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Assistência farmacêutica na atenção primária à saúde: um estudo avaliativo

Indara Cavalcante Bezerra¹; Cleoneide Paulo Oliveira Pinheiro²; Maria Salete Bessa Jorge³; Raimunda
Magalhães da Silva¹; Jonas Loiola Gonçalves¹ e Francisco Antônio da Cruz Mendonça²

¹ Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, Universidade de Fortaleza (Unifor), Brasil. ²Centro Universitário Estácio do
Ceará, Brasil. ³Universidade Estadual do Ceará (UECE), Brasil. [email protected]; [email protected];
[email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]

Resumo. A Assistência Farmacêutica (AF) exerce um importante papel na Atenção Primária à Saúde (APS),
pois o acesso aos medicamentos deve atender as necessidades de forma integrada e orientada para o uso
racional. O estudo objetivou apreender a percepção dos farmacêuticos acerca da AF na APS com ênfase nas
pesquisas e ações realizadas. Utilizou-se um processo avaliativo numa perspectiva múltipla, plural e
construtivista, com o propósito de utilizar os resultados para incorporar à práxis farmacêutica. Sugere-se um
melhor gerenciamento das pesquisas, propondo um fluxo efetivo e contínuo que tenha origem na real
demanda da comunidade e cujos resultados direcionados para a construção de novas estratégias que
aperfeiçoem os recursos, as decisões e as práticas em saúde.
Palavras-chave: Assistência Farmacêutica; Gestão em Saúde;Atenção Primária à Saúde.
Pharmaceutical assistance in primary health care: an evalutive study
Abstract. Pharmaceutical Assistance (PA) plays an important role in Primary Health Care (PHC), since access
to medicines must meet an integrated and rational way. The aim of this study was to understand the
pharmacists' perception about PA in PHC, with emphasis on research and actions. An evaluation process
was used in a multiple perspective, plural and constructivist, with the purpose of using the results to
incorporate into the pharmaceutical praxis. We suggest a better management of the research, proposing an
effective and continuous flow that originates in the real demand of the community and whose results are
directed to the construction of new strategies that optimize the resources, the decisions and the practices in
health.
Keyword: Pharmaceutical Services; Health Management; Primary Health Care.

1 Introdução

A Atenção Primária à Saúde (APS) corresponde a uma estratégia de organização voltada para
responder de forma regionalizada, contínua e sistematizada à maior parte das necessidades de saúde
de uma população, integrando ações preventivas e curativas, bem como a atenção a indivíduos e
comunidades. No Brasil, é desenvolvida de forma descentralizada, capilarizada e próxima da vida das
pessoas. Seu locus deve ser o contato preferencial dos usuários, a principal porta de entrada e o
centro de comunicação com toda a Rede de Atenção à Saúde, uma vez que se orienta pelos
princípios da universalidade, da acessibilidade, do vínculo, da continuidade do cuidado, da
integralidade da atenção, da responsabilização, da humanização, da equidade e da participação
social (Brasil, 2016).
A avaliação de programas e serviços sociais em saúde é primordial para o aprimoramento do ciclo de
desenvolvimento das políticas públicas, principalmente no tocante à gestão e planejamento de suas
ações e está associada ao ideário de manutenção de qualidade dos serviços oferecidos pelo Estado
(Gasparini & Furtado., 2014). No processo avaliativo, a opinião dos cidadãos também é considerada
(Brasil, 2016). entretanto, essa ferramenta de avaliação, por vezes, não contempla a interface da APS
com outras políticas e áreas, a exemplo da Assistência Farmacêutica (AF).

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Historicamente, a partir da descentralização administrativa das unidades de saúde estaduais e


