Deus Tem Compaixao

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Frei Alberto Maggi - OSM

Deus
tem compaixão

“O pai o viu e teve compaixão...” Lc 15,11-31

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DEUS TEM
COMPAIXÃO
Comentário a parábola do “Filho Pródigo”
Lucas 15,11-31

pe. Alberto MAGGI


Estudioso da Bíblia e
Diretor do Centro di Studi Biblici
Em MONTEFANO – Itália

A Parábola do Filho Pródigo, melhor chamada de parábola do “Pai que


tem Compaixão”, é o concentrado de todo o Evangelho de Lucas.

O evangelista quer responder à pergunta que ainda hoje nos aflige: o que
deve fazer a pessoa pecadora para obter o perdão de Deus?

O evangelista quer nos dizer que:


O perdão de Deus não é obtido pelos méritos da pessoa, mas é para ser
acolhido como dom gratuito do amor de Deus.

Tradução autorizada de uma palestra, po-


rém se revisão do autor.

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DEUS TEM
COMPAIXÃO
Comentário a Lucas 15,11-31
pe. Alberto MAGGI

Esta parábola conhecida como “o filho pródigo” é melhor definida como


“O Pai que tem compaixão”,
O evangelista quer responder à pergunta que ainda hoje nos aflige:
o que deve fazer a pessoa pecadora para obter o perdão de Deus?

Sabemos que toda religião propõe seus ritos penitenciais, seus ritos puri-
ficadores com os quais a pessoa deve expiar sua culpa e restabelecer a comu-
nhão com seu Deus.
O que o evangelista nos dirá, e que antecipamos, é que o perdão de Deus
não é obtido pelos méritos da pessoa, mas é acolhido como dom gratuito do
amor de Deus.
Então a pessoa não é perdoada pelas ações que faz em vista de conseguir
o perdão, mas o perdão é concedido como dom gratuito e antecipado por
parte de Deus.
O contexto no qual se desenvolve a parábola é a da raiva contra Jesus por
parte de escribas e fariseus, por causa de atitude com os pecadores.

Quem era considerado pecador na época de Jesus?

Por pecadores entendiam-se, naquela época, todos os que não queriam


ou não podiam observar tudo o que e Lei mandava.
Então os escribas e os fariseus acusam Jesus de não ser um mestre espiri-
tual sério, pois no seu comportamento com os pecadores ele age contrário a
toda uma tradição bíblica e religiosa do povo de Israel.
No livro dos salmos, encontramos um onde o piedoso salmista – e as
pessoas piedosas são sempre perigosas — diz: Ah, se o Senhor suprimisse
da face da terra todos os pecadores!”, A ideia de Deus, do Pai Eterno, era
daquele que elimina o mal.

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“Se eu fosse Deus!...”

Às vezes se escuta alguém dizendo: “Se eu fosse Deus!”...


Se eu fosse Deus o que faria? Em primeiro lugar eliminaria todos os malvados, os
safados, os pecadores, eliminaria também os terroristas, os corruptos, os pedófilos,
os estupradores, as pessoas que não pensam como eu penso... Quem mais? O presi-
dente ... e boa parte dos políticos... mais ninguém, acho, poderia ficar no mundo!
Esta é a imagem que temos do Pai Eterno: um Deus terrível, que elimina todos os
que não pensam como ele pensa.
Nisto se acreditava no Antigo Testamento e a tradição ensinava que os pecadores
seriam eliminados fisicamente na vinda do Messias.
Quando Jesus, que é considerado o Messias, encontra os pecadores, não os ame-
aça, não os elimina, mas faz grande festa com eles.
Quando Jesus encontra um pecador não lhe diz: “arrepende-te, faça penitência”,
mas diz: “me acolha e façamos festa”, e a festa é realizada comendo junto.
Quando Jesus convida um pecador a segui-lo, não o manda fazer antes um retiro
espiritual para se purificar, mas lhe diz: “perceba quanto é grande o amor que tenho
por você!”
Isto provoca a reação dos escribas, os que ensinam a Lei, e dos fariseus, os que a
praticam em todos os detalhes.
Eles se revoltam contra Jesus, que come com os pecadores.

E bom lembrar que todos comiam dum mesmo prato


Comer junto significa comunicação de vida, então Jesus se faz ‘pecador’ ele tam-
bém diante de todos.
Por isso Jesus dirige algumas parábolas a umas categorias de pessoas: os perfeitos
observantes, os zelosos ortodoxos, as pessoas super devotas.
Essas parábolas não são, então, para a comunidade dos discípulos, mas são pará-
bolas dirigidas para um determinado tipo de pessoas, aquelas que acreditam que o
amor de Deus deve ser merecido.

