 11 março de 1963.
86
166
Ata da 6ª Reunião da Congressão de professores do Instituto de Antropologia da UFRN, 30 de outubro
de1963.
167
ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, v. 1, n. 1, março 1964, p. 86.
87
Nome Atribuição
José Nunes Cabral de Carvalho Pesquisador em Antropologia Física
Veríssimo Pinheiro de Melo Pesquisador em Antropologia Cultural
Antônio Campos e Silva Pesquisador em Geologia
Protásio Pinheiro de Melo Pesquisador em Malacologia
Terezinha Wanderley de Sá Leitão Pesquisador em Antropologia Física
José Crispim Pesquisador em Antropologia Física
Elizabeth Mafra Cabral Pesquisador em Antropologia Cultural
Nássaro Antônio de Souza Nasser Pesquisador em Antropologia Cultural
Leon Diniz Dantas de Oliveira Pesquisador em Antropologia Física
Raimundo Teixeira da Rocha Pesquisador em Antropologia Cultural
Francisco Renato de Sá e Benevides Filho Pesquisador em Antropologia Física
Manoel Daylor Teixeira de Vasconcelos Pesquisador em Geologia
Dario Dantas da Silva Pesquisador em Geologia
Com o curso finalizado, restava, no entanto, uma terceira e última etapa, com inicio
programado para o ano de 1965, por meio da concessão de bolsas de estudo, no Brasil e no
exterior, para os pesquisadores auxiliares, finalizando assim o que seria considerado, por
Cabral e Veríssimo, a formação sólida de um cientista.
No ano de 1964 e 1965, o número de viagens diminuiu em comparação aos dois
primeiros anos. Entre os fatores da diminuição das viagens estava o rigoroso inverno que o
estado passou naquele ano, prejudicando as atividades de campo. Em tom de brincadeira,
Cabral diz que “as chuvas continuam disputando conosco as áreas de pesquisa”168.
No ano de 1965, as viagens de campo ficaram em segundo plano por dois motivos:
primeiro, o IA havia conseguido apoio financeiro do Conselho Nacional de Pesquisas
(CNPQ) para um projeto de dois anos de pesquisa paleontológica na Fazenda Lájea Formosa,
no município de São Rafael, interior do Rio Grande do Norte. O que tomou o tempo e
trabalho de Cabral e Antônio Campos. E segundo, porque alguns de seus pesquisadores
auxiliares estavam ausentes em virtude dos estágios empreendidos em outras instituições169.
168
Carta enviada à Paula Couto, pesquisador do Museu Nacional do Rio de Janeiro, em 02 de agosto de 1965.
169
Francisco Renato de Sá e Benevides Filho, estagiando no laboratório de Genética do Instituto de Ciências
Naturais da Universidade do Rio Grande do Sul; Theresinha Wanderley de Sá Leitão, estágio na Seção de
Paleontologia do Museu Nacional do Rio de Janeiro; Leon Diniz Dantas de Oliveira, estágio na Seção de
88
Roedores do Museu Nacional do Rio de Janeiro; Raimundo Teixeira, encaminhado para a expedição Xavantina-
Cachimbo, Norte do Brasil.
170
Carta endereçada ao jornalista Rubens de Azevedo, do estado de São Paulo, 15 de março de 1965.
171
Idem.
89
inscrições rupestres e
coleta de material
folclórico
Grossos Coleta de fósseis Geologia e Paleontologia Setembro de 1964
Coleta de fósseis na
Mossoró Caverna Olho D’Agua da Geologia e Paleontologia Setembro de 1964
Escada
Coleta de material
Santana do Matos Antropologia Física Setembro de 1964
osteológico
Escavação e prospecção
19 a 24 Outubro de
Mossoró da Caverna Olho D’Agua Antropologia Física
1964
da Escada
Coleta de “pelota de
22 municípios do Rio coruja”, pesquisa em 16 a 22 de Agosto
Antropologia Física
Grande do Norte parceria com o Museu de 1965
Nacional do Rio de Janeiro
Olho D’agua da Reconhecimento de área
Escada, distrito de para instalação de pesquisa Geologia e Paleontologia
Agosto de 1965
Barauna, Município de paleontológica e do Quaternário
Mossoró espeleológica
Ceará Mirim Pesquisa sobre sedimentos,
com apoio do geólogo
Serra Caiada
Jannes Markus Geologia e Paleontologia 04 a 08 de
Macaíba
Mabesoone, professor da do Quaternário setembro de 1965
Escola de Geologia do
Praia do Cotovelo
Recife
Olho D’agua da
Escada, distrito de Pesquisa paleontológica e Geologia e Paleontologia 10 a 25 de outubro
Barauna, Município de espeleológica do Quaternário de 1965
Mossoró
Florânia Coleta de ex-votos Antropologia Cultural Janeiro de 1966
Outro cientista que realizou pesquisas na área da geologia, em colaboração com o IA,
foi o geólogo João José Bigarella, do Instituto de Geologia da Universidade do Paraná. No
livro de visitas do Instituto, João José Bigarella manifestou a sua surpresa e admiração pelo
trabalho realizado no IA com as seguintes palavras:
172
ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, v.1, n.2. Natal , Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, Instituto de Antropologia, dezembro de 1964. p.204.