federais para o âmbito municipal, os serviços farmacêuticos acompanharam a lógica da
territorialização e passaram a ser exercidos, em sua maioria, nos municípios. Esse processo estimulou
iniciativas estaduais para a estruturação da assistência farmacêutica na APS, com a organização de
programas no seu território. Mesmo com tais avanços, muitos problemas persistem e comprometem
a missão de garantir o acesso da população aos medicamentos e a racionalidade do uso, uma vez que
o serviço farmacêutico ainda opera de acordo com o modelo curativo, centrado na consulta médica e
no atendimento ambulatorial, de tal forma que a farmácia atende quase que exclusivamente à essas
demandas, tornando-se quase impraticável a atividade de atenção farmacêutica aos usuários e de
integração plena com a equipe (Vieira, 2010). Desse modo, a participação ativa do farmacêutico nas
equipes multiprofissionais é vista como necessidade para o redesenho do modelo de atenção às
condições crônicas e para a melhoria dos resultados em saúde, particularmente no nível dos
cuidados primários (Brasil, 2015).
As avaliações no âmbito da AF no Brasil, realizadas na lógica da tríade de Donabedian (estrutura-
processo-resultado), têm recebido investimentos e vêm demonstrando resultados isolados, às vezes,
por levarem em consideração somente aspectos relacionados à estrutura ou ao processo; poucas
vezes são realizadas avaliações que consideram os resultados da AF. A estrutura, o processo e o
resultado podem não ter uma conexão direta e gerar um juízo de valor na avaliação da AF sem
muitos subsídios, pois, em alguns serviços, a falta de estrutura dificulta o alcance dos resultados ou
limita o desenvolvimento dos processos. Uma excelente estrutura ou processos adequados também
não garantem o avanço de resultados positivos na AF (Brasil, 2015).
No cenário internacional, a AF tem avançado ainda mais, especialmente em países europeus, onde os
serviços de APS contam com a presença do “farmacêutico comunitário”, cujas ações estão voltadas,
não apenas para a aquisição de insumos e medicamentos, mas para o assessoramento e revisão de
prescrições junto aos médicos e para a orientação farmacoterapêutica adequada aos usuários (Bojk,
Philips, Sculpher, Campion, Chrystyn, Coulton & Hill., 2010; Rutter, Fitzpatrick & Rutter., 2015;
Richmond, Morton, Cross, Wong, Russell, Philips & Coulton, 2010; Leendertse, Koning, Goudswaard,
Belitser, Verhoef, Gier & Van den Bemt., 2013; Bradley, Elvey, Ashcroft, Hassell, Kendall, Sibbald &
Noyce., 2008; Rose, Schaffert, Czarnecki, Mennemann, Waltering, Hamacher & Köberlein., 2015; Fiß,
Thyrian, Wucherer, Aßmann, Kilimann, Teipel & Hoffmann, 2013; Leendertse, Koning, Goudswaard,
Jonkhoff, Bogert, Gier & Bemt., 2011; Moullin, Sabater‐Hernández, García‐Corpas, Kenny &
Benrimoj., 2016).

No Brasil, ao analisar a avaliação de pesquisas sobre AF e sua interlocução com a APS, percebe-se
‘um atraso’ quando comparado ao cenário europeu explicitado, revelando uma lacuna do
conhecimento importante nessa área. O cenário de pesquisas realizadas no Brasil na última década
quanto à avaliação da AF na APS configura grandes lacunas, resultados dos trabalhos numa realidade
reducionista da profissão farmacêutica, visto que na interface da APS com a AF, as ações continuam
engessadas no ciclo logístico do medicamento, ao seu consumo e acesso. Portanto, essas pesquisas
revelam o entendimento limitado da avaliação da AF voltado para ações de gestão de insumos, o que
reduz o potencial das ações desses profissionais em contribuir no cuidado à APS (de Bona Sartor & de
Freitas., 2014; Menolli, Ivama & Cordoni., 2009; Araújo, Pereira, Ueta & Freitas., 2008; Vieira,
Lorandi, & Bousquat., 2008).

A investigação sendo destacada pela seguinte pergunta de partida: Qual a percepção da Assistência
Farmacêutica na Atenção Primária a Saúde na percepção do farmacêutico frente as pesquisas e
ações desenvolvidas na Atenção Primária a Saúde?

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O estudo objetivou apreender percepção dos farmacêuticos acerca da Assistência Farmacêutica na


Atenção Primária à Saúde com ênfase nas pesquisas e ações realizadas.