O amor de Deus não deve ser merecido, mas somente acolhido.

As três parábolas da misericórdia


Para estas pessoas Jesus dirige três parábolas:
A da ovelha perdida (Lc 15,3-7),
A da moeda perdida (Lc 15,8-10),
A que é conhecida como a do “Filho pródigo” (15,11-32) que explica o
porquê deste amor por parte de Deus.

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A parábola que concentra todo o evangelho de Lucas

Vamos ver então, esta parábola que é o concentrado teológico de todo o


evangelho de Lucas e aquela que, se bem compreendida, poderá mudar nossa
relação com Deus e consequentemente mudar nossa atitude com os outros.
Por isso é importantíssima.
“ Jesus disse ainda: ‘um homem tinha dois filhos. O mais novo disse ao
pai: ‘Pai, dá-me a parte dos bens que me pertence’. E o pai dividiu entre eles
o patrimônio”1.
É importante esta indicação para entender tudo o que segue.
O mais novo dos dois filhos não espera a morte do pai – para ele é como
se o pai já tivesse morrido – e exige a parte da herança.
O pai aceita e não só entrega a parte da herança para o filho que pediu,
mas reparte todo seu patrimônio entre os dois, quer dizer que o outro filho
que nada tinha pedido, a partir deste momento, encontra-se de posse de todo
o restante do patrimônio familiar.

Segundo a lei da época, o pai gozava do usufruto especial de tudo, en-


quanto vivesse, porém ele divide o patrimônio e o restante fica tudo para o
filho mais velho; para entender a parábola isto é importante. O primogê-
nito, naquela época, era o filho mais importante e por isso recebia o dobro
dos demais filhos.

“Depois de não muitos dias, recolhido tudo, o filho mais novo partiu para
um país longínquo”.

“País longínquo” é uma expressão bíblica que indica um país pagão.

O que levou de casa, dispersou

Quer dizer que não se afasta somente do pai, mas também de Deus.
“Onde dispersou” – gastou a toa –”todo o seu patrimônio”.
É bom notar a forte contradição: em casa recolheu tudo... logo que se
afasta, desperdiça tudo.
É este o pecado do filho; todo aquele patrimônio, todo o fruto do trabalho,
dos sacrifícios do pai, num piscar de olhos ele joga fora.
Agora que não tem mais dinheiro, se encontra sem nada e também sendo
um nada.

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Este filho desperdiçando o dinheiro perdeu também sua identidade.
O que dava valor à pessoa naquele ambiente – também no nosso – é a
quantidade de dinheiro que a pessoa tem. Até que ela tem dinheiro é al-
guém, não tendo mais, não é mais nada.

Fica sem dinheiro e sem sua dignidade.


Por isto o evangelista escreve: “Então foi se colocar ao serviço” – ele
que não queria viver como filho junto ao pai dele, se encontra na necessidade
de se pôr ao serviço de outros – “de um dos moradores daquela região que
o mandou nos campos cuidar dos porcos”.

Estamos em terra paga, pois em Israel era proibida a criação de porcos.

O jovem, na necessidade, vai fazer um trabalho bem humilhante e, para


um judeu, o mais degradante porque o tornava impuro, pois sendo o porco
um animal impuro, segundo a Bíblia, também ele se torna impuro, isto é, até
a relação com Deus estava eliminada.
Este jovem deixou a casa dele para acabar no serviço de um estranho.
“Desejava saciar-se das vagens que os porcos comiam, mas ninguém as
dava a ele”.
A condição deste rapaz é a de um animal: como um porco, um animal
imundo, deseja matar a fome.

O ‘arrependido’ filho que volta!

Nas explicações sobre esta parábola, costumamos ouvir que quando o fi-
lho mais novo está na pior, cai em si, se arrepende e decide voltar...
Mas não é nada disso!
Este rapaz, do começo até o fim, raciocina só em termos econômicos, só
em seus interesses.
Acaba o dinheiro e agora que passa fome “refletindo, disse para si
mesmo: “quantos assalariados de meu pai têm pão em abundância enquanto
eu nesta carestia estou morrendo”.

Temos pela primeira vez a palavra “morrer”, que aparecerá três vezes,
significando completeza.

