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ANAIS DO II SIMPÓSIO NACIONAL APROXIMAÇÕES COM O MUNDO JUVENIL

Juventudes e ações coletivas contemporâneas

JUVENTUDE, VIOLÊNCIA E PARTICIPAÇÃO: UMA REVISÃO DA


PRODUÇÃO CIENTÍFICA NO CENÁRIO BRASILEIRO1

João Henrique de Sousa Santos2


Bianca Ferreira Rocha3
Catharine Oliveira da Silva4
Harrison Lucas Rocha de Freitas5
Jeanyce Gabriela Araújo6

INTRODUÇÃO
A compreensão acerca do conceito de juventude passa pelo conhecimento da realidade
dos sujeitos que estão envolvidos nessa fase e, consequentemente, do contexto histórico e
social e os diferentes modos de construção de si mesmo e das experiências. As vivências das
juventudes são marcadas por experiências subjetivas e sociais, que podem potencializar, nos
sujeitos, o processo formativo e participativo. Ao jovem é dada a possibilidade de se ver como
um sujeito social, atuando na sociedade de modo a ser influenciado e exercer influência sobre
seus pares, criando um campo propício à participação e inserção social (DAYRELL, 2002).
Vale ressaltar que esse potencial de participação social e política da juventude foi reconhecido
no Estatuto da Juventude (BRASIL, 2013), tendo como um de seus princípios a “valorização
e promoção da participação social e política, de forma direta e por meio de suas representa-
ções.” Não obstante, o Estatuto consagra a participação social e política enquanto um direito
do jovem, promovendo sua inclusão nos espaços públicos e comunitários e envolvendo-o em
ações de políticas públicas e de defesas dos direitos da juventude.
Apesar da instituição do Estatuto da Juventude, que dispõe sobre os direitos dos jovens
e políticas públicas de juventude, Souza e colaboradores (2014) chamam atenção para “as es-
cassas políticas direcionadas a esse público, denotando que a juventude brasileira ainda não
é concebida como sujeito de direitos, o que não a enquadra em políticas públicas que visem
garantir o acesso a bens materiais e culturais.” (p.374). Com isso, a juventude, em especial
a juventude de periferia, tem sido vítima de constantes violações de seus direitos humanos
fundamentais.

1 O presente trabalho é fruto da pesquisa “Participação política e juventude de periferia: poder e autonomia no
enfrentamento à violência.”
2 Doutorando em Psicologia (UFMG). Professor na FEAD-MG. E-mail: [email protected]
3 Doutoranda em Psicologia (UFMG). Gerente na SESP/MG. E-mail: [email protected]
4 Graduanda em Psicologia na FEAD-MG. E-mail: [email protected]
5 Graduando em Psicologia no Centro Universitário UNA. E-mail: [email protected]
6 Graduanda em Psicologia na FEAD-MG. E-mail: [email protected]

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

O tema da violência tem estado presente em diversos espaços de discussão como uma
temática urgente e de interesse de vários campos do conhecimento e setores da sociedade,
seja para entendê-la ou para enfrentá-la. Sapori e Soares (2014), apontam que “o crescimento
da violência na sociedade brasileira está intimamente associado aos jovens de 15 a 24 anos de
idade.” (p.65). Para os autores, os jovens, em específico os jovens negros e de periferias, são as
principais vítimas e autores da criminalidade violenta no Brasil.
Com o intuito de apontar saídas mais satisfatórias para a juventude, Souza e colabo-
radores (2014), indicam a importância de garantir a expressão da juventude por meio de es-
paços nos quais os jovens possam fazer ecoar suas vozes, politizando as demandas presentes
no contexto de periferia. O enfrentamento à violência por parte do público jovem advém,
como aponta os autores, de propostas “que se conectem com um projeto amplo de mudança
social, que busque os determinantes e não apenas as manifestações dos problemas, ou medi-
das paliativas de conformação com sua condição atual” (p.380), a fim de criar condições mais
eficazes para que os jovens possam se tornar sujeitos políticos.
Souza e colaboradores (2014) chamam atenção para a violência enquanto um fenô-
meno que abarca um recorte populacional específico, fundamentado, essencialmente, em
relações de desigualdade. A violência no Brasil tem classe social, cor e faixa etária, sendo uma
marca de um contexto histórico com determinantes políticos e econômicos. Diante dessa
problemática social, em um contexto de vulnerabilidade, violação de direitos e escassez de
políticas públicas, fruto de uma dinâmica social/política/econômica que promove desigual-
dades, Souza e colaboradores (2014, p.375) defendem que “apenas através de projetos que
primem pela formação política e participação comunitária, conseguiremos envolver pessoas
afetadas em possíveis soluções.” Os autores prosseguem dizendo que “a formação política
se configura como uma possível estratégia para o enfrentamento dessa e demais formas de
violência e negação de direitos vivenciados pela juventude brasileira.” (SOUZA, et al. 2014,
p. 376).
Diante desse quadro, a participação política é tomada como um processo de constru-
ção coletiva, partindo ao mesmo tempo de experiências individuais e compartilhadas, a fim
de construir uma leitura mais crítica da realidade experimentada. Destaca-se que a parti-
cipação não se restringe à representatividade institucional. Parte-se da premissa de que os
jovens possuem potencial para exercer um papel ativo na sociedade, com interferências nas
transformações sociais, buscando estratégias de enfrentamento e resistência aos determinan-
tes sociais.
Ademais, o presente estudo traz uma revisão integrativa da produção científica brasi-
leira sobre juventude, violência e participação, com o objetivo de identificar as convergências
presentes nas produções sobre essa temática. Considera-se importante a sua execução dada
a possibilidade de apresentar as ênfases presentes nas inter-relações, marcando, com isso,
possíveis campos de investigação nas interfaces dos temas apontados.