2 Metodologia

Esse estudo faz parte de um projeto intitulado “Avaliação das pesquisas sobre assistência
farmacêutica na atenção primária à saúde e sua aplicabilidade no SUS: olhares analisadores da
realidade”.
O objeto de investigação aproxima a opção teórico-metodológica para o campo das abordagens
qualitativas, realizando um processo avaliativo numa perspectiva múltipla, plural e construtivista,
com o propósito de utilizar os resultados para incorporar àpráxis farmacêutica (Serapioni, 2016;
Patton, 1997; Guba & Lincoln1989). Nesse sentido, buscou-se compreender, através da opinião dos
farmacêuticos, como as pesquisas sobre a Assistência Farmacêutica repercutem nos serviços de
Atenção primária à Saúde possibilitando a compreensão dessas relações no contexto político e social
do SUS.

Para tanto, a avaliação caminhou diante da dialética, esta que articula as ideias de crítica, negação,
oposição, mudança, processo, contradição, movimento e transformação da natureza e da realidade
social (Minayo, 2002).
Inicialmente foi realizado o levantamento de todos os projetos, cujo objeto de estudo estivesse
relacionado à Assistência Farmacêutica, realizadas no município de Fortaleza, Ceará, através do
banco de registros de projetos e pesquisas cadastrados pela Coordenadoria de Gestão do Trabalho e
Educação em Saúde (COGTES).
A pesquisa foi desenvolvida no município de Fortaleza, Ceará, cuja Rede de Atenção à Saúde (RAS)
está dividida em sete regiões administrativas chamadas de Secretarias Executivas Regionais (SER). A
escolha dos participantes e do locus da pesquisa ocorreu por indicação de farmacêuticos da própria
RAS no campo estudado, por conhecerem suas práticas e entenderem que os sujeitos indicados
poderiam contribuir para as questões essenciais da investigação.
Foram realizadas entrevistas em profundidade com sete farmacêuticos, nas funções de
pesquisadores, gerentes e profissionais vinculados à Assistência Farmacêutica do município de
Fortaleza há pelo menos um ano. Assim, a coleta das informações foi realizada em 2015 em Unidades
de Atenção Primária à Saúde e na Célula de Assistência Farmacêutica do Município de Fortaleza,
como também no Departamento de Farmácia de Universidade Pública do Ceará.
Ressalta-se que a organização e análise dos dados foram tratadas diante da combinação
metodológica hermenêutica-dialética, com realização de codificação dados em temática de
profundidade (Minayo, 2010). Os resultados apresentados preservam a identidade dos participantes
e utiliza o discurso coletivo por entender que as falas dos farmacêuticos representam essa classe
profissional (Assis & Jorge., 2010).
Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o projeto de pesquisa foi
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, cujo parecer de número 662.093
(Brasil, 2012).