Este jovem não está movido de remorso ou arrependimento pela dor cau-
sada ao pai ou à família, mas pelas... mordidas da fome, e faz um plano bem
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calculado: “levantarei e voltarei ao meu pai e lhe direi: ‘pai pequei contra
o céu e contra você”, pois não desonrou somente o pai com sua escolha, mas
se afastou também de Deus,

“contra o céu” é uma expressão hebraica que significa “contra Deus”.

e vive numa condição de total impureza, “não sou mais digno de ser cha-
mado teu filho. Trata-me como um dos teus empregados’. E levantando-se
foi para seu pai”.
O jovem está raciocinando exclusivamente para o seu próprio interesse.
Não lhe faz falta o pai, lhe falta o pão, e pensa: ‘segundo a lei não posso
mais ser tratado como um filho, pois perdi todo direito, mas pelo menos meu
pai me acolherá como seu empregado, como assalariado’.
Então decide voltar. Lembremos esta fórmula que ele tinha preparado:
‘pai pequei contra o céu e contra você, não sou mais digno...
Pois veremos que no momento do encontro com o pai não conseguirá di-
zer todo este seu ato de... contrição.
Para ilustrar o propósito do jovem de voltar para casa paterna, Lucas usa
o mesmo verbo “voltar” que deste jeito se encontra na Bíblia uma só vez,
neste caso o episódio que está no livro do profeta Oseias a respeito da esposa
dele, adúltera: e isto dá o tom de tudo o que segue.

Quando um verbo é repetido uma só vez quer fazer lembrar, o episódio


inteiro onde foi usado

A história de Oseias

Oseias é o profeta que, pela trágica situação matrimonial dele, por pri-
meiro na história da Bíblia descobriu que a relação de Deus com seu povo
está fundada sobre o amor. Ele descobre que Deus não perdoa as pessoas
por elas se terem arrependido, mas doa seu amor que se faz perdão e isto
pode, eventualmente, mover as pessoas à conversão.
Resumindo a história de Oseias. A mulher dele era bastante vivaz e de
vez em quando, diz o próprio Oseias, “como as fêmeas do burro ou dos ca-
melos em calor, quando percebem o cheiro do macho, fogem...”.
Oseias cada vez que ela foge a procura, a retoma e a leva para casa. Depois
de muitas e muitas vezes que foge dele, ele perde a paciência.
Vai a sua procura e faz um processo público, elencando todas as coisas
erradas dela, chega a sentenciar e diz: “por isto eu te digo...”

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A sentença para as mulheres adúlteras era a morte

Mas o amor é mais forte do que a condenação – “... eu te digo: façamos


mais uma viagem de núpcias, vamos para o deserto você e eu sozinhos e
lá...” – Oseias entende qual é o problema – “não me chamarás mais de teu
patrão, mas teu marido”.

Em hebraico a palavra para dizer marido é parecida com a para dizer patrão.

Esta mulher fugia porque não tinha uma relação com um marido, mas
com um patrão, e então saia a procura de afeto.
Oseias, a partir desta experiência, por primeiro, compreende que não é
verdade o que a doutrina religiosa tradicional ensinava, que o arrependi-
mento era a condição para obter o perdão dos pecados, pelo contrário, antes
há o perdão dos pecados e depois, percebendo o amor de quem nos perdoou,
pode acontecer o arrependimento e a conversão.
Segundo a religião, quando alguém cometeu pecados, deve antes se arre-
pender e depois receberá o perdão.

O que devemos entender por RELIGIÃO? A religião é aquele conjunto


de atitudes, desejos, aspirações no homem, dirigidos para a divindade para
obter a benevolência dela. A pessoa religiosa é a que se dedica à observância
dos ensinamentos de sua religião para alcançar a comunhão com a divindade.
No NT não se encontra a palavra religião. Para encontrar algo dela precisa
procurar a palavra démone (que não é demônio), palavra traduzida com ‘re-
ligião’ (deisidaimon…a gr. deisidaimonia) é composta por ‘temer’ (de…dw gr.
déidõ) e de ‘démone (da…mwn gr. daimon) [em português não existe tradução]
e significa o temor dos deuses/démones, medo dos poderes celestiais, dos
espíritos malignos, superstição, ... religião. Nos Evangelhos não se fala de
religião. Só uma vez aparece a palavra ‘religião’ no NT, e é falando da reli-
gião hebraica (“ Eles tinham contra ele – Paulo – umas questões a respeito
de sua religião’. At 25.19)

Oseias, acolhe e perdoa a esposa antes que ela lhe peça, entende que antes
acontece o perdão e depois, na pessoa que se sente amada, pode nascer o
arrependimento.
“Ele estava ainda longe” e aqui inicia a série de ações por parte do pai
que são importantes de serem entendidas, pois neste pai, Jesus reflete as

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ações de Deus para com as pessoas e para com os pecadores.
“Ainda estava longe quando o pai o viu”. O pai ficou sempre à espreita,
na espera do filho. O pai o vê ainda longe. Se o filho tinha renunciado ao pai,
o pai nunca renunciou ao filho.