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METODOLOGIA
O estudo apresenta os resultados de uma revisão integrativa das produções sobre juven-
tude, violência e participação. Esse tipo de revisão proporciona uma síntese de conhecimento
ao combinar dados de estudos empíricos e teóricos, buscando definir conceitos, revisar teo-
rias e analisar problemas metodológicos, ou seja, possibilitando a sumarização de pesquisas
que giram em torno de determinada temática. (SOUZA; SILVA; CARVALHO, 2010).
O levantamento bibliográfico foi realizado nas bases de dados Scientific Electronic
Library Online – SciELO e Index Psi Periódicos Técnico-Científicos, visando assegurar uma
abrangência da revisão no contexto brasileiro. A pesquisa ocorreu a partir da combinação de
duas palavras-chaves, a saber: “juventude AND violência”, “violência AND participação” e
“participação AND juventude”. O “AND” foi o operador booleano adotado para intermediar
as palavras.
Alguns critérios de inclusão foram adotados para a realização desse estudo, são eles:
(1) publicações em português e referentes ao contexto brasileiro; (2) artigos indexados nos
referidos bancos de dados no período entre 2007 e julho de 2017; (3) publicações que apre-
sentam resultados de pesquisas empíricas. Ressalta-se a exclusão de teses, dissertações, livros,
capítulos de livros, resenhas e trabalhos teóricos. Os critérios e delimitações estabelecidas
buscam atender ao objetivo de conhecer como a temática tem sido trabalhada nas publica-
ções nacionais mais recentes.
Primeiramente, para a seleção dos artigos, procedeu-se a busca e leitura dos resumos,
priorizando trabalhos que apresentavam conexões com o objetivo do presente estudo. Após
essa etapa, ocorreu a leitura na íntegra dos artigos a fim de identificar se de fato atendiam
aos critérios supracitados. Ao serem selecionados foram discriminados os seguintes itens
presentes em cada artigo: autores, ano, periódico de publicação, tema de estudo, metodologia
e resultados encontrados. Posteriormente, seguiu-se a fase de discussão dos resultados.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Por meio da busca realizada nas referidas bases de dados, foi localizado um total de
463 artigos, com menor número, comparativamente, na combinação “participação AND ju-
ventude” (tabela 1). Dessas publicações, 353 encontravam-se na SciELO e 110 no Index Psi.
Mediante a leitura dos resumos desses artigos, foram subtraídos do resultado inicial: 90 que
se encontravam duplicados, 169 que não atendiam aos critérios de inclusão e 177 que não
contemplavam os temas de interesse, ou, ainda, exploravam tais questões de maneira super-
ficial e indireta, isto é, associada a outros fatores que não estavam vinculados aos propósitos
desse estudo. Dessa maneira, foram selecionados 27 artigos, os quais foram lidos na íntegra.
Após leitura na íntegra, 9 artigos foram excluídos, restando 18 artigos que serão discutidos ao
longo deste trabalho. Referente ao período de publicação dos trabalhos analisados, verificou-
se a ausência de trabalhos que atendiam aos critérios nos anos de 2012 e 2017, considerando
até julho.

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Tabela 1 - Caracterização dos artigos segundo bases de dados, descritores, encontrados

Juventude Violência Participação


Base de dados AND AND AND
Violência Participação Juventude

SciELO 103 152 98

Index Psi 47 44 19

Fonte: dados da pesquisa

A análise dos dados considera a produção de categorias que tiveram como referência as
palavras-chave utilizadas na busca desta revisão integrativa, a saber: participação e juventu-
de, juventude e violência, violência e participação. A seguir, serão apresentados e discutidos
os principais resultados identificados.