173
Protásio de Melo, que atuava ainda como professor e diretor da escola de inglês SCBEU exerceu um papel
fundamental no contato do IA com instituições norte-americanas.
174
Ofício nº 78, de 29/09/1962, endereçado ao Reitor Onofre Lopes, pelo Diretor em exercício José Nunes
Cabral de Carvalho.
175
LIMA, S. F. de.; CARVALHO, V. C. de. Cultura material e coleção em um museu de história: as formas
espontâneas de transcendência do privado. In: FIGUEIREDO, B. G.; VIDAL, D. G. (Orgs.). Museus – dos
Gabinetes de Curiosidades à Museologia Moderna. Argvmentvm, Belo Horizonte, p.85-110. p. 87.
91
176
Ofício: 47/1962, Natal, 16 de agosto de 1962. De Veríssimo de Melo ao Sr. Prof. Efraín Morote Best –
Catedrático de Folklore e Língua indígena da University of North Carolina (UNC). Observamos que Veríssimo,
em 1962, se referiu ao Museu de Cultura Popular do Instituto de Antropologia como sendo o primeiro do gênero
no Rio Grande do Norte. No entanto, no ano de 1959, o jornal A República, noticiava o funcionamento de um
Museu de Arte Popular em Natal, considerado “um dos interessantes do Nordeste”, ligado à Diretoria de
Documentação e Cultura da Prefeitura.
177
Resumo de atividades do Instituto de Antropologia, relativo ao ano de 1964, encaminhado ao Prof. Onofre
Lopes, reitor da URN. Natal, 17 de fevereiro de 1965.
178
Carta endereçada ao Consul da Alemanha em Pernambuco, 22 de dezembro de 1965.
179
LIMA, S. F. de.; CARVALHO, V. C. de. op. cit. p. 86.
180
BOURDIEU, Pierre. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo:
Editora UNESP, 2004. p. 25.
92
Apesar de Cascudo listar objetos que para ele seriam “normal da vida do nosso homem
do campo”, essas coleções estão carregadas de uma função nostálgica, visto que o modelo
desse museu se mostrava como um “verdadeiro monumento à perda”. Esse ideal de museu de
cultura popular, arte popular, folclore ou etnográfico, promoveu a disseminação de traços
materiais de culturas consideradas tradicionais e que mereciam de alguma forma serem salvas
183
. Retornemos, como exemplo, o Museu Etnográfico da Faculdade de Filosofia de Natal,
criado por Veríssimo no ano de 1959. Para Veríssimo, o Museu fora criado para conservar “as
sobrevivências materiais” de indígenas, negros e povos de outras etnias, que corriam o risco
de se perderem por sofrerem com influências de outras culturas.
É conveniente observar que, dentre os quatro fundadores do Instituto de Antropologia,
três já estavam envolvidos na organização de museus. Além de Verissimo, Cascudo
participou da instalação do Museu do Arquivo Público do Estado, ocupando o cargo diretor ao
longo da década de 1950. Já Cabral iniciou a construção de um Instituto Anatômico na
Faculdade de Odontologia da URN, constituído de laboratórios, ossuário, anfiteatro e um
museu: “uma sala especial onde as peças anatômicas ficarão depositadas em estantes de
vidro”184.
Ainda em julho de 1959, o jornal A República, publicou a seguinte notícia: “NATAL
(COMO PARIS) TERA UM MUSEU DO HOMEM – FALA À REPORTAGEM DE “A
REPUBLICA” O PROFESSOR JOSÉ CABRAL DE CARVALHO”. O Museu do Homem,
de acordo com a fala de Cabral, era o próprio Instituto de Antropologia, denominação
divulgada posteriormente por Cascudo em setembro do mesmo ano185. Segundo Cabral, o
Museu do Homem de Natal se espelharia, guardadas as devidas proporções, no Museu do
181
Ofício: 21/1962, Natal, 13 de julho de 1962. De Luís da Câmara Cascudo ao reitor Onofre Lopes.