‘Compaixão’ é próprio de Deus – ‘Misericórdia’ é próprio das pessoas

“O pai o viu e teve compaixão”. O verbo “ter compaixão”, é o verbo que


indica uma ação divina que devolve a vida aonde não há vida.
Na Bíblia indica a atitude atribuída somente a Deus e a quem age como
ele. Para as pessoas usa-se o verbo “ter, usar misericórdia”.

Em Lucas, o verbo “ter compaixão” é usado três vezes e sempre em oca-


siões em que há uma devolução de vida:
Quando Jesus vê a viúva de Naim e lhe ressuscita o filho, se lê: “a viu e
teve compaixão” (Lc 7,13). Então o ver, por parte de Jesus que é Deus, é
sempre acompanhado de uma ação de restituição de vida.
Também a encontramos na parábola do Samaritano: ‘‘o viu” – o ferido –
“e teve compaixão” (Lc 10,33).
E aqui, usada pelo pai, então da parte de Deus, para com o pecador.
Quando vê o filho voltar – que traduzido é como dizer o homem pecador
– não sente ira, não se põe no trono para esperar que faça penitência e, de
joelhos, suplique para ser perdoado, mas: “o viu e teve compaixão” (Lc
15,20).

É muito bonita ver, daqui para frente, a série de ações por parte de Deus
(o pai) que devolvem a vida onde não há mais a vida.
A primeira ação desta série é impensável no mundo oriental: “correndo”.

No mundo oriental, onde os ritmos do tempo não são os nossos, vive-se


muito mais harmonicamente e a pressa é considerada um gesto de grande
desonra, de falta de educação e uma pessoa séria, uma pessoa casada, um
pai de família não corre nunca.

Quando uma pessoa corre perde sua reputação pessoal. Aqui o pai corre.
Para o pai, devolver a vida e a dignidade ao filho desonrado é mais impor-
tante do que sua honra pessoal.
Para honrar o filho o pai se desonra! O filho, com seu comportamento
tinha desonrado o pai.
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O pai, com seu jeito de agir, lhe devolve a honra.

O pai corre ao encontro”. E aqui tem um átimo de suspense para quem
não conhece a parábola “jogou-se ao pescoço dele” – e.… no mínimo, po-
der-se-ia pensar... o estrangulou...
Não! Mas... o beijou!

Aqui o evangelista retoma literalmente uma expressão que se encontra


no primeiro grande perdão que aparece na Bíblia que está em Gênesis e que
também diz respeito a um problema de herança entre Esaú e Jacó.
Jacó, safado, aproveitando do fato que o pai Isaac idoso ser cego, sendo
ele o segundo filho e sabendo que a herança passaria toda ao primogênito
Esaú, engana o pai. Fala para o pai que ele é Esaú e recebe a bênção que
significava o direito à herança.
Imaginem quando Esaú chega e encontra-se deserdado porque o traiço-
eiro Jacó lhe passou a perna e lhe tirou toda a herança. Jacó recebeu ofici-
almente, juridicamente e a partir da bênção nada podia ser revertido, então
some, pois pensa: ‘Quando Esaú me encontra, no mínimo me mata’. Em Gênesis
está escrito que Jacó viu de longe Esaú com mais de 400 homens e pensa:
acabou-se. Pois bem, continua Gênesis: “Esaú foi ao seu encontro, se jogou ao
pescoço dele e o beijou”. (Gn 27,27)
Este é o primeiro grande perdão da Bíblia.

O beijo, na linguagem bíblica significa um perdão que já foi concedido.


Voltando, o filho não encontra um juiz que o condena, mas um pai que,
com amor, – lembremos “teve compaixão” – o regenera.
O pai não recrimina o filho, mas o beija, sinal que o perdão já foi conce-
dido.

É simplesmente impossível ‘ofender’ Deus

O pai é unia contínua comunicação de amor, por isto Jesus nunca convidados pe-
cadores para que peçam perdão a Deus – nem uma só vez encontramos isto, nos
evangelhos – mas sempre convida as pessoas a se perdoarem entre si para tornar
operativo nelas o perdão de Deus.
Aqui o pai não pergunta ao filho: ‘o que você fez? Como você se comportou? Você
está arrependido’ mas, com o beijo lhe diz que está perdoado totalmente, sem ne-
nhuma cobrança sobre o que ele fez e nem quer saber o motivo de sua volta.
Ao pai interessa o filho, não seu passado de erros e nem quer a lista detalhada de
suas culpas: ‘quantas vezes? Sozinho ou com outro? Gostou ou não gostou’