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3 Resultados e Discussão

Com efeito, a AF exerce um importante papel na APS. A disponibilidade dos medicamentos na APS
deve atender as necessidades epidemiológicas, com suficiência, regularidade e qualidade
apropriadas, de forma integrada com uma orientação para o seu uso racional por meio de diferentes
serviços ofertados no território (Brasil, 2014). Tais ações, se aplicam na interação do farmacêutico
com os demais integrantes dos serviços, podendo ser intensificado no apoio ao prescritor e à grupos
de usuários de risco ou polimedicados, como idosos, portadores de HIV, hipertensos, diabéticos,
entre outros, favorecendo a formação de vínculo e cedendo espaço para o exercício de educação em
saúde para usuários e educação permanente para a equipe de saúde.
Diante de tal contexto, o presente trabalho acessou os projetos e pesquisas no âmbito da AF na APS
em Fortaleza e no Ceará, a partir dos arquivos da COGTES, no intuito de entender o fluxo dessas
pesquisas e observar seu direcionamento aos gestores, além de apreender sobre seus resultado e
aplicabilidade. A busca inicial se deteve aos arquivos correspondentes aos anos 2013 e 2014 e
procurou por aqueles que abordassem a temática da AF. Dentre os 428 projetos cadastrados nesse
período, foram encontrados 4 projetos com a temática da AF, e ainda assim estes não apresentavam
relação com a APS para configurarem-se como objeto deste estudo.
Além disso, outras pesquisas que foram desenvolvidas com essa temática e realizadas nos serviços
de saúde pública em Fortaleza e que já haviam sido publicadas nas bibliotecas virtuais das
universidades e nas revistas científicas, não foram encontradas nos registros da COGTES, sugerindo
que há uma falha no protocolamento desses projetos, na organização dos registros e provável sub-
notificação das pesquisas, o que comprometeu a análise do fluxo através dos referidos documentos.
No município de Fortaleza a AF é organizada pela Célula de Assistência Farmacêutica (CELAF), órgão
da esfera municipal responsável pela gestão dos insumos para abastecimento da APS. Entretanto,
todo o ciclo logístico, assim como a gestão de pessoas estão sob a responsabilidade de uma
“Organização Social de Saúde”, demonstrando uma configuração anômala da AF no nível primário da
atenção.
Assim, o passo seguinte foi entrevistar os profissionais farmacêuticos acerca da percepção deles
sobre as pesquisas desenvolvidas na AF e a utilização dos seus resultados em suas práticas
cotidianas, partindo da premissa de que avaliar é entendido como o resultado de cada ato de
trabalho no cotidiano dos serviços de saúde e nos territórios sanitários, sendo necessário analisar as
práticas de saúde, a dimensão do alcance das ações e o contexto em que estão inseridos os sujeitos,
que afirmaram:
Eu não conheço muitas não, tem o meu trabalho de TCC sobre farmácia comunitária. Já vi outros
trabalhos que tive oportunidade de acompanhar, mas não na APS, foi mais na farmácia clínica,
outra com pacientes portadores de HIV, outro na UTI neonatal [...].
Avaliar as pesquisas em saúde realizadas numa determinada área de estudos, pode revelar
dimensões significativas para a gestão de recursos, de tempo, de demandas, de otimização de fluxos
e de aplicabilidade dos resultados para a transformação das práticas na perspectiva da melhoria da
saúde em geral, subsídios que poderão influenciar a tomada de decisão do gestor, e devem ter o
potencial de direcionar para uma mudança.

No cotidiano desses profissionais, a tomada de decisão geralmente é baseada na experiência prévia


de trabalho, em cursos de formação e na opinião de outros componentes da equipe, não sendo

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muito comum, a utilização de resultados de pesquisas nesse processo, com exceção dos
farmacêuticos que estão na assistência e também são pesquisadores, conforme o discurso a seguir:
Utilizo (os resultados de pesquisa), mas confesso que faço isso porque também estou no meio
acadêmico. Para mim parece ser mais comum. Vejo essas coisas acontecendo no grupo de
pesquisa. Aprendi a ser mais crítica. Nem sempre fui assim. Associar o serviço à academia é
fundamental.

Para Gasparini & Furtado (2014), a ampliação da avaliação de políticas sociais no Brasil está
direcionada à necessidade de acompanhamento dos investimentos realizados por financiadores e
órgãos internacionais. O fomento à avaliação é justificado pela busca de melhoria da gestão pública e
prestação de contas aos gestores e à população. Ao corroborar com essa afirmativa, Tanaka &
Tamaki (2012), ressaltam que a avaliação proporciona ao gestor, inclusive na APS, um grande escopo
de informação que deve ser apresentada em tempo hábil, e deve se organizar de modo consistente,
levando em conta o tempo e os recursos disponíveis. Porém, esses mesmos autores ressaltam a
disponibilidade de muitas bases de dados no serviço público, as quais, muitas vezes, não são
utilizadas no cotidiano dos serviços para o planejamento e a avaliação das práticas desenvolvidas.

Os farmacêuticos afirmam que geralmente não há aplicabilidade ou devolutiva das pesquisas para os
gestores, para os serviços e para a população:
A pesquisa que lhe falei (sobre pacientes com HIV) foi bastante longa, teve bons resultados, mas
não houve continuidade após o término, quando terminou, já parou [...].
Os resultados não tiveram absorção nos serviços, não que eu saiba [...].
Teve uma pesquisa sobre transplante, que virou rotina no serviço, mas na APS mesmo, eu não
conheço.
Ao se argumentar sobre os desafios percebidos para a implementação dos resultados das pesquisas
em sua práxise quais estratégias poderiam ser pensadas para facilitar sua utilização, os farmacêuticos
relatam:
Lógico que isso só é possível se a gestão tiver interesse naquele assunto. Se não for assim,
esqueça! [...] Outra coisa fundamental é a equipe estar motivada. Houve um trabalho sobre o
cuidado a pacientes hipertensos e diabéticos com farmacêuticos do NASF que foi um fracasso
simplesmente porque não houve motivação da equipe.
Por isso, que quando fui chamada para falar sobre o GAM (Gestão Autônoma da Medicação)
numa reunião da equipe fiz a mais do que me pediram. Procurei a universidade, fiz parceria,
desenvolvimento de curso, convidamos quem de fato está a fim de trabalhar com isso. Vai dar
certo? Não sei! Mas estamos tentando o melhor caminho.
As complexidades seriam um excelente texto suplementar em cursos de graduação ou pós-
graduação de divisão superior em lógica, filosofia, ciência política, gestão global de recursos
humanos ou diversidade cultural. A natureza do mundo real dos ensaios e a falta de conclusões
claras tornam as seleções neste livro um excelente ponto de partida para discussões em aula e
exercícios de prática reflexiva.

