A Arquivistica Como Disciplina Aplicada No Campo D
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Fernanda Ribeiro
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All content following this page was uploaded by Fernanda Ribeiro on 26 June 2017.
Resumo
Apesar de os arquivos terem origens muito remotas, que se podem confundir com as origens da própria
escrita, a Arquivística como disciplina só no século XIX e no quadro do historicismo e do positivismo, se
começou a afirmar, numa perspectiva de “ciência auxiliar” da História. Esta perspectiva historicista e
custodial adquiriu novos contornos por alturas da viragem do século, graças à afirmação da vertente
tecnicista, que se desenvolveu ao longo de todo o século XX, por efeito das condições sociais,
económicas e culturais derivadas da revolução tecnológica em curso. Neste texto põe-se em confronto o
tradicional paradigma historicista, custodial e tecnicista da Arquivística com um novo paradigma
emergente, apelidado de pós-custodial, informacional e científico que entende esta disciplina como um
saber aplicado do campo da Ciência da Informação, sendo apresentados os fundamentos
epistemológicos, teóricos e metodológicos da abordagem proposta.
arquivos deu-se, em parte, pelo reconhecimento da sua importância estratégica, como meio
de informação e como um produto/recurso das sociedades.
A evolução do sistema administrativo contribuiu também para a instabilidade dos
arquivos. No século XIV voltam a desenvolver-se os arquivos da administração e, nas grandes
cortes europeias, assiste-se à nomeação de arquivistas oficiais, incumbidos de organizar
inventários, garantir a autenticidade dos documentos e elaborar as “memórias” dos seus
patronos. A experiência dos Estados peninsulares demonstra existir um processo evolutivo,
sem sobressaltos, da Idade Média para a Época Moderna.
No século XVII, começaram a aparecer diversos manuais, portadores de uma
concepção jurídica da realidade arquivística. O trabalho nos arquivos passou a assentar em
normas escritas, que contribuíam para a organização do saber.
Com o movimento iluminista, que suscitou a intensificação da procura dos arquivos,
começa a enfatizar-se o chamado “valor secundário” dos documentos. Uma das consequências
nefastas desta nova curiosidade pelos arquivos foi o desvio introduzido pelas classificações
metódicas e a preferência pela ordenação cronológica dos documentos, sem atender ao seu
contexto produtor, mas indo de encontro a interesses externos. Na área administrativa
surgiram, contudo, algumas propostas isoladas sobre matérias que iriam dar corpo à disciplina:
classificação dos acervos por departamentos de origem, organização de incorporações trienais
e selecção por amostragem (SILVA et al., 2002).
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Referimo-nos à circular do Ministério do Interior francês, intitulada Instructions pour la mise en ordre et le
classement des archives départementales et communales, que foi redigida pelo arquivista e historiador, Natalis de
Wailly.
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O século XIX caracterizou-se pela ocorrência de novas deturpações sobre a função dos
arquivos e sobre os princípios de organização. A Arquivística emerge como disciplina, mas com
o estatuto de “auxiliar” da Ciência Histórica, ligando-se à Paleografia e à Diplomática, dentro
dos parâmetros metodológicos do conhecimento histórico. Os arquivos passaram, muitas
vezes, a ser geridos por pessoas sem formação administrativa, que, activamente, provocaram a
desagregação de muitos acervos documentais. Embora se deva reconhecer os benefícios da
recolha de fontes e da produção de instrumentos de pesquisa, que marcaram amplamente
este período, os efeitos perversos são evidentes. Começou, então, a acentuar-se o primado
discriminatório do valor dos documentos de interesse histórico e, para além disto, o
desenvolvimento dos arquivos destinados a incorporar esse tipo de documentos fez com que
crescessem, de forma artificial, serviços especializados, cuja exclusiva função passou a ser a de
preservar e tornar acessível a documentação que custodiavam, num crescente e nocivo
afastamento das administrações produtoras.
A edição do “Manual Holandês”, da autoria de S. Muller, J. H. Feith e R. Fruin (1898),
marcou o início de um novo período, em que o predomínio da vertente técnica se vai afirmar
definitivamente, libertando a teoria e a prática dos arquivos da dependência directa das
concepções historiográficas. E não terá sido por acaso que, nessa época, se começou a
vulgarizar o termo Arquivística, para definir um campo de saber específico, dirigido a funções
técnicas que se, por um lado, valorizavam a custódia, por outro, incidiam sobre o controlo e a
avaliação dos documentos (da fase corrente até à definitiva). Esta nova perspectiva não tardou
a ser confrontada com o impacte da industrialização e da complexificação burocrática, que
acarretaram novos desafios para a disciplina.
No período entre Guerras, a Arquivística descritiva, desenvolvida em torno da noção
instrumental e incorporacionista de “fundo”, começou a dar espaço a outro tipo de
preocupações, nomeadamente ao nível da gestão de arquivos e da cooperação. O problema
das eliminações tornou-se, também, um tema emergente ao longo deste período, devido ao
considerável aumento da produção documental.
Com o agravar da situação pelo aumento incomensurável de documentos nas
administrações, após a 2ª Guerra Mundial, generalizou-se o apodítico princípio das “três
idades do arquivo”, que pode ter tido origem em Itália, no início do século XX, por meras
razões práticas de instalação dos documentos. Se é certo que esta pretensa teoria parece
apontar para uma cadeia relativamente ininterrupta no ciclo de vida dos documentos, a
verdade é que gerou um efeito perverso, ao levar à criação de serviços e de depósitos, a maior
parte das vezes desarticulados entre si, provocando, assim, distorsões contra-naturam em
unidades sistémicas que, desde há milénios, possuíam uma sólida coerência interna.
Nos Estados Unidos da América, por razões de ordem pragmática, apareceu o conceito
operatório de record group e a actividade profissional do records management. Em tal quadro,
a gestão documental começou a afirmar-se como uma nova área disciplinar, num estreito
vínculo com a administração, num certo repúdio pela arquivística (disciplina auxiliar da
História) e num perigoso corte epistemológico entre diacronia e sincronia da informação
social.
O nascimento do Conselho Internacional de Arquivos, em 1948, permitiu um debate
mais alargado sobre os fundamentos da disciplina. A separação que se estabeleceu entre
records e archives, sobretudo na tradição cultural anglo-saxónica, acabou por gerar,
forçosamente, novas preocupações de índole teórica.
Nos anos mais recentes, começou a ser defendida a inserção da Arquivística no campo
da Ciência da Informação. Foi o início da era “pós-custodial” em que os arquivos emergem
como sistemas de informação, cuja complexidade nem sempre se confina à ordem material
dos documentos e cuja organicidade transcende as vicissitudes da sua tradição custodial.
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Com efeito, a partir dos anos 80, a nova revolução tecnológica e social, ilustrada pela
vertiginosa evolução em curso, sobretudo, no domínio do audiovisual e da telemática, forçou a
emergência de uma situação transitória, anunciadora de um novo ciclo, concretamente para as
disciplinas, como a Arquivística, relacionadas com o fenómeno social da informação.
A percepção do impasse e do salto epistemológico, que afectam, hoje, o conhecimento
empírico construído em torno de tal fenómeno, não é ainda partilhada por muitos cientistas da
informação, porque não é ainda muito nítida a fundamentação epistemológica das suas
respectivas ciências e, em especial, das até agora chamadas “ciências documentais”.
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PROCESSO HISTÓRICO
Estes traços não esgotam a caracterização possível do modo de ver e de agir dos
profissionais da documentação/informação, uma vez que se vêem confrontados, na
actualidade, com alterações estruturais propiciadoras da emergência de um novo paradigma
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4 A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
Física
História Ciências da Química e
Sociologia Psicologia Comunicação outras Ciências
Património Cognitiva Naturais
Cultural Linguística aplicadas
Museologia Semiótica aos suportes
interdisciplinaridade
OBJECTO MATERIAL
INFORMAÇÃO SOCIAL
SOCIEDADE
acção humana
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pólo pólo
epistemológico teórico
DISPOSITIVO
METODOLÓGICO
pólo pólo
morfológico técnico
Figura 4 - Esquematização do MÉTODO QUADRIPOLAR e interacção dos pólos
Fonte: elaboração própria
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2ª – Experimentação
Num campo tendencialmente artificial, fechado e controlado (por contraste com o
campo real, aberto e não controlado do estudo de caso), que se acentua em laboratório ou em
simulação de computador, é imprescindível a formulação clara de um problema, a descrição
das técnicas de análise e a apresentação dos instrumentos usados, dos equipamentos e meios
científicos empregues. Se feita por amostragem apoia-se na análise estatística de acordo com
a lógica dos testes de hipóteses.
3ª – Análise/Avaliação retrospectiva e prospectiva:
Enunciado genérico – sujeitar os resultados da observação e/ou da experimentação a
um rigoroso exame que permita generalizações e o estabelecimento de analogias
cientificantes. Decorre deste investimento operatório a confirmação ou infirmação dos
conceitos em uso, das hipóteses e teorias preparadas para cada projecto de investigação e, em
última instância, dos princípios gerais fixados no pólo teórico.
Enunciado complementar – a adaptação desta terceira operação ao campo científico
da Informação implica a presença de outras operações subsidiárias, mas essenciais, que
chegam a integrar em si a observação: a descrição, a análise de conteúdo e a indexação, e o
controlo de autoridade. Todas estas operações contribuem para a (re)organização
informacional entendida em stricto sensu: pôr em evidência as propriedades intrínsecas e
intervir no processo (memória, transferência e uso) da Informação.
Sendo que o pólo epistemológico (referencial paradigmático) e o pólo teórico
condicionam decisivamente a componente aplicacional da CI, que se inscreve, em pleno, nos
pólos técnico e morfológico, é óbvio que a mudança de paradigma em curso e as teorias
adoptadas (Teoria Sistémica, no nosso caso) implicam uma revisão do quadro tecnicista que
tem sido o fundamento essencial das disciplinas aplicadas que integramos na CI. O método
quadripolar implica uma visão holística e uma dinâmica investigativa em permanente avaliação
e aperfeiçoamento, única perspectiva que dá sentido à construção de um conhecimento
científico.
5 A ARQUIVÍSTICA NO CAMPO DA CI
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O arquivo especializado constitui-se assim, como uma espécie de macro-sistema formado por um conjunto
ilimitado de sistemas unicelulares centralizados, pluricelulares centralizados e pluricelulares descentralizados, todos
autónomos.
Ao ser deslocada parte de um arquivo activo, isso não significa que haja desactivação do mesmo, ou que ele passe a
constituir um arquivo diferente. Pelo contrário, ele continuará a ser “alimentado” pela documentação que vai
perdendo utilidade administrativa. Exemplo, que mostra muito bem esta situação é os dos arquivos notariais ou dos
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registos civis, que se encontram fisicamente desmembrados – nas entidades produtoras (Cartórios Notariais e
Conservatórias do Registo Civil) e em Arquivos especializados (Arquivos Distritais).
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A vigência do modelo romântico, nacionalista e centralizador, desenvolvido na Europa após a Revolução Francesa
(1789), justificou a criação de grandes estruturas especializadas na concentração, na custódia e na divulgação de
arquivos autónomos num mesmo espaço privilegiado de memória, indispensável à História da Nação. Essas
estruturas, produto genuíno da Modernidade, foram concebidas, artificialmente, sobrepondo-se aos factores
‘estrutura orgânica’ e ‘serviço/uso’.
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Abstract
In spite of archives have ancient roots, that can be confused with the origins of the writing itself, Archival
Science as a discipline only in the 19th century began to be settled in the scope of historicism and
positivism and in a perspective of “auxiliary science” of History. This historical and custodial perspective
gained new shapes by the end of the century, because of the importance of technicism that has been
improved along the 20th century, by the effect of social, economic and cultural conditions, derived from
the technological revolution in progress. In this paper the traditional paradigm, designated as historicist,
custodial and technicist, is put forward to a new and emergent paradigm, named post-custodial,
informational and scientific, that understands this discipline as an applied branch of Information
Science’s field. The epistemological, theoretical and methodological groundings of the proposed view are
exposed.
REFERÊNCIAS
LYON, David. A Sociedade da informação: questões e ilusões. Oeiras: Celta Editora. 1992.
MELLA, Piero. Dai Sistemi al pensiero sistémico: per capire i sistemi e pensare com i sistemi.
Milano: Franco Angeli. 1997.
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MULLER, S.; FEITH, J. A.; FRUIN, R. Handleiding voor het ordenen en beschrijven van de
vereniging van archivarissen. Groningen: Erven B. van der Kamp. Trad. brasileira de Manoel
Adolpho Wanderley, sob o título: Manual de arranjo e descrição de arquivos. 2. ed. Rio de
Janeiro: Ministério da Justiça, Arquivo Nacional, 1973.
SILVA, Armando Malheiro da; RIBEIRO, Fernanda. Das "ciências" documentais à ciência da
informação: ensaio epistemológico para um novo modelo curricular. Porto: Edições
Afrontamento, 2002.
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