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O pai, correndo ao encontro do filho já perdeu sua reputação na frente das pessoas.
Agora o pai faz algo mais.
Este rapaz é um guardião de porcos, um imundo.
O pai – vejam o que o evangelista diz – “jogou-se ao pescoço dele”. Tocando o
filho impuro a impureza do filho passa também para o pai.
Do mesmo jeito que antes perde a honra para devolver a honra ao filho, agora
aceita de se tornar impuro para tornar puro seu próprio filho.
“Mas lhe disse o filho...” – o filho tinha preparado o ‘ato de contrição’ e escrupu-
loso começa... – “pai, pequei contra o céu e contra ti, não sou digno de ser chamado
de teu filho” e o pai não lhe permite terminar.
“Mas o pai disse aos seus servos”, – o ato de contrição continuava... “me trate
como um dos teus empregados” – o pai corta.
É a segunda vez que este filho fala para seu pai.
A primeira foi para reivindicar sua parte de herança; agora que sumiu a herança,
lhe lembra de não ser digno de ser chamado seu filho – o filho na mentalidade reli-
giosa.
Ele raciocina ainda com as categorias do merecimento, de ser digno ou não – ra-
ciocina em termos econômicos porque ser filho ou não do pai significa para ele, ter
ou não ter herança.

0 filho pensa que o perdão deve ser merecido

Esta é a ideia errada da religião... que o perdão deva ser merecido: “não
sou mais digno de ser chamado de teu filho, mas me trate como um dos teus
operários”.
Aqui temos um crescer de ações estupendas do Senhor: “mas disse o pai
para seus servos: “rápido, tragam a veste, a melhor, e vistam nele”.
Vimos como o perdão já foi concedido.
Agora há, como primeiro presente simbólico para este filho desnaturado, a veste que
não é somente para vestir o guardião de porcos com roupas limpas e dignas.
As vestimentas era uma honra que indicava a total recuperação da dignidade que
tinha antes.

Veste, anel, sandálias... ioda dignidade e autoridade lhe é devolvida

E aqui também Lucas faz alusão ao livro de Gênesis: José e o faraó. José
tinha sido preso por ter-se subtraído às vontades da esposa de Putifar. Foi
caluniado, ficou na cadeia, até o dia em que alcança as graças do faraó após
lhe interpretar um sonho...

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Quando o faraó o coloca como chefe de toda a nação egípcia, está es-
crito: “tirou do dedo o anel” – iremos ver também isto – “o colocou na mão de
José, o revestiu de roupas de linho finíssimo”.

Não se trata de trocar umas roupas sujas por roupas decentes, mas é uma
honra que indica grande autoridade e dignidade.
Este rapaz perdeu tudo, perdeu sua honra, sua reputação, perdeu sua rela-
ção com Deus.
O primeiro gesto do pai é devolver-lhe a dignidade total que tinha antes e
isto sem pedir nenhuma garantia.
O pai não ameaça, não recrimina, mas lhe dá um prêmio.
Lhe devolve a mesma dignidade que tinha perdido.
“E tendo-lhe dado o anel em sua mão” – o anel não é simplesmente um
enfeite, mas é a entrega do carimbo, do lacre da família.
Possuir o anel significava estar no comando de toda a administração.

Aqui também o evangelista lembra expressões do Antigo Testamento.


No livro de Ester se lê: “O rei pegou o anel que tinha mandado tirar de Hamã
e o deu a Mordaqueu. E Ester nomeou Mordaqueu como administrador de
todos os bens que tinham sido de Hamã’’ (Est 8,2).

O pai está fazendo uma loucura. Entrega o anel... hoje poderíamos dizer...
entregou o cartão de crédito, o talão de cheques assinado.
Pois bem, este filho incapaz, que em pouco tempo jogou fora todo seu
patrimônio, é colocado pelo pai, como chefe de tudo.
É loucura mesmo.
Um pai que faz isto não bate bem da cabeça – lembremos que se trata de
uma parábola e quem lê não conhece o desfecho.
E quem pode garantir que naquela mesma noite, enquanto todo mundo
dorme, meio embriagados da festa, o filho, com roupa bonita, com sua dig-
nidade e com o anel-selo da administração da casa, fuja e na manhã seguinte
deixando o pai... sem nada, pois este filho lhe tirou tudo?
Não há nenhuma garantia que este filho esteja arrependido... ele voltou
para casa por interesse: ‘aqui estou passando fome, lá pelo menos tenho co-
mida’. Na verdade, não é o pai que lhe faz falta, é o pão.
Diante de tudo isto, diante de todo este amor, qual garantia?
Nenhuma! É o arriscar do amor.
Jesus quer fazer entender que o amor de Deus é concedido antecipada-
mente e gratuitamente, sem nenhuma garantia.

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Tem mais. “As sandálias nos pés”. Tirar as sandálias dos pés era um dos
gestos que acompanhavam as manifestações de dor, de luto.
Recolocá-las significava o fim do tempo da tristeza.