Assim, são necessárias medidas que favoreçam a disseminação dos resultados das pesquisas para
gestores e trabalhadores. A saúde não deve ser simplesmente uma relação fornecedor / consumidor,
mas uma complexa rede de interações que, juntos, estabelecer uma ética do cuidado, do que
poderia contar como bom atendimento. A pesquisa em ato exige que um debate seja gerado entre
toda a equipe sobre a própria finalidade do cuidado (Gomes, Cipriano, Freire, Merhy, Abrahão, Silva,

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& Tallemberg., 2014) e a gestão não pode se eximir desta responsabilidade. Deveria ser da gestão o
protagonismo do diálogo sobre qual o papel da pesquisa, levando em conta o espaço comum,
relacional do trabalhador/gestor/usuário(Schiffler & Abrahão, 2014).

Nesse cenário, a Organização Panamericana da Saúde (2013), ao descrever sobre os serviços


farmacêuticos baseados na APS, direciona suas atribuições à atividades de educação e promoção da
saúde e promoção do uso racional de medicamentos, denominando-as de atividades assistenciais e
técnico-pedagógicas. As primeiras incluem os serviços de clínica farmacêutica, e as últimas visam à
educação e ao empoderamento da equipe de saúde e da comunidade para a promoção do uso
racional de medicamentos, bem como a adesão à um Plano Terapêutico Singular.Porém, na rotina
dos serviços, as funções do farmacêutico devem se aproximar mais do foco proposto pela Política da
Atenção Básica, as quais estão vinculadas, ao usuário, à sua família e à comunidade, ou seja, ao
coletivo.
No campo empírico, os farmacêuticos reconhecem essa importância e apontam as dificuldades em
consolidá-la:
Eu acredito que o farmacêutico deveria andar mais junto do médico. O farmacêutico adora dizer
que médico não aceita opinião de farmacêutico, mas isso não é verdade, eles adoram [...], você
chega, faz a intervenção, questiona ou pergunta pra ele [...]. Mas parece que o farmacêutico tem
medo de sair daquela porta da farmácia, é o que eu sinto [...].
Pra gente ganhar espaço, a gente vai ter que se mostrar, não vai ser uma varinha de condão que
vai fazer isso, temos que nos mostrar necessários [...].
A gente tem que conhecer o paciente e isso é possível, o paciente sempre está ali na farmácia,
alguns vão mais de uma vez no mês [...] mas pra isso é preciso que o farmacêutico interaja com
ele, converse, pergunte.
A OPAS sugere que os serviços de clínica farmacêutica devem abranger um elenco de ações
assistenciais nos pontos de atenção à saúde, ofertadas por meio de atendimento individual ou
compartilhado com a equipe de saúde. Essas ações assistenciais podem incluir a dispensação de
medicamentos, a orientação terapêutica ao usuário, o acompanhamento farmacoterapêutico, a
revisão da farmacoterapia, a conciliação dos medicamentos e a avaliação e promoção da adesão
terapêutica. Pesquisas realizadas nos Estados Unidos e na Europa concluíram que as recomendações
do farmacêutico melhoraram significativamente a adequação do uso dos medicamentos entre os
usuários (Moullin, Sabater‐Hernández, García‐Corpas, Kenny, & Benrimoj., 2016; Anaya, Rivera,
Lawson, Garcia, Luna & Ortiz., 2008; Davis, Hepfinger, Sauer, & Wilhardt, 2007; Kicklighter, Nelson,
Humphries & Delate., 2006).
Além dessas atividades, é necessário organizar um sistema de referência e contra-rreferência, entre
os serviços de clínica farmacêutica da atenção básica e os serviços farmacêuticos clínicos ofertados
nos níveis secundários e terciários. Assim, o farmacêutico em seu papel comunitário, deve estar
integrado também à equipe, para esclarecer dúvidas sobre os medicamentos, podendo apoiar,
inclusive, os prescritor quanto ao planejamento fármaco terapêutico do usuário (Organização
Panamericana de Saúde, 2013).