PARTICIPAÇÃO E JUVENTUDE
Ao investigar a compreensão que jovens inseridos em movimentos têm sobre política,
Mesquita e colaboradores (2016) assinalam que a participação da juventude perpassa três
eixos de entendimento que, de certo modo, direciona as múltiplas formas de organização.
O primeiro refere-se a uma visão clássica sobre política, a política institucional, partidária.
Na pesquisa realizada os jovens expressaram uma crítica aos espaços de representação insti-
tucionalizados. Há, nessa visão, um descrédito à política, especialmente por aqueles jovens
que não estão inseridos em movimentos tradicionais. O segundo eixo toma a política como
a base das relações humanas. Para esse grupo a política está presente nas relações sociais, nos
processos de organização e luta, nas trajetórias militantes, ou seja, no modo como a vida é
organizada. O último eixo, nas palavras dos autores, toma a “política como instrumento de
transformação social e pessoal a partir de um espaço de disputa em busca da efetivação de
direitos que não estão garantidos.” (MESQUITA et al, 2016, p.293). Ressalta-se que nessa
concepção a política aparece como instrumento de enfrentamento, luta e participação.
A crítica à política partidária também está presente no estudo de Castro (2008). Ao
investigar a participação de jovens em redes que os direcionam à sociedade mais ampla, a
autora entrevistou 25 jovens, de 16 a 28 anos, militantes de partidos políticos e jovens engaja-
dos no trabalho social comunitário. Nos resultados da autora há uma clara divisão entre esses
dois grupos. Por um lado, tem-se uma juventude que acredita na importância da vinculação
institucional como uma possibilidade de intervir mais diretamente nos problemas sociais,
assegurando uma amplitude maior das ações. Por outro, uma juventude que desconfia da
atividade político-partidária, acreditando que essa promove um afastamento das reais neces-
sidades dos jovens.

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No envolvimento com a política as identificações são importantes, como apontam


Castro e Mattos (2009). Na investigação sobre militância realizada com 19 jovens do Rio de
Janeiro, verificou-se que as identificações ora se aproximam daquelas experimentadas por
seus familiares, ora se distanciam dos familiares se identificando com uma política atrelada
ao desejo de experimentar o novo. As ações políticas segundo as autoras ainda trazem em seu
bojo a necessidade dos jovens de se localizarem no presente, de se implicarem com os proble-
mas sociais e de se responsabilizarem pelos acontecimentos atuais, conferindo um lugar de
sujeito para os jovens.
Projetos que atrelados a arte e cultura também possibilitam pontos de identificação e
espaços de participação. Uma pesquisa realizada por Mayorga e colaboradores (2008) com
jovens de um coletivo de hip hop, aponta uma juventude que utiliza a sua arte e cultura para
formação política. Para os autores, o hip hop se torna um ato político formativo, na medida
que seus elementos expressam denúncias e reivindicações de direitos que são negados, em
especial, à população jovem, negra e periférica. A formação adquirida pelos jovens, integran-
tes do Coletivo investigado, é repassada para a sociedade por meio das ações comunitárias.
A participação em movimentos, e seus efeitos de subjetivação política, também é dis-
cutido no estudo realizado por Zanetti (2011). Ao investigar a trajetória de quatro jovens
feministas da região metropolitana do Rio de Janeiro, verificou-se o enlace entre o ativismo
em ONGs e movimentos sociais com o movimento feminista. As jovens apontam que suas
trajetórias de militância agregaram mudanças em suas vidas, assim como promoveu diversas
formas de expressão e participação no movimento feminista.
Outro ponto de formação política aparece no estudo de Martins e Dayrell (2013) na
figura do grêmio estudantil. Na pesquisa realizada com um grêmio estudantil de uma escola
pública de Ensino Médio, os autores observaram que os jovens participantes do coletivo pos-
suíam um modo singular de funcionamento, distanciando da lógica burocrática dominan-
te na escola. A construção de uma identidade coletiva, a noção de participação como uma
forma de discutir assuntos comuns ao grupo, e a compreensão do papel formativo de uma
consciência crítica são elementos presentes nas falas dos jovens entrevistados e nas observa-
ções realizadas.

JUVENTUDE E VIOLÊNCIA
Almeida e colaboradoras (2014) chamam atenção para as condições de vulnerabilida-
de da juventude diante de políticas públicas pouco eficazes para essa população. As autoras
entrevistaram onze jovens com o objetivo de investigar a relação entre juventude e violência.
Preconceito, intolerância, tráfico de drogas, pobreza e criminalidade são os principais fatores
apontados pelos jovens como promotores de violência no contexto em que estão inseridos.
A ociosidade atrelada à ausência de ações, especialmente públicas, voltadas para a juventude
também surge como ponto de produção da violência.

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O contexto de vulnerabilidades também aparece no estudo de Moura, Oliveira e


Vasconcelos (2015). Na pesquisa realizada com 190 jovens moradores de periferia, os autores
descreveram as vivências de violências sofridas e praticadas, e como o contexto social desfa-
vorável está relacionado com o aumento dos riscos à saúde e vivências de violências. O estu-
do aponta que a violência está diretamente relacionada com a dimensão territorial, marcada
por vulnerabilidades sociais, nas quais os jovens estão inseridos.
Outro estudo realizado com jovens de periferia traz a violência em seu papel de me-
diadora das relações intersubjetivas (MELO et al, 2007). No universo da juventude de pe-
riferia a violência normatiza as práticas cotidianas, conduzindo não apenas a organização
da comunidade, por meio de regras e imperativos, mas também as vidas dos jovens que se
veem moldados pelos ditames impostos, especialmente pelo tráfico. Na conclusão as autoras
apontam a dificuldade dos jovens em encontrarem uma saída para o problema da violência,
ao mesmo tempo em que indicam que caso existisse uma saída não haveria dúvidas de que
os jovens atuariam em sua direção.
Na esteira da violência como mediadora das relações, Maranhão e colaboradores
(2014), discutem como a violência sofrida no ambiente familiar, naturalizada e entendida
como forma de educação, é percebida pelos jovens de forma mais negativa do que a violência
presente na comunidade. O estudo dos autores chama atenção para a relação entre as expe-
riências de situação de violência e os fatores de proteção social e pessoal. Os resultados dos
questionários aplicados a 529 jovens, estudantes de escolas públicas, apontam a violência
como forma de impor limites e educação, especialmente no ambiente familiar.
As percepções sobre violência também foram alvo dos estudos de Rizzini e Limongi
(2016). Para as autoras, o contexto de violência, marcado especialmente pela dinâmica do
tráfico, passa a impactar nas escolhas e decisões dos jovens. Nas entrevistas realizadas com
14 jovens, moradores de uma favela no município de Niterói/RJ, foi possível observar que a
violência presente no contexto de periferia produz obstáculos para o desenvolvimento dos
jovens, em especial nas áreas de educação e trabalho. A violência aparece sobretudo na di-
nâmica relacional entre o tráfico de drogas e a polícia. O estudo reverbera, ainda, a violên-
cia decorrente da negligência produzida pelo escasso aparato institucional, políticas públicas
ineficazes e extrema pobreza.
A violência está presente no ambiente em que os jovens estão inseridos, produzindo
vítimas ou autores, especialmente na relação com o tráfico de drogas. Sento-Sé e Coelho
(2014) apontam que a violência, nesse contexto, é marcada pela presença da polícia, e natu-
ralizada como algo que faz parte do cotidiano em que os jovens estão inseridos. No estudo
que os autores realizaram buscando problematizar as correlações existentes entre juventude,
violência, família, escola e perspectiva de futuro, verificou-se que a violência se atrela mais ao
contexto social, marcado por vulnerabilidade, do que por fatores como escolaridade ou pela
própria juventude.
Correa e Souza (2011), tendo como base a realidade crescente de jovens mortos por
causas externas, realizaram uma pesquisa sobre a vivência dos jovens brasileiros com a

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violência. Utilizando de manchetes de jornais, as autoras discutem com os jovens sobre as


várias facetas da vulnerabilidade vivenciada pela juventude. No entendimento dos jovens a
juventude se apresenta como portadora de comportamentos irresponsáveis. É elencado tam-
bém o desamparo familiar e a falta de figuras de referência como fator para a vulnerabilidade.
A violência é um fenômeno multifacetado encontrando diversas formas de ser per-
petrada. Nascimento, Gomes e Rebello (2009), discutem a questão da violência relacionada
ao modelo hegemônico de masculinidade, e como esse perpassa o processo de construção e
reprodução das identidades dos jovens. O estudo realizado com 19 homens jovens com ida-
de entre 15 e 17 anos, evidencia que as características que compõe o modelo hegemônico de
masculinidade são naturalizadas e percebidas como biologicamente estabelecidas, o que faz
com que alguns entrevistados acreditem que a violência é intrínseca ao homem. A violência
nesse contexto também aparece como um caminho a ser percorrido, sendo para alguns jo-
vens uma abertura para superar situações, e para outros uma forma de realizar seus objetivos
e/ou um modelo a ser seguido.
Ademais, Xavier, Conchão e Carