Ide-ou-Indo

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Revista Teológica FABAMA

IDE OU INDO? TEM ALGUMA


DIFERENÇA?

Anderson Carlos Guimarães Cavalcanti1

RESUMO
O Presente trabalho científico tem por finalidade aprofundar através
do uso das ferramentas presentes na ciência hermenêutica a
interpretação bíblica do texto de Mateus 28.18-20, conhecido como:
“A Grande Comissão”. Nesta passagem, percebe-se o Senhor Jesus
Cristo, ressurreto e detentor de toda autoridade, comissionando a Sua
Igreja para multiplicar-se por todo o mundo. Será visto no
desenvolvimento da pesquisa o conceito de discipulado com sua
atribuição de ordenança, assim como o que significa realmente “ser”
um discípulo de Jesus Cristo, bem como as diferenças práticas de
uma vida cristã centrada no “Ide” ou no “Indo” para o cristão
contemporâneo com uma reflexão de uma Comissão opcional ou
imperativa.

PALAVRAS-CHAVE: Comissão, Discipulado, Imperativo,


Multiplicação, Igreja.

ABSTRACT
The present scientific work aims to deepen through the use of the
tools present in science hermeneutics biblical interpretation of the
text of Matthew 28:18-20, known as "The Great Commission". In
this passage, we find the Lord Jesus Christ, risen and all authority

1
Licenciado em Letras (Português/Inglês) pelo UNICEUMA, Pós-graduado em
Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Maranhão, Bacharel em
Teologia pela Faculdades Batista do Paraná, Pós-graduado em Teologia Bíblica
pela Faculdade Teológica Batista Equatorial e Mestre em Teologia pela Faculdades
Batista do Paraná. E-mail: [email protected]
[8]
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holder, commissioning his Church to multiply throughout the world.
Will be seen the development of research the concept of discipleship
with his assignment ordinance, as well as what it really means to
"be" a disciple of Jesus Christ, as well as the practical differences of
a Christian life centered on "Go" or "Going" to contemporary
Christian with a reflection of an optional or mandatory Commission.

KEYWORDS: Commission, Discipleship, Imperative,


Multiplication, Church.

INTRODUÇÃO
Há cerca de XXI séculos procurando cumprir com
responsabilidade sua missão aqui na terra, a igreja cristã,
sobrevivente a muitos momentos turbulentos ao longo da história,
chega à “Era Pós-moderna”, precisando reavaliar seu engajamento e
entendimento da Grande Comissão deixada por Jesus aos seus
seguidores, principalmente pelo momento atual estar permeado por
muitos valores distorcidos, no que diz respeito à missão da igreja
cristã.
Entender o princípio de fazer discípulos como uma tarefa
constante na vida dos que já são seguidores de Jesus Cristo, leva à
compreensão que a Comissão da Igreja Primitiva é algo que se
estende para as igrejas de todas as épocas, tendo como objetivo a
razão de sua existência preservada e bem esclarecida para os que
compõem o corpo da igreja.

[9]
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Infelizmente, tem-se notado que muitos cristãos estão se
esquecendo e negligenciando este mandamento tão importante
deixado por Jesus aos seus seguidores. Boa parte deles tem até
mesmo compreendido que o engajamento na Grande Comissão é
algo que pode ser desenvolvido apenas durante atividades específicas
de evangelização promovida pela igreja local. Outros vão além
classificando o comissionamento de discípulos como algo opcional
ou até mesmo para os que têm vocação para o ministério de tempo
integral.
Este artigo científico tem o propósito de apresentar, à luz da
análise exegética do texto bíblico da Grande Comissão, presente em
Mateus 28.18-20, com aplicações para contemporaneidade, a
profundidade que envolve a comissão de Jesus para os seus
seguidores, assim como a importância do engajamento integral da
igreja nesta missão. O doutor Mark A. Ellis no seu artigo sobre o
espanto da Grande Comissão vai ressaltar, a partir da tese presente no
Manifesto escrito por William Carey (1731-1864), que “a ordem do
Senhor Jesus Cristo em Mateus 28:18-20 para fazer discípulos de
todas as nações continua obrigatória até hoje”.2
No decorrer desta pesquisa será apresentado o conceito de
discipulado cristão, assim como a importância de “ser” um
verdadeiro discípulo de Jesus que vive para fazer discípulos todos os
2
SISTEMÁTICA EQUATORIAL, Faculdade Teológica Batista Equatorial, n. 1,
Ano 2. Belém, PA: D. B. Riker (Editor); Delta, 2014, p. 8.
[10]
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dias, engajados em sua missão imperativa de fazer discípulos
enquanto estiver “indo”, respondendo com prontidão ao seu chamado
e apresentando frutos que permanecem.
A avaliação de uma vida cristã centrada apenas nas
oportunidades esporádicas de cumprir o “Ide” de Jesus em confronto
com uma vida cristã engajada na feitura de novos discípulos durante
o “Indo” de Jesus será apresentada com propósito de levar os cristãos
a refletirem quanto ao seu próprio envolvimento nesta ordenança
integral.

1 A definição de discipulado cristão


Para se compreender o significado teórico e prático do
discipulado, será necessário, primeiramente, descobrir de onde ele se
origina. O discipulado principia com o despertar do ser humano,
criatura de Deus, para a fé em Jesus Cristo, passando para uma nova
condição, a de filho de Deus. Isto dá-se através do anúncio da
mensagem do Evangelho. O termo “Evangelho” é descrito por
Delcyr de Souza Lima, ao afirmar que a palavra “vem do grego
euangelion, que significa, literalmente, boas novas”.3 O próprio Lima
define este processo de propagação da mensagem de salvação, ao
afirmar que...

3
LIMA, Delcyr de Souza. Doutrina e prática da evangelização: a busca do
aperfeiçoamento dos santos na prática da evangelização. Rio de Janeiro: JUERP,
2010, p. 16.
[11]
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Evangelizar é a ação de informar aos homens a respeito do
evangelho de Jesus Cristo com o objetivo de levá-los a reconhecerem
sua condição de pecadores perdidos, a conhecerem o plano de Deus
para sua salvação, persuadi-los a se arrependerem e crerem em Jesus
como seu Salvador e Senhor, e orientá-los a se integrarem numa
igreja para servir.4
Ao despertar uma vida para fé em Jesus Cristo principia-se o
processo que se costuma chamar nos dias atuais de “discipulado”, ou,
como o próprio Jesus se referia e ordenara aos seus seguidores:
“fazer discípulos”. Lima classifica esta continuidade ao processo
iniciado com a conversão, tão importante para o novo na fé,
descrevendo as etapas relacionadas a este trabalho de inserção na
comunidade cristã, dizendo que...
A integração ocorre na ação evangelizadora após o pecador se
converter. Consiste no discipulado, durante a qual o novo crente
aprende as doutrinas bíblicas, cresce em poder e fé e se desenvolve,
aplicando-se cada vez mais ao serviço de Deus. A evangelização de
uma pessoa não termina quando ela aceita Cristo com Salvador, mas
continua, a bem dizer, durante toda a sua vida. 5
O texto sagrado afirma: “Porque pela graça sois salvos,
mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras,
para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em
Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para
que andássemos nelas” (Ef 2.8-10).6 Através deste ensinamento
paulino, observa-se que a salvação é um presente dado por Deus
àquele que deposita sua fé nele. Mas a caminhada que se segue tem

4
LIMA, 2010, p. 22.
5
LIMA, 2010, p. 22-23.
6
Bíblia Sagrada. Versão Revista e Atualizada de João Ferreira de Almeida.
Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2007, p. 1186.
[12]
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uma tarefa bem clara: “andar nas boas obras”. Assim, as sábias
palavras do grande evangelista do século XX, Billy Graham, na obra
de Waylon B. Moore, corroboram com o comparativo entre salvação
e discipulado, ao propor que “a salvação é de graça, mas o
discipulado custa tudo o que temos”.7
As mudanças advindas de uma conversão genuína são drásticas
e visíveis na vida do ser humano regenerado por Cristo. A caminhada
passa por um processo de reavaliação, em que conceitos e valores,
ora enaltecidos e tidos por prioridade, passam por ajustes que se
fazem necessários para um proceder agora de santificação,
obediência e segundo os ensinos das Escrituras. Ricardo Barbosa de
Sousa explica que toda esta metamorfose é obra do próprio Deus,
através da ação do seu Santo Espírito na vida do ser humano,
trazendo modificação no condutor, por consequência no caminho
trilhado. Ele afirma que...
A conversão, ou numa expressão mais comum entre nós, o „aceitar a
Cristo‟, significa permitir que a vida de Cristo seja agora, pelo poder
do seu Espírito, vivida por nós, convertendo-nos e transformando-
nos em criaturas novas a fim de afirmarmos como o apóstolo Paulo:
„não mais eu, mas Cristo vive em mim‟. 8
Desta feita, iniciado o processo, fica aberta uma ampla
possibilidade do desenvolvimento do ensino bíblico, nos pilares da

7
GRAHAM, B. apud MOORE, Waylon B. Multiplicando Discípulos: o método
neotestamentário para crescimento da igreja. Tradução de Adiel Almeida de
Oliveira. Rio de Janeiro: Convicção, 2015, p. 21.
8
SOUSA, Ricardo Barbosa de. Conversas no Caminho. Curitiba: Encontro, 2008,
p. 42.
[13]
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fé, sobre a nova vida alcançada para Cristo. Quanto ao ponto de
partida para o aprofundamento do ensino, Richard Baxter ressalta
que “a conversão é a primeira etapa para se começar qualquer desejo
de ensinar seriamente a Palavra de Deus”.9 A pesquisadora Barbara
Helen Burns ao analisar a visão de William Carey acerca da
evangelização e discipulado, vai enfatizar o pensamento integrado de
Carey em relação a pregação do Evangelho e o discipulado que
incluía todos os aspectos da vida e sociedade.10
Esse ensino diário e integral, Jesus procurou transmitir aos seus
seguidores, após atenderem o seu chamado de deixarem tudo para
segui-lhe. Os Evangelhos ressaltam que o ensino era prático e
ministrado através dos episódios mais simples do dia a dia. Em
Lucas 8.1 consta: “Aconteceu, depois disto, que andava Jesus de
cidade em cidade e de aldeia em aldeia, pregando e anunciando o
evangelho do reino de Deus; e os doze iam com ele”.11 Em relação a
esta caminhada de ensino por meio da vida, com atitudes e ações,
Sousa argumenta que a transmissão de sua própria vida aos seus
seguidores era o objetivo de Jesus; esta era a metodologia usada por
ele para formar discípulos com a imagem de Deus restaurada neles.
O convite de Jesus ao discipulado sempre foi um convite para segui-
lo, para andar com Ele. O que seus discípulos faziam era
simplesmente viver a vida ao lado do Mestre. Iam com Ele por todos

9
BAXTER, Richard. Manual pastoral do discipulado. São Paulo: Cultura Cristã,
2008, p. 38.
10
SISTEMÁTICA EQUATORIAL, 2014, p. 46.
11
BÍBLIA SAGRADA, 2007, p. 1034. (Grifo nosso).
[14]
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os lugares, procuravam imitá-lo nos gestos simples e obedecê-lo em
suas orientações e ensino. Esta vivência radical é que levaria os
discípulos a um resgate da imagem de Deus, que é o alvo de todo
discípulo.12
Deste modo, pode-se afirmar que discipulado é companhia,
amizade verdadeira, relacionamento íntegro e crescente. Rick Warren
destaca o segredo do aprendizado e formação do discípulo em
conformidade com seu mestre, dizendo que “aprendemos a ser como
Jesus ao passarmos tempo com ele. Isso é discipulado: querer ser
como Jesus. Ele nos ensina a caminhar e a obedecer”.13
Entendendo que o processo do discipulado origina-se com a
conversão e que, desta feita, surge a abertura para a transmissão do
ensino escriturístico, pode-se conceituar o discipulado do seguinte
modo: “Fazer discípulos é conduzir pessoas à fé em Cristo, o
mandamento dado a sua igreja. Discipular é levar crentes a progredir
na fé, de tal forma que comecem a amadurecer e a empregar seus
dons no corpo de Cristo”.14
O discipulado está intrinsecamente relacionado a cruz. Ele
pressupõe a renúncia do ego, das inclinações da carne, de todo o
pecado, da condução da própria vida; na disposição de submeter-se a
Deus de forma incondicional, entregando todo o ser, numa extensão

12
SOUSA, Ricardo Barbosa de. O Caminho do Coração: Ensaios sobre a
Trindade e a Espiritualidade Cristã. 5. ed. Curitiba: Encontro, 2004, p. 106.
13
WARREN, Rick. Liderança com Propósitos: princípios eficazes para o líder no
século XXI. São Paulo: Vida, 2008, p. 207.
14
HULL, Bill. A Igreja que Faz Discípulos. São Paulo: Editora Batista Regular,
2003, p. 256-257.
[15]
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completa de confiança plena e segura. Nesta ligação com a cruz, com
o andar de Jesus Cristo, com propósito e em direção à vida, Dietrich
Bonhoeffer reitera a ligação do discípulo com o exemplo maior do
mestre, argumentando que “o chamado ao discipulado está, no
contexto do anúncio da Paixão de Jesus”.15
A Grande Comissão deixada por Jesus aos seus discípulos
antes de sua ascensão para estar com o Pai, relata o comissionamento
a todos os seus seguidores, da parte daquele que venceu a morte e
tornou-se detentor de toda autoridade nos céus e na terra. É uma
ordenança deixada por Jesus aos seus discípulos para que vivam em
função da sua realização, diariamente, até a consumação dos séculos.
Esta é a missão da Igreja cristã de todas as eras. Burns reitera que o
“comissionamento foi integral, completo”.16
A Igreja é responsável pelo cumprimento cabal da ordenança
de fazer novos discípulos de todas as nações. Deve desenvolver sua
missão em parceria com o próprio Cristo, através da ação do Espírito
Santo, que promete estar ao lado dos comissionados para o
cumprimento eficaz desta árdua e grande tarefa. Todavia, apesar de
sua complexidade ela é possível de ser realizada, pois o poderoso
Deus possibilita meios para que ela aconteça com sucesso. As

15
BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. 8. ed. São Leopoldo: Sinodal, 2004, p.
44.
16
SISTEMÁTICA EQUATORIAL, 2014, p. 49.
[16]
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palavras de Jesus mostram o comissionamento de toda a Igreja (Mt
28.18-20), ao dizer:
Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me
foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas
as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito
Santo; Ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho
ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à
consumação do século.17
Este texto, denominado de “Grande Comissão” no evangelho
de Mateus, mostra que o discipulado em sua completude está bem
claro na ordenança de “fazer discípulos” de todas as nações. O termo
grego “μαθηηεσζαηε” (mapheteusate) – “discipulai” – está no modo
imperativo, ou seja, denota uma ordem bem clara e explícita. No
presente contexto, o imperativo prevalece ante os outros verbos, tais
como: “πορεσθενηες” (poreuthentes) – “indo”, “βαπηιζονηες”
(baptzontes) – “batizando” e “διδαζκονηες” (didaskontes) –
“ensinando”. Os últimos verbos mencionados funcionam,
gramaticalmente, como particípios, mas com o predomínio da
ordenança, tornam-se particípios com sentido imperativo, ou seja,
uma ordem completa e contínua (os verbos estão no presente)
deixada por Cristo: em todo tempo, indo, fazei discípulos, batizando
e ensinando a permanecerem nas verdades que os alcançou. Quanto a
esta ordenança deixada por Cristo, Lima reitera que…
Imperativo é o que impõe um dever, uma ordem. É uma necessidade
que impõe à consciência e ao discernimento atitudes e iniciativa de
ações. É uma realidade que exerce uma influência tão forte que os

17
BÍBLIA SAGRADA, 2007, p. 995. (Grifo nosso).
[17]
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motivos que ela expressa não podem deixar de ser atendidos. Os
imperativos da evangelização consistem em realidades que
imprimem, em nossas consciências, motivos inapeláveis, tão fortes,
que somos impelidos a evangelizar.18
Analisando a seriedade deste comissionamento aos seguidores
de Jesus, Bill Hybels esclarece, quanto à clareza da mensagem, que
traz nos ouvintes entendimento completo da missão discipular que
tem a desenvolver, declarando que…
As metas devem ser mais do que grandes. Elas também devem ser
claras. Jesus, logo antes de ascender aos céus, disse, de acordo com a
minha tradução de Mt. 28:19-20 „Pois bem, equipe, eis a nossa meta:
ir por todo o mundo e pregar o evangelho. Conduzir à fé todo
homem, mulher e criança. Depois, fazê-los crescer, ensinando-os a
observar todos os mandamentos que deixei a vocês. Pronto, preparar,
vai‟.19
O foco do mestre era produzir seguidores, deixando para os
seus discípulos a mesma orientação na feitura de novos discípulos,
através do modelo deixado por ele. As vidas dos discípulos eram
provas vivas que a tarefa de Jesus fora cumprida, cabendo a eles,
agora, desenvolver, de forma prática, suas próprias vidas de
discípulos que eram, fazendo novos seguidores, ou seja,
reproduzindo suas vidas, modeladas e talhadas por Jesus, noutras
pessoas.
A partir desta perspectiva, pode-se concluir que discípulo é
discípulo quando faz novos discípulos. É uma missão que faz parte
da vida, esclarece a existência e traz sentido e propósito para a
caminhada. Thiego Breno Fernandes Riker corrobora com a questão
18
LIMA. 2010, p. 25.
19
HYBELS, Bill. Liderança corajosa. São Paulo: Vida, 2002, p. 90.
[18]
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missional da igreja, ao ressaltar que a mesma “é missionária em sua
essência, o que significa que ela não faz missão, mas que se encontra
em missão”.20
Como já dito anteriormente, essa é uma tarefa impossível de se
realizar pelos recursos humanos, mas possível e real graças à
presença e atuação daquele que é o detentor de todo poder e
autoridade, que promete agir em parceria com os seus seguidores,
dando o apoio, poder, ajuda, força e assistência que forem
necessárias para que a missão se cumpra com prontidão e
completude. Assim, vidas restauradas pelo poder de Deus podem
espelhar a semelhança de Cristo com naturalidade em seus
procedimentos e escolhas a todos a sua volta. Steve Rabey e Lois
Rabey, discorrendo a esse respeito, ressaltam que…
Jesus deixou uma tarefa aparentemente impossível de ser cumprida:
ide e fazei discípulos de todas as nações. Então concluiu
mandamento com comentário, que tem repetido a milhões de
discípulos nos últimos 20 séculos: estarei sempre convosco, até a
consumação dos tempos. A ordem para ir e a certeza da contínua
comunhão e assistência.21
É este o chamado de Jesus para seus seguidores: agregar novos
súditos ao Seu Reino, promovendo crescimento através de um
trabalho sério e responsável de multiplicação espiritual, resultante do
viver diário nos ensinamentos deixados por ele. Desta maneira, Deus
objetiva usar seus próprios seguidores para chamar outros para o

20
SISTEMÁTICA EQUATORIAL, 2014, p. 71-72.
21
RABEY, Steve e RABEY, Lois. Lado a Lado: Um Manual de Discipulado. São
Paulo: Sepal, 2004, p. 139.
[19]
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seguirem também. É isto que Rabey reforça sobre o privilégio que é
ser parte integrante e atuante na Grande Comissão, sendo discípulos
que fazem discípulos, declarando que “Deus usa pessoas comuns
como você e eu, para exortar outras a segui-lo. É um privilégio ser
parte de sua obra no mundo”.22

2 Ser discípulo
Aqueles que atendem o chamado de Deus a reconciliação e a
nova vida planejada pelo Senhor para trilharem terão suas vidas
mudadas pelo poder transformador do Evangelho de Jesus Cristo.
São os que passarão da condição de criaturas de Deus a feitura de
filhos amados. Numa designação direta e específica passarão a ser
chamados de discípulos de Cristo, ou seja, seus seguidores. Todo
esse processo tem início através da rendição ao Senhor, entendimento
da condição existencial de pecador e recebimento daquele que pode
salvar a vida. Hendricks refletindo a respeito do poder de
transformação que o Evangelho de Jesus pode operar vai dizer que
“um dos aspectos mais fascinantes do cristianismo é seu poder de
transformar vidas. Somente Cristo possui o poder de moldar nosso
caráter, tornando-nos justos”.23

22
RABEY, Steve e RABEY, Lois, 2004, p. 246.
23
HENDRICKS, Howard. Discipulado: O Caminho para firmar o Caráter
Cristão. 2. ed. Belo Horizonte: Betânia, 2005, p. 14.
[20]
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Esta caminhada de formação de seus discípulos realizada
primeiramente por Jesus Cristo e estendida aos seus primeiros
seguidores para darem continuidade a esta missão, faz parte integral
do plano de Deus para redenção, transformação e feitura a sua
semelhança para seus filhos resgatados do reino das trevas para o
Reino da luz. Foi algo que Jesus procurou fazer diariamente,
imprimindo seus ensinos e valores aos seus aprendizes, procurando
aperfeiçoá-los e capacitá-los para uma vida de serviço. Seus
discípulos eram participantes ativos em sua obra, envolvidos em
missões específicas para proclamação da chegada e implantação do
Reino de Deus. Segundo Stanley Grenz, “de acordo com Jesus, ser
seu discípulo significava participar do Reino do Rei celestial”.24
Neste sentido de caminhada intensa e objetiva lado a lado com
fins de feitura de novos seguidores do mestre, os discípulos de Jesus
precisam refletir primeiramente quanto ao seu próprio
relacionamento com Deus, sendo esta relação extensiva ao seu
próximo. A ideia proposta é de cuidado primeiro de sua vida em
direção à maturidade cristã, com fins de não perder o foco para o
qual o Senhor tem chamado seus seguidores.
Deus chama seus discípulos primeiramente a um
relacionamento sério e profundo em sua presença, tendo como fruto
dessa relação a produção natural de frutos. A vida que o servo do
24
GRENZ, Stanley J. A busca da Moral: fundamentos da ética cristã. São Paulo:
Vida, 2006, p. 126.
[21]
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Senhor leva com ele deve ser o conteúdo a ser anunciado ao mundo,
tendo como objetivo maior mostrar aqueles que se encontram
vivendo por sua própria conta e direção que a caminhada só vale a
pena ser trilhada ao lado dele. Deus é aquele que promove a
satisfação para um viver pleno, em abundância e com propósitos.
Campanhã sintetiza este seguimento necessário para o discípulo de
Cristo desenvolver-se conforme o planejado por Deus:
O discipulado exige, antes de tudo, relacionamento com Deus.
Quando me relaciono com ele, eu fico sabendo o que ele quer fazer
por meu intermédio. Primeiro, fico sabendo o que ele quer fazer na
minha vida (ajustes pessoais); depois, fico sabendo onde ele quer que
eu esteja em sua obra (ministério na igreja).25
A relação que o discípulo tem com Cristo será primordial para
que o desenvolvimento espiritual do servo aconteça com naturalidade
e segundo os padrões divinos. Para que uma vida de multiplicação
espiritual aconteça é necessário toda esta sintonia e comunhão com
aquele que detém todo o poder nos céus e na terra. Assim, sua vida,
presente na vida do discípulo, se estenderá as pessoas, promovendo
sua ação graciosa aqueles que se encontram distantes e perdidos nas
trevas.
Visualizar o princípio desta responsabilidade que o discípulo
de Cristo tem de se colocar a disposição do seu mestre para
aprofundar sua relação com ele, vivendo com ele e para ele, permite-
nos avaliar os questionamentos de Sousa aos discípulos de Jesus

25
CAMPANHÃ, Josué. Discipulado Transformando Igrejas. 2. ed. São Paulo:
Eclésia, 2006, p. 86.
[22]
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quanto sua relação diária com ele: “Como é que temos construído
nosso relacionamento com Deus? Com que bases estabeleceremos
nosso encontro com Ele? Estas questões estão no centro da nossa
reflexão sobre a espiritualidade cristã”.26
A chamada aos discípulos de Jesus deve se dá primeiramente
quanto à observância de princípios elementares de uma
espiritualidade que brote e promova a vida em todo o tempo. Isto
será possível através de uma relação profunda e constante que o
servo deve desenvolver com seu mestre a cada dia. Em conselhos
práticos, uma vida de oração constante e centrada em Deus, além de
uma caminhada na Palavra e transmissão dela vão facilitar todo o
desenvolvimento deste processo.
Os seguidores de Jesus Cristo são chamados desde os
primórdios para servir. O objetivo deve ser entregar-se em favor do
próximo, doar-se em amor. Isto só será possível através de uma
transformação primeira realizada pelo Espírito Santo na vida dos
discípulos. Assim, o amor de Deus presente e fluídico na vida do
servo estender-se-á as pessoas que o rodeiam.
O servo de Cristo deve ter entendimento que foi comprado por
bom preço e, portanto, deve se submeter ao seu Senhor que deseja o
melhor para ele, proporcionando uma caminhada com propósitos e
vitoriosa. Os apóstolos de Jesus compreenderam bem este princípio

26
SOUSA, 2004, p. 24.
[23]
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de obediência incondicional aquele que liquidou toda a dívida que
tinha contra eles. Ortiz ressalta através de identificações epistolares
dos apóstolos que
(...) nós fomos comprados por um preço. É por isso que encontramos
tantas vezes no Novo Testamento a frase: Paulo, servo de Jesus
Cristo. Tiago, servo de Deus e do Senhor Jesus Cristo. Simão Pedro,
servo e apóstolo de Jesus Cristo. Uma vez libertos do pecado, fostes
feitos servos da justiça (Rm. 6:18).27
A submissão e a prontidão para seguir as orientações do seu
mestre deve ser a marca do discípulo de Cristo. Citando Paulo e sua
condição de servo, Moore reforça esta mesma linha de pensamento
dizendo que “Paulo começou 4 cartas chamando-se de „servo de
Cristo‟ (Rm 1.1; Gl 1.10; Fp 1.1; Tt 1.1)”.28 Precisa ficar claro, que o
exemplo primeiro é o de Jesus Cristo, nosso modelo maior, pois
primeiramente tudo ele fez pela humanidade. Através do seu
exemplo seus seguidores são chamados a seguirem suas pegadas.
Sousa ressalta a importância da humildade serviçal de Jesus como
marca para os seus seguidores.
A humildade é a virtude que nos permite viver verdadeiramente.
Jesus, quando lavou os pés dos seus discípulos, causou um grande
espanto em todos eles, pois não esperavam que o Mestre, o Senhor,
aquele que tinham certeza de que logo seria coroado Rei de Israel, se
sujeitaria a um trabalho tão simples, próprio dos empregados da casa,
tomando uma bacia e toalha e lavando os pés sujos e calejados dos
seus amigos.29 [grifo nosso]

27
ORTIZ, Juan Carlos. O Discípulo. 6. ed. São Paulo: Betânia, 1980, p. 30.
28
MOORE, 2015, p. 62.
29
SOUSA, 2008, p. 72.
[24]
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A intenção de Jesus em lavar os pés dos seus discípulos mostra
em simbologia prática aquilo que deveria ser a vida deles após sua
partida. Jesus tenciona mostrar-lhes que são chamados para servir e
não para serem servidos. Jesus deixa a receita para praticarem quanto
à importância de uma vida de serviço prestado ao Reino de Deus.
“Não é assim entre vós; pelo contrário, quem quiser tornar-se grande
entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro
entre vós será vosso servo; Tal como o Filho do homem, que não
veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por
muitos” Mt 20.26-28.30
Desta maneira, torna-se mais fácil a compreensão da missão a
ser desenvolvida pelos seguidores de Jesus Cristo até a sua volta.
Uma tarefa voltada para entrega diária em amor ao próximo tão
necessitado do amor divino. Assim, aqueles que representam Cristo
aqui na terra devem dedicar-se por completo para o cumprimento da
missão. Campanhã apresenta de forma clara a missão dos discípulos
de Jesus. Ele explica que na Grande Comissão “Jesus fala em ir,
pregar, fazer discípulos, batizar e ensinar. Uma „comissão‟ é a ordem
que uma pessoa dá a outra para que efetue algum encargo. Assim, a
Grande Comissão é o encargo de Jesus para seus seguidores, de
serem seus representantes na terra”.31

30
BÍBLIA SAGRADA, 2007, p. 981.
31
CAMPANHÃ, 2006, p. 14.
[25]
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O princípio deixado por Jesus é para que primeiramente
sejamos seus discípulos para que com naturalidade cumpramos nossa
missão, sendo aquilo para o qual fomos chamados e criados por
Deus. Ortiz ordena bem esta sequência dizendo que “para podermos
fazer discípulos, precisamos ser discípulos. Discipular não é
simplesmente ensinar, não é uma experiência de sala de aula; é uma
experiência de vida”.32
Assim, fica melhor entendido que o chamado de Jesus não é
para fazer algo, mas para ser alguém, e tornando-se discípulo dele
fará parte da caminhada o desenvolvimento da missão recebida, ou
seja, a feitura de novos seguidores do mestre. O ser discípulo está na
prioridade do discipulado de Jesus Cristo. O discípulo é o seguidor
que aceita as ordens emanadas do seu mestre e cumpre-as de forma
integral.
Num esclarecimento mais profundo do que seja a pessoa do
discípulo que vive para transmitir a vida que leva com Deus ao
próximo, Ortiz vai ressaltar que “um discípulo é uma pessoa que
aprende a viver do mesmo modo que seu mestre. E depois, ele
próprio comunica a outros a vida que tem. O discipulado é uma
transmissão de vida”.33
Nisto, pode ser apresentado conceitos desenvolvidos
biblicamente por alguns autores na área quanto ao “ser discípulo”.

32
ORTIZ, 1980, p. 145.
33
ORTIZ, 1980, p. 116-117.
[26]
Revista Teológica FABAMA
Discípulo é alguém que permanece diariamente em uma união
frutífera com Cristo.34
Discípulo é o aluno que aprende as palavras, os atos e o estilo de
vida de seu mestre, com a finalidade de ensinar a outros. 35
O discípulo é um seguidor; é a pessoa disposta, disponível quando se
precisa dela; que tomou a sua cruz e está seguindo a Cristo.36
Discípulo é o crente que está crescendo em conformidade com
Cristo, ganhando almas pela evangelização e fazendo
aconselhamento pessoal para garantir sua permanência.37
A própria tradução do termo “discípulo” ajuda-nos a
compreender a condição de aprendizes de Jesus Cristo que devemos
ser. Moore analisa o vocábulo dizendo que “a palavra grega
traduzida como „discípulo‟, mathetés, é usada 269 vezes nos
Evangelhos e em Atos. Significa pessoa „ensinada‟ ou „treinada‟”.38
Uma pessoa com disposição de aprender e ser usada por Deus
compreenderá sua existência, função, missão e propósito. Este é o
discípulo: um aprendiz que está disposto a caminhar pela fé segundo
as orientações divinas para viver no centro da vontade de Deus
proporcionando crescimento ao Reino.
O texto clássico deixado por Jesus em desafio aos seus
seguidores quanto à importância de serem encontrados e confirmados
realmente como discípulos seu, encontra-se nos Evangelhos

34
MOORE, 2015, p. 22-23.
35
PHILLIPS, Keith. A Formação de um Discípulo. São Paulo: Vida, 2005, p. 15-
16.
36
ELMASIAN, Eduardo. O Desafio de Fazer Discípulos. Belo Horizonte: Betânia,
1993, p. 19.
37
KUHNE, Gary W. O Discipulado Dinâmico. 3. ed. Belo Horizonte: Betânia,
2001, p. 21.
38
MOORE, 2015, p. 21.
[27]
Revista Teológica FABAMA
Sinóticos em várias ocasiões. É uma chamada a renúncia dos
próprios desejos das inclinações carnais, a obediência irrestrita aos
ensinamentos do mestre e a seguir adiante conforme Jesus direcionar.
É um convite a caminhar literalmente pela fé.
Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a
si mesmo se negue, tome a sua cruz, e siga-me. Mt 16.24.39
Então, convocando a multidão e juntamente os seus discípulos,
disse-lhes: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome
a sua cruz e siga-me. Mc 8.34.40
Dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue,
dia a dia tome a sua cruz e siga-me. Lc 9.23.41
Quando Jesus proferiu este convite aos seus seguidores, com
estas palavras desafiantes, estava querendo mostrar aos seus
aprendizes o que significava realmente “ser discípulo” dele. A
construção vocabular surge primeiramente como um convite
amoroso a uma vida segundo os padrões divinos. É uma decisão
pessoal, necessária e que deve ser tomada com responsabilidade.
Bonhoeffer analisa a liberdade de escolha ao convite de Cristo para
vida dizendo que Jesus “ao comunicar esta verdade inalienável a seus
discípulos, começa por lhes dar plena liberdade, o que é digno de
nota. „Se alguém quiser vir após mim...‟, diz Jesus. Tudo depende da
decisão individual; os próprios discípulos têm que sentir-se em
liberdade”.42

39
BÍBLIA SAGRADA, 2007, p. 976.
40
BÍBLIA SAGRADA, 2007, p. 1007.
41
BÍBLIA SAGRADA, 2007, p. 1037.
42
BONHOEFFER, 2004, p. 45.
[28]
Revista Teológica FABAMA
Uma vez aceito o desafio de ir até Jesus, a autonegação deve
ocorrer numa ideia de morto para o mundo significar vivo para
Cristo, onde agora Cristo vive sua vida através da nova existência do
discípulo. Jesus objetiva desenvolver seu caráter na vida dos seus
discípulos, sendo eles o reflexo de sua glória, de sua luz para o
mundo que jaz nas trevas. Phillips exemplifica bem o que seria esta
negação na vida do cristão.
A morte para si mesmo é precursor essencial do tornar-se discípulo.
Qualquer pessoa que não tenha experimentado a morte do eu não
pode se qualificar como elo legítimo no processo de discipulado
porque é incapaz de reproduzir. Uma vez morto para si, você é
discípulo. E os discípulos foram criados para reproduzir (Jo. 15:5). A
ordem de reproduzir em outros o caráter que o Espírito de Deus criou
em você. Cristo espera que cada cristão produza fruto espiritual. 43
Após a autonegação, o próximo passo orientado por Jesus é a
colocação da cruz sobre os ombros. Isto seria obediência irrestrita as
ordenanças do mestre. O viver segundo os padrões de Deus e não
mais nos padrões do mundo. Bonhoeffer ressalta que “a cruz é
imposta a cada crente. É o chamado que nos chama para fora das
vinculações com o mundo. É a morte do velho ser humano no
encontro com Jesus Cristo. Quem entra no discipulado entrega-se à
morte por Jesus, expõe sua vida à morte”.44 A sua última orientação é
que seu discípulo uma vez morto para o mundo, obediente aos seus
ensinamentos, siga-o por onde ele o direcionar. É um seguimento

43
PHILLIPS, 2005, p. 21,85.
44
BONHOEFFER, 2004, p. 46.
[29]
Revista Teológica FABAMA
sério e responsável, com os olhos fixos no “Autor e consumador da
fé”.
Uma vez identificados com Cristo e sua natureza, entendendo
seu chamado e vivendo para ele, o discípulo vai ver desenvolvida
diariamente em sua vida as marcas do caráter dele. Neste sentido, o
discípulo em seu amadurecimento espiritual será transformado
diariamente mais e mais a semelhança de Jesus, criando um
distanciamento com os padrões do mundo. Nesta diferenciação os
discípulos de Cristo são orientados pelo próprio mestre a
permanecerem no mundo com a função de serem sal da terra e luz do
mundo, numa intensão clara e explícita de serem canais de
transformação para a humanidade. Bonhoeffer explica bem esta
separação da vida do cristão com o modelo do mundo nas bem-
aventuranças:
Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. A cada
nova bem-aventurança aprofunda-se o abismo entre os
discípulos e o povo. A separação dos discípulos torna-se cada vez
mais evidente. Os que choram são justamente aqueles que estão
dispostos a viver na renúncia daquilo que o mundo considera
felicidade e paz; são os que não sintonizam com o mundo, os que
não podem equiparar-se ao mundo.45
Assim, observa-se que a vida do discípulo de Jesus Cristo é em
direção a semelhança do criador. Uma vez contagiado por Jesus, o
discípulo vivenciando a comunhão diária com Deus, pode ser a cada
dia aquilo para o qual foi planejado antes mesmo de sua formação.

45
BONHOEFFER, 2004, p. 60. (Grifo nosso).
[30]
Revista Teológica FABAMA
Sousa explica bem todo esse processo de feitura do discípulo a
imagem e semelhança do seu mestre.
O caminho da conversão continua sendo o da nossa transformação
em Cristo, da reconciliação com Deus, da renúncia ao pecado, da
sujeição ao senhorio de Cristo, da obediência à sua palavra e da
santidade do caráter. É a transformação da nossa natureza caída na
imagem de Deus, é ser cada dia mais parecido com Jesus. 46
Hull resume o capítulo quanto ao ser discípulo criado para
viver os propósitos divinos.
No discurso de Jesus, Ele definiu o tipo de pessoas que devemos
ser: pessoas que permanecem nEle (Jo. 15:7-17). A tarefa que
Ele nos designou é a de fazer discípulos (Mt. 28:18-20). As
Escrituras apagam nossas dúvidas sobre o que significa viver um
estilo de vida obediente: ser discípulos e fazer discípulos.47

3 Vida Cristã centrada no “Ide” X Vida Cristã


centrada no “Indo”
A conceituação do que é discipulado cristão juntamente com o
significado autentico do que realmente seja um discípulo de Jesus
Cristo vão proporcionar um conjunto de princípios a serem vividos
pelos seguidores de Cristo enquanto estiverem “indo” dia a dia
mundo afora, no intuito de se fazerem presentes nas comunidades
onde estiverem inseridos, para realmente “serem” a diferença com
uma vida cristã que cause impacto na sociedade.
Nesta perspectiva, pode ser colocado que discipulado é
seguimento a Jesus Cristo. A doutora Ivone Richter Reimer apresenta

46
SOUSA, 2008, p. 43.
47
HULL, 2003, p. 39. (Grifo nosso).
[31]
Revista Teológica FABAMA
o discipulado numa ideia de seguimento e movimento, destacando
que “a escuta e a observação são elementos fundamentais no
discipulado, nesse caminho que é partilha de vida e de destino com
Jesus”.48
Pensar o comissionamento da Igreja Cristã como algo integral e
com função imperativa para todos os envolvidos no “corpo de
Cristo” facilita a compreensão da dinamicidade que é a propagação
do Evangelho ao mundo a partir da “Jerusalém” de cada seguidor de
Jesus, esclarecendo que o envolvimento deve ser completo e
desenvolvido com responsabilidade.
Quando de maneira prática se fala no engajamento na obra do
Senhor para cumprir o “ide” de Jesus, a manifestação da ação
propagadora parece ficar destinada apenas aos que vão aos campos
missionários ou locais específicos de evangelização e resumidas a
momentos determinados do trabalho em questão. Nada contra as
atividades evangelísticas promovidas pelas igrejas cristãs através dos
seus ministérios de missões, até deve-se ser incentivado a
continuidade dos planejamentos estratégicos de ações missionárias
específicas, no entanto, entender a ação evangelística do seguidor de
Jesus Cristo apenas nestes momentos e contextos, leva-se a derrocada
toda a conceituação apresentada nos dois capítulos iniciais deste

48
RAIMER, Ivone Richter. Por amor à vida: crenças, resistências e conquistas na
Bíblia e na atualidade. Goiânia: PUC Goiás, 2015.
[32]
Revista Teológica FABAMA
trabalho, que foi exposta com embasamento bíblico extraído da
Grande Comissão.
Vale relembrar que prevalece o termo imperativo “Discipulai”
sobre os demais verbos particípios presentes no contexto da Grande
Comissão de Mateus 28, sendo os mesmos particípios identificados
com sentido de imperatividade, ou seja, “indo”, “batizando” e
“ensinando” também são classificados como ordem deixada por
Jesus aos seus seguidores. Observar a mobilidade destes verbos
presentes no comissionamento da Igreja, permite-nos ver a
dinamicidade que é o viver cristão sob os princípios da Comissão de
Cristo, onde o mesmo promete “ir com” e “estar em” os
comissionados para cumprimento da missão.
Logo, viver enquanto estiver “indo” os princípios cristãos deve
ser a prioridade e propósito de vida e existência de todo discípulo de
Jesus. Estes princípios podem ser descritos de acordo com aquilo que
Cristo (em nós) produz enquanto estamos seguindo caminho adiante.
O Fruto do Espírito detalhado pelo apóstolo Paulo no texto de
Gálatas 5.22-23, descreve bem aquilo que é produzido no cristão pelo
Espírito de Cristo que habita nos corações redimidos por ele. “Mas o
fruto do Espírito é: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade,
bondade, fidelidade, mansidão, domínio próprio. Contra estas coisas
não há lei”.49

49
BÍBLIA SAGRADA, 2007, p. 1184.
[33]
Revista Teológica FABAMA
Nisto, entende-se que o discípulo de Jesus é chamado para
“ser” e para “viver” em todo tempo o Evangelho que o alcançou. Não
há possibilidade de fazer-se parte apenas em ocasiões específicas ou
esporádicas (ide), mas a vida de Cristo está em todo tempo encarnada
na do seu discípulo, onde o mesmo em qualquer lugar em que estiver
vive a mensagem que o alcançou, transmitindo-a com a sua própria
vida a todos que estão a sua volta.
Assim, entende-se que realmente a diferença existente entre o
“ide” e o “indo” de Jesus é grandiosa, pois enquanto que no “ide” o
envolvimento é esporádico, no “indo” o discípulo encontra-se
envolvido de corpo, alma e espírito e em toda e qualquer ocasião. O
apóstolo Paulo sintetiza esta condição dinâmica de continuidade ao
dizer: “Se vivemos no Espírito, andemos também no Espírito”
Gálatas 5.25.50 Analisando exegeticamente os verbos desta
passagem, visualiza-se que o termo “”(vivemos) está no
indicativo presente ativo, demonstrando que a ocasião será sempre
presente e com a ação ativa do agente. Rienecker vai dizer que “o
indicativo é usado em uma oração condicional que assume a verdade
da condição”.51 Já o verbo “” (andemos) mesmo estando
no presente ativo é um subjuntivo. Em relação a este termo
Rienecker contempla que significa “caminhar em linha reta,

50
BÍBLIA SAGRADA, 2007, p. 1184.
51
RIENECKER, Fritz e ROGERS, Cleon. Chave Lingüística do Novo Testamento
Grego. São Paulo: Vida Nova, 2006, p. 383.
[34]
Revista Teológica FABAMA
comportar-se adequadamente. Aqui significa caminhar (em linha
reta), conduzir-se (propriamente). O tempo presente aponta para ação
habitual e contínua”.52
Desta feita, chega-se ao entendimento que o caminhar com
Cristo requer vida nele, com ele e para ele em todo tempo, em
qualquer lugar e em qualquer circunstância. Vivendo com ele e
andando para ele (em direção de), demonstrando ao mundo uma
mensagem viva (encarnada) do amor de Deus para toda a
humanidade. Grenz conclui dizendo que “a vida cristã é andar no
Espírito (Gl 5.16)”.53

CONCLUSÃO
O conteúdo presente na Grande Comissão deixada por Jesus
Cristo aos seus seguidores como missão imperativa a ser cumprida
pela sua Igreja ao longo da história demonstra em sua análise
gramatical dos verbos que a ordenança é completa e para todo aquele
que já teve um encontro pessoal com Jesus Cristo.
Para o cristão não existe outra possibilidade de vida, a não ser a
centrada em Deus e em seus propósitos existenciais para o ser
humano. Como seguidores do Mestre devem, enquanto estiverem
“indo”, conforme apresentado na análise do comissionamento da

52
RIENECKER e ROGERS, 2006, p. 383.
53
GRENZ, 2006, p. 272.
[35]
Revista Teológica FABAMA
igreja nesta pesquisa, testemunhar do Evangelho salvífico de Cristo
que encontra-se encarnado em suas vidas e condições existenciais.
A diferença entre cumprir o “ide” em determinadas ocasiões e
viver o “indo” em toda e qualquer circunstância do dia a dia é
tremenda e de grande importância e valor para o cumprimento e
realização dos propósitos divinos que são “bons, agradáveis e
perfeitos”, conforme ressalta o apóstolo Paulo no início do capítulo
doze da Carta aos Romanos.
Acredita-se que a intenção deste trabalho é levar a Igreja Cristã
contemporânea a repensar o seu envolvimento no comissionamento
que recebeu de Cristo, posicionando-se com disposição e entrega a
vivencia integral do Evangelho salvador de Jesus Cristo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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