Acabou a tristeza, agora é festa!

Para o pai, a falta do filho foi vivida como um luto, agora tudo terminou
e precisa devolver a alegria a esta casa.
“E tragam o bezerro, o engordado, matem-no, comamos e façamos
festa”.
O assunto do bezerro gordo é importante, pois aparecerá três vezes nesta
narração e o fato de comerem todos juntos quer dizer que este filho não será
um empregado na casa paterna, mas está plenamente integrado na vida fami-
liar.
E esta é a motivação: “porque este meu filho estava morto e voltou a
viver, estava perdido e foi encontrado”. E começaram a festa.
A motivação da festa é o novo nascimento do filho mais novo.
Percebamos que a atitude de Deus para com o homem pecador é de co-
municar-lhe vida e... não o manda fazer um retiro espiritual para que se con-
verta, mas... faz festa.
O encontro do homem pecador com Deus nunca é o de uma humilhante
listagem das infidelidades ou culpas pessoais, mas um encontro que enri-
quece e exalta a grandeza do amor de Deus.
Deus não quer que nos aproximemos dele de joelhos, suplicando para ob-
ter o perdão.
Deus diz: ‘olha, já te dei o perdão, façamos festa’, pois a festa comunica
vida.
Então é o nascimento do filho mais novo que é festejado.
Este fulano tinha-se afastado da casa paterna, pois considerava o pai como
morto, pois tinha exigido a herança.
Na realidade foi ele que encarou a morte, mas agora voltou à vida e toda
vez que uma pessoa volta à vida o que se tem a fazer é festejar.
Notemos que o pai não o enche de recomendações: ‘você agora deve se
comportar de outro jeito; agora veja de se dar uma regulada...’
Não, ele lhe dá amor gratuito.

Mas sempre tem o estraga prazeres

E agora vejamos quem é que vai estragar a festa: “Seu filho mais ancião”,
a palavra “ancião”, em grego é “presbítero” e o evangelista o usa para que

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sejam lembrados os presbíteros, os anciãos do povo que juntamente com os
escribas e os saduceus, formavam o sinédrio, o supremo tribunal.
É para eles que é dirigida a parábola, e agora inicia a ser focalizado quem
é o protagonista absoluto desta parábola.
A parábola foi falada para os que se consideram os filhos maiores, os que
pensam obter o amor de Deus pelos seus esforços e seus compromissos: as
pessoas ‘religiosas’.
As pessoas que fazem tudo por obrigação para com Deus.
É para estas pessoas que é dirigida esta parte. “O filho ‘ancião’ – o mais
velho – estava nos campos. Voltando e chegando perto de casa, ouviu a mú-
sica e as danças”.
A reação normal de uma pessoa sadia, seria a de se sentir atraída pela
música e pelas danças, tomando isto como convite a alegria, mas a religião
não torna as pessoas sadias, a religião torna as pessoas doentias.
Aquilo que deveria ter sido um estímulo, é visto com suspeita.
As pessoas religiosas são deformadas no seu íntimo e em sua psique.
Enquanto a fé em Jesus faz crescer a pessoa, a liberta e a modifica, a re-
ligião a destrói.
O que ele faz? Não entra em casa. Este protagonista já está sendo apre-
sentado em má luz. “E tendo chamado um dos servos informou-se sobre o
que era tudo aquilo!” Músicas e danças na casa do pai dele? Ele não está
acostumado, é uma pessoa triste, funérea.
“Ele, então, lhe disse: ‘Teu irmão veio e teu pai matou o bezerro, o gordo,
porque o teve de volta são”.
Com este motivo tão claro da festa ele teria que se alegrar.
“Mas ele ficou bravo e não queria entrar”. Aquela alegria do pai não é
partilhada pelo filho mais velho. Ele contrapõe sua raiva à alegria do pai.
O filho mais velho se encontra na mesma situação do filho mais novo: um
tinha se mandado de casa, outro não quer entrar.
Temos dois filhos na mesma situação, mas veremos que a situação do
filho mais velho é mais grave.
O fato de o primogênito não querer entrar na casa do pai, traz a tona a
acusação que Jesus tinha feito para os escribas e fariseus quando falou: “Vós
não entrastes no reino e estão impedindo outros a entrarem”.
Os fariseus acreditavam que a vinda do reino de Deus estivesse bloqueada
pela presença dos pecadores, como os publicanos, as prostitutas e os pastores.
Jesus diz para a classe dos fariseus: “acordem, gente, aquelas pessoas
que vocês acham que estejam excluídas do reino, olhem bem que elas toma-
ram o vosso lugar e vocês ficaram fora”.
“Agora seu pai, que tinha saído o rogava”. Como o pai foi ao encontro

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do filho mais novo, agora ele vai ao encontro do filho mais velho.
Notemos que o pai não faz diferenças e não faz uso da força, de sua auto-
ridade paterna, não manda, mas pede.
O pai para com seu filho não se comporta como um patrão, mas até mais
como fosse um servo que suplica.
“Mas ele respondeu ao pai” – e esta é uma fotografia da deformação que
a religião pode produzir – “Há tantos anos eu sirvo o senhor e nunca trans-
gredi uma só ordem sua, e nunca me deu um cabrito para eu fazer festa com
os meus amigos”.