Com efeito, a APS precisa garantir a presença do farmacêutico no cuidado integral ao paciente e
fundamentar suas ações nas necessidades de saúde do indivíduo, da família e da comunidade numa
perspectiva sistêmica já que a APS desenvolve ações intersetoriais com a promoção do cuidado em
espaços de saúde, na educação e promoção de saúde(Ricieri, Previatti, Campese, Constantini,
Montrucchio, Kades & Furman., 2006).

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Desse modo, há urgência em se discutir um novo paradigma para a AF, sobretudo na APS,
principalmente com relação a iniquidade do acesso aos medicamentos e a fragmentação dos
processos que se observa no ponto de vista teórico das políticas farmacêuticas (Pereira, Luiza, &
Cruz., 2015). Também, o modelo praticado no município de Fortaleza, pautado na terceirização do
vínculo empregatício e da gestão da farmácia, tem provocado o isolamento da AF aos demais
serviços e setores da APS, favorecendo a quebra da integralidade do cuidado e a perdas significativas
na resolubilidade
Diante dessas considerações, percebe-se que a prática farmacêutica precisa ser uniformizada e
incorporada como um componente essencial nas Políticas Nacionais de Saúde e em seus marcos
regulatórios, tornando-se urgente sua atualização e adaptação. Com efeito, o avanço dos serviços
farmacêuticos na APS deve ter origem no redesenho do processo de trabalho dos farmacêuticos, de
modo a aprimorar atividades já existentes e a implementar novas atividades, ligadas à clínica
farmacêutica e às ações técnico-pedagógicas, as quais estão relacionadas também ao apoio à equipe
quanto ao uso racional de medicamento, incluindo suporte aos prescritores e demais integrantes dos
serviços.

4 Conclusão

A ‘avaliação’ se revela como prática incipiente e ainda não instituída na interface entre AF e APS. Este
estudo aponta fragilidades quanto à utilização do conhecimento científico dos profissionais para a
tomada de decisão e orientação de suas ações. Os farmacêuticos ainda não incorporaram o cuidado
enquanto tecnologia de serviço farmacêutico na APS.
Quanto às pesquisas existentes nesse âmbito, poucos reconhecem alguma aplicabilidade de seus
resultados. No território, os farmacêuticos (profissionais, pesquisadores, usuários e gestores)
parecem estar perdidos quanto ao conhecimento científico produzido localmente, pois não há um
fluxo eficaz desse produto, ou seja, as pesquisas realizadas nem sempre estão direcionadas à um
problema existente no território e na maioria das vezes, os resultados gerados não são aplicados na
prática. Isto também ocorre porque os profissionais não acessam a informação em tempo hábil e no
formato viável à sua aplicabilidade, o que resulta em desperdício de tempo, recursos e trabalho.
O fluxo dessas pesquisas está interrompido, fragmentado, confuso e burocrático. Enquanto
perspectiva futura, o presente trabalho sugere um melhor gerenciamento das pesquisas, propondo
um fluxo efetivo e contínuo que tenha origem na real demanda da comunidade e cujos resultados
sejam direcionados para a construção de novas estratégias que aperfeiçoem os recursos, as decisões
e as práticas em saúde.
As contribuições do estudo para a pesquisa qualitativa trás uma apreensão avaliativa múltipla,
plurais e construtivas, no cenário da Assistência Farmacêutica na Atenção Primária, com ênfase nos
propósitos de incorporação dos resultados. Destaca-se a necessidade de novos estudos qualitativos
frente às práxis farmacêuticas num contexto longitudinal de assistência a saúde na Atenção Primária.

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