Santanna, GT 8
Santanna, GT 8
Santanna, GT 8
INTRODUÇÃO
A compreensão acerca do conceito de juventude passa pelo conhecimento da realidade
dos sujeitos que estão envolvidos nessa fase e, consequentemente, do contexto histórico e
social e os diferentes modos de construção de si mesmo e das experiências. As vivências das
juventudes são marcadas por experiências subjetivas e sociais, que podem potencializar, nos
sujeitos, o processo formativo e participativo. Ao jovem é dada a possibilidade de se ver como
um sujeito social, atuando na sociedade de modo a ser influenciado e exercer influência sobre
seus pares, criando um campo propício à participação e inserção social (DAYRELL, 2002).
Vale ressaltar que esse potencial de participação social e política da juventude foi reconhecido
no Estatuto da Juventude (BRASIL, 2013), tendo como um de seus princípios a “valorização
e promoção da participação social e política, de forma direta e por meio de suas representa-
ções.” Não obstante, o Estatuto consagra a participação social e política enquanto um direito
do jovem, promovendo sua inclusão nos espaços públicos e comunitários e envolvendo-o em
ações de políticas públicas e de defesas dos direitos da juventude.
Apesar da instituição do Estatuto da Juventude, que dispõe sobre os direitos dos jovens
e políticas públicas de juventude, Souza e colaboradores (2014) chamam atenção para “as es-
cassas políticas direcionadas a esse público, denotando que a juventude brasileira ainda não
é concebida como sujeito de direitos, o que não a enquadra em políticas públicas que visem
garantir o acesso a bens materiais e culturais.” (p.374). Com isso, a juventude, em especial
a juventude de periferia, tem sido vítima de constantes violações de seus direitos humanos
fundamentais.
1 O presente trabalho é fruto da pesquisa “Participação política e juventude de periferia: poder e autonomia no
enfrentamento à violência.”
2 Doutorando em Psicologia (UFMG). Professor na FEAD-MG. E-mail: [email protected]
3 Doutoranda em Psicologia (UFMG). Gerente na SESP/MG. E-mail: [email protected]
4 Graduanda em Psicologia na FEAD-MG. E-mail: [email protected]
5 Graduando em Psicologia no Centro Universitário UNA. E-mail: [email protected]
6 Graduanda em Psicologia na FEAD-MG. E-mail: [email protected]
O tema da violência tem estado presente em diversos espaços de discussão como uma
temática urgente e de interesse de vários campos do conhecimento e setores da sociedade,
seja para entendê-la ou para enfrentá-la. Sapori e Soares (2014), apontam que “o crescimento
da violência na sociedade brasileira está intimamente associado aos jovens de 15 a 24 anos de
idade.” (p.65). Para os autores, os jovens, em específico os jovens negros e de periferias, são as
principais vítimas e autores da criminalidade violenta no Brasil.
Com o intuito de apontar saídas mais satisfatórias para a juventude, Souza e colabo-
radores (2014), indicam a importância de garantir a expressão da juventude por meio de es-
paços nos quais os jovens possam fazer ecoar suas vozes, politizando as demandas presentes
no contexto de periferia. O enfrentamento à violência por parte do público jovem advém,
como aponta os autores, de propostas “que se conectem com um projeto amplo de mudança
social, que busque os determinantes e não apenas as manifestações dos problemas, ou medi-
das paliativas de conformação com sua condição atual” (p.380), a fim de criar condições mais
eficazes para que os jovens possam se tornar sujeitos políticos.
Souza e colaboradores (2014) chamam atenção para a violência enquanto um fenô-
meno que abarca um recorte populacional específico, fundamentado, essencialmente, em
relações de desigualdade. A violência no Brasil tem classe social, cor e faixa etária, sendo uma
marca de um contexto histórico com determinantes políticos e econômicos. Diante dessa
problemática social, em um contexto de vulnerabilidade, violação de direitos e escassez de
políticas públicas, fruto de uma dinâmica social/política/econômica que promove desigual-
dades, Souza e colaboradores (2014, p.375) defendem que “apenas através de projetos que
primem pela formação política e participação comunitária, conseguiremos envolver pessoas
afetadas em possíveis soluções.” Os autores prosseguem dizendo que “a formação política
se configura como uma possível estratégia para o enfrentamento dessa e demais formas de
violência e negação de direitos vivenciados pela juventude brasileira.” (SOUZA, et al. 2014,
p. 376).
Diante desse quadro, a participação política é tomada como um processo de constru-
ção coletiva, partindo ao mesmo tempo de experiências individuais e compartilhadas, a fim
de construir uma leitura mais crítica da realidade experimentada. Destaca-se que a parti-
cipação não se restringe à representatividade institucional. Parte-se da premissa de que os
jovens possuem potencial para exercer um papel ativo na sociedade, com interferências nas
transformações sociais, buscando estratégias de enfrentamento e resistência aos determinan-
tes sociais.
Ademais, o presente estudo traz uma revisão integrativa da produção científica brasi-
leira sobre juventude, violência e participação, com o objetivo de identificar as convergências
presentes nas produções sobre essa temática. Considera-se importante a sua execução dada
a possibilidade de apresentar as ênfases presentes nas inter-relações, marcando, com isso,
possíveis campos de investigação nas interfaces dos temas apontados.
METODOLOGIA
O estudo apresenta os resultados de uma revisão integrativa das produções sobre juven-
tude, violência e participação. Esse tipo de revisão proporciona uma síntese de conhecimento
ao combinar dados de estudos empíricos e teóricos, buscando definir conceitos, revisar teo-
rias e analisar problemas metodológicos, ou seja, possibilitando a sumarização de pesquisas
que giram em torno de determinada temática. (SOUZA; SILVA; CARVALHO, 2010).
O levantamento bibliográfico foi realizado nas bases de dados Scientific Electronic
Library Online – SciELO e Index Psi Periódicos Técnico-Científicos, visando assegurar uma
abrangência da revisão no contexto brasileiro. A pesquisa ocorreu a partir da combinação de
duas palavras-chaves, a saber: “juventude AND violência”, “violência AND participação” e
“participação AND juventude”. O “AND” foi o operador booleano adotado para intermediar
as palavras.
Alguns critérios de inclusão foram adotados para a realização desse estudo, são eles:
(1) publicações em português e referentes ao contexto brasileiro; (2) artigos indexados nos
referidos bancos de dados no período entre 2007 e julho de 2017; (3) publicações que apre-
sentam resultados de pesquisas empíricas. Ressalta-se a exclusão de teses, dissertações, livros,
capítulos de livros, resenhas e trabalhos teóricos. Os critérios e delimitações estabelecidas
buscam atender ao objetivo de conhecer como a temática tem sido trabalhada nas publica-
ções nacionais mais recentes.
Primeiramente, para a seleção dos artigos, procedeu-se a busca e leitura dos resumos,
priorizando trabalhos que apresentavam conexões com o objetivo do presente estudo. Após
essa etapa, ocorreu a leitura na íntegra dos artigos a fim de identificar se de fato atendiam
aos critérios supracitados. Ao serem selecionados foram discriminados os seguintes itens
presentes em cada artigo: autores, ano, periódico de publicação, tema de estudo, metodologia
e resultados encontrados. Posteriormente, seguiu-se a fase de discussão dos resultados.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Por meio da busca realizada nas referidas bases de dados, foi localizado um total de
463 artigos, com menor número, comparativamente, na combinação “participação AND ju-
ventude” (tabela 1). Dessas publicações, 353 encontravam-se na SciELO e 110 no Index Psi.
Mediante a leitura dos resumos desses artigos, foram subtraídos do resultado inicial: 90 que
se encontravam duplicados, 169 que não atendiam aos critérios de inclusão e 177 que não
contemplavam os temas de interesse, ou, ainda, exploravam tais questões de maneira super-
ficial e indireta, isto é, associada a outros fatores que não estavam vinculados aos propósitos
desse estudo. Dessa maneira, foram selecionados 27 artigos, os quais foram lidos na íntegra.
Após leitura na íntegra, 9 artigos foram excluídos, restando 18 artigos que serão discutidos ao
longo deste trabalho. Referente ao período de publicação dos trabalhos analisados, verificou-
se a ausência de trabalhos que atendiam aos critérios nos anos de 2012 e 2017, considerando
até julho.
Index Psi 47 44 19
A análise dos dados considera a produção de categorias que tiveram como referência as
palavras-chave utilizadas na busca desta revisão integrativa, a saber: participação e juventu-
de, juventude e violência, violência e participação. A seguir, serão apresentados e discutidos
os principais resultados identificados.
PARTICIPAÇÃO E JUVENTUDE
Ao investigar a compreensão que jovens inseridos em movimentos têm sobre política,
Mesquita e colaboradores (2016) assinalam que a participação da juventude perpassa três
eixos de entendimento que, de certo modo, direciona as múltiplas formas de organização.
O primeiro refere-se a uma visão clássica sobre política, a política institucional, partidária.
Na pesquisa realizada os jovens expressaram uma crítica aos espaços de representação insti-
tucionalizados. Há, nessa visão, um descrédito à política, especialmente por aqueles jovens
que não estão inseridos em movimentos tradicionais. O segundo eixo toma a política como
a base das relações humanas. Para esse grupo a política está presente nas relações sociais, nos
processos de organização e luta, nas trajetórias militantes, ou seja, no modo como a vida é
organizada. O último eixo, nas palavras dos autores, toma a “política como instrumento de
transformação social e pessoal a partir de um espaço de disputa em busca da efetivação de
direitos que não estão garantidos.” (MESQUITA et al, 2016, p.293). Ressalta-se que nessa
concepção a política aparece como instrumento de enfrentamento, luta e participação.
A crítica à política partidária também está presente no estudo de Castro (2008). Ao
investigar a participação de jovens em redes que os direcionam à sociedade mais ampla, a
autora entrevistou 25 jovens, de 16 a 28 anos, militantes de partidos políticos e jovens engaja-
dos no trabalho social comunitário. Nos resultados da autora há uma clara divisão entre esses
dois grupos. Por um lado, tem-se uma juventude que acredita na importância da vinculação
institucional como uma possibilidade de intervir mais diretamente nos problemas sociais,
assegurando uma amplitude maior das ações. Por outro, uma juventude que desconfia da
atividade político-partidária, acreditando que essa promove um afastamento das reais neces-
sidades dos jovens.
JUVENTUDE E VIOLÊNCIA
Almeida e colaboradoras (2014) chamam atenção para as condições de vulnerabilida-
de da juventude diante de políticas públicas pouco eficazes para essa população. As autoras
entrevistaram onze jovens com o objetivo de investigar a relação entre juventude e violência.
Preconceito, intolerância, tráfico de drogas, pobreza e criminalidade são os principais fatores
apontados pelos jovens como promotores de violência no contexto em que estão inseridos.
A ociosidade atrelada à ausência de ações, especialmente públicas, voltadas para a juventude
também surge como ponto de produção da violência.
VIOLÊNCIA E PARTICIPAÇÃO
O estudo de Amaro, Andrade e Garanhani (2010) buscou identificar os significados e
as manifestações da violência por meio de entrevistas com lideranças comunitárias de duas
regiões da periferia da cidade de Londrina-PR. As autoras identificaram que comunidades
mais mobilizadas tendem a perceber a violência de forma mais abrangente e expressiva, o
que permite maior possibilidade de enfrentamento. Ao entender a violência como reflexo da
estrutura social, da cultura e dos fenômenos institucionais, as comunidades mais mobiliza-
das evidenciam, nas palavras das autoras, “uma percepção mais aprofundada da realidade e
mais condizente com a complexidade do problema.” (AMARO; ANDRADE; GARANHANI,
2010, p. 308).
Lico e Westphal (2014) chamam atenção para a importância da inclusão dos jovens em
ações de mobilização e enfrentamento à violência. No estudo realizado pelas autoras em re-
giões de alta vulnerabilidade social, em dois distritos localizados na região sul do município
de São Paulo, verificou-se a relação entre violência e uma juventude pouco mobilizada, em
que não se apresenta como protagonista das ações coletivas em torno do enfrentamento à
violência. Todavia, se trata de um duplo movimento em que os jovens não se incluem, mas,
também, não são incluídos, logo excluídos, das ações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse artigo apresentou uma revisão integrativa da produção brasileira sobre juventude,
violência e participação. No processo de investigação verificou-se um amplo número de estu-
dos sobre juventude, porém pouca correlação entre violência e participação no campo empí-
rico. A literatura tem evidenciado uma ênfase maior nos estudos sobre juventude e violência,
considerando, especialmente, os cenários contemporâneos de problematização da juventude
e adolescência na relação com o acometimento de atos infracionais, e, consequentemente,
discussão política sobre redução da maioridade penal.
Os resultados obtidos nesse estudo apontam para a presença da juventude nos espaços
de participação, em especial, movimentos sociais e espaços não institucionalizados, coletivos
formados por processos de identificação. Não foram encontrados estudos sobre a partici-
pação da juventude nos espaços institucionalizados de participação social, como conselhos
representativos. A resistência aos espaços institucionalizados parece ter correlação com a
representação negativa que a juventude tem sobre a política partidária, confiando pouca ou
nenhuma representatividade a esse campo.
No que diz respeito à violência, o contexto de vulnerabilidade aparece como o grande
produtor de violência nos cenários das juventudes, seja como vítimas ou autores de violência.
O tráfico de drogas e a polícia, nos contextos de periferia, ainda se mostra como o ponto de
maior reverberação de violência. Todavia, essa também é percebida no contexto familiar e
como efeito da ausência de políticas voltadas para a juventude.
Ademais, ressalta-se a necessidade de estudos sobre violência e participação. Os ar-
tigos de Amaro, Andrade e Garanhani (2010) e Lico e Westphal (2014) atestam a possibi-
lidade da mobilização social como forma de enfrentamento à violência, evidenciando que
contextos de pouca ou nenhuma mobilização coletiva tende a apresentar contextos de maior
vulnerabilidade.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Arthemis Nuamma Nunes de et al. Juventude e violência: o que pensam os jovens de um
Projovem Urbano em Natal/RN. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto, v.22, n.4, p.853-869, 2014.
Disponível em:<http://dx.doi.org/10.9788/TP2014.4-14>. Acesso em: 16 de jan. 2018.
AMARO, Marcia Caroline Portela; ANDRADE, Selma Maffei de; GARANHANI, Mara Lúcia. A violência
sob o olhar de lideranças comunitárias de Londrina, Paraná, Brasil. Saúde e Sociedade, São Paulo, v.19,
n.2, p.302-309, 2010.
BRASIL. Lei Nº 12.852/13. Institui o Estatuto da Juventude e dispõe sobre os direitos dos jovens, os princípios e
diretrizes das políticas públicas de juventude e o Sistema Nacional de Juventude. 2013. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12852.htm>. Acesso em: 03 set. 2017.
CASTRO, Lúcia Rabello de. Participação política e juventude: do mal-estar à responsabilização frente ao
destino comum. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v.16, n.30, p.253-268, 2008.
CASTRO, Lucia Rabello de; MATTOS, Amana Rocha. O que é que a política tem a ver com a transfor-
mação de si? Considerações sobre a acção política a partir da juventude. Análise Social, v.XLIV, n.193,
p.793-823, 2009.
CORRÊA, Carolina Salomão; SOUZA, Solange Jobim e. Violência e vulnerabilidades: os jovens e as notí-
cias de jornal. Fractal: Revista de Psicologia, v.23, n.3, p.461-486, 2011.
DAYRELL, Juarez. Por uma pedagogia da juventude. Onda Jovem, São Paulo, ed.1, s/p, 2012. Disponível em:
<http://www.ondajovem.com.br/acervo/1/pedagogia-da-juventude>. Acesso em: 03 set. 2017.
LICO, Fátima Madalena de Campos; WESTPHAL, Márcia Faria. Juventude, violência e ação coletiva.
Saúde e Sociedade, São Paulo, v.23, n.3, p.764-777, 2014.
MARANHÃO, Joyce Hilario et al. Violência, risco e proteção em estudantes de escola pública.
Fractal: Revista de Psicologia, Rio de Janeiro, v.26, n.2, p.429-444, 2014.Disponível em: <http://dx.doi.
org/10.1590/1984-0292/853>. Acesso em: 19 de dez. 2017.
MARTINS, Francisco André Silva; DAYRELL, Juarez Tarcísio. Juventude e participação: o grêmio estu-
dantil como espaço educativo. Educação & Realidade, Porto Alegre, v.38, n.4, p.1267-1282, 2013.
MAYORGA, Claudia et al. O cultural e o político no Coletivo Hip Hop Chama: um papo reto sobre parti-
cipação política e as relações entre universidade e movimentos sociais. Pesquisas e Práticas Psicossociais,
São João del-Rei, v.3, n.1, p.96-109, 2008.
MELO, Elza Machado de et al. A violência rompendo interações. As interações superando a violência.
Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, Recife, v.7, n.1, p.89-98, 2007.
MESQUITA, Marcos Ribeiro et al. Juventudes e participação: compreensão de política, valores e práticas
sociais. Psicologia & Sociedade, Belo Horizonte, v.28, n.2, p.288-297, 2016.
MESQUITA, Marcos Ribeiro; OLIVEIRA, Ana Clara Martins. Juventudes, movimentos e culturas: a par-
ticipação política de jovens na cidade de Maceió. Estudos de Psicologia, Natal, v.18, n.2, p.379-387, 2013.
Disponível em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=26128209025>. Acesso em: 20 dez. 2017.
MOURA, Leides Barroso Azevedo; OLIVEIRA, Cesar de; VASCONCELOS, Ana Maria Nogales. Violências
e juventude em um território da Área Metropolitana de Brasília, Brasil: uma abordagem socioespacial.
Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v.20, n.11, p.3395-3405, 2015.
NASCIMENTO, Elaine Ferreira do; GOMES, Romeu; REBELLO, Lúcia Emília Figueiredo de Souza.
Violência é coisa de homem? A “naturalização” da violência nas falas de homens jovens. Ciência & Saúde
Coletiva, v.14, n.4, p.1151-1157, 2009.
RIZZINI, Irene; LIMONGI, Natalia da Silva. Percepções sobre violência no cotidiano dos jovens. Revista
Katálysis, Florianópolis, v.19, n.1, p.33-42, 2016. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/1414-
49802016.00100004>. Acesso em: 15 de jan. 2018.
SAPORI, Luís Flávio; SOARES, Gláucio Ary Dillon. Jovens, drogas e violência. In.: SAPORI, Luís Flávio;
SOARES, Gláucio Ary Dillon. Por que cresce a violência no Brasil? Belo Horizonte: Autêntica Editora:
Editora PUC Minas, 2014. p. 65-80.
SENTO-SÉ, João Trajano; COELHO, Maria Claudia. Sobre errâncias, imprecisões e ambivalên-
cias: notas sobre as trajetórias de jovens cariocas e sua relação com o mundo do crime. Horizontes
Antropológicos, Porto Alegre, v.20, n.42, p.327-357, 2014. Disponível em:<http://dx.doi.org/10.1590/
s0104-71832014000200013>.Acesso em: 06 de jan. 2018.
SOUZA, Candida de et al. Formação política como uma forma de enfrentamento à violência na juventu-
de. Revista psicologia política, São Paulo, v. 14, n. 30, p. 367-383, ago. 2014.
SOUZA, Marcela Tavares de; SILVA, Michelly Dias de; CARVALHO, Rachel de. Revisão integrativa: o que
é e como fazer. Einstein, São Paulo, v. 8, n. 1, p. 102-106, 2010. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/
s1679-45082010rw1134>. Acesso em: 03 set. 2017.
XAVIER, Karla Rampim; CONCHÃO, Silmara; CARNEIRO JUNIOR, Nivaldo. Juventude e resiliência:
experiência com jovens em situação de vulnerabilidade. Journal of Human Growth and Development,
São Paulo, v.21, n.1, p.140-145, 2011. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.20003>. Acesso em:
13 de jan. 2018.
ZANETTI, Julia Paiva. Jovens feministas do Rio de Janeiro: trajetórias, pautas e relações intergeracio-
nais. Cadernos Pagu, Campinas, n.36, p.47-75, 2011. Disponível em:<http://dx.doi.org/10.1590/S0104-
83332011000100004>. Acesso em: 04 jan. 2018.
A violência está ligada ao uso abusivo da força, quando uma pessoa ou um grupo co-
agem alguém a ter determinada atitude, a dominação de um sobre o outro. Nesse sentido,
a violência lembra o uso da força de maneira ilegítima, por parte de governos tirânicos e
autoritários, com a intenção de dominar todo um povo. Mas também essa palavra muitas
vezes é compreendida como um tipo de agressão ainda mais extrema, quando, através da
força ou da técnica, uma pessoa ou todo um grupo social perde a própria vida. Pensamos
nos casos de mortalidade em que o direito à vida é categoricamente violado, as vítimas da
violência são colocadas numa situação de perigo, são destituídas de suas vidas.
Diante dessa pluralidade de sentidos que essa palavra possui, precisamos indagar:
que tipo de violência estamos mencionando no presente artigo? Primeiramente, quere-
mos explicitar a violência que assola diversos jovens no Brasil. Em segundo lugar, com o
intuito de discutir um grande problema que permeia o contexto juvenil brasileiro, anali-
samos mais especificamente as situações de violência relacionadas ao homicídio juvenil.
Queremos, com esse texto, trazer à tona o problema da juventude brasileira que é assassi-
nada ou exterminada nas mais diversas regiões do país.
Tomamos como fonte dessa pesquisa as informações apresentadas pelo Mapa da
Violência 2014: Os jovens do Brasil1, que traz um panorama da evolução da violência di-
rigida contra a juventude brasileira, compreendendo pessoas de 15 a 29 anos, no período
entre 1980 e 2012. Anteriormente, foi lançado o Mapa da violência 2013, com estatísticas
e análises sobre a mortalidade juvenil, tendo como base os jovens entre 15 e 24 anos. No
entanto, foi necessário atualizar os estudos, adequando o estudo ao conceito de juventude
estabelecido pelo Estatuto da Juventude, a partir de 2013.
Em ambos os documentos, são destacadas três causas diferentes de morte violenta
de jovens: homicídio, suicídio e mortes em acidentes de transportes2. Tanto no documento
de 2013 como no de 2014, os homicídios são apontados como a principal causa de mor-
te de jovens no Brasil. O Mapa da Violência 2013, analisando a faixa etária entre 15 e 24
anos, afirma que os homicídios de jovens brasileiros, em 2011, foram de 27.471 mortos,
equivalente a 52,63% do total, dos quais 71,44% negros (pretos e pardos) e 93,03% do sexo
masculino3. Nesse mesmo sentido, o Mapa da Violência de 2014 aponta que, em 2012, os
homicídios de jovens brasileiros, entre 15 e 29 anos, chegaram a 30.072, equivalente a
53,37% do total de homicídios desse ano, dos quais 77% eram negros (pretos e pardos) e
93,3% do sexo masculino4. Apesar de o primeiro estudo ter como base a juventude entre
15 e 24 anos no ano de 2011, e o outro os jovens entre 15 e 29 anos no ano de 2012, os dois
documentos chamam a atenção para o grande número de homicídios os quais assolam a
juventude brasileira.
No ano de 2012, estimava-se que havia 194 milhões de habitantes no Brasil, sendo
que a população de jovens (entre 15 e 29 anos) era de 52,2 milhões, representando 26,9%
do total. Nesse mesmo ano, houve 56.377 homicídios no país, com uma taxa de homicí-
dios de 29 vítimas para cada 100 mil pessoas. Desses, 30.072 eram jovens entre 15 e 29
anos, correspondendo a uma taxa de homicídio juvenil de 57,6 vítimas para cada 100 mil.
Essa grande quantidade de jovens assassinados significa um forte impacto tanto para a
realidade da juventude brasileira como também para a realidade de todo o país: “os 30.072
homicídios de jovens [...] significam 53,4% do total de homicídios do país, indicando que a
vitimização juvenil alcança proporções extremamente preocupantes”5. O elevado número
de jovens assassinados coloca o problema do homicídio juvenil não somente como uma
questão de segurança pública, mas, sobretudo, provoca uma reflexão sobre problemas de
saúde pública, desafios envolvendo violações aos direitos humanos.
3 Waiselfisz, 2013, p. 9.
4 Waiselfisz, 2014, p. 9.
5 Waiselfisz, 2014, p. 48.
6 Waiselfisz, 2014, p. 43.
Na região Norte, em 2002, a taxa era de 38,8 para cada 100 mil, alcançando a taxa de 67,9
em 2012. A redução da taxa de homicídio juvenil somente ocorreu no Sudeste, que era de
76 para cada 100 mil, em 2002, caindo para 40,1 em 20127.
No entanto, é necessária uma análise mais detalhada desse problema no contexto
de cada região do país. De 2002 para 2012, na região Nordeste, os estados que tiveram
um assustador aumento em suas taxas de homicídio juvenil foram Rio Grande do Norte
(+293,6%), Bahia (+249%), Maranhão (+184,1%), Ceará (+176,4%), Paraíba (+160,6%) e
Alagoas (+110,9%). Já Pernambuco teve uma diminuição da taxa de homicídios, de 111,3
jovens mortos para cada 100 mil pessoas, em 2002, para 73,8 em 2012, correspondendo a
uma redução de 33,6% de jovens assassinados8.
Na região Norte, entre 2002 e 2012, Amazonas, Pará e Tocantins tiveram um grande
crescimento da taxa de homicídio juvenil. No Pará a taxa aumentou 140,9%, no Amazonas
98,7%, e em Tocantins 82,6%9. No decorrer dessa mesma década, Acre, Rondônia e
Roraima tiveram uma diminuição dessas taxas, sendo que no Acre a redução foi de 9,8%,
em Rondônia 22,6% e em Roraima 26,8%10. Nesse mesmo período, na região Centro-Oeste,
Goiás dobrou sua taxa de homicídio juvenil, passando de uma taxa de 42,5 jovens mortos
para cada 100 mil, em 2002, para 87,5 em 2012. Já o Estado de Mato Grosso do Sul teve
uma redução, passando de 52,5 jovens mortos para cada 100 mil, em 2002, para 42,3 em
201211.
Na região Sudeste, a diminuição da violência homicida não ocorreu igualmente em
todos os estados. Somente São Paulo e Rio de Janeiro passaram por significativa redução
das taxas de homicídio juvenil. No caso do Rio de Janeiro, a taxa de homicídio juvenil foi
reduzida de 117 mortos para cada 100 mil, em 2002, para 56,5 em 2012. Em São Paulo, a
taxa diminuiu de 80,2 mortos para cada 100 mil, em 2002, para 24,9 em 2012. Porém, em
Minas Gerais, houve um aumento da taxa de homicídio juvenil, passando de 31,7 mortos
para cada 100 mil, em 2002, para 47,9 em 2012. No caso do Espírito Santo, já havia uma
taxa elevada de homicídio juvenil. Em 2002 essa taxa era de 101,6 jovens mortos para cada
100 mil, havendo uma oscilação no decorrer dessa década, chegando em 2012 com uma
taxa de 101,712.
As diferentes taxas de homicídio juvenil indicam uma mudança significativa do
local em que tem ocorrido as maiores quantidades de jovens assassinados no país. Em
2002, as maiores taxas estavam nos estados de Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo
e Pernambuco, três da região Sudeste e um da região Nordeste. Em 2012, as seis maiores
taxas do país se localizavam em Alagoas, Espírito Santo, Ceará, Goiás, Bahia e Paraíba13.
De 2002 para 2012, vinte unidades federativas apresentaram aumento em suas respectivas
taxas de homicídio juvenil, enquanto que somente sete estados tiveram redução. Essas
mudanças mostram que a violência homicida deixou de estar localizada em determinados
estados que antes eram tradicionalmente conhecidos como violentos, para se alastrar para
outras regiões do país.
Outro aspecto importante na análise do homicídio de jovens brasileiros, diz respeito
ao tipo de local em que aconteceram: capitais dos estados, grandes metrópoles, cidades
de médio e pequeno porte. Em 2012, as capitais com maiores taxas de homicídio juve-
nil foram Maceió (taxa de 218,1 vítimas para cada 100 mil), João Pessoa (taxa de 177,8),
Fortaleza (taxa de 176,6), Vitória (taxa de 140,7) e Salvador (taxa de 138,5)14. Na região
Nordeste do país, salvo Teresina, cuja taxa de homicídio juvenil foi de 76, as capitais ul-
trapassaram a trágica barreira dos 100 homicídios para cada 100 mil, sendo que Maceió
superou a taxa de 200 jovens mortos para cada 100 mil15.
Nas grandes cidades brasileiras, tanto aquelas marcadas pelas altas taxas de homicí-
dios como aquelas que vêm reduzindo suas taxas, os eventos de violência homicida não se
deram de forma uniforme. Se tomarmos como exemplo a cidade de São Paulo, em 2016,
a maioria dos homicídios, levando em conta a população total, aconteceu em regiões pe-
riféricas já marcadas pela violência. Os distritos policiais em que foram registrados mais
homicídios foram Jaçanã, Jardim Herculano, Campo Limpo, Jaraguá e Jardim Noemia.
Essa realidade se torna muito diferente se tomarmos distritos como Aclimação, Itaim Bibi,
Pinheiros, com índices muito baixos de homicídios16.
Além disso, importante comparar as taxas de homicídios entre as capitais dos es-
tados e as cidades do interior. Em 2002, a taxa de homicídio do país era de 28,5 mortos
para 1100 habitantes, sendo que as capitais brasileiras tinham uma taxa média de 45,5 e o
interior uma taxa média de 16,1. Em 2012, a taxa de homicídios do país era de 29 pessoas
assassinadas para cada 1100 pessoas, sendo que a taxa das capitais foi reduzida para 38,5 e
a taxa do interior elevada para 22,517. A distribuição dos homicídios para além das capitais
dos estados tem se revelado uma fonte importante para a análise dos fatores que incidem
na produção e reprodução da violência homicida de jovens.
De acordo com as estatísticas apresentadas pelos documentos de 2014 e de 2013,
existem dois processos concomitantes na dinâmica da violência homicida no Brasil: a in-
teriorização e a disseminação da violência homicida, sobretudo do homicídio juvenil18.
Esses dois processos indicam que a violência contra a juventude não está apenas em certos
lugares do país, mas ocorre nos diversos estados e regiões, tanto capitais como cidades do
interior. Ademais, esses dois processos sugerem que há um “deslocamento dos polos dinâ-
micos e uma nova geografia da violência homicida no país”19. A interiorização e a dissemi-
nação da violência homicida colocam esse problema como algo que continua assolando o
Brasil, sobretudo a juventude.
bem mais elevado. Em 2002, a taxa de homicídios de jovens homens era de 105,4 vítimas
para cada 100 mil pessoas, aumentando para 107,5, no ano de 2012.
Ao tomarmos as categorias de raça/cor da população brasileira, segundo o IBGE,
durante a década de 2002 até 2012, o número de homicídios é bastante variado para os di-
versos grupos da população jovem segundo a raça/cor. Em 2002, o número de homicídios
da população jovem branca foi de 10.072, da população jovem preta 2.598, da população
jovem parda 14.902, da população jovem amarela 46 e da população jovem indígena 34.
Em 2012, o número de homicídios da população jovem branca foi de 6.823 (diminuição
de 32,3%), da população jovem preta 2.524 (diminuição de 2,8%), da população jovem
parda 20.636 (aumento de 38,5%), da população jovem amarela 24 (diminuição de 47,8%),
da população jovem indígena 65 (aumento de 91,5%)23. Houve uma significativa queda,
entre 2002 e 2012, do número de homicídios relacionados às populações jovens branca e
amarela, mas um aumento considerável dos homicídios que atingem as populações jovens
parda e indígena. Tendo em vista que, no Brasil, durante essa década, o número de homicí-
dios juvenil aumentou 8,7%, pode-se deduzir que as principais vítimas desses homicídios
foram os jovens negros (englobando a população juvenil parda e preta).
O grande número de jovens assassinados escandaliza qualquer pessoa, mostrando
que o problema do homicídio juvenil no Brasil não pode ser considerado como algo den-
tro da normalidade. De acordo com os dados apontados nesse artigo, é possível explicitar
algumas características das pessoas que mais são assoladas pela violência homicida: na
maior parte são os jovens, predominantemente homens, principalmente negros. Além de
a violência homicida estar se espalhando para diversas regiões do país, essa violência tam-
bém tem constituído um alvo principal dos assassinatos, principalmente o extermínio da
juventude, periférica, pobre, negra.
REFERÊNCIAS
BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis. Drogas e Juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Revan, 2003.
PERONDI, Maurício. “O juvenicídio, a ilusão das facilidades e o falso projeto de futuro”. In. Revista IHU
On-Line. Maio de 2017. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/567744-o-ju-
venicidio-a-ilusao-das-facilidades-e-o-falso-projeto-de-futuro-entrevista-especial-com-mauricio-peron-
di. Acesso em 10 out 2017.
SOARES, Luiz Eduardo. “Juventude e violência no Brasil contemporâneo”. In. NOVAES, Regina;
VANNUCHI, Paulo (orgs.). Juventude e sociedade: trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo:
Perseu Abramo, 2004.
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2013: Homicídios e Juventude no Brasil. 2013.
Neste texto apresentamos algumas reflexões sobre a elaboração de um Programa de Prevenção à criminalidade
e às violências com o foco em territórios com altos índices de vulnerabilidade e risco à letalidade juvenil, na
cidade de Belo Horizonte, MG. Em sua formulação utilizamos o IVJ – Índice de Vulnerabilidade Juvenil1, como
indicador para qualificar e indicar territórios com maiores concentrações de desvantagens sociais, onde os jo-
vens e suas famílias têm sido mais excluídos do acesso a bens e serviços públicos, demandando maior atenção
do poder público em seus processos de socialização e proteção social. A leitura que fazemos desses territórios,
das interações que permeiam e flutuam por ali, os fenômenos próprios de cada localidade e estágios de violência
em suas singularidades, são pontos de partida para uma atuação mais conceitual, e não apenas operacional do
ponto de sua execução.
Esses são elementos que indicam um público específico, (jovens) com características específicas (negros) e
condições sociais específicas (pobres em sua maioria), vítimas da violência urbana. Cabe destacar que não se
trata de construir estigmas ou “tratar de forma diferenciada” um público específico, mas de fazer leituras mais
qualificadas sobre o problema examinando as ofertas, potencialidades e limitações das políticas convencionais
para prevenir o envolvimento desses jovens com o crime e com a violência, seja como vítima ou como autores.
Nessa premissa, sugerimos alguns elementos que têm sido centrais na elaboração deste Programa, preliminar-
mente denominado como “Territórios de Prevenção”, como: a) o conceito de territórios; b) o conceito de diag-
nóstico, baseado em de ocorrências de violência nos territórios e, mais especificamente, no interior das escolas;
e c) elementos que podem compor programas para juventude em áreas de vulnerabilidade social.
A partir dos contatos iniciais e formulação de um diagnóstico inicial, temos constatado nos territórios, um
paradoxo institucional, que por um lado sugere a autonomia e independência juvenil, mas que, por outro lado,
tem revelado um abandono e negligência por parte das agências e instituições políticas. Essa é uma constatação
incipiente e em fase de confirmação, que já traz indagações sobre os reais suportes para uma inserção comuni-
tária concreta e um pleno reconhecimento social dos jovens para usufruto de sua cidadania.
INTRODUÇÃO
As violências tornaram-se uma rotina na vida dos brasileiros, conforme o 10º Anuário
Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
em 2016. Em 2015, a cada 9 minutos uma pessoa foi morta de forma violenta no Brasil,
urbanas e pode produzir resultados mais efetivos e duradouros. Dirce Koga (2003), entende
o território como “um novo elemento catalisador de potenciais e de reinvenção da cidadania”.
Entende-se aqui o território como espaço físico e simbólico da comunidade, como es-
paço social, levando em conta suas múltiplas dimensões e as relações sociais que o consti-
tuem, pois, o ambiente que vivemos é ao mesmo tempo simbólico e físico, com significações
construídas pelos grupos e pelas ações dos indivíduos. Desta forma, pela interação entre
grupos e ambiente, através das relações sociais, constitui-se a percepção do outro, como parte
do grupo ou comunidade, o que permite, inclusive, fazer previsões sobre comportamentos,
ou esperar atitudes desejáveis.
Perceber esta dimensão, que caracteriza o local como espaço construído a partir das re-
lações sociais, abre a possibilidade para outras interpretações acerca da dimensão territorial
na formação de identidades comunitárias (ALVES, 2008).
2 Escolas Municipais Israel Pinheiro, Professor Fernando Dias Costa, Dr. Júlio Soares e Levindo Lopes
cidade. A partir da coleta e organização das informações primárias, são eleitos e definidos
os problemas prioritários para região/microrregião. Posteriormente, são realizadas reuniões
ampliadas com a participação da comunidade e de grupos específicos para validação do diag-
nóstico inicial.
Alguns conceitos são fundamentais para uma intervenção voltada para públicos espe-
cíficos, com alta vulnerabilidade;
1. a noção de trajetória: ou seja, a ideia de que existe um processo que deve ser visto
ao longo do tempo – longitudinalmente – e que permite apreender o percurso tem-
poral dos indivíduos em relação ao ambiente mais ou menos permeável;
2. o conceito de identidade: que pode ser positiva ou negativa, que se percebe por
crise ou por construção de experiência vivida;
3. o aspecto de territorialidade, a base que abriga processos excludentes, incluindo a
segregação (PAUGAM, 2002).
Além disso, também são desafios para a Política Municipal de Prevenção ao Crime e à
Violência:
1. Desenvolver políticas públicas que visem à redução dos homicídios, produzindo
intervenções preventivas na realidade social local urbana.
2. Atender a demandas específicas de uma população alvo, com grandes especificida-
des e heterogeneidade, com concentração desvantagens sociais.
3. As áreas em que se instalam os maiores índices de criminalidade são áreas de exclu-
são, com ausência ou precariedade de políticas públicas e com uma estrutura social
complexa, bem como de fragmentação dos vínculos sociais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No desenvolvimento do projeto “Territórios de Prevenção”, muitas evidências ainda
aparecerão e complementarão as informações que aqui se apresenta. No diálogo com uma
literatura que reflete aspectos aparecidos nesta realidade social, observamos que os jovens
têm sofrido de forma mais direta as consequências das políticas de ajuste, de violência estatal
e de proposições arbitrárias do mercado financeiro (BRINGEL, 2017, p. 13). Neste tempo de
incertezas e complexidade, eles têm precisado de suportes para se “individuar”, cada vez mais
(MARTUCCELLI, 2007a). Contudo, faltam nexos entre as instituições e suas experiências
vividas. Como lidar com essa problemática? O que temos aprendido das vivências juvenis
contemporâneas? Como construir políticas que dialoguem com suas culturas e demandas no
tempo presente?
BIBLIOGRAFIA
ALVES, Márcia. Gestão Local e Políticas Públicas: os desafios do campo da segurança. Fórum Brasileiro de
Segurança Pública. Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, v. 2, p. 64-67, 2008.
BRINGEL, Breno. Protesta e indignación global: Los movimientos sociales en el nuevo orden mundial
/ Breno Bringel... [et al.]; editado por Breno Bringel; Geoffrey Pleyers - 1a ed. - Ciudad Autónoma de
Buenos Aires: CLACSO; Río de Janeiro: FAPERJ, 2017. Libro digital, PDF
Este artigo tem por objetivo problematizar o papel do Proceder como técnica disciplinar no fluxo de funk na
Brasilândia. O proceder é um conjunto de regras de comportamento que regulam a vida social na maior parte
das penitenciárias de São Paulo. Contudo, as regras do Proceder também regulam a vida cotidiana das perife-
rias. A hipótese é de que o baile funk, no modelo em que funciona, só é possível porque seus frequentadores, em
grande maioria jovens, são conhecedores nativos dessas regras e se esforçam para não “vacilar”.
INTRODUÇÃO
O funk na região da Brasilândia, que se localiza na zona Noroeste de São Paulo, virou
uma das referências dos circuitos1 de baile funk de rua em São Paulo. Por muito tempo, os
pequenos bailes de rua que movimentavam alguns Mc’s das próprias quebradas, hoje esses
ex-Mc’s são chamados pelos jovens de “caixa velha”, eram um dos únicos espaços onde o funk
encontrava expressividade. Os CDs piratas gravados em pequenos estúdios nos próprios
bairros eram seu meio de divulgação.
Com o crescimento da internet esse cenário mudou muito. As redes sociais passaram a
promover encontros que alteraram significativamente o espaço e as formas de relação entre
os jovens tanto Mc’s quanto aqueles que apenas frequentam os bailes e/ou gostam da música
e do estilo funk.
Nos fins dos anos 2000 passaram a ter expressividade na cidade de São Paulo alguns
grupos de jovens, em sua grande maioria de meninos, com idade de 15 a 29 anos2, que se or-
ganizavam em “bondes” chamados por eles de “QZ”3. A sigla “QZ” significa Quebrada Zona,
contudo sua organização era por regiões da cidade, com isso a sigla ganhava o complemento
de sua quebrada, por exemplo: QZL – Quebrada Zona Leste. Neste movimento, era muito co-
mum identificá-los pelos bonés bordados com sua sigla nos espaços das escolas, shoppings,
1 “Trata-se de uma categoria que descreve o exercício de uma prática ou a oferta de determinado serviço em es-
tabelecimentos, equipamentos e espaços que não mantêm entre si uma relação de contiguidade espacial, sendo
reconhecido em seu conjunto por seus usuários habituais.” (MAGNANI, 2012.)
2 Essa referência de idade é a estabelecida pelas secretárias de juventudes dos municípios, Estados e União para
determinar as politicas públicas destinadas aos jovens.
3 Identifico esse movimento, guardadas as proporções, com os rolezinhos dos jovens das periferias aos shoppin-
gs de algumas capitais do Brasil no ano de 2014.
matinês, parques, etc.. As categorias de pedaço, mancha, circuito, trajetória e pórtico nos aju-
dam a entender esse movimento como uma mancha que na denominação de Magnani: “São
as manchas, áreas contiguas do espaço urbano dotadas de equipamentos que marcam seus
limites e viabilizam – cada qual com sua especificidade, competindo ou complementando –
uma atividade predominante. ” (MAGNANI, 2012). Podemos denominar os Bondes dos QZs
como manchas de lazer.
A referência a esse movimento é importante porque uma das características de seus
membros é que em sua grande maioria o gosto musical predominante era o funk. Um de
meus informantes durante essa pesquisa relatou que Mc’s hoje famosos como Mc Guime4
fizeram parte desses grupos e que um dos canais que os levavam aos bailes funk era os “rolês”
promovidos pelo QZ. Com significativa relevância, este grupo relatado tem importância para
a permeabilidade recente do funk entre os/as jovens das periferias de São Paulo.
Segundo os dados fornecidos no site da prefeitura da cidade de São Paulo, a Brasilândia
é um distrito que possui uma área de 21,00 Km² e população de 264,918 habitantes. Com
essa proporção a Brasilândia tem significativa importância territorial. Consta no mapa da
violência como um dos locais mais violentos da cidade. Em meio as suas quebradas, o Jardim
Terezinha é palco de um baile funk muito conhecido, o “Iraque é o fluxo”. Este é o baile funk
referência na região e que é objeto desta pesquisa.
METODOLOGIA
O trabalho de campo foi feito pelo método da observação participante. Fiz alguns per-
cursos diferentes para chegar ao fluxo que considero relevantes descrevê-los. Sempre fiz o
percurso para o baile de transporte público e trechos a pé. Nas primeiras idas a campo, toma-
va 3 lotações e andava um trecho a pé. Com o passar do tempo descobri que morava muito
mais perto do baile do que imaginava. Por esta descoberta, o percurso diminuiu de 3 para
1 lotação e um trecho a pé. É importante destacar desse relato que, pelo segundo percurso,
pude acompanhar vários “bondes5” de jovens que se deslocavam para o fluxo e assim viven-
ciar parte do trajeto desses jovens.
No trajeto6, os jovens costumavam parar numa pequena praça próxima ao Iraque
chamada “rotatória do Paulistano”, ela fica em frente à viela 6 conhecida como “viela do
Iraque”. Este é um trecho de descida de terra que desemboca em um escadão. Ao descê-lo,
já é possível ouvir o alto volume do som dos carros no fluxo que acontece na Rua Ipiroldes
Martins Borges mais conhecido como Iraque.
4 Mc Guime é um famoso funkeiro que ganhou grande visibilidade ao gravar a música “País do futebol” com o
jogador Neymar e o raper Emicida para a copa do mundo do Brasil em 2014.
5 “bonde” é um termo nativo que significa pequeno grupo de jovens (meninos ou meninas; raramente juntos)
que se reúnem para curtir o rolê. Nesse caso o bonde não tem mais as mesmas características dos QZs. Sobre os
bondes será mais bem relatado nos resultados deste relatório.
6 Trajeto aplica-se a fluxos recorrentes no espaço mais abrangente da cidade e no interior das manchas urbanas.
Esse percurso foi feito em média duas vezes ao mês durante aproximadamente 8 me-
ses. Durante a presença no baile, que se deu ou sozinho ou coletivamente com amigos, eu
ficava em algum lugar estratégico da calçada ou próximo a algum comércio aberto enquanto
tomava uma cerveja.7 A interlocução com os jovens era facilitada quando estava acompanha-
do de alguém da quebrada, mas em nenhum momento tive acesso ao bonde das meninas.
Quando possível eu tramitava em meio ao fluxo de deslocamentos constante durante toda a
noite. Por lá costumava ficar até as 04h00min ou em algumas poucas ocasiões até o fim do
fluxo que geralmente acabava entre 07h00min e 09h00min da manhã.
RESULTADOS
ESPAÇO
A quebrada do Iraque é um Pedaço estendido. Para pedaço utilizo a definição de
Magnani:
7 Permanecer sozinho ou sem nenhum consumo no fluxo pode gerar desconfiança. No meu caso isso era ainda
mais complicado por não ter o estilo funkeiro da maior parte dos rapazes.
9 Cagueta é o adjetivo atribuído àquele que revela alguma informação não autorizada sobre as ações do comando.
10 “não tem vez” é uma expressão nativa que significa que não haverá perdão.
que ele botou no alto pra avisar a massa que os cana já vinha
e a moçada que não dá mancada sentiu o aviso e não vacilou
pois toda favela tem sua passagem e sem caguetagem jamais alguém
dançou jamais alguém dançou...vai ter!”
As consequências para o cagueta podem ser até a morte. Outra regra importante que
é de conhecimento de todos se refere a “Talaricagem”11que em muitos casos é levado para os
altos escalões do comando para a verificação da procedência da acusação com consequências
graves como punição. Os “Zé povinho” por sua vez são todos aqueles que de alguma forma
atrapalham o andamento dos “negócios”. O conjunto de regras que abrangem o “proceder”
não se limita a essas acima, mas são essas que têm relevância para o cotidiano de uma comu-
nidade periférica e para os não membros do PCC.
Os membros do PCC que estão no “corre”12 são, na maioria das vezes, os próprios meni-
nos que nasceram e cresceram na comunidade que atuam. Mesmo o anonimato sendo umas
das principais características das grandes cidades, nas periferias ainda se mantém alguns laços
de relacionamentos de vizinhança. Isso para uma quebrada como o Iraque é facilmente manti-
do por ser um território pequeno. As relações estreitas são importantes para o nosso contexto,
pois a rapidez e a identificação com que um “vacilo”13chega aos ouvidos de um membro do
comando é determinante para a sensação de panóptico que existe nesses territórios.
Na lógica do “proceder” não existe um detentor da “verdade” sobre a procedência ou
não de um vacilo cometido por alguém. A partir do momento que alguém levanta a suspeita
sobre um possível vacilo cometido, dar-se início um processo denominado de “debate”. Nesse
espaço composto por diferentes atores do comando e os envolvidos na fita14 é feito uma ava-
liação dos argumentos apresentados.
11 A expressão “Talaricagem ou Talarico” se refere ao caso de um homem cantar uma mulher comprometida.
É importante notar que não existe o feminino de talarico, no entanto essa regra não é exatamente desprezada
pelas mulheres.
12 A expressão “corre” significa as diversas funções exercidas por um irmão ou primo nas atividades do coman-
do fora da cadeia.
13 A expressão “vacilo” significa uma infração as regras do “proceder”.
14 “fita” é o mesmo que acontecimento, ocorrido, fato.
Não tenho condições de afirmar com exatidão que o “debate” nas quebradas possui a
mesma estrutura dos relatados por Marques nas prisões. Mas uma constante observada é que
os “debates” são constituídos de relações de poder estabelecidas de antemão. Nessa estrutura
os “aliados” sempre terão vantagens em relação aos que não pertencem ao comando ou aos
desconhecidos da quebrada. São esses fatores importantes, pois num eventual debate poder
contar com um “passar pano”15 nunca deve ser dispensado.
Todas as regras apresentadas até agora constituem a organização de praticamente todas
as quebradas de São Paulo. É importante ressaltar que existem possibilidades dessas regras
serem aplicadas de diferentes formas de acordo com cada situação. O Iraque está inserido
nessas regras e o fluxo não é isento, pelo contrário, é submetido à vigilância e eventuais puni-
ções de acordo com o “proceder” dos frequentadores.
Durante o fluxo ocorrem muitas “tretas16”, algumas são possíveis de entender os por-
quês, outras nem sempre. No entanto sua resolução acontece pela interferência de um agente
externo que media um apaziguamento. Em certos casos o debate é estabelecido em local
separado.17
O FLUXO
Os bondes dos/as jovens ocupam os espaços das calçadas e parte da rua principal e sem
saída do Iraque. Alguns também se estabelecem no escadão que dá acesso à rua principal.
Os bares também são parcialmente ocupados. O meio da rua fica em constante movimento
de duas filas que andam em direção ao “bar da loira” ou em sentido contrário em direção ao
escadão. Em meio ao fluxo alguns bondes ficam parados observando a movimentação. Os
carros de som dão o ritmo ao fluxo, em média no Iraque há de 2 a 3 carros de som ligados
simultaneamente em músicas diferentes. Não há uma disputa declarada sobre o som mais
potente, os jovens se aproximam dos carros aleatoriamente para curtir o som que desejam
no momento.
Alguns sinais nos ajudam na distinção dos bondes: as bebidas e/ou drogas ilícitas con-
sumidas, os locais de proveniência, orientação sexual e gênero. Dentre essas possibilidades as
combinações não são exatamente uma camisa de força, mas certa regularidade é observada.
Em todo meu trabalho de campo raramente vi meninas junto com o bonde dos meninos,
somente quando havia algum vínculo de relacionamento amoroso entre algum deles. As me-
ninas costumavam andar, sempre em bonde, muito mais que os meninos. Estes ficavam mais
parados.
15 “Passar pano”, nesse caso, significa abrandar ou omitir a falha de um aliado; “dar pano”, por efeito, é fornecer
proteção ao aliado; enfim, “ficar no pano” é a situação de proteção pela qual passa esse aliado.
16 “Treta” gíria que corresponde a confusão, briga, desentendimento.
17 Não tive a oportunidade de presenciar um debate o Iraque, até porque o mesmo é restrito, mas tenho
conhecimento por narrativas da quebrada de outros acontecimentos que levaram a esse método.
O número de homossexuais é bem inferior e também tem seu bonde que geralmente
está acompanhado por meninas. O espaço em que eles permaneciam era regularmente o
mesmo. No entanto nunca presenciei nenhuma situação de hostilidade contra nenhum deles.
No “bar da loira” existe um espaço em cima do bar que alguns jovens ficam por um
tempo durante a noite. Quando observei este espaço pela primeira vez, logo o associei a um
“camarote” exclusivo para alguns poucos autorizados em acessá-lo. Com o tempo percebi que
o fluxo de pessoas também era intenso nesse espaço e arrisquei adentrá-lo. Foi uma ótima
experiência com um ângulo de visão privilegiado e sem nenhuma restrição de acesso.
Além do comércio “legal” de bares e mercearias abertos durante toda a madrugada, as
lojinhas18 também são facilmente identificadas. Nelas há sempre dois ou três meninos para-
dos conversando, geralmente sentados e bastante observantes. No fluxo também é possível
solicitar a algum garoto que busque uma “paranga”19 na lojinha em troca de uns trocados ou
de promessa de divisão da droga. Uma droga que provoca um comportamento diferente nos
usuários é o lança-perfume, sob o uso dessa droga geralmente o usuário costuma ficar mais
sozinho do que em grupo e em constante movimentação.
Diante dessa descrição é importante se fazer algumas questões: Quais as regras que or-
ganizam o baile? Por que não se dança? Qual atmosfera moralizante permeia suas relações?
Essas e outras questões nortearam a minha observação e no decorrer do trabalho foram par-
cialmente respondidas.
CONCLUSÕES
Na metodologia relatei que numa determinada etapa do trabalho de campo passei a
acompanhar o itinerário de alguns bondes indo em direção ao fluxo. Em uma dessas opor-
tunidades verifiquei que havia muitos jovens concentrados na “rotatória do Paulistano” con-
versando entre eles que no Iraque aquela noite estava “moiado20”. Resolvi descer a viela para
verificar e pude ver a presença de duas viaturas da polícia militar fazendo guarda na rua
principal. Fiz o retorno e aguardei com os jovens o que iria acontecer. Por volta das 3 horas
da manhã começou uma movimentação em direção ao Iraque e o fluxo começou.
Para além de qualquer especulação é de conhecimento de todos a velha prática do
pagamento do “arrego”21a policiais militares e civis para “facilitar” o comércio de drogas.
Essa também não deixa de ser uma condição para que aconteça o fluxo. Para tanto é quase
impossível ter acesso aos detalhes dos acordos e o porquê de intermitentemente o fluxo ser
impedido de acontecer. O papel dos atores envolvidos é fundamental nessa negociação e as
relações de poder são determinantes nesse processo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIONDI, Karina. Junto e misturado: uma etnografia do PCC. São Paulo: ed. Terceiro Nome, 2010.
FERREIRA, Alexandre Barbosa. A maior zoeira: experiências juvenis na periferia de São Paulo. São Paulo,
2008.
FOUCAULT, Michael. Vigiar e punir: nascimento da prisão 36ª ed. Petrópolis: Vozes, 2009.
GLUCKMAN, Max. Analise de uma situação social na Zululândia Moderna. In. BIANCO, Bela Feldman
(Org.). Antropologia das sociedades contemporâneas. São Paulo, Ed. UNESP, 2010.
MAGNANI, José Guilherme Cantor & SOUZA, Bruna Mantese de. (org.) Jovens na Metrópole: etnogra-
fias de circuitos de lazer, encontro e sociabilidade. 1ed. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2007.
MAGNANI, José Guilherme Cantor. Da periferia ao centro: trajetórias de pesquisa em antropologia urba-
na; prefacio Peter Fry; posfácio Marcio Silva. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2012.
MARQUES, Adalto. Crime e proceder: um experimento antropológico. São Paulo: Alameda, 2014.
NOVAES, Regina & VENNUCHI, Paulo (org.). Juventude e sociedade: Trabalho, Cultura e participação.
São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2004.
As disparidades entre a juventude negra e branca, mesmo tendo diminuído nos últimos anos, ainda apresenta
diferenças significativas na vida desses jovens, sobretudo no que se refere a mobilidade social, dificultada à
juventude negra pela baixa escolarização, que consequentemente proporciona menos oportunidade de empre-
go, com isso, baixa remuneração e manutenção das desigualdades. A ausência ou negação da escola, coloca a
juventude negra em situação mais vulnerável, tendo que sair mais cedo de casa para ocupar trabalhos informais
de “menor prestigio” para garantir sua subsistência. Sob este enfoque, o artigo tem como objetivo desenvolver
uma discussão crítica sobre a situação da juventude negra, levando em consideração dados disponibilizados
pelo IBGE nos últimos anos. Para tanto, realizou-se um levantamento bibliográfico e documental sobre a popu-
lação negra, com destaque a sua juventude. Em face da leitura, diálogo teórico e debates no Grupo de Estudos
e Pesquisa em Adolescência, Juventude e fatores de vulnerabilidades e proteção (GEPJUV) observa-se que o
jovem negro ainda é alvo do genocídio no Brasil, que não é mero acaso, mas atende a uma estrutura de poder
que tem suas raízes fincadas em meados do século XV com o início do processo de “colonização” no país. Em
contrapartida a este cenário de violência e ao quadro de desigualdade montado pelo sistema capitalista, temos
a participação da juventude negra nos movimentos sociais contestatórios. Nesta direção, pode-se citar a luta e
resistência que visam por diversas frentes, reavivar Palmares novamente, buscando o reconhecimento das suas
raízes na formação do país.
INTRODUÇÃO
Tem que acreditar, desde cedo a mãe da gente fala assim: “Filho por
você ser preto, você tem que ser duas vezes melhor”
GENOCÍDIO- geno-cídio
3 Esses ganhavam terras para o cultivo no país. Essa informação pode ser constatada quando direcionamos
nossos olhares ao sul e sudeste do país, o qual, concentram grande número de pessoas brancas frutos dessa
imigração (alemães, italianos etc..).
4 Ver decreto 3.688 de 1941 que institui a conhecida “lei de vadiagem” que em seu artigo 59 prevê a prisão de
até três meses a pessoas que se encontrem na ociosidade. Nesse período, quem estava desempregado? O negro e
a negra! Figuras frequentes nos boletins policiais da época. Essa e o a imigração, algumas das diferentes formas
de discriminação e aniquilamento contra a população negra proposta pelo Estado Racista.
A população negra no país, deixa de ser a classe escravizada dos tempos de colônia e
império, para hoje ocupar outro posto, a da camada da população mais pobre. Para Santos
(S/D, p.06) “a forma como que se fez a abolição condenou os negros à imobilidade social”, na
medida em que manteve as estruturas e relegou a população negra a conviver com o racismo,
a falta de emprego, saúde e educação.
Com o racismo, atribui-se determinados critérios psicológicos, morais, intelectuais,
culturais e estéticos entre sujeitos e povos que são situados em uma escala de valores desiguais
(MUNANGA, 2003). Nessa escala de valores, os ligados à população negra estão em último.
Um dos artifícios do racismo, é segundo Franz Fanon (2008), produzir desvios existenciais
de nossa cultura e memória, propagando o sentimento de inferiorização que é absorvido de
forma consciente ou inconsciente pelos sujeitos, no caso da população negra, afastando-os de
sua negritude5 (MUNANGA, 1998).
O racismo em sua finalidade, se mostrou muito eficaz no Brasil, isso porque conseguiu
e ainda consegue sustentar a desigualdade entre os indivíduos, atuando em diferentes instân-
cias (interpessoal, pessoal e institucional) de forma descabida e dissimulada. Na contramão
do racismo, é essencial destacar o fortalecimento e surgimento de diversos grupos, entidades
e movimentos sociais durante o século XX (século em que a juventude também ganha visibi-
lidade), ao qual visavam denunciar a situação da população negra no país, ao mesmo tempo
em que desmontavam a tese de passividade destes. Essas organizações e movimentos, além
de serem importantes ferramentas de denúncia e difusão da cultura negra, atuam no combate
ao racismo, preconceito e discriminação, exigindo políticas afirmativas para reparar os mais
de 300 anos de exploração ao qual os próprios foram submetidos no Brasil.
No contexto das primeiras décadas do século XX, surgiram associações carnavalescas
em São Paulo como forma de ressaltar a cultura afro-brasileira por meio da música. Nesse
mesmo período, surgiram também jornais dirigidos por negros, onde tinham por finalidade
divulgar a cultura negra e a situação do negro no país, bem como, reivindicar políticas afir-
mativas. Dentre os principais jornais, destacaram-se: O Combate (1912); O Alfinete (1918);
Kosmos (1922); O Clarim da Alvorada (1928) e Tribuna Negra (1928) (MATTOS, 2015).
Em complemento a essas ações, ainda temos os movimentos culturais e políticos como
o Centro Cívico Palmares – CCP (1927), a Frente Negra Brasileira – FNB (1931) o Teatro
Experimental do Negro – TEN (1944) e o Movimento Negro Unificado – MNU (1978) que
visavam a difusão da cultura africana e afro-brasileira por meio de atividades teatrais e alfa-
betização desenvolvidas pelo TEN e CCP, além de reivindicações de políticas de reparação,
superação do racismo e de valorização da história e cultura africana puxadas pela FNB e pelo
MNU (ALBURQUERQUE; FILHO, 2006).
5 “Para Césarie, a negritude é o simples reconhecimento do fato de ser negro, a aceitação de seu destino, de sua
história, de sua cultura. Mais tarde, Césarie irá redefini-la em três palavras: identidade, fidelidade, solidarieda-
de” (MUNANGA, 1998, p.24).
Ainda que houvesse um otimismo, encerramos o século XX ainda com diferenças sig-
nificativas entre negros(as) e não brancos(as), em todos os setores da sociedade. De acordo
com Henriques (2001), a taxa de analfabetismo entre jovens brancos(as) e negros(as) de 15 a
25 anos ainda era muito discrepante, enquanto o primeiro apresentava uma taxa percentual
de 2,6%, o segundo atingia 7,6% do total de pessoas que não sabiam ler, uma diferença de 5%.
A diferença entre as populações (branca e negra) se estendia para todos os níveis de ensino,
chegando a desoladora taxa de ingressos na universidade, onde 98% dos negros estavam fora.
No campo emprego e renda mensal, a população negra também se encontrava em des-
vantagem nesse mesmo período. De acordo com dados do IPEA analisados por Henriques
(2001), a taxa desemprego entre brancos e negros é bem distinta, isso porque os últimos
eram 10,9% dos desempregados enquanto os primeiros somavam 8,9% de uma população
significativamente superior (43, 1 milhões de brancos para 35,7 milhões de negros no Brasil).
Mesmo com o avanço de políticas afirmativas voltadas a promoção da igualdade racial
conquistadas entre o final do século passado e o início deste como as cotas para negros(as)
em universidades e a Lei 10.639/036, o fardo do racismo, da discriminação e do preconceito
ainda atinge a população negra (NASCIMENTO, 1978).
Dados recentes divulgados pelo Atlas da violência do IPEA de junho de 2017 e da
Anistia Internacional (2017), mostram que a juventude negra no país figura como a principal
vítima de crimes cometidos por arma de fogo, onde menos de 8% dos casos são julgados.
“A cada 100 pessoas que sofrem homicídio no Brasil, 71 são negras. Jovens e negros do sexo
masculino continuam sendo assassinados todos os anos como se vivessem em situação de
guerra” (IPEA, 2017, p.30).
De acordo com dados do IPEA (2017, p.30) “(...) o cidadão negro possui chances 23,5%
maiores de sofrer assassinato em relação a cidadãos de outras raças/cores, já descontado o
efeito da idade, sexo, escolaridade, estado civil e bairro de residência (...)”. Em consonância
com o homicídio da juventude negra, temos os dados disponibilizados pelo Departamento
Penitenciário Nacional (DEPEN) via Informações Penitenciárias (INFOPEN) (2014) que
embora não traga elementos precisos sobre a faixa etária da amostragem, revela que 61,67%
dos 622.202 detentos que compõem a população carcerária brasileira é negra, isso de um
contingente populacional que compreende 53,63% da População Brasileira hoje. É taxativo
afirmar que, quando o Estado não mata a população negra, ele a encarcera. A consequência
disto é inquietante, pois, a juventude negra se vê cada vez mais cercada pelas armadilhas do
genocídio que não cessa.
O cenário se mostra preocupante, haja vista, que o Estado em seus diferentes poderes
ainda reproduz o racismo, não tratando igual os sujeitos, condenando a juventude negra a
viver sob uma “anomalia social”. Esse cenário sem dúvida alguma, reflete o enunciado no
início deste artigo, onde a discussão de estrutura do poder baseado no conceito de raça se fez
necessário, isso porque, mesmo com conquistas do MN, a juventude negra ainda encabeça
a lista dos desempregados, dos analfabetos, dos que abandonam a escola antes de tempo e
dos que têm maior defasagem escolar (BENTO; BEGHIN, 2005, p.194). Para dar mais visi-
bilidade ao racismo vigente em nossa sociedade, basta olharmos os dados do Plano Nacional
por Amostra de Domicilio (PNAD) de 20157 vinculado ao Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) que disponibiliza dentre tantas informações, um panorama sobre a edu-
cação no Brasil. De acordo com a PNAD (2015) a taxa de analfabetismo da população negra
com 15 anos ou mais é 11,5 enquanto a população branca é 5,2%, ou seja, mais que o dobro.
Esses dados podem ser complementados com outros que revelam a distorção série-ida-
de de pessoas entre 13 e 16 anos que frequentam o ensino fundamental, onde mais uma vez
os negros e negras lideram, sendo 47,7% em comparação a população branca que são 30,9%
com essa defasem no processo de escolarização. As distorções nos anos de escolarização bá-
sica, resultam efeitos no ingresso de jovens negros e negras no ensino superior, onde esses se
fazem presente em 40,7%, (em um contexto de políticas afirmativas) enquanto a população
branca com a mesma faixa etária (entre 18 e 24 anos) são 69,4% dos presentes neste nível de
ensino (PNAD, 2015).
A ausência ou negação da escola, coloca a juventude negra em situação mais vulnerá-
vel, tendo que sair mais cedo de casa para ocupar trabalhos informais de “menor prestigio”
para garantir sua subsistência.
7 O documento da PNAD (2017) “Síntese de indicadores sociais: uma análise das con-
dições de vida da população brasileira” do ano 2016 não traz o recorte racial em seus dados
sobre a educação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociedade tem um desafio, no que tange a modificação desse quadro de desigual-
dade, montado e assegurado “pelos interesses capitalistas do colonialismo até hoje vigen-
tes, os quais vêm mantendo a raça negra em séculos de martírio e inexorável destruição”
(NASCIMENTO, 1978, p.137). O problema do Brasil não é só social como nos fazem crer. É
também racial! O racismo faz parte da estratégia ideológica de um grupo para se manter no
poder, isso porque, busca inverter a culpa, jogando a responsabilidade da condição da popu-
lação negra no país aos próprios sujeitos, dada sua “suposta inferioridade”.
Diante do contexto de racismo, observa-se que os jovens negros é um dos grupos so-
ciais mais afetados, tendo em vista as consequências oriundas de sua prática na vida dos
mesmos, reflexo disso é a taxa elevada de homicídio, em que 71% são jovens negros, pobres
e residentes em periferia (IPEA, 2017, p.30), demonstrando a urgência na constituição de
estratégias de enfrentamento ao racismo e, por consequência, de combate à violência contra
a população negra.
Existem hoje movimentos fortes puxados por diversas frentes que visam formar
Palmares novamente, denunciando o processo de genocídio ao qual o negro vem sofrendo
no país. Nesse movimento, a população negra procura recompor “os elos que os unem à sua
ancestralidade, em busca da recuperação da identidade negra que estava “adormecida”. Cabe
às lideranças procurarem levar o povo negro a desenvolver sua consciência, para que conheça
adequadamente sua realidade passada e presente (...)” (LOPES, 2011, p.211).
Entretanto, para além dos movimentos sociais, é necessário haver interesse político,
com vistas a garantir a efetividade dos marcos legais direcionados ao atendimento do negro
no Brasil, a começar pelas políticas educacionais, de trabalho, emprego e renda, como forma
de minimizar as sequelas da escravidão no território nacional, de modo a contrapor o ce-
nário de desigualdade socioeconômica brasileiro. Parece utópico, mas é necessário resistir e
acreditar em novas mentalidades, inclusive no meio político, que considere o outro a partir
de suas especificidades, ultrapassando o tratamento pela cor da pele e valorizando as raízes
sociohistóricas do nosso povo.
REFERÊNCIA
ALBUQUERQUE, Wlamyra R. de, FILHO, Walter Fraga. Uma história do negro no Brasil. Salvador:
Centro de Estudos Afro-Orientais, Brasília: Fundação Cultural Palmares, 2006.
BANGO, Julio. Políticas de Juventude na América Latina: Identificação de desafios. In: FREITAS, Maria
Virgínia de.; PAPA, Fernanda de Carvalho (Orgs.). Políticas públicas: juventude em pauta. – São Paulo:
Cortez: Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação: Fundação Friedrich Ebert, 2003.
BENTO, Maria Aparecida Silva; BEGHIN Nathalie. Juventude negra e exclusão radical. IN: políticas
sociais - acompanhamento e análise do IPEA, 2005. p.194-197.
BRASIL. Políticas públicas de/ para/ com juventude. – Brasília: UNESCO, 2004.
______. Lei 10.639 de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que esta-
belece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: [s.n.], 2003.
______. Lei número 9394, 20 de dezembro de 1996. Institui a Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional, Brasília, 1996.
______. Lei Áurea nº 3.353 de 13 de maio de 1888. Declara extinta desde a data desta Lei a escravidão
no Brasil. 1988.
______. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Senado Federal,
1988.
______. Lei nº 7.437, de 20 de dezembro de 1985. Inclui, entre as contravenções penais a prática de atos
resultantes de preconceito de raça, de cor, de sexo ou de estado civil, dando nova redação à Lei nº 1.390, de
3 de julho de 1951 Lei Afonso Arinos. Brasília, 1985.
CHIAVENATO, Julio José. O Negro no Brasil. 1 ed. Cortez. São Paulo: Brasiliense, 2012.
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Tradução de Renato da Silveira. Salvador: EDUFBA, 2008.
FERNANDES, Florestan. O negro no mundo do Branco. Editora Difusão Europeia do Livro. São Paulo,
1972.
HASENBALG, Carlos. Discriminação e Desigualdades Raciais no Brasil. 2. ed. Belo Horizonte: Editora
UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2005, 316 p.
HENRIQUES, Ricardo. Desigualdade racial no Brasil: evolução das condições de vida na década de 90.
Brasília: julho de 2001. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/igualdaderacial/index.php?option=com_
content&view=article&id=652>. Acessado em 18 de junho de 2015.
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). Atlas da Violência 2017. Fórum Brasileiro de
Segurança Pública. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&-
view=article&id=30253>. Acessado em 10 de junho de 2017.
LOPES, Nei. Bantos, malês e identidade negra. 3ª Ed. Autentica, Belo Horizonte, 2011.
MATTOS, Regiane Augusto de. História e Cultura afro-brasileira. 2º ed. Editora Contexto, São Paulo,
2015.
MATIJASCIC, Milko; SILVA, Tatiana Dias. Jovens negros: panorama da situação social no brasil segun-
do indicadores selecionados entre 1992 e 2012. In: SILVA, Enid Rocha Andrade da; BOTELHO, Rosana
Ulhôa. Dimensões da experiência juvenil brasileira e novos desafios às políticas públicas. Brasília: Ipea,
2016. p. 269-292.
MUNANGA, K. Uma Abordagem Conceitual das Noções de Raça, Racismo, Identidade e Etnia. Palestra
proferida no 3º Seminário Nacional Relações Raciais e Educação-PENESB-RJ. Rio de Janeiro, 2003.
______. Negritude - Usos e Sentidos. 2ª Ed. Series princípios, editora Ática. São Paulo -SP, 1998.
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD. Síntese de Indicadores Sociais: Uma Análise das
Condições de Vida da População Brasileira. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, Rio de
Janeiro: Cddi, 2017
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD. Síntese de Indicadores Sociais: Uma Análise das
Condições de Vida da População Brasileira. Instituto Brasileiro de Geografia a e Estatística – IBGE, Rio
de Janeiro-RJ, 2015
PONTUAL, Pedro. Juventude e Poder Público: diálogo e participação. In: FREITAS, Maria Virgínia de.;
PAPA, Fernanda de Carvalho. (Organização). Políticas públicas: juventude em pauta. – São Paulo: Cortez:
Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação: Fundação Friedrich Ebert, 2003.
INTRODUÇÃO
Iniciado no ano de 2014, o projeto de extensão da PUC Minas “MediAção Comunitária:
Educação, Mediação de Conflitos e Justiça Restaurativa”, tem como objetivo para 2018: pro-
mover um processo educativo prático-teórico em mediação comunitária, contemplando
também atividades de educação em direitos humanos e ações comunitárias. O Projeto busca
a inter/transdisciplinaridade e articula saberes da Psicologia Social, do Direito e da Educação.
Sob a orientação da pesquisa/intervenção, a mediação de conflitos transformativa constitui
o principal método adotado; além das oficinas psicossociais e técnicas afins. Desta forma, o
projeto promove a união da teoria (capacitações, leitura e escrita) com atividades práticas
realizadas semanalmente no bairro São Gabriel e região metropolitana de Belo Horizonte.
1 O educador Juarez Dayrell opta pelos termos jovem/juventude. Lembro que segundo as definições vigentes
a juventude compreende a faixa etária entre 15 e 24 anos. Acompanho o autor. O termo adolescente segun-
do algumas definições (por exemplo o ECA) compreende a faixa etária entre 12 e 18 anos. Tradicionalmente
adolescente tem sido mais utilizado a partir de uma perspectiva biopsíquica. Juventude se apresenta mais nas
produções das ciências sociais e enfatiza a dimensão de construção social que se faz por meios de discursos e
práticas sociais.
2 Há basicamente três escolas de mediação de conflitos. A Escola de Harvard que é centrada no acordo, a Escola
Circular Narrativa que se centra nas relações e no acordo e a Escola Transformativa que foca nas relações e na
transformação das posições dos mediandos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No contexto da mediação de conflitos Riskin (2001) e Six (2001) são autores que afir-
mam os princípios da neutralidade e da imparcialidade. O mediador seria um terceiro neutro
e imparcial que auxilia as partes a, voluntariamente, resolverem seus conflitos ou planejarem
uma transação. Porém a mediadora comunitária Souza (2003) pondera que “Hoje” já não
se deveria pensar na neutralidade na conduta do mediador, mas que ele é um terceiro a fa-
vorecer uma distribuição equitativa de poder entre as partes por meio de uma posição sua
de equidistância entre elas. O conceito de neutralidade se choca com a definição de conflito
(intersubjetividade) e coloca o foco na subjetividade.
No atendimento em processo, elementos de afeto, poder e violência, especialmente nos
âmbitos das relações de gênero e de geração no contexto familiar estão sendo focalizados e
trabalhados a partir do que as mediandas e o mediando trazem. Isto tem sido feito por meio
de problematizações e perguntas reflexivas, orientadas por perspectiva e conduta ético-polí-
ticas da equipe de mediação, portanto não neutras ou imparciais. Acredita-se que esse modo
de intervir pode contribuir para a potencialização dos sujeitos e sujeitas em cada identidade
em processo de reelaboração: mulheres adulta e jovem e homem adulto; mãe, pai e filha ado-
lescente, consequentemente o empoderamento do grupo familiar.
Insurgindo contra as diretrizes de neutralidade e imparcialidade para a mediação e
seguindo Figueiredo (1998), postula-se que intervenções e escutas críticas da indisciplina
(nos contextos escolar ou familiar, por exemplo) podem se relacionar a uma “in-disciplina”.
Sendo assim pode-se confrontar com a normatização da família, das relações de gênero, da
adolescência/juventude, da identidade e subjetividade e, com elas, do método consensual de
resolução de controvérsias adotado. Isto pode viabilizar a compreensão e conceituação da
mediação de conflitos como dispositivo emancipatório, de emergência do sujeito (Touraine,
2006; Gonzalez Rey, 2004), algo perseguido pelos movimentos sociais e as práticas comuni-
tárias críticas e de defesa dos direitos humanos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Tania. Mediação e Conciliação: dois paradigmas distintos, duas práticas diversas. In CASELLA,
Paulo Borba; SOUZA, Luciane Moessa (coords). Mediação de Conflitos: novo paradigma de acesso à
justiça. Belo Horizonte: Fórum, 2009. P. 93-102
ARROYO, M. G. Os jovens, seu direito a se saber e o currículo. In DAYRELL, Juarez; CARRANO, Paulo &
MATA, Carla L. Juventude e Ensino Médio. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
CASTRO, Juan C. R.; SALLES, Leila F. e SILVA, Joyce M. A. P. Violência e Identidades dos Jovens na
Escola. In MAYOGA, Claudia; RASERA, Emerson F. e PEREIRA, Maristela S. Psicologia Social: Sobre
Desigualdades e Enfrentamentos. Curitiba: JURUÀ, 2009.
CORTI, Ana P. Ser aluno: um olhar sobre a construção social desse ofício. In DAYRELL, Juarez; CARRANO,
Paulo & MATA, Carla L. Juventude e Ensino Médio. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
COSTA, Antonio C. G. O adolescente como protagonista. Belo Horizonte: Modus Faciendi, 2001.
COSTA, Jurandir F. Narcisismo em tempos sombrios. In BIRMAN, Joel (coord). Percursos na historia da
psicanálise. Rio de Janeiro: Taurus, 1988.
COSTA, Jurandir Freire. Transcendência e Violência. Cap. 6. In JACÒ-VILELA, Ana Maria; SATO, Leny.
Diálogos em Psicologia Social. Porto Alegre: ABRAPSOSUL, 2007.
DAYRELL, Juarez. A música entra em cena: o funk e o rap na socialização da juventude em Belo
Horizonte. São Paulo: Faculdade de Educação (Tese Doutorado). 2001.
DUSSEL, Enrique. Método para uma filosofia da libertação. São Paulo: Loyola, 1986.
FURLIN, Neiva. A noção de sujeito em Touraine e Foucault: contribuições epistemológicas para o pensa-
mento social. in XV Congresso Brasileiro de Sociologia. 26 a 29 de julho de 2011, Curitiba (PR).
GADOTTI, Moacir & ROMÃO, José E. (orgs). Educação de Jovens e Adultos: teoria, prática e proposta.
São Paulo Cortez, 2011.
GUARESCHI, Neuza M. F. Políticas de Identidade: novos enfoques e novos desafios para a psicologia so-
cial. in Psicologia & Sociedade Vol. 12, n. 12 jan/dez. São Paulo: ABRAPSO, 2000.
GUARESCHI, Pedrinho A. Sinais de um novo paradigma. In: CAMPOS, Regina H. F.; GUARESCHI,
Pedrinho A. (Org.). Paradigmas em psicologia social: a perspectiva latino-americana. Petrópolis:
Vozes, 2002. p. 207-221.
GONÇALVES, Luiz Alberto L.; SILVA, Petronilha B. G. O Jogo das Diferenças: o multiculturalismo e
seus contextos. Belo Horizonte: Autêntica, 1998.
KALINA, E. Psicoterapia de adolescentes: teoria, técnica e casos clínicos. (C. R. A. Silva, Trad.). Porto
Alegre: Artes Médicas, 3ª Ed. 1999.
MARTIN-BARÓ, Ignacio. Para uma Psicologia da Libertação. In GUZZO, Raquel & LACERDA JR,
Fernando (orgs). Psicologia Social para a América Latina. Campinas, SP: Alínea, 2009.
MARTINS, Suely T. F. O processo grupal e a questão do poder em Martin-Baró. Psicologia & Sociedade/
Associação Brasileira de Psicologia Social. vol 1,n. 1 (1986). São Paulo: ABRAPSO, 1986-v.
MISSE, Michel. Violência: o que foi que aconteceu? Michel Misse Jornal do
SINTURF, ano XVII, n. 529, 2002. Núcleo de Estudos da Cidadania Conflito e Violência Urbana. 2002.
Disponível em: <http://necvu.tempsite.ws/index.asp?ChvMn=56>. Acesso em 28 ago. 2017.
SERRÃO, Margarida e BALEEIRO, Maria C. Aprendendo a ser e a conviver. São Paulo. FTD, 1999.
SILVA, V. & MATTOS, H. Os jovens são mais vulneráveis às drogas? in I. Pinsky & M. A. Bessa (Orgs.),
Adolescência e drogas (pp. 31-44). São Paulo: Contexto. 2004.
SOUZA, Jessé. Os Batalhadores Brasileiros: Nova clase média ou nova clase trabalhadora? Belo
Horizonte: Editora UFMG 2012/ 1a edicao
SOUZA, Rosane M. Mediação Social: uma experiência de trabalho em comunidade de baixa renda. In
MUSKAT, Malvina, E. Mediação de conflitos: pacificando e prevenindo a violência. São Paulo: Summus,
2003.
SPOSITO, Marilia Pontes. Juventude: Crise, Identidade e Escola. In DAYRELL, Juarez (org). Múltiplos
olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996(2ª reimpressão 2001). 96-104
TEIXEIRA, Inês C. Os professores como sujeitos sócio-culturais. In DAYRELL, Juarez (org). Múltiplos
olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1996(2ª reimpressão 2001).
TOURAINE, Alain. O Retorno do Actor: Ensaio Sobre Sociologia. Lisboa: Instituo Piaget, 1984.
TOURAINE, Alain. Um novo paradigma para compreender o mundo hoje. Petrópolis: Vozes, 2006.
INTRODUÇÃO
A violência intrafamiliar é de um fenômeno complexo que ocorre no âmbito das re-
lações familiares. A sua ocorrência não se limita ao espaço físico, ou seja, pode ser perpe-
trada no interior ou fora de casa por algum membro da família. Abrange pessoas que exer-
cem a função parental, mesmo que sem laços consanguíneos, e em relação de poder à outra
(BRASIL, 2002). Neste sentido, episódios de violência intrafamiliar contra a criança e o ado-
lescente ocorrem desde a antiguidade, em todas as classes sociais, numa relação permissiva
entre práticas educativas e punição (MINAYO, 2001; MOREIRA; SOUSA, 2012).
As relações familiares violentas resultam em várias consequências para os adolescentes
que convivem nesse contexto, entre elas, a vivência precoce de relações violentas no namoro
(ANACONA, 2008; ASSIS et al., 2011; OMS, 2015; CDC1, 2016). Nesta perspectiva, a expe-
riência de violência na família de origem é apontada como um dos fatores de risco para ocor-
rência da violência no namoro entre adolescentes, além de ser preditor da violência conjugal
(GÓMEZ, 2011; OMS, 2015).
O fenômeno da transmissão intergeracional de violência nas relações amorosas de
adolescentes é bastante estudado no cenário internacional. No Brasil, tal temática apresenta
uma grande lacuna (WOLFE; SCOTT; WEKERLE; PITTMAN, 2001; GOVER; KAUKINEN;
FOX, 2008; OLIVEIRA, SANI, MAGALHÃES; 2012; FAIAS; CARIDADE; CARDOSO,
2016). Face a esse aspecto, Oliveira, Sani e Magalhães, (2012, p. 175) ressaltam que a origem
da violência conjugal “pode estar na transmissão intergeracional desta violência, designada-
mente a partir da família, a qual se pode começar a revelar desde as relações de namoro na
adolescência”. Nesse ponto de vista, Scantamburlo, Moré e Crepaldi (2012) ressaltam que não
há uma relação direta, linear entre a exposição da violência no âmbito familiar e vitimização/
perpetração da violência no namoro.
A Violência no namoro entre adolescentes “pode ser qualquer comportamento que
prejudique o desenvolvimento e a saúde da(o) parceira(o) e comprometa a sua integridade
física, psicológica ou sexual” (Njaine, 2015, p. 382). A literatura especializada sobre o tema
identifica várias formas de violências praticadas no âmbito do relacionamento de namoro ou
ficar, a saber: física, psicológica (emocional/verbal), sexual, financeira, digital e a perseguição
(CDC, 2016).
Pesquisa realizada no país investigou a violência nas relações de namoro e ficar de ado-
lescentes em dez capitais brasileiras. Participaram do estudo 3.200 alunos na faixa etária de
15 a 19 anos de 104 escolas públicas e privadas entre os anos 2007 a 2009. Concluiu-se que
a maioria das meninas e dos meninos, 76,6%, simultaneamente perpetra e sofre vários tipos
de violência no relacionamento, dados que corroboram com as pesquisas internacionais. Na
violência psicológica, por exemplo, esse número sobe para 96,9%. As altas taxas apontam a
banalização e a aceitação desse tipo de violência por parte dos adolescentes (OLIVEIRA, Q
et al., 2011).
Diante desse cenário, o presente trabalho tem como objetivo compreender como o
adolescente com histórico de violência intrafamiliar constrói suas relações amorosas. Face
à lacuna dos estudos nacionais relacionados ao fenômeno da violência no namoro, faz-se
importante também estudar as relações amorosas de namoro ou ficar de adolescentes que já
experienciaram na infância, ou ainda, experenciam diretamente ou testemunham a violência
entre os seus pais e/ou responsáveis.
MÉTODO
O presente estudo é uma pesquisa de natureza qualitativa, de caráter exploratório.
Minayo (2014) versa que a pesquisa qualitativa se fundamenta em uma estratégia baseada
em dados coletados diante de interações sociais de grupos circunscritos, analisadas a partir
dos significados que os atores atribuem ao fenômeno, de como vivem, pensam e sentem.
Como estratégia de investigação elegeu-se o estudo de caso. Este método busca conhecer em
profundidade o singular, sem ignorar o contexto e suas interligações (ANDRE, 2005).
Ressalta-se que este estudo é um recorte da dissertação “As relações amorosas do ado-
lescente com histórico de violência intrafamiliar”. Para a inclusão na pesquisa os participan-
tes foram vítimas de violência intrafamiliar e que tivessem namorado ou ficado, independen-
temente do tempo de duração da relação.
A coleta de dados se deu por meio de uma entrevista semiestruturada realizada na
residência dos adolescentes. As respostas foram audiogravadas para posterior transcrição
e análise. Os dados foram analisados através da Técnica de Análise Temática do Conteúdo,
considerando três etapas: (a) pré-análise, que é composta pela leitura flutuante, ou seja, o pes-
quisador deixa-se impregnar pelo conteúdo, por meio de exaustivo contato com o material,
para constituir o corpus e formular algumas hipóteses de trabalho; (b) exploração do mate-
rial, que consiste em separar as categorias ou eixos temáticos, a serem discutidos adiante; (c)
análise e interpretação dos resultados, com base na literatura consultada (MINAYO, 2014).
Os adolescentes participantes assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido
(TALE) e seus responsáveis, consentiram a participação por meio do Termo de Consentimento
Livre Esclarecido (TCLE). Para a realização desta pesquisa foram obedecidas as orientações
da Resolução n º 466/12 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, que assegura os direitos
e deveres que dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado. A
pesquisa foi aceita pelo Comitê de Ética da Universidade Católica de Pernambuco e recebeu
o CAAE de número 60883516.5.0000.5206. Os nomes que aparecem no estudo são todos
fictícios como forma de garantir o anonimato na pesquisa.
Participaram deste estudo dois adolescentes que residem na região metropolitana do
Recife/PE: Tays, 17 anos, estudante do 3º ano do ensino médio, mora com os pais e duas ir-
mãs. Namora Raul, da mesma idade, há 18 meses. O segundo participante é Alex, 16 anos,
estuda o 2º ano do ensino médio, reside com a mãe e dois irmãos. Não estava envolvido em
uma relação amorosa no momento da entrevista.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise de conteúdo temática das entrevistas com os adolescentes possibilitaram a
elaboração de três unidades de sentido: 1) exposição à violência intrafamiliar; 2) possíveis
episódios de violência perpetrados e/ou sofridos pelo adolescente no âmbito do namoro ou
ficar; 3) natureza da violência no namoro ou ficar.
VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR
Verificou-se que os adolescentes foram vítimas de violência psicológica por meio de
conflitos verbais e humilhações, além de agressões físicas por parte dos genitores. Para mais,
testemunharam ainda episódios violência entre os pais cotidianamente. Destaca-se que tal
cenário é vivenciado por ambos desde a infância.
“[...] tem briga, mais da parte da minha mãe e do meu pai. Aí, que-
rendo ou não afeta a gente.” [...] ah, você não presta pra nada (Mãe).
Você não faz nada. Só quer viver a vida assim, sem fazer nada.” Meu
pai diz que eu sou safada [...] “tem hora que a gente procura um bu-
raco para enfiar a cabeça, eu choro muito, por que por tudo, eu cho-
ro” (Tays, 17 anos).
“O mais difícil foi quando ele brigava com a minha mãe, eu ficar
presenciando aquilo, não sai da minha cabeça [...] “Ele (Pai) já deu
em mim com um cabo de canivete, já deu em mim com corda de ca-
minhoneiro. É uma corda bem grossona com um bocado de nó [...]
isso aconteceu muitas vezes, ele batia mesmo sem dó.” “Ela (Mãe) me
disse uma vez: se tá achando ruim, vai embora da minha casa [...]
isso ficou na minha cabeça.” (Alex, 16 anos)
As verbalizações remetem a ofensas e humilhações sofridas, privação de afeto, além
de violência física. Este cenário evidenciou repercussões negativas para a saúde mental dos
participantes. Os mesmo aspectos foram verificados na pesquisa de Magalhães et al. (2017)
realizado com oito adolescentes entre 12 e 18 anos. Os resultados apontam que uma infância
e adolescência marcada pela presença da violência conjugal entre os pais e vivência de agres-
sões físicas, humilhações, abandonos e negligências trazem consequências para a saúde do
adolescente.
“eu brigo com ele, eu brigo mesmo, essa semana que passou foi o
aniversário da igreja, eu cheguei a chorar pra ele ir comigo [...], “eu
não consigo conversar, eu sou nervosa, aí eu tenho que brigar e muito
[...], “eu tenho argumento, mas eu não sei expressar, assim o que eu
quero falar”, “nunca aconteceu violência entre a gente, graças a Deus
[...] ele me respeita muito.” (Tays, 17 anos).
“[...] eu acho que eu sou muito ciumento, tinha muita briga não,
quando brigava era ciúmes meu, ciúme dela. Ciúmes só”, “[...] eu
cheguei lá na casa dela, aí pedi para ver o celular dela e ela não me
deu [...]. Cheguei lá e vi ela com um menino na esquina [...] se ela tá
namorando comigo, o que ela tá fazendo numa esquina conversando
com outro menino [...]“[...] ela queria ir para uma festa, aí eu falei: se
você for, pode me esquecer, esqueça que eu existo. Sua mãe vai beber,
sua cunhada vai beber, tu não bebe, vai fazer o que lá? Aí, ela disse:
eu não vou não.” (Alex, 16 anos).
Tays e Alex não reconhecem como violência as situações vivenciadas em suas relações
amorosas e, muito menos, percebam-se como perpetradores de tais episódios. Denominamos
no presente estudo o ciúme, a ameaça, os conflitos verbais, o controle acerca das amizades,
bem como o local frequentado pelo(a) parceiro(a), de violência psicológica. Quanto à ocor-
rência da violência digital, foi verificada por Alex, no sentido do controle exercido em relação
ao conteúdo do celular, apontado como prova de amor e confiança.
Observou-se, dessa forma, uma associação possível entre a experiência prematura da
violência no namoro e as vivências na família de origem por meio da transmissão intergera-
cional da violência. Resultados semelhantes foram encontrados por Gover et al. (2008) em
pesquisa que objetivou investigar a influência da transmissão intergeracional da violência
física e psicológica, com 2.541 estudantes universitários americanos. Os autores concluíram
que vivenciar episódios de violência na infância é um forte preditor para o envolvimento em
relações de namoro violentas tanto para rapazes como para moças.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de únicos, cada relato que compõe a presente pesquisa nos leva a identificar
elementos indicativos da transmissão intergeracional de violência por meio de uma possível
associação entre a exposição direta e/ou indireta de episódios de violência no âmbito familiar
e a presença da violência no namoro dos adolescentes participantes. Os reflexos das vivências
na família de origem, principalmente, os intensos conflitos verbais vivenciados com o pai,
são de certa maneira estendidos à sua relação amorosa, no caso Tays. Para Alex, as vivências
diante das frágeis interações familiares dos seus membros perpassadas pela violência tendem
a se repetir, na sua maneira de se relacionar com uma parceira íntima no namoro. Dessa for-
ma, o relacionamento matrimonial tecido pelos pais pode ser visto pelos participantes como
um modelo a ser seguido, numa possível continuação, reedição de tal fenômeno em suas
relações de namoro ou ficar. Destaca-se que os adolescentes não reconhecem como violência
as situações que vivenciam nas suas relações de namoro, o que reflete, dessa forma, uma ba-
nalização de tais episódios.
Diante da complexidade de desenvolver-se em meio a relações familiares perpassadas
pela violência, torna-se fundamental a realização de pesquisas que aprofundem a compreen-
são da relação entre a vivência da violência intrafamiliar e a presença da violência no namoro
entre adolescentes.
REFERÊNCIAS
ASSIS, S. G. et al. Violência na família, na escola e na comunidade e relações afetivo-sexuais. In: MINAYO,
M. C. S.; ASSIS, S. G.; NJAINE, K. (Org.). Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do
“ficar” entre jovens brasileiros. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011.
BRASIL. Ministério da Saúde. Violência intrafamiliar: orientações para a prática em serviço. Brasília:
Ministério da Saúde, 2002.
CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION (CDC). Understanding Teen Dating
Violence. United States, 2016.
FAIAS, J.; CARIDADE, S.; CARDOSO, J. Exposição à violência familiar e abuso íntimo em jovens: que
relação? Psychologica, v. 59, n. 1, p. 7-23, 2016.
FALCKE, D.; FEREZ-CARNEIRO, T. Reflexões sobre a violência conjugal. Diferentes contextos, múltiplas
expressões. In: WAGNER, A. (Org.). Desafios psicossociais da família contemporânea: Pesquisa e refle-
xões. Porto Alegre: Artmed, 2011.
GARCÍA, E. S.; FARRÉ, A. F. Estudio sobre la identificación y vivencia de violencia en parejas adolescen-
tes. Apuntes de Psicología, v. 28, n. 3, p. 349-366, 2010.
GÓMEZ, A. M. Testing the cycle of violence hypothesis: child abuse and adolescent dating violence as
predictors of intimate pastner violence in young adulthood. Youth Society, v. 43, n. 1, p. 171-192, 2011.
GOVER, A. R.; KAUKINEN, C.; FOX, K. A. The relationship between violence in the family of origin and
dating violence among college students. Journal of Interpersonal Violence, v. 23, n. 12, p. 1667-1693, nov.
2008.
MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: Pesquisa Qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 2014.
_______. Violência contra crianças e adolescentes: questão social, questão de saúde. Revista Brasileira
Saúde Materno Infantil, Recife, v. 1, n. 2, p. 91-102, maio-ago. 2001.
OLIVEIRA, Q. B. M. et al. Violência nas relações afetivo-sexuais. In: MINAYO, M. C. S.; ASSIS, S. G.;
NJAINE, K. (Org.). Amor e violência: um paradoxo das relações de namoro e do “ficar” entre jovens
brasileiros. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2011.
OMS. Prevenindo a violência juvenil: um panorama das evidências 2015. São Paulo, 2016.
WOLFE, D.; SCOTT. K.; WEKERLE, C.; PITTMAN, AL. Child Maltreatment: Risk of Adjustment
Problems and dating violence in adolescence. Journal of the American Academy of Child and Adolescent
Psychiatry, v. 40, n. 3, 2001.
O presente trabalho analisa como a cultura do controle se manifesta na persecução penal de jovens e se rela-
ciona com a disputa pelo acesso ao espaço urbano. Para tanto, empreende um estudo de caso: no ano de 2012 o
Ministério Público de Goiás apresentou denúncia criminal e, a despeito da ausência de previsão legal, requereu
judicialmente o recolhimento domiciliar de 15 jovens acusados de pixação na cidade de Goiânia e sua região
metropolitana. A forma como o sistema penal e a sociedade entendem a ação dos pixadores será discutida
a partir dos conceitos da cultura do controle de Garland e de Wacquant. Ambos apontam que a ampliação
da cultura do controle está mais atrelada à sensação de violência e insegurança nas grandes cidades do que à
existência de uma real criminalidade. Qual seria então o papel do recolhimento domiciliar de jovens pelo ato da
pixação? Nossa hipótese parte da possibilidade de restrição dos jovens em relação ao acesso a cidade, principal-
mente dos indivíduos de regiões periféricas da cidade de Goiânia.
INTRODUÇÃO
No decorrer do ano de 2012 o Ministério Público de Goiás apresentou duas denúncias
criminais contra 15 jovens acusados de pixar1 locais públicos e privados em diversos seto-
res (bairros) de Goiânia. Noticiando a atuação do órgão, documento de sua assessoria de
comunicação publicado no portal eletrônico “Jus Brasil” (reproduzindo as conclusões dos
inquéritos policiais que embasaram essas denúncias) especificou que eles agiam desde 2009
e causaram prejuízos estimados em mais de dois milhões de reais, sem, contudo, detalhar
a materialidade desse prejuízo. Também relatou existência de publicações em redes sociais
retratando as pixações, além de casos de incitação á pratica em comunidades virtuais de
Goiânia2.
Nas denúncias, as condutas destes jovens foram criminalmente tipificadas no artigo
65 da Lei n. 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), pois, para a legislação brasileira, além
1 A palavra pixar escrita com “x” e não com “ch” é a forma como os pixadores afirmam ser correta, é para eles
uma forma de resistência e identidade.
2 Conforme matéria da Assessoria de Comunicação do Ministério Público de Goiás publicada no “Jus Brasil”:
https://mp-go.jusbrasil.com.br/noticias/2849375/mp-denuncia-e-pede-recolhimento-domiciliar-de-15-acusa-
dos-de-pichacao-em-goiania
de mera transgressão juvenil, a pixação nas cidades – seja a inscrição feita em propriedade
pública ou privada – constitui também espécie de crime ambiental, sob a ótica de que degra-
daria a estética urbana3.
Todavia, muito embora a política legislativa de criminalização do pixo mereça ser pro-
blematizada, detém-se o presente artigo no modo como as agências punitivas mobilizam o
controle penal especificamente neste caso4: em primeiro lugar, que as denúncias resultem
de um amplo e longo esforço de investigação da Polícia Civil5; em segundo, o entendimento
do Ministério Público de Goiás no sentido de que os jovens que se reúnem para fazer suas
pixações ou mesmo comentar as obras de pixação em redes sociais praticam os crimes de
apologia ao delito e associação criminosa: respectivamente tipificados nos artigos 287 e 288
do Código Penal (“Crimes contra a Paz Pública”).
Estes são elementos que permitem inferir que a cultura da pixação, fenômeno mais
amplo do que a própria prática (CALDEIRA, 2012), apresenta-se a esses atores sociais (ins-
tituições do sistema de Justiça) como uma conjunção de dinâmicas associadas à ideia de
delinquência e que enquanto tal deve ser controlada com rigor.
No limite, a incomum ênfase na penalização de prática demonstra (reafirma) o modo
como a juventude é compreendida pela sociedade e pelo Estado brasileiro. De fato, há uma
tendência histórica de apenas se conceder visibilidade ás ações juvenis através dos significados
de delinquência e desordem civil. Sobre essa questão, desde as primeiras pesquisas desenvol-
vidas pela Escola de Chicago, a juventude pobre foi caracterizada e relacionada ao crime,
transgressão e delinquência.
Porém, quando se aborda o tema “juventude”, há sempre de atinar para o caráter po-
lissêmico dessa expressão, pois há várias “juventudes” (Feixa, 2006). É o caso de especificar
sobre qual delas se está referindo: trata-se aqui de um grupo de jovens, com perfil masculino,
3 “Art. 65. Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano: Pena - detenção, de 3 (três)
meses a 1 (um) ano, e multa
4 Ressalvado um breve comentário ao longo dos capítulos de desenvolvimento acerca da mudança operada pela
lei 12.408 de 2011, que reformou a redação original do artigo 65 para distinguir o tratamento dado à pixação e
ao grafitti, excluindo este último do âmbito de criminalização.
5 De acordo com o Delegado de Polícia responsável pelo inquérito, meses de investigação foram necessárias à
identificação dos acusados. Em Anápolis, cidade vizinha, a repressão mobiliza ainda ação sistemática Polícia
Militar, que se desenvolve através do mapeamento de pixações, conforme declaração de Coronel da instituição
publicada pelo Portal G1: http://g1.globo.com/goias/noticia/2012/03/pichadores-desafiam-policia-e-revoltam
-populacao-em-goiania.html
6 Conforme matéria da Assessoria de Comunicação do Ministério Público de Goiás publicada no“Jus Brasil”;
https://mp-go.jusbrasil.com.br/noticias/2849375/mp-denuncia-e-pede-recolhimento-domiciliar-de-15-acusa-
dos-de-pichacao-em-goiania
E matéria jornalística do jornal G1: http://g1.globo.com/goias/noticia/2014/09/policia-identifica-90-suspeitos-
de-pichar-10-mil-pontos-em-goiania.html
7 Cautelares são limitações aos direitos do acusado que podem ser executadas durante ou mesmo antes do
processo criminal, enquanto não se pode ainda aplicar a punição prevista em lei para o crime (pena definiti-
va), desde que elementos mínimos de prova confiram plausibilidade à acusação e justifiquem a urgência desta
limitação.
8 “Garantia da ordem pública” é expressão empregada pelo Código de Processo Penal (art. 312) para designar
uma das funções possíveis da prisão preventiva e tem sido largamente criticada por juristas ao
9 O recolhimento domiciliar é uma medida cautelar introduzida recentemente no Brasil pela lei n. 12.403,
que em 2011 reformou o Código de Processo Penal: antes dela, as únicas medidas cautelares pessoais (aquelas
capazes de atingir o corpo do acusado) eram as chamadas prisões provisórias. Trata-se, portanto, de uma diver-
sificação do controle penal sob a justificativa de evitar o uso do encarceramento ou ao menos restringi-lo aos
casos realmente necessários.
10 Art. 318, Código de Processo Penal. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o
agente for: I - maior de 80 (oitenta) anos; II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; III - im-
prescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV – ges-
tante; V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)
VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.
(Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos
requisitos estabelecidos neste artigo.
No plano concreto, o que explica essa pretensão de recolher pixadores a suas casas a
despeito do que a legislação brasileira dispõe? E qual a problemática de tipificar suas condu-
tas de acordo com os crimes de apologia ao delito e associação criminosa?
Articula-se a seguir a hipótese de que essa juventude não está fechada em si mesma,
pois no mínimo tenciona a possibilidade de vivenciar a cidade. Esse anseio, todavia, se mani-
festa em lógica particular, ininteligível aos códigos dominantes e que não quer ela própria se
fazer compreender, pois representa justamente uma ruptura com esses códigos. E é possível
que a forma como os pixadores se relacionam com a cidade de Goiânia e os modos de repres-
são que lhes foram dirigidos suscitem uma privilegiada compreensão de como os conflitos
sociais se estruturam simbolicamente no (e em disputa pelo) tecido urbano.
Dentro dessa perspectiva, contextualizar o caso no âmbito das atuais teorias sobre a
punição na contemporaneidade e reconhecer nas ações dos pixadores talvez represente uma
maneira de desvendar como os indivíduos que se colocam contrários às regras da sociedade
mesmo sem explicitá-lo em formulações convencionais podem ser objetivamente compreen-
didos: enquanto agentes que desestabilizam a ordem vigente justamente porque explicitam
seus mecanismos ideológicos quando a provocam a atuar sobre si próprios, mobilizando o
aparato punitivo do Estado e dos discursos que lhe legitimam.
perspectiva, a forma de como a juventude acessa a cidade pode ocorrer fora das expectativas
da população mais favorecida e estabelecida. Sendo assim, a pixação vem a ser uma das pos-
sibilidades da juventude adentrar uma cidade que não oportuniza a vivencia de forma igua-
litária, principalmente nos espaços públicos onde se concentram os equipamentos culturais.
Outra questão que envolve a juventude goiana é a mobilidade e o acesso à cidade de forma
mais igualitária, sabe-se que o transporte público que a cidade oferece é precário e nesse sen-
tido, importantes manifestações juvenis já foram palco de muita violência, mas também de
algumas conquistas.
Todas essas questões são importantes para dimensionar a resistência que o estado tem
em dialogar com a juventude e pode nos dar pistas de porque grupos de pixadores são alvo
de tanto controle estatal e consequentemente objeto privilegiado da cultura do controle.
Entretanto, a questão não se encerra em uma juventude somente “vítima” ou vencida pela
cultura do controle, se trata de uma juventude que também é reativa. O ato de pixar é um ato
que comunica por excelência. Mas o que exatamente informa um pixo no muro, na porta do
comércio, na estatua da praça e em espaços de visibilidade dos transeuntes?
Os pixadores compreendem que a pixação não é aceita por maior parte da sociedade,
os mesmos se veem como transgressores, mas percebem uma lógica no ato de pixar (Pereira,
2010). Eles não se sentem pertencentes a sociedade e tão pouco estão de acordo com o sis-
tema vigente, contudo tentam uma comunicação entre seus iguais e por vezes alguma inter-
venção com os transeuntes, pois a escrita na pixação não é de simples compreensão para os
demais e essa incompreensão é intencional.
Sendo assim, a pixação pode vir a ser uma possibilidade de estar na cidade de jovens
que de outra forma não conseguiriam acessa-la. Ou talvez de se comunicar entre seus iguais
na tentativa de criar espaços possíveis. Para os jovens pixadores o mais importante é trazer
sua escrita e comunicar com outros grupos de pixadores e forçar uma visibilidade muitas
vezes incompreensível para os transeuntes.
13 Garland utiliza o conceito de modernidade tardia, contudo este conceito apresenta algumas complicações.
Wacquant, por exemplo, vai discordar do seu uso e utilizar “neoliberalismo”, principalmente porque explica
melhor a realidade de capitais em “desenvolvimento” como as brasileiras (2015, p. 19). No entanto, não há
aqui espaço para discutir suficientemente bem esses conceitos e por isso utilizo a nomenclatura “sociedades
contemporâneas”.
No caso da pixação, essas ações são entendidas como uma prática ilícita que atenta
contra o patrimônio público ou contra a propriedade privada. A defesa da propriedade pri-
vada é tradicionalmente uma demanda da classe média e, nesse sentido, os reclamantes da
pixação são moradores dos setores14 da classe media Goiana que mobilizam a justiça através
do Ministério Público para reagir com medidas que criminalizam penalmente tais jovens.
Sustentam um discurso de que esses jovens devem ser criminalizados e seu acesso e perma-
nência nos espaços públicos devem ser restringidos com ações coercitivas.
Em matéria jornalística citada acima os pixadores são assimilados ao tráfico de drogas
o que permite e mantem um imaginário de juventude criminosa e perigosa sustentando as-
sim a sensação de medo na população. O delegado que acompanha o caso mencionou: “Eu
não tenho dúvidas que tirando o jovem da pichação também estamos tirando das drogas
porque a maioria deles está envolvida com tráfico também”15.
Garland (2012, p.57) aponta que foi no período moderno e suas muitas transforma-
ções sociais/econômicas/políticas que se verificou a ocorrência de uma série de mudanças
nas percepções oficiais do crime e no discurso criminológico, assim como, nos modos de
ação governamental e na estrutura da organização da justiça criminal. Nesse sentido, o autor
aponta que a partir dessas percepções sobre o crime e do aparato do estado (órgãos judiciais)
foi possível a construção de uma falsa ideia (o mito) de que o Estado é capaz de prover segu-
rança, lei e ordem e controle do crime dentro de seus limites territoriais.
Para o autor, os estados, no intuito de manter esses discursos, promoveram uma “mas-
siva expansão do encarceramento” que ocorreu em muitos países e paralelamente também
surgiram movimentos que tendem a uma direção diferente e operam com outra racionalida-
de. Foram as chamadas “adaptações”. Essa nova racionalidade é reconhecida como os “novos
modos de operar/governar o crime” ou as “novas criminologias da vida cotidiana” elas par-
tem da premissa do crime como uma continuidade ou como uma a interação social normal
– por isso adaptações (Garland, 2012, p. 63).
Corroborando com Garland e pensando o Estado brasileiro a partir da experiência
dos jovens pixadores, a justiça primeiramente situou esses indivíduos no Código Penal, com
direito a encarceramento para demonstrar um estado forte e que mantinha o controle, entre-
tanto ocorreu a percepção que o “encarceramento em massa” também resultou um descon-
trole e uma não efetividade que se supunha. E em um segundo momento, optou por aplicar
o “recolhimento domiciliar”, que não deixa de ser uma punição e que demonstra o poder e o
controle estatal em suas “adaptações” ou em “novas maneiras de governar”.
14 Segundo a reportagem do Jus Brasil, os setores frequentados pelos jovens foram: Bueno, Jardim América,
Centro, Campinas, Parque Atheneu, Novo Horizonte, Nova Suíça e Pedro Ludovico.
15 (...) a dramaturgia da manutenção da lei-e-ordem deu lugar a um teatro cívico, em cujo palco funcionários
escolhidos manifestam-se arrogantemente para dramatizar normas morais e demonstrar sua capacidade con-
fessa por ação decisiva, reafirmando, por conseguinte, a relevância política do Leviatã no exato momento em
que organizam sua impotência diante do mercado. (WACQUANT, 2015, p. 15).
Ainda nessa perspectiva, o autor também aponta que as altas taxas de criminalidade
geram problemas de sobrecargas e legitimidade nas agencias estatais (policia, tribunais, pri-
sões, serviço de condicional etc.) e nesse aspecto, a redução do uso de penalidade de encar-
ceramento para delinquentes juvenis foi e ainda é uma estratégia que soluciona a questão da
legitimidade e o aumento do trabalho nas agencias estatais de combate ao crime (Garland,
2012, p. 69).
Essa estratégia possibilitou uma mudança na percepção de como gerenciar o crime e
nesse aspecto, tal gerenciamento dialoga também com questões econômicas nos recursos
públicos para a segurança e que tencionará o planejamento do estado. No caso do Ministério
Público de Goiás em relação aos jovens pixadores se trata de submetê-los a diferentes tipos de
controles com o menor gasto econômico e por isso o uso do recolhimento domiciliar.
O recolhimento domiciliar corresponde á uma adaptação no sistema penal de uma so-
ciedade como a brasileira que tem uma elevada taxa de criminalidade e de encarceramento.
Essa medida diminui o “volume” no que o sistema de justiça entende como “comportamentos
criminais” essa medida pode ser definida, segundo Garland (2012, p.71) como “redução às
definições de desvios” e que se faz possível em um contexto cultural no qual a criminalização
de infrações entendidas como “menores” é frequentemente vista como contra produtivas e
por um contexto burocrático no qual tal criminalização é tida como um gasto desnecessário,
pois o encarceramento se torna cada vez mais custoso aos governos. Sendo assim, serão as
medidas cautelares utilizadas pelo sistema de justiça como uma forma de reduzir gasto pú-
blico e aumentar a “performance governamental”.
A forma de como o Estado atua com suas políticas de segurança pública somente tem
sentido se pensarmos em qual economia estamos inseridos. No caso brasileiro com o sistema
capitalista neoliberal, onde o mercado é cada vez mais exigente e as politicas sociais cada
vez mais restritivas, a juventude (empobrecida) que não se insere no mercado de trabalho
possivelmente será direcionada às politicas públicas de segurança. Existe uma demanda por
segurança e politicas públicas de segurança onde o jovem de sexo masculino, negro e mora-
dor de periferia é um alvo em especial.
A especificidade dessa juventude, no caso os pixadores, pode ser analisada no que
Garland (2012, p.77) vai chamar de “criminologia do outro”. Desse modo, os jovens pixado-
res passam a ser tratados como o “outro diferente” e que representa perigo a sociedade, ele é
a representação do individuo perigoso, criminoso com suas diferenças raciais e sociais e que
se assemelha muito pouco com os cidadãos de bem. Essa criminologia trabalha predominan-
temente com “aparências” e menos com análises ou pesquisas que detectam a real situação
de criminalidade num dado contexto social possibilitando assim uma demanda por mais
segurança e policia ostensiva.
Essa demanda por segurança faz sentido principalmente nos dias atuais em que con-
vivemos na presença da chamada “sensação de insegurança” e nesse aspecto, é perceptível
como o discurso do “combate ao crime” é fortemente reproduzido pelos meios de comuni-
cação e que nem sempre dialoga com os índices oficias de violência e criminalidade de uma
dada cidade. De alguma maneira, as modificações nas práticas penais e nas políticas de se-
gurança podem ser entendidas como resultado do crescimento do sentimento do medo e da
insegurança diante da emergência de novas formas de violência.
Para Wacquant (2012, p.13) as técnicas para administrar a marginalidade nas metrópo-
les também estão relacionadas á cultura de controle e, nesse sentido, a questão penal (e tudo
que envolve tal questão) é tratada no sistema econômico que vivemos; o capitalismo neolibe-
ral e que resulta em um governo que emerge da insegurança social. Portanto, a “sensação de
insegurança” é parte da engrenagem estatal. Ela tem sentido em existir.
O autor aponta que a prisão e a cultura de controle é uma resposta relacionada majori-
tariamente com a sensação de insegurança das classes médias e menos relacionada com a
questão do crime efetivamente. No caso da cidade de Goiânia, a insegurança social por parte
da classe media tem a ver com a propriedade privada. E talvez por isso o sistema de repressão
penal (Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público etc.) dedique tanto tempo e energia
em perseguir ações da ordem da pixação.
Nessa perspectiva, Wacquant (2012) defende que existe uma forte tendência a penali-
zação da pobreza para conter as chamadas “desordens urbanas” e essa penalização ocorre por
uma consequente desregulamentação econômica. O autor ainda afirma que muitos países
vivem uma economia neoliberal e que nesse contexto as politicas sociais/econômicas são
prioritariamente dependentes do mercado e da mercantilização do capital. Dessa forma, a
dinâmica estatal é de menos Estado e mais Mercado, sendo assim as politicas sociais são deli-
beradamente diminuídas para as classes mais necessitadas e o mercado absorve uma minoria
pertencente às classes mais abastadas, resultando assim em uma maior desigualdade social
onde a classe destituída de emprego é automaticamente “selecionada” para o atendimento da
justiça penal.
Contudo, essa forma de gerir a pobreza se desdobra em outras possibilidades de ges-
tão, para o autor existe uma expansão da prisão a partir de outras formas que não o simples
confinamento, como por exemplo, a liberdade vigiada, liberdade condicional, base de dados
de criminosos, discursos sobre o crime e difamação pública dos agressores. E nesse aspecto,
o Ministério público de Goiás cumpre com essa nova forma de punir e punir de forma “bran-
da”: o recolhimento. Sendo assim, tal ação desloca o que antes era encarceramento para uma
forma de expansão da prisão e paralelamente tranquiliza a classe média quanto aos seus bens
privados dando a sensação provisória de segurança.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do acesso aos autos dos processos dos jovens denunciados é possível afirmar
que pertencem a uma juventude empobrecida, moram em setores periféricos ou distantes do
chamado “centro” de Goiânia. São trabalhadores de espaços informais e que não concluíram
ou não possuem o ensino médio completo. Em seus relatos apontam a prática da pixação
REFERÊNCIAS
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Inscrições e Circulação: Novas visibilidades e configurações do espaço
público em São Paulo. Revista Novos Estudos, CEBRAPE, nov. 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/
scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010133002012000300002 Acesso em: 03.03.2016.
FRATTARI, Najla Franco. As configurações sociais do medo do crime na cidade de Goiânia. Brasília.
2013. Tese (Doutorado em Sociologia). Universidade de Brasília.
FEIXA, Carles. Generación XX. Teorías sobre la juventud en la era contemporânea - Rev.latinoam.cienc.
soc.niñez juv [online]. 2006, vol.4, n.2, pp.21-45.
GARLAND, David. Os limites do estado soberano – estratégias de controle do crime na sociedade con-
temporânea in: CANÊDO, Carlos e FONSECA, David S. Ambivalência e contradição e volatilidade no
sistema penal - leituras contemporâneas da sociologia da punição. BH: ed. UFMG, 2012, p. 55-99
OLIVEIRA, Dijaci David. Violência contra jovens no estado de Goiás: a ação dos grupos de extermínio. In:
BEZERRA, Heloisa Dias; OLIVEIRA, Sandra Maria (org). Juventude no século XXI. Dilemas e perspecti-
vas. Goiânia: Cânone editorial, 2013
PEREIRA, A. B. As marcas da cidade: a dinâmica da pixação em São Paulo. Lua Nova, São Paulo, n. 79, p.
143-162, 2010.
SOFIATI, Flávio Munhoz. Juventude e politicas públicas: os governos de FHC e Lula In: BEZERRA,
Heloisa Dias; OLIVEIRA, Sandra Maria (org). Juventude no século XXI. Dilemas e perspectivas. Goiânia:
Cânone Editorial, 2013
WACQUANT, Loic. Bourdieu, Foucault e o Estado Penal na era neoliberal. Revista Transgressões. vol. 3,
n. 1, maio/2015.
______ Forjando o estado neoliberal: trabalho social, regime prisional e insegurança social in: BATISTA,
Vera Malaguti (org). Loic Wacquant e a questão penal no capitalismo neoliberal. Rio de Janeiro: Revam,
2012
Estudou-se as visões e perspectivas que as lideranças jovens cristãs tem sobre um processo de educação não
formal intermediado por uma instituição religiosa brasileira. O objetivo da pesquisa é compreender o papel da
educação não formal na percepção de jovens em situação de invisibilidade social e analisar uma experiência
com lideranças jovens cristãs. Optamos para o desenvolvimento deste estudo uma proposta de análise descriti-
va que mescla elementos qualitativos e quantitativos, uma pesquisa de campo de cunho exploratório-descritivo
combinado empregando as técnicas de observação direta intensiva (observação assistemática, participante, in-
dividual e da vida real) e observação direta extensiva (questionário) para a coleta de dados. Em uma abordagem
conceitual investiga-se a racionalização, invisibilidade, jovens encarcerados e a educação não formal. A investi-
gação aponta que a percepção das lideranças jovens cristãs sofreu releituras, como visto nos relatos feitos sobre
os jovens encarcerados, todavia, faz-se necessário um acompanhamento destes participantes para saber os des-
dobramentos das experiências vivenciadas durante o encontro. Constata-se o poder transformador da educação
não formal sob a percepção das realidades juvenis visto que existem muitas situações que são desconhecidas por
parte dos jovens e, de maneira específica, das lideranças cristãs.
Palavras-chave: Juventude. Invisibilidade social. Educação não formal. Formação humana. Liderança jovens
cristãs.
INTRODUÇÃO
Este trabalho é fruto de uma investigação associada a discussões realizadas na espe-
cialização em juventude no mundo contemporâneo, correlacionando o fenômeno religioso,
o processo formativo e os direitos humanos. Estudou-se as visões e perspectivas que as lide-
ranças jovens cristãs tem sobre um processo de educação não formal intermediado por uma
instituição religiosa brasileira. Analisa-se especificamente uma atividade de educação não
formal que apresenta a realidade de jovens encarcerados em centros socioeducativos2, con-
templando especificamente, assessoria e a visita em uma unidade de internação localizada no
Distrito Federal.
Sendo assim, a pesquisa adota como tema a formação humana – por meio da educa-
ção não formal – de lideranças jovens cristãs tendo como princípio o olhar sobre realida-
des juvenis de invisibilidade social. A juventude contemporânea se organiza para promover/
modificar ações através da coletividade, o que relacionado com o tema deste artigo, levanta
um questionamento a ser respondido: um encontro de lideranças organizado por jovens em
conjunto com uma instituição religiosa, contribui para a diminuição da invisibilidade social
dos jovens encarcerados na visão de jovens lideres cristãos?
O objetivo buscado durante a pesquisa foi compreender o papel da educação não for-
mal na percepção de jovens em situação de invisibilidade social e analisar uma experiência
com lideranças jovens cristãs.
METODOLOGIA
Optamos para o desenvolvimento deste estudo uma proposta de análise descritiva que
mescla elementos qualitativos e quantitativos, além, de várias técnicas de coleta de dados.
Dá-se uma ênfase na abordagem qualitativa para a obtenção dos dados pelo pesquisador
sobre a situação de estudo visto a necessidade de compreender os processos envolvidos na
percepção dos jovens.
A pesquisa de campo é de cunho exploratório-descritivo combinado, que têm por ob-
jetivo descrever completamente determinado fenômeno. Por meio de descrições, ora quan-
titativas e outrora qualitativas, obtém informações detalhadas mesclando as técnicas de ob-
servação direta intensiva, observação direta extensiva e questionários. (LAKATOS, 2003).
A técnica de observação que foi empregada nesta pesquisa é assistemática, participan-
te, individual e da vida real. Lakatos (2003) destaca estas técnicas como:
1. Assistemática - registro espontâneo dos fatos, sem utilização de meios técnicos
especiais;
2. Participante - participação real do pesquisador com o grupo pesquisado;
3. Individual - realizada por um pesquisador; e
4. Da vida real - realizada em ambiente real na medida que os fatos ocorrem.
3 Burocracia definida por Max Weber como um sistema de organizações caracterizado por uma hierarquia de
autoridades ligadas a regras, que mantém registros detalhados de tudo o que fazem. (THORPE et al., 2015, p.
340).
Em seu artigo, o autor apresenta inúmeros estigmas que nos leva a diluir/anular a iden-
tidade do outro caminhando para os conceitos prévios sobre o sujeito, conhecidos como, pre-
conceitos. A outra forma comum de invisibilidade parte da indiferença com os miseráveis,
com os jovens pobres e encarcerados, que permanecem invisíveis perante os seres socialmen-
te visíveis. (SOARES, 2003)
Seguindo a percepção sobre a invisibilidade da juventude no Brasil contemporâneo
4 Sacerdote, pela Congregação do Espírito Santo. Especialista internacional na área de capacitação de líderes e
Pastoral da Juventude. Doutor na área de liderança comunitária pela Universidade de Fordham (EUA). Autor de
importantes livros sobre a juventude em português, inglês, espanhol, alemão e ucraniano. (CCJ, 2017)
5 As cidades representadas foram Belo Horizonte/MG, Brasília/DF, Goiânia /GO, Goiatuba/GO, Morrinhos/
GO, Palmas/TO, Panamá/GO, Rio de Janeiro/RJ, Uberaba/MG e Várzea Grande/MT.
RESULTADOS
O IV Encontro Provincial de Lideranças Juvenis ocorreu durante três dias. O primeiro
dia foi destinado a um olhar sobre a realidade através de partilhas sobre fatos pessoais e vivên-
cias jovens e sobre as juventudes presentes nos territórios de procedência dos participantes.
O segundo dia iniciou com a visita a um centro socioeducativo6 localizado no Distrito
Federal, colocando as lideranças jovens cristãs em contato direto com os jovens encarcera-
dos. Algo que se refletiu nos questionários, visto que 100% dos jovens que responderam7 o
questionário visitaram um centro socioeducativo pela primeira vez durante o encontro.
Cabe ressaltar que o sistema socioeducativo no Distrito Federal acumula as competên-
cias de estado e município por ser uma unidade federativa, tendo como responsabilidade a
6 Para efeito de sigilo o nome da unidade de internação não será citado nesta investigação.
7 Dos 27 jovens que participaram do encontro, 15 responderam o questionário proposto.
nos ajudou muito refletindo sobre a visita e os fatos que são apresen-
tados e o que verdadeiramente acontece. [João8] falou suscintamente
e explicou importantes ações que influenciam na vida destes jovens,
por isso gostei muito e achei positiva a abordagem. (J08)
O assessor informou que a visita foi conduzida em módulos em que existem internos
de bom comportamento e os alojamentos estavam todos limpos, o que não é a realidade dos
demais módulos/unidades de internação.
Durante a observação realizada do processo, cabe ressaltar que a visita no centro so-
cioeducativo se mostrou superficial, exaltando os pontos positivos. As lideranças jovens cris-
tãs visitaram dois módulos, sendo que no primeiro nenhum jovem encarcerado conversou
com as lideranças. Após questionamento das lideranças jovens, o segundo módulo foi dis-
ponibilizado um tempo maior para dialogo e descobertas da realidade vivida pelos jovens
internos.
Durante a observação e no dialogo com os jovens encarcerados foi realizado a seguinte
pergunta aos jovens encarcerados: o que pretende fazer depois de sair? E as respostas foram
“Viajar para fugir dos amigos”; “Não tenho perspectiva nenhuma, quero voltar para a galera”;
“Quer ir embora porque não terá tranquilidade em Brasília”; “É roubar porque é mais fácil”;
e “Eu não sei fazer outra coisa”.
Com estas afirmativas fortes de muitos jovens encarcerados que não alimentam uma
perspectiva de futuro melhor do que a situação na qual tornaram eles internos, uma das lide-
ranças jovens cristãs relatou que
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constata-se o poder transformador da educação não formal sob a percepção das reali-
dades juvenis visto que existem muitas situações que são desconhecidas por parte dos jovens
e, de maneira específica, das lideranças cristãs. A troca de saberes entre os jovens e o encontro
com realidades nacionais promove o dialogo sobre questões estruturais da sociedade e leva o
jovem a um patamar não alcançado em sua localidade territorial.
Esta experiência realizada com as lideranças jovens cristãs incentivou, segundo relatos
do questionário, 60% dos jovens a testemunharem sua experiência e os outros 40% relataram
o desejo em mudar realidades da sociedade e levar outros jovens a ter uma experiência simi-
lar a que tiveram.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis. Drogas e Juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia, 2003.
9 As opiniões e respostas das lideranças jovens cristãs podem ser conferidas no anexo I.
BORAN, Jorge. O futuro tem nome: juventude - sugestões práticas para trabalhar com jovens. São Paulo:
Paulinas, 1994.
CCJ. Centro de cursos e capacitação da juventude – equipe. Disponível em: < http://ccj .org.br/ccj/equi-
pes/ccj/>. Acesso em: 08 nov. 2017
FOUCAULT, Michel. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, H.; RABINOW, P. Michel Foucault, uma traje-
tória filosófica. Rio de Janeiro: Forense universitária, 1995.
GOHN, Maria da Gloria. Educação não formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas
escolas. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.14, n.50, p. 27-38, jan./mar. 2006.
LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.
PARK, Margareth Brandini. FERNANDES, Renata Sieiro. Para saber a diferença entre a educação não-
formal e a educação informal. Jornal da Unicamp. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2007.
SOARES, Luiz Eduardo. Juventude e violência no Brasil contemporâneo. In: NOVAES, Regina;
VANNUCHI, Paulo (orgs.). Juventude e sociedade: trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo:
Perseu Abramo, 2004.
THORPE, Christopher (et. al.). O livro da sociologia. 1ª ed. São Paulo: Globo Livros, 2015.
ANEXO I
Respostas das lideranças jovens cristãs sobre
como visualizam os jovens encarcerados
Antes da visita Após a visita
Jovem 01 (J01) Jovens muito violentos, fechados que não Pude ver que são abertos a dialogo.
davam abertura para dialogo.
Jovem 02 (J02) A minha visão era bem caricata, pro- A visita transformou minha visão no sentido de
jetando de forma televisiva os jovens perceber que aqueles jovens são muito carentes e
encarcerados. sofreram muito na vida, principalmente no âmbito
familiar. Contudo minha visão aqui não é utópica
pois sei que eles tem algumas oportunidades, que
tem que partir deles a vontade
Jovem 03 (J03) Uma visão passada pela mídia Conhecer a realidade dos jovens e também dos
trabalhadores do local
Jovem 04 (J04) Eu já tinha uma visão, pois eu já convivi Acho que precisamos evangelizar mais, amar meu
com alguns jovens. próximo, levar a palavra de Deus.
Jovem 05 (J05) De que eram menores infratores (o que O meu ponto de vista, e o meu receio, e a “quebra”
realmente são) do meu preconceito a respeito dos encarcerados.
Jovem 06 (J06) Uma visão julgadora ao que diz respeito Uma nova realidade, após ter dado a oportunidade
à situação de esclarecimento e do conhecimento sobre esta
realidade.
Jovem 07 (J07) Tinha uma visão um pouco diferente do Mudou minha visão, vi como as coisas são realmen-
que eu vi lá, achei que eles ficavam lá sem te feitas e percebi o que eles realmente passam.
nada para fazer, só indo para aulas para
melhorar sua inclusão na sociedade.
Jovem 08 (J08) De que me depararia com jovens desres- A visita e a conversa com os jovens encarcerados e
peitosos, mal comportados e, por vezes, os agentes que trabalhavam na [Unidade] me fize-
após chegar a [Unidade] tive receio de ram refletir melhor sobre a realidade de cada jovem,
como se daria o nosso encontro com não só aqueles que estavam lá. Muda muito visto
aqueles jovens. Ao entrar na unidade sobre o outro
percebi que havia essa preocupação até
pela frieza do espaço
Jovem 09 (J09) Sendo sincero, eu não sabia que existiam Após a visita vi que o que faço ainda é pouco, que
unidades socioeducativas, pra mim na tudo que já fiz como jovem evangelizador e revo-
minha concepção existia somente cadeia lucionário ainda não é suficiente, mas é preciso
independente da idade ou não. Então eu caminhar, não vejo a utopia, mas sei que ela existe
não tinha uma visão sobre eles, somente e está a nossa frente. Vi que o mestre está naquele
fui com o meu coração para ouvir, sorrir jovem que sofre, mas é necessário sairmos do nos-
e acima de tudo não julgar. so comodismo e ir ao encontro do mesmo. Vi que
quando muito se julga deixa de amar, carrego no
meu coração cada vez mais o desejo de lutar por um
mundo melhor, assumindo o protagonismo juvenil
e que mais do que fazer ou escrever palavras bonitas
é necessário agir e fazer partindo da realidade que
vivo.
Jovem 10 (J10) Tinha uma visão que eles eram mal hu- Que são seres que tem sentimentos, são humilde e
morados e que demonstravam tristeza que estão ali por falta de oportunidade.
Jovem 11 (J11) Possuía uma visão empírica sobre a res- O conceito da palavra de socioeducação que na
peito dos jovens em situação de centros teoria do projeto dos centros socioeducativos são
de reclusões socioeducativas, que eram muitos discrepantes na pratica, pois é possível notar
baseados somente em comentários jor- a questão da segregação socioespacial no “Lugar”
nalísticos. que é o espaço que o jovem ali tem sua intimidade,
ou mesmo a questão das “turmas” que são divididas
entre organizações que levam em conta a regiona-
lização de onde o mesmo residia ou até mesmo a
questão do(s) ato(s) cometidos na sociedade. Tam-
bém é possível verificar a questão da reincidência
dos crimes, pois, muitos reeducandos pensam que
não são capazes de se reeducarem e voltarem à so-
ciedade de forma a se socializarem com a sociedade.
Portanto fica claro que muitos voltarão ha praticar
atos infracionais e até mesmo colocando sua vida
em risco. Outro aspecto que foi visto na visita é a
questão do infrator ser aceito pela sociedade, pelo
mercado de trabalho e pelos familiares.
Jovem 12 (J12) Eu não pensava nesta questão, embora Após a visita, eu me senti bastante ligada a toda
soubesse dessa realidade de crime entre aquela situação, porque alguns dos atos que eles co-
os jovens. Eu imaginava que eles eram meteram, não generalizando, foram em momentos
pessoas extremamente frias, sem interes- de vulnerabilidade e toda uma estrutura envolvida
se por fazer algo de bom, eu tinha uma por trás, e comecei a ver que todas as pessoas estão
visão de bandidos e de criminosos mes- sujeitas a coisas que não estão ligadas aos nossos va-
mo, embora tendo a consciência de todo lores cometer um “vacilo”. Eu senti ao ver eles, toda
o sistema falho que vivemos. a falha do sistema, toda a falta de estrutura familiar,
de oportunidades: A minha visão enquanto líder
mudou, principalmente pelo ambiente, porque eu vi
o quanto uma única pessoa pode fazer a diferença
no ambiente que ela está inserida, o quanto pode-
mos humanizar os espaços que vivemos.
Jovem 13 (J13) Jovens encarcerados, na minha opinião Percebi que em uma conversa, embora os atos e a
antes da visita, seriam pessoas completa- condição em que estão, possuímos poucas diferen-
mente fechadas ao dialogo e em grande ças, ainda que também as realidades variam muito,
parte agressivos. os anseios com o futuro predominam. A ocasião
como destacou um jovem no dormitório, propor-
ciona diferentes oportunidades e a escolha diante
delas é sempre difícil e imprecisa e isso caracteriza
certa desesperança na maioria deles.
Jovem 14 (J14) Por já conviver com jovens marginali- Mudou a minha percepção. Ao me aproximar da
zados no meu meio (bairro, escola) já realidade do encarceramento e ter um contato mais
tinha uma visão realista dos adolescentes próximo de alguns jovens, reforcei minha convicção
e mais próxima da realidade que eles de que meu papel, de liderança jovem cristã, é de
vivem. prevenir e dar a assistência aos jovens de meu bair-
ro, visto que estes jovens que me rodeiam são jovens
vulneráveis. Reforço minha convicção de sair dos
bancos da igreja e me aproximar das nossas realida-
des de bairro.
Jovem 15 (J15) Alguns amigos e colegas do meu tempo Ter a oportunidade de estar no local onde estes jo-
de escola e até mesmo do meu dia-a-dia vens cumprem suas medidas socioeducativas refor-
já estiveram presos. São pessoas que já çou meus pensamentos sobre este assunto. Sempre
me relacionava bem, então já esperava defendi mais direitos para a juventude carente, sou
encontrar na unidade boas pessoas. Ou contrário à redução da maioridade [penal] e estar
um ouvinte de rap, que tem por costume com eles reforça.
de abordar esta realidade em sua letra.