A religião que não liberta não é de Deus

O motivo da queixa do filho mais velho está expresso pela imagem do


SERVIÇO, do OBEDECER e a imagem da RECOMPENSA: as três bases
da religião.
E preciso servir a Deus, serve-se a Deus observando seus mandamentos,
e como resposta, por parte de Deus, há a recompensa.
O que caracteriza os dois irmãos é que ambos não têm uma atitude de
filhos para com o pai, mas eles são servos para um patrão.
O primeiro, o mais novo, volta para casa esperando ser tratado com um
servo. Mas, mais grave é a situação do segundo, o mais velho, pois ele se
acha e se comporta como um escravo.
Ele não colabora como filho com seu pai, mas obedece como escravo.
Aqui Jesus denuncia o fruto podre: a deformação da religião.
A religião ensina que o fiel é aquele que obedece a Deus observando
suas leis e por isto ele tem uma recompensa.
Jesus ensina que o fiel é aquele que se assemelha ao Pai praticando um
amor gratuito parecido ao dele.
Mas o que é mais grave é a imaturidade produzida pela religião.
Este filho recebe não somente a sua parte de herança, mas todo o patri-
mônio familiar. Já é tudo dele, não precisa pedir nada ao pai.
Deu de notar as queixas infantis: “nunca me deu nem sequer um cabrito
para fazer festa com meus amigos!!!”.

‘Oh, seu bobo, é tudo teu, toma o que quiser, espera o que?’
A obediência à lei, que era exigida pelos escribas e era praticada pelos
fariseus, torna as pessoas infantis e dificulta seu crescimento.

A obediência não é uma virtude cristã

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A obediência submissa é uma atitude satânica porque coloca um obstá-
culo ao desenvolvimento e crescimento dos filhos de Deus.
As pessoas que obedecem permanecem sempre imaturas, incapazes de
autonomia e sempre necessitadas de uma autoridade que fale para elas se seu
comportamento está certo ou não está.
Esta é uma tentação contínua.
Há sempre a necessidade de recorrer a uma autoridade: as pessoas espe-
ram sempre que alguém as autorize a fazer festa, são incapazes de fazer so-
zinhas. E por que isto? Porque sempre tiveram medo de errar.
‘Depois quem sabe lá o que Deus vai dizer’.
O filho mais velho representa as pessoas imaturas por causa da religião e
que sempre precisam de um pai a quem se referir.
Por isto Jesus quando diz: “Quem terá deixado o pai, a mãe, o irmão, a
irmã, encontrará cem vezes mais na comunidade, mãe, irmãos, irmã”... mas
não acrescenta “o pai”, pois a figura do pai, que indica autoridade, não se
encontra na comunidade.
O único pai presente na comunidade dos que creem é o Pai, chamado “dos
céus”, isto é, Deus, que não governa as pessoas dando leis as quais se deve
obedecer, mas comunicando sua força.
Enquanto a obediência torna as pessoas imaturas e infantis, o amor as faz
crescer e, sobretudo – e isto é importante – as torna capazes de raciocinar
com sua própria cabeça.
Jesus não quer que nós tenhamos que ir a um pai ou a um padre para saber
se estamos nos comportando bem ou não...
Cada um de nós tem que usar sua própria cabeça para ver se o que estamos
fazendo é bom ou não. Por isso o único pai é o dos céus.
Vimos que o protesto do filho mais velho é a de um servo para com seu
patrão.
Apesar de que tudo já seja seu, ele se comporta como um servo.
E aqui encontramos, claramente, a alusão de Jesus a todos os que vivem
a relação com Deus como servos com o seu Senhor, um Senhor exigente, ao
qual não escapa nada, um Senhor que cobra qualquer mínima infração.
E continua: “Mas quando este seu filho...”, é grave esta expressão, não
diz: ‘mas quando este meu irmão’ como deveria ser, mas este seu filho.

Isto é típico também nas famílias: quando marido e mulher brigam, o


filho é sempre do outro... ‘porque teu filho...’

E aqui é a mesma coisa: ‘este seu filho, não meu irmão’.

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O mais velho não se sente irmão do mais novo, “desperdiçou seu
patrimônio”, não é verdade que o patrimônio era do pai, pois era a parte
que ele tinha dado ao filho.

