Aula 9. SOP 5

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 7

ATUALIZAÇÃO

Síndrome dos Ovários Policísticos


Polycystic Ovary Syndrome

Wellington de Paula Martins*/**


Francisco Mauad-Filho*/**
Carlos Henrique Medeiros de Araújo*
Rui Alberto Ferriani*
Rosana Maria dos Reis*

*Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo


**Escola de Ultra-sonografia e Reciclagem Médica de Ribeirão Preto

dos tecidos ovarianos em mulheres inférteis que


Resumo denominou alterações escleróticas. Em 1935, Irving
Stein e Michael Leventhal descreveram a associação
A síndrome dos ovários policísticos (SOP) é a de- entre aumento ovariano bilateral (com ovários poli-
sordem endócrina mais comum entre as mulheres císticos), amenorréia e hirsutismo em sete mulheres
em idade reprodutiva, mas os critérios diagnósticos adultas que eram obesas. Foi inferido que deveria se
utilizados ainda são controversos. A conferência do tratar de um defeito primário do ovário. A ressecção
National Institute of Health (NIH), em 1990, suge- em cunha (wedge ressection) dos ovários promoveu
riu que os critérios diagnósticos deviam se basear restauração dos ciclos menstruais em todas as sete
em evidência de hiperandrogenismo e disfunção pacientes e gestação em duas destas.
ovariana (na ausência de outras patologias) sem A grande variabilidade de achados clínicos,
considerar os aspectos ecográficos do ovário como laboratoriais e histológicos associados à síndrome
parte essencial ao diagnóstico. Entretanto, no encon- dos ovários policísticos (SOP) tornou difícil iden-
tro da European Society for Human Reproduction tificar uma característica específica da doença. Em
(ESHRE) e da American Society of Reproductive 1958, McArthur et al. mostraram aumento na ex-
Medicine (ASRM) em 2003 foi sugerido que o diag- creção renal de hormônio das células intersticiais
nóstico de SOP poderia ser realizado quando 2 destes (posteriormente denominado hormônio luteinizan-
3 critérios estivessem presentes: hiperandrogenismo te) em pacientes com problemas reprodutivos, mas
clínico ou laboratorial, anovulação crônica (oligo ou esta relação só foi bem estabelecida depois que Yen
amenorréia) e ovários policísticos à ultra-sonogra- et al., em 1970, demonstraram hipersecreção de
fia. Esta revisão busca mostrar toda a evolução no hormônio luteinizante (LH) e secreção inadequada
conhecimento e diagnóstico desta síndrome. de hormônio estimulador de folículos (FSH).
Para reforçar a importância do LH na etiolo-
PALAVRAS-CHAVE: Ultra-sonografia. Síndrome gia desta síndrome, foi demonstrado que o hiperan-
dos ovários policísticos. Infertilidade. drogenismo era dependente de LH (Givens et al.,
1974). Entretanto, em 1976, Rebar et al. mostraram
que apenas 10 de 14 pacientes com SOP apresenta-
vam níveis séricos de LH maiores que de pacientes
Introdução normais e ao estudarem a resposta da secreção de
LH e FSH após a administração de estrogênio e
Em 1721, Antonio Vallisneri, aos 23 anos de clomifeno concluíram que a disfunção do eixo hipo-
idade, médico italiano formado em Reggio Emilia, no tálamo-hipófise-gonadal (HHG) não é a causa, mas
ano de 1684, descreveu, quando professor na Univer- representa um desarranjo funcional conseqüente
sidade de Pádua, que “jovens esposas de lavradores, a alteração no feedback do estrogênio.
moderadamente obesas e inférteis, apresentam dois Também em 1976, outro estudo marcante foi a
ovários maiores que os normais, inchados, brilhantes associação de hiperandrogenismo ovariano e vários
e esbranquiçados, como ovos de pombas”. Em 1844, casos de resistência à insulina (Kahn et al., 1976),
Chereau, médico francês, relatou o endurecimento sendo a associação entre ovários policísticos, hiperan-

)HPLQD - Outubro 2006 vol. 34 nº 10 


    

drogenismo e hiperinsulinemia posteriormente con- tros diagnósticos: ovários policísticos (presença de


firmada (dos Reis et al., 1995). Em 1981, Swanson et ovários policísticos no exame ecográfico, ausência
al. descreveram o uso da ultra-sonografia para reali- de sintomas menstruais ou cosméticos, ausência
zar o diagnóstico da síndrome. Em 1985, Adams et al. de hiperandrogenismo bioquímico) e hirsutismo
descreveram a diferença entre ovários multicísticos idiopático (excesso de crescimento de pelos com
(presença de seis ou mais folículos entre 4 e 10 mm, distribuição androgênica e ausência de hiperandro-
de volume normal ou discretamente aumentados) e genismo bioquímico). Utilizando estes critérios a
ovários policísticos (o mesmo mais o aumento do es- prevalência desta síndrome é de 5-10% das mulheres
troma) e que a presença de ovários multicísticos não no menacme (Diamanti-Kandarakis et al., 1999).
é correlacionada com hirsutismo, elevação da relação Novas pesquisas foram realizadas no campo
LH/FSH, e que a morfologia ovariana poderia rever- da ultra-sonografia no intuito de melhorar a eficácia
ter após ciclos ovulatórios (ver diferença entre estes do método para o diagnóstico. Em 1999, Buckett
ovários na Figura 1). Em 1988, foi descrita uma alta et al. notaram diferenças significativas no volume
prevalência (20-25%) de ovários policísticos ao exame do ovário e do estroma e no pico de velocidade do
ecográfico, por Polson et al., aumentando a descrença sangue no estudo Doppler do estroma nas pacientes
que a ultra-sonografia poderia isoladamente realizar com SOP, não havendo diferença na ecogenicidade
o diagnóstico desta síndrome. do estroma ovariano. Fulghesu et al., 2001, utilizan-
do a relação entre a área do estroma ovariano e a área
total do ovário estudando 80 pacientes com SOP e 30
pacientes-controle demonstraram que este método
Consensos e a Utilização da Ultra-sonografia apresenta 100% de sensibilidade e especificidade no
diagnóstico utilizando-se o ponto de corte de 0,34.
Em 1990, em uma reunião em Bethesda Já Jonard et al., 2003, demonstram a importância
(EUA), o National Institute of Health (NIH) criou o da contagem dos folículos para o diagnóstico da
primeiro consenso para o diagnóstico da síndrome síndrome. Realizando a ultra-sonografia em 214 mu-
(hiperandrogenismo clínico ou laboratorial e ano- lheres com SOP e 112 mulheres normais e utilizando
vulação, ausência de hiperprolactinemia, doença a curva ROC (receiver operating characteristic),
tiroideana, hiperplasia adrenal congênita de início concluíram que a presença de 12 ou mais folículos
tardio ou síndrome de Cushing), o qual não levava entre 2 e 9 mm de diâmetro médio apresenta a
em consideração, para o diagnóstico, os achados melhor sensibilidade (75%) e especificidade (99%)
ecográficos. O NIH também classificava dois ou- para o diagnóstico.

Ovário Multicístico Ovário Policístico

Figura 1 - Diferença ecográfica entre ovário multicístico e ovário policístico. Notar que no ovário policístico, além do aumento no número de folículos, também
há aumento no volume do estroma ovariano

 )HPLQD - Outubro 2006 vol. 34 nº 10


    