182
Ibid.
183
SANDBERG, Marl B. Efígie e narrativa: examinando o museu do folclore do século XIX. In: SCHWARTZ,
Vanessa; CHARNEY, Leo. (Orgs.). O Cinema e a Invenção da Vida Moderna. São Paulo: Cosac & Naify, 2001,
p. 441-496.
184
A República, Natal, 17 mar. 1960.
185
A República, Natal, 05 jul. 1959.
93
Figura 10: Planta baixa do piso inferior do prédio do Instituto de Antropologia Câmara Cascudo, 1967.
Fonte: Acervo MCC/UFRN
186
Boletim Universitário, ano I, nº 1, de setembro de 1963.
187
Ofício: 163/1963, Natal, 05 de fevereiro de 1963. De José Nunes Cabral de Carvalho ao reitor Onofre Lopes.
94
Figura 11: Planta baixa do piso superior do prédio do Instituto de Antropologia Câmara Cascudo, 1967.
Fonte: Acervo MCC/UFRN
Figura 12: Foto área do complexo do Instituto de Antropologia na década de 1970. À frente, o prédio do Museu
e ao fundo o Centro de Pesquisas, formado por laboratórios e setor administrativo.
Fonte: Acervo MCC/UFRN
95
188
A bibliotecária Zila Mamede também exercia a mesma função na Biblioteca Central da UFRN. Foi
posteriormente homenageada, tendo seu nome sid[´[[o dado a essa Biblioteca Central.
96
189
CRUZ, Helena de Faria. As revistas científicas: espaço do debate público da academia paulista no final do
século XIX e início do XX. In: ALMEIDA, M.; VERGARA, M. de R. Ciência, história e historiografia. Rio de
Janeiro: MAST, 2008, p. 267.
190
ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, v.1, n.2, dezembro de 1964, p. 202.
191
ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, v.1, n.1, março de 1964, p. 93-94.
192
ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA, v.2, n.1-2, dezembro de 1966, p. 413-414.
97
Antropologia Física
Antropologia Cultural
Arqueologia
Malacologia
Mastozoologia
98
193
ARQUIVOS DO INSTITUTO DE ANTROPOLOGIA. v.1, n. 1, março de 1964. p. 95-96.
194
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas/SP: Papirus, 2011. 11. ed. p. 81.
195
Ofício: 059/1966, Natal, 16 de junho de 1966. De José Nunes Cabral ao Reitor Onofre Lopes.
99
campo, isto é, ao seu capital simbólico. Cabral, como agente, não teve força suficiente para
lutar com o peso do capital simbólico de Cascudo e o nome do Instituto permaneceu Instituto
de Antropologia Câmara Cascudo.
Desde a sua formação é possível perceber como o IA lidou com as pressões externas.
Seja na falta de pesquisadores, que o levou a formar o seu próprio pessoal, quanto na falta de
espaço físico, onde buscou doação de um terreno para construir sua sede própria. Entre outros
percalços inerentes a qualquer instituição, seja científica ou não.
No entanto, como os planos de Cabral eram aumentar ainda mais as áreas de pesquisa
do IA, o problema de pessoal ainda persistia. No departamento de Antropologia Física, o
principal problema apontado era a preparação de um Geneticista, considerado indispensável
aos trabalhos da área. O departamento de Geologia e Paleontologia do Quaternário apontava
como maior problema a preparação de um especialista em Micropaleontologia,
especificamente para a Palinologia, na época um campo praticamente inexplorado no Brasil e
completamente novo no Nordeste.
Contudo, o problema maior que o IA enfrentou em 1965 dizia respeito ao próprio
funcionamento do Instituto, que, nas palavras de Cabral, “periclita, face aos dispositivos
constantes do Estatuto do Magistério”. O Estatuto que Cabral faz referência é a Lei nº 4.881-
A, de 6 de dezembro de 1965, que dispõe sobre o Estatuto do Magistério Superior, que exige
ao cargo de pesquisador da Universidade a formação de nível superior. A lei do Magistério
revogou a Lei nº 4.723, de 9 de Julho de 1965, que enquadrava na classe de pesquisador
aqueles que à pesquisa se dedicavam, independentemente de nível superior. A situação do IA
era preocupante, pois quatro dos seus pesquisadores auxiliares ainda cursavam o 2º ano do
curso de Geografia da Faculdade de Filosofia de Natal. Em carta endereçada à Paula Couto,
do Museu Nacional, Cabral desabafa: “isso acarreta grandes transtornos, principalmente para
os trabalhos de campo. [...] Tudo foi por água a baixo e muitos dispõem-se a deixar a
Instituição”196.
Como solução para esse problema, Cabral propôs ao reitor Onofre Lopes considerar o
Curso de Introdução à Antropologia, assim como os trabalhos de campo e laboratório, como
um curso de formação de nível superior, enquadrando assim os pesquisadores auxiliares do IA
dentro da Lei do Magistério, com cargo equivalente ao de assistente de ensino.
196
Carta endereçada à Paula Couto, de 22 de dezembro de 1965.
100
Antropologia Cultural
Arqueologia
Antropologia Biológica
Genética
Zoologia
Paleontologia
Geologia
O final da década de 1960 foi decisivo para o Instituto, pois, mais uma vez, ele viu sua
autonomia ser pressionada por eventos externos. A partir do ano de 1968, a Universidade
passou pela reforma universitária, que ocasionou sua restruturação, marcou o fim das
faculdades e agrupou os diversos departamentos em centros acadêmicos. O Instituto de
Antropologia foi se tornando isolado da Universidade, tanto fisicamente, pois o campus
universitário encontrava-se em construção, quanto administrativamente, com o futuro do IA
tornando-se outra vez incerto.
“Desesperado!” É assim que Cabral se define, ao saber que o Instituto de Antropologia
estava sendo sufocado dentro da própria instituição a qual fazia parte. Em uma tentativa de
salvar a estrutura que o Instinto havia construído, Cabral consegue junto ao reitor a mudança
do nome Instituto de Antropologia Câmara Cascudo para Museu de Antropologia Câmara
Cascudo, medida, segundo Cabral, de “incalculável valor e importância, uma vez que o
museu poderá abrigar, de agora em diante, todos os campos da pesquisa”.
No entanto, não existe um documento que oficializa a mudança do nome Instituto de
Antropologia para Museu. O que existe é a Resolução 81/73 do Conselho Universitário
(CONSUNI), de 04 de outubro de 1973, que cria o Museu Câmara Cascudo (MCC) com
objetivo de manter o acervo do Instituto de Antropologia. Foi somente com o Decreto nº
74.211, de 24 de junho de 1974, que mais uma vez modificou a composição da Universidade,
que o IA some de sua estrutura. Com o Decreto o Instituto de Antropologia se funde com os
Institutos de Ciências Humanas, de Letras e Artes, com o do Serviço de Psicologia-Aplicada
101
197
Ibid.
198
ATA DA 39ª ATA DA REUNIÃO DA CONGREGAÇÃO DO MCC/UFRN, 1973.
199
Carta enviada por Cabral de 23 de maio de 1977.
102
200
DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol. Heloisa Alberto Torres e o inquérito nacional sobre ciências naturais e
antropológicas, 1946. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciênc. Hum., Belém , v. 5, n. 3, Dec. 2010, p. 641.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1981-81222010000300005&script=sci_arttext>. Acesso
em: 23 abril 2014.
201
Criado da fusão dos Institutos de Matemática, Física e Química, Ciências Biológicas e Biologia Marinha.
103
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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(1940-1960). São Paulo. Contexto, 2011.
BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Campinas/SP: Papirus, 2011. 11.
ed.
___________. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo científico.
São Paulo: Editora UNESP, 2004.
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dos Ossos, Serra do Ronco (Município de São Tomé). In: Arquivos do Instituto de
Antropologia da URN, Natal. v. 1, n. 1, 1964. p. 35-39.
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DOMINGUES, Heloisa Maria Bertol. Heloisa Alberto Torres e o inquérito nacional sobre
ciências naturais e antropológicas, 1946. Bol. Mus. Para. Emílio Goeldi. Ciênc. hum., Belém,
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81222010000300005&script=sci_arttext>. Acesso em: 23 abr 2014.
109
DOMINGUES, Heron. Raio-x de uma cidade. Jornal A República, Natal, 11 Julho 1956. p. 4.
E.P. de Oliveira. Ata de 16 de maio de 1933. Livro de Atas da ABC de 1933-1934 apud
MOTOYAMA, Shozo. 1930-1964: Período Desenvolvimentista. In: MOTOYAMA, Shozo.
(Org.). Prelúdio para uma história - ciência e tecnologia no Brasil. São Paulo: Edusp/
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