Quem vive uma ‘religião’ onde Deus é patrão, cultiva a malícia e a men-
tira

Percebe-se que vai crescendo a malícia por parte deste filho, que pela
acusação que ele faz ao irmão, representa satanás.
O satanás – sabemos – é o acusador dos que creem, então o papel do filho
mais velho, apesar de toda sua observância, é o de satanás.
E diz: “estragou todo seu patrimônio” – observem “seu filho..., seu
patrimônio’ – “com prostitutas”. E quem afirmou isto? Na parábola se diz
que este filho tinha desperdiçado tudo “vivendo dissolutamente”.
Mas com a malícia típica das pessoas muito religiosas que veem também
o que não existe, que observam tão bem até enxergando o que não aconteceu
– é a trave no olho que deforma a realidade – informa ao pai como foi des-
perdiçado o capital... com prostitutas.
Francamente, dito por alguém que nunca tinha transgredido nenhuma or-
dem, que nunca ousou fazer festa com seus amigos e nem ousou matar um
cabrito sequer, esta expressão parece mais ditada pela inveja do que pela
raiva.
E diz que “para ele o senhor matou o bezerro gordo”. Eis que volta pela
terceira vez este “bezerro gordo”.
Enquanto o filho se dirige ao pai com “este seu filho”, o pai lhe responde:
“mas ele lhe disse: “meu filhinho — a palavra grega usada indica um grande
afeto, uma grande ternura – “você está sempre comigo, e todas as coisas
minhas são tuas”.
Estas palavras do pai para seu filho são ditadas pela surpresa, pois este
filho que sempre esteve com o pai, nunca viveu como filho.
É a tragédia de muitos fiéis que vivem sua relação com Deus no temor,
como servos para com um Senhor e nunca conseguem viver como filhos com
seu pai.
Sempre com o temor de transgredir, de fazer o mal, pois Deus depois vai
se vingar.
Então a imagem de Jesus é uma denúncia de uma relação religiosa com
Deus que é própria dos servos com seu senhor, é uma relação que paralisa e
não faz crescer.

“Já é tudo teu... mas você quer se comportar como um escravo!!!’

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Foi a obediência que lhe dificultou compreender o amor do Pai, foi o se
sentir servo que lhe impediu de se comportar como filho.
Jesus convida cada um de nós... se alguém ainda vive sua relação com
Deus como obediência para com o seu Senhor, a livrar-se desta ideia e
começar a criar uma nova relação onde – “tudo o que é meu é teu”.

E chegamos à conclusão

“Mas precisava festejar e se alegrar porque teu irmão – antes o filho mais
velho tinha falado “teu filho”, agora o pai diz “teu irmão”, – lembrando-lhe
que é irmão dele – “estava morto e voltou a viver, estava perdido e foi en-
contrado”.
O Senhor lembra aos fariseus e escribas que os que eles consideram pe-
cadores, sem fé, são seus irmãos, eles também amados pelo Senhor – e é a
fórmula de que Lucas gosta – que Deus “é bom para com os ingratos e os
malvados”.
Jesus convida os fariseus e os escribas e cada um que se encontre nestas
categorias para não se escandalizar pela bondade do Pai, mas se unir à festa
com o filho reencontrado.
O homem que crê pode ser ele mesmo, às vezes, a pedra de tropeço que
dificulta à pessoa que está longe de fazer essa festa com Deus.
E, especialmente – “quem tem ouvidos para ouvir ouça” – quando o pe-
cador começa a querer voltar a Deus, ‘o pai corre ao seu encontro’.
Tem um pequeno gesto, sem dúvida, por parte da pessoa, porém o maior
gesto é feito por Deus.
Enquanto o filho se encaminha para o pai, o pai corre ao seu encontro. A
atitude inicial do filho, uma resposta muito mais forte por parte de Deus.
Quando a pessoa pecadora faz que vai voltar para Deus, o Pai corre ao
encontro dela, sem colocar humilhantes rituais para podê-lo readmitir no seu
amor.
Não faz uma inquisição que vai fuçar nas chagas de sua consciência e da
moral para saber o que exatamente, como e quantas vezes fez, e especial-
mente não impõe penitências pelo mal cometido.
O encontro do pai com o filho pecador foi uma grande festa na qual se
comunica vida.
O encontro do Pai comigo, pecador, é uma grande festa na qual recebo
vida.
Não precisa de outros motivos para festejar.

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Tradução: pe. Ezio Datres
Edição: pe. Tino Trecccani

Para uso das lideranças das Paróquias:


Nossa Senhora do Divino Livramento,
Santos Reis
BUTAMA – SP

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