Valendo-se destes estudos em maio de 2003 de é provavelmente de origem ovariana, como nas
em Rotterdam (Holanda) no encontro da European falências ovarianas precoces.
Society for Human Reproduction (ESHRE) e As mulheres destas duas categorias apresen-
da American Society of Reproductive Medicine tam amenorréia muito mais freqüentemente que
(ASRM), novos critérios para o diagnóstico da SOP oligomenorréia. Entretanto, a grande maioria da
foram sugeridos. Para confirmar o diagnóstico pacientes que sofrem de anovulação crônica (cerca de
dois destes três achados devem estar presentes: 80%) apresentam gonadotrofinas e níveis estrogênicos
hiperandrogenismo (clínico ou laboratorial), ano- dentro da normalidade e são classificadas como grupo
vulação crônica (oligo ou amenorréia) e ovários II (OMS-II). Amenorréia é tão freqüente quanto a
policísticos (presença ao exame ecográfico de 12 ou oligomenorréia neste grupo, e representa algo entre
mais folículos entre 2 e 9 mm de diâmetro médio 20 a 25% dos casais inférteis (Rowe et al., 2000).
ou volume ovariano de 10 cm3 ou mais (apenas um
ovário é suficiente para o diagnóstico).
Na presença de corpo lúteo ou de um folículo
com 10 mm de diâmetro ou mais, deve-se realizar a Calendário Mestrual
ultra-sonografia no ciclo subseqüente para confirmar
o diagnóstico. Deve-se também excluir a presença de Em mulheres oligomenorreicas, o sangramen-
hiperprolactinemia, doença tiroideana, hiperplasia to anovulatório pode ocorrer devido a flutuação dos
adrenal congênita de início tardio ou síndrome de níveis estrogênicos, ou o sangramento por privação
Cushing, assim como no consenso anterior. pode ocorrer após ovulações ocasionais. Mesmo
Stein e Leventhal, 1935, descreveram estigmas
ovulatórios em algumas de suas pacientes. Mulhe-
res oligomenorreicas com alguns ciclos ovulatórios
Classificação da OMS para Infertilidade Anovulatória podem engravidar espontaneamente e nunca procu-
rar auxílio médico. Estas normalmente apresentam
A classificação ideal da infertilidade anovu- atividade estrogênica normal, sendo freqüente a
latória deveria visar os seguintes objetivos: separar presença de níveis elevados de estrona.
doenças de início súbito que podem levar a disfunção O encurtamento dos intervalos menstruais
ovariana (tumores adrenais, prolactinomas, doenças relacionados ao envelhecimento em pacientes com
auto-imunes) de doenças crônicas como diabetes SOP já foi relatado e provavelmente se deve à perda
mellitus tipo 2, doença cardiovascular, obesidade; do número de folículos totais devido à atresia, o que
deveria estabelecer quando a indução da ovulação levaria a um novo balanço no controle endometrial.
pode ser útil e qual o medicamento mais apropriado Além disso, também ocorrem mudanças clínicas,
e, finalmente, discriminar entre pacientes com maio- endócrinas e ecográficas nestas pacientes com o
res chances de fertilização apenas com a indução decorrer da idade (Bili et al., 2001).
da ovulação das que deveriam usar técnicas mais
complexas de reprodução assistida como primeira
opção. Também seria adequado que se identificassem
as pacientes com risco elevado para desenvolver a Massa e Composição Corporal
síndrome de hiper-estimulação ovariana.
Em 1968 uma classificação voltada para a clí- Vários estudos epidemiológicos têm enfatizado
nica foi criada, sendo posteriormente modificada e a importância da composição corporal, especialmente
recomendada, em 1995, pela European Society for o padrão de distribuição abdominal de tecido adiposo
Human Reproduction and Embriology (ESHRE) (ou andrógeno), como fator de risco para doenças
e, em 2000, pela Organização Mundial da Saúde cardiovasculares ou metabólicos como diabetes melli-
(OMS). De acordo com esta classificação, que é tus. É óbvio que os hormônios esteróides têm efeito
baseada nos níveis séricos de gonadotrofinas e sobre o metabolismo e a distribuição da gordura. Nas
estrogênio, as pacientes podem ser classificadas mulheres, os parâmetros de composição corporal e
em três grupos principais. Pacientes apresentando índice de massa corporal apresentam clara associação
baixos níveis de gonadotrofinas e ausência de ati- com a função reprodutiva (Lobo et al., 1982).
vidade estrogênica constituem o grupo I (OMS-I), A função ovariana pode variar, em resposta a
sugerindo uma origem central (hipotalâmico-hipo- fatores endógenos e exógenos que afetam o balanço
fisário), como a anorexia nervosa. As pacientes que energético, desde ciclos ovulatórios regulares e com-
apresentam baixos níveis estrogênicos, mas altos pletos, passando por supressão da fase lútea, supres-
níveis de gonadotrofinas, são classificadas como são da fase folicular, falência ovariana, oligomenorréia
grupo III (OMS-III), sugerindo que a anormalida- até a amenorréia. Tanto o balanço energético negativo

)HPLQD - Outubro 2006 vol. 34 nº 10 


    

e a baixa quantidade de gordura corporal quanto a


quantidade aumentada de gordura e o padrão andro- Hormônio Luteinizante (LH)
gênico de distribuição de tecido adiposo têm efeito
negativo na função reprodutiva feminina. As pacientes com SOP apresentam níveis
Mais de 50% das mulheres com SOP são obe- circulantes de LH e sua relação com hormônio esti-
sas, o que é significativamente maior comparado mulador de folículos (FSH), elevados quando compa-
com os 30% de obesidade encontrados na população rados com pacientes controles, o que ocorre devido a
feminina americana. um aumento na amplitude e freqüência dos pulsos
Entre as obesas com SOP, o perfil endócrino de LH. Níveis elevados de LH são encontrados em
mais desfavorável pode ser encontrado nas com aproximadamente 60% das pacientes com SOP e a
obesidade central (Dunaif et al., 1999). Similar- relação LH/FSH elevada pode ser encontrada em até
mente, o aumento na relação cintura-quadril é 95% das pacientes, se excluirmos as pacientes que
associado com aumento dos níveis androgênicos, ovularam recentemente, pois a concentração de LH é
hiperinsulinemia basal e pós-sobrecarga de glicose influenciada temporalmente pela ovulação, que tende
e aumento da resistência à insulina (Dunaif et al., a normalizar sua concentração (Laven et al., 2002).
1999). Além disso, obesidade é também associada à O potencial efeito negativo do LH sobre a fertili-
diminuição dos níveis de SHBG (steroid hormone dade feminina é controverso. Alguns estudos sugerem
binding globulin), ao aumento dos androgênios e que altas concentrações de LH podem levar a efeitos
a um relativo estado de hiperestrogenismo devido deletérios na maturação e fertilização dos oócitos, taxa
à conversão periférica de androgênios em estrona de implantação e na freqüência de abortos enquanto
(Apridonidze et al., 2005). outros não mostram relação do LH sobre a qualidade
O grau de resistência à insulina também é do oócito ou embrião, nas taxas de fertilização, implan-
aumentado nas mulheres obesas com SOP (dos tação e gestação (Mendoza et al., 2002).
Reis et al., 1995). A correlação entre os níveis circu- A redução dos níveis de LH endógeno com
lantes de leptina, um regulador do armazenamento agonistas do GnRH também apresenta resultados
de gordura, é similar entre as pacientes com SOP conflitantes. Alguns estudos mostram que este re-
quando comparadas com pacientes do mesmo peso. curso poderia diminuir as taxas de aborto enquanto
A leptina parece regular os estoques de gordura outros questionam este efeito (Hughes et al., 2000).
independentemente da insulina, uma vez que não A concentração plasmática de LH ou a adminis-
é afetada pela melhora da hiperinsulinemia após o tração de LH exógeno não diminui as chances de
uso de troglitazona (Glintborg et al., 2005). ovulação ou de gestação quando durante a utiliza-
Mulheres obesas classificadas com SOP re- ção citrato de clomifeno ou gonadotrofinas para a
presentam um subgrupo com distúrbios endócri- indução da ovulação (Al-Inani et al., 2003).
nos mais pronunciados e disfunção ovariana mais
severa, o que também é sugerido pela necessidade
de maiores doses de citrato de clomifeno ou gona-
dotrofinas para estimular a ovulação quando com- Hiperandrogenismo
paradas às pacientes magras (Messinis, 2005).
A perda de peso é associada com melhora O hiperandrogenismo é considerado como
dos distúrbios menstruais, ovulação e fertilidade, peça chave na SOP e consiste em um dos critérios
mesmo sendo com perdas de peso relativamente diagnósticos. Embora os níveis séricos de androgênios
modestas, ou seja, a partir de 5% do peso inicial (tanto testosterona quanto androstenediona) sejam
(Hoeger et al., 2004). A perda de peso também geralmente elevados, o hiperandrogenismo funcional
deve ser estimulada, devido aos riscos mais ele- também pode ocorrer devido à diminuição do SHBG
vados destas pacientes desenvolverem diabetes o que resulta no aumento da fração livre destes hor-
e hipertensão. A perda de peso causa diminuição mônios. Os níveis de testosterona livre podem ser
dos níveis de leptina e restauração (pelo menos acessados diretamente por radioimunoensaio prece-
parcial) da sensibilidade à insulina. A leptina dido da extração ou indiretamente através da relação
parece ser melhor preditor da resposta ovariana testosterona/SHBG (índice de androgênio livre).
que a insulinemia ou relação insulinemia/glicemia O hiperandrogenismo pode ser causado pela
(Imani et al., 2000). Concluindo, as mulheres in- produção aumentada de androgênios (tumores adre-
férteis obesas com SOP constituem um subgrupo nais ou formas não clássicas de hiperplasia adrenal
com pior resposta ao tratamento e que invoca mais congênita, sendo conhecida a associação destas doen-
cuidados com os riscos de uma possível gestação, ças com a hiperplasia das células da teca e ovários com
sendo altamente recomendado atingir o peso ideal, aparência policística à ultra-sonografia). Similarmente
através de dieta e atividade física. as mulheres transexuais tratadas com androgênios

 )HPLQD - Outubro 2006 vol. 34 nº 10


    

exógenos também se apresentam com ovários poli- Devido à restrição dietética nas obesas com
císticos à ultra-sonografia (Pache et al., 1993). SOP reduzir tanto a resistência à insulina quan-
Os inibidores intra-ovarianos da ação do FSH to o hiperandrogenismo, a redução no peso é a
podem ser responsáveis pela inadequada indução da melhor medida nestas pacientes. Similarmente,
atividade da aromatase nas células da granulosa de o uso de sensibilizadores da ação da insulina (em
pequenos folículos. Então, devido à baixa atividade especial a metformina) melhora a resistência à
da aromatase, os folículos permanecem em um meio insulina e tornou-se nova opção para a indução
predominantemente androgênico, o que promove da ovulação. Uma boa evidência de como a resis-
o prolongamento (ou falha) da maturação folicular tência à insulina está presente nas pacientes com
e hiperandrogenismo ovariano, entretanto não foi SOP é a demonstração (dos Reis et al., 1995) de
detectada evidência de mutação no gene da aroma- que a área sob a curva da insulina de pacientes
tase associada à SOP (Soderlund et al., 2005). obesas e não obesas com SOP após o teste oral
Aproximadamente 95% das mulheres hipe- de tolerância à glicose é significativamente maior
randrogênicas irão sofrer de SOP e até 74% das que em pacientes sem disfunção ovariana e sem
hiperandrogênicas que relatam ciclos menstruais obesidade (ver Figura 2).
regulares apresentam evidências ecográficas de
ovários policísticos (Carmina et al., 1999).
Para o diagnóstico do hiperandrogenismo,
a concentração de testosterona (principalmente a
fração livre) mostrou-se ser a mais sensível medi-
da isolada para detectar o hiperandrogenismo de 150
Glicose (mg/dL)
origem ovariana (Imani et al., 2000).

100

Resistência à Insulina
50
A SOP pode ser associada à resistência à in-
sulina em mais de 50% das pacientes (Dunaif et al., 0
1999). Este fato, em freqüente associação à obesida- 0 30 60 90 120
de, explica a prevalência aumentada de intolerância Tempo (min)
à glicose nestas pacientes. A resistência à insulina 100
parece estar relacionada à fosforilação excessiva do
receptor de insulina (Li et al., 2002). A fosforilação da 80
serina também parece modular a atividade da enzima
Insulina (MU/ml)

regulatória da biossíntese dos androgênios, a P450c17


(Li et al., 2002). É então possível que um único defeito 60
induza tanto o hiperandrogenismo quanto a resistên-
cia à insulina nas pacientes com SOP, embora isto não 40
esteja demonstrado ainda. A supressão da atividade
ovariana aumenta a sensibilidade à insulina em mu- 20
lheres magras com SOP, enquanto os efeitos no meta-
bolismo da glicose não estão alterados nas mulheres 0
que não apresentam hiperandrogenismo (Cagnacci et 0 30 60 90 120
al., 1999). A heterogenicidade metabólica da popula-
ção com SOP é refletida na observação nos níveis de Tempo (min)
insulina, lipídeos e lipoproteínas que podem ou não Média da concentração séria de glicose e insulina durante teste oral de
ser dependentes do IMC (Norman et al., 1995). tolerância à glicose após administração de 75g de glicose:
Pelos critérios diagnósticos adotados em 2003 Não obesas com ciclos ovulatórios
as pacientes com hiperinsulinemia não constituem Não obesas com SOP
um subgrupo distinto de pacientes com SOP, mas Obesas com ciclos ovulatórios
há correlação entre a insulinemia com a síndrome Obesas com SOP
metabólica, ou como vem sendo mais atualmente
denominada, síndrome da resistência à insulina
–hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus Figura 2 - Curva de glicemia e insulinemia após teste oral de tolerância à
tipo 2 e dislipidemia (Smith & LeRoith, 2004). glicose. (Reproduzido com autorização de dos Reis et al., 1995)

)HPLQD - Outubro 2006 vol. 34 nº 10 


    

Considerações Finais Abstract


Com os dados levantados até o momento, Polycystic ovary syndrome (PCOS) is the most
para se realizar o diagnóstico de SOP, a melhor common endocrine disorders among women in re-
propedêutica é: productive age, but clinical judgment for diagnosis
História e exame físico: há necessidade is still controversial. In 1990, the National Institute
de buscar evidências de disfunção menstrual of Health (NIH) conference on PCOS recommended
peripuberal e hirsutismo. Exame ginecológico that diagnostic criteria should include biochemical
é necessário para afastar outras causas de san- evidence of hyperandrogenism and ovarian dys-
gramento e aborto. Clitoromegalia leve não é function (in the absence of non-classical adrenal
incomum, mas o seu achado faz pensar em sín- hyperplasia) without considering the morphologi-
dromes virilizantes. cal diagnosis of polycystic ovary by ultrasound as
Ultra-sonografia pélvica: a via endovaginal an essential part of the diagnosis. However, in the
é o método de escolha, a via abdominal necessita international meeting of the European Society for
de operadores com mais experiência e é mais difí- Human Reproduction and the American Society of
cil nas pacientes obesas. A espessura endometrial Reproductive Medicine in 2003 was suggested that
deve sempre ser medida para excluir patologia PCOS would be diagnosed when 2 of the following
endometrial. Atentar para os novos critérios criteria could be recognized: oligomenorrhea and/or
sugeridos pela European Society for Human anovulation, clinical or biochemical signs of hype-
Reproduction e American Society of Reprductive randrogenism, ultrasound findings of polycystic
Medicine, 2003, que são mais objetivos. ovary. This review aims to show the evolution in
Estudo hormonal: há muita polêmica so- PCOS knowledge and its diagnostic.
bre a necessidade de testes de sangue e quais
solicitar. Para o diagnóstico da SOP, é necessá- KEYWORDS: Ultrasound. Polycystic ovary syn-
rio excluir a presença de hiperplasia adrenal drome. Infertility.
congênita de início tardio com a medida de
17-hidroxiprogesterona basal e se necessário após
estímulo com ACTH, anormalidades tiroideana
com a dosagem de TSH, hiperprolactinemia com Leituras Suplementares
a avaliação dos níveis de prolactina e síndrome
de Cushing, mas não são necessários testes se 1. Adams J, Franks S, Polson DW et al. Multifol-
não houver clínica sugestiva. A medida da tes- licular ovaries: clinical and endocrine features
tosterona ajuda a mostrar hiperandrogenismo e and response to pulsatile gonadotropin-releas-
a descartar tumor virilizantes. Medidas de outros ing hormone. Lancet 1985; 2: 1375-9.
androgênios (DHEAS e androstenediona) não 2. Al-Inani H, Aboughar M, Mansour R, Serour G.
têm validade comprovada. Meta-analysis of recombinant versus urinary-
Teste de tolerância à glicose: é essencial derived FSH: an update. Hum Reprod 2003; 18:
para excluir intolerância à glicose e diabetes 305-13.
mellitus. Alguns investigadores têm recomendado 3. Apridonidze T, Essah PA, Iuorno MJ, Nestler
o cálculo de índices para a resistência à insulina JE. Prevalence and characteristics of the meta-
utilizando-se de valores da glicemia e insulina bolic syndrome in women with polycystic ovary
de jejum - homeostasis model assessment [HOMA syndrome. J Clin Endocrinol Metab 2005; 90:
= G (nmol/L) x I (mIU/mL)/ 22,5 - RI > 4,0 ou 1929-35.
HOMA IR = G (mg/dL) x L (mIU/mL) / 22,5 - RI 4. Buckett WM, Bouzayen R, Watkin KL et al.
> 4,0] ou quantitative insulin sensitivity check Ovarian stromal echogenicity in women with
index [QUICKI = 1 / (log[G] basal + log[I] basal normal and polycystic ovaries. Hum Reprod
- RI < 0,34). Foi recentemente demostrado que o 1999; 14: 618-21.
QUICKI apresenta melhor acurácia que o HOMA 5. Carmina E, Lobo RA. Use of fasting blood to
(Carmina & Lobo, 2004). assess the prevalence of insulin resistance in
Perfil lipídico: é plausível a solicitação do women with polycystic ovary syndrome. Fertil
colesterol total, HDL e triglicérides. Steril 2004; 82: 661-5.
Outras investigações: não há justificativa 6. Fulghesu AM, Ciampelli M, Belosi C et al. A new
para realizar-se laparoscopia, tomografia compu- ultrasound criterion for the diagnosis of poly-
tadorizada ou ressonância magnética quando na cystic ovary syndrome: the ovarian stroma/total
suspeita da SOP. area ratio. Fertil Steril 2001; 76: 326-31.

 )HPLQD - Outubro 2006 vol. 34 nº 10


    

7. Glintborg D, Stoving RK, Hagen C et al. Piogli- with diseases of the reproductive system. J Clin
tazone treatment increases spontaneous growth Endocrinol Metab 1958; 18: 1202-15.
hormone secretion and stimulated growth hor- 18.Mendoza C, Ruiz E, Ortega E et al. Follicular
mone levels in polycystic ovary syndrome. J fluid markers of oocyte developmental poten-
Clin Endocrinol Metab 2005; 90: 5605-12. tial. Hum Reprod 2002; 17: 1017-22.
8. Hoeger KM, Kochman L, Wixom N et al. A ran- 19.Nestler JE, Jakubowicz DJ, Evans WS et al. Ef-
domized, 48-week, placebo-controlled trial of in- fects of metformin on spontaneous and clomi-
tensive lifestyle modification and/or metformin phene-induced ovulation in the polycystic ovary
therapy in overweight women with polycystic syndrome. N Engl J Med 1998; 338: 1876-80.
ovary syndrome: a pilot study. Fertil Steril 2004; 20.Polson DW, Adams J, Wadsworth J, Franks S
82: 421-9. et al. Polycystic ovaries – a common finding in
9. Huber-Buchholz MM, Carey DG, Norman RJ. normal women. Lancet 1988; 1: 870-2.
Restoration of reproductive potential by life- 21.Rebar R, Judd HL, Yen SS et al. Characteriza-
style modification in obese polycystic ovary tion of the inappropriate gonadotropin secretion
syndrome: Role of insulin sensitivity and in polycystic ovary syndrome. J Clin Invest
luteinzing hormone. J Clin Endocrinol Metab 1976; 57: 1320-9.
1999; 84: 14-74. 22.dos Reis RM, Foss MC, de Moura MD et al. In-
10.Imani B, Eijkemans MJ, de Jong FH et al. Free sulin secretion in obese and non-obese women
androgen index and leptin are the most promi- with polycystic ovary syndrome and its relation-
nent endocrine predictors of ovarian response ship with hyperandrogenism. Gynecol Endocri-
during clomiphene citrate induction of ovula- nol 1995; 9: 45-50.
tion in normogonadotropic oligoamenorrheic 23.Sengos C, Andreakos C, Latrakis G. Sonographic
infertility. J Clin Endocrinol Metab 2000; 85: parameters and hormonal status in lean and
676-82. obese women with polycystic ovary syndrome.
11.Jonard S, Robert Y, Cortet-Rudelli C et al. Ul- Clin Exp Obstet Gynecol 2000; 27: 35-8.
trasound examination of polycystic ovaries: is it 24.Soderlund D, Canto P, Carranza-Lira S, Mendez
worth counting the follicles? Hum Reprod 2003; JP. No evidence of mutations in the P450 aro-
18: 598-603. matase gene in patients with polycystic ovary
12.Kahn CR, Flier JS, Bar RS et al. The syndromes syndrome. Hum Reprod 2005; 20: 965-9.
of insulin resistance and acanthosis nigricans. 25.Stein IF, Leventhal ML. Amenorrhea associated
Insulin-receptor disorders in man. N Engl J Med with bilateral polycystic ovaries. Am J Obstet
1976; 294: 739-45. Gynecol 1935; 29: 181-91.
13.Laven JS, Imani B, Eijkemans MJ, Fauser BC. 26.Swanson M, Sauerbrei EE, Cooperberg PL.
New approaches to PCOS and other forms of Medical implications of ultrasonically detected
anovulation. Obstet Gynecol Surv 2002; 57: polycystic ovaries. J Clin Ultrasound 1981; 9:
755-67. 219-22.
14.Li M, Youngren JF, Dunaif A et al. Decreased 27.The Rotterdam ESHRE/ASRM-sponsored
insulin receptor (IR) autophosphorylation in PCOS consensus workshop group. Revised 2003
fibroblasts from patients with PCOS: effects of consensus on diagnostic criteria and longterm
serine kinase inhibitors and IR activators. J Clin health risks related to polycystic ovary syn-
Endocrinol Metab 2002; 87: 4088-93. drome (PCOS) Hum Reprod 2004; 1: 41-7.
15.Lobo RA, Gysler M, March CM et al. Clin and 28.Yen SS, Vela P, Rankin J. Inappropriate secre-
Laboratory predictors of clomiphene response. tion of follicle stimulating hormone and lutein-
Fertil Steril 1982; 37: 168-74. izing hormone in polycystic ovarian disease. J
16.Messinis IE. Ovulation induction: a mini review. Clin Endocrinol Metab 1970; 30: 435-42.
Hum Reprod 2005; 20: 2688-97.
17.McArthur JW, Igersoll FM, Worcester J. The Demais referências citadas no texto podem ser
urinary excretion of interstitial-cell and fol- conseguidas com o autor pelo e-mail: wpmartins@
licle-stimulating hormone activity by women gmail.com.

)HPLQD - Outubro 2006 vol. 34 nº 10 

Você também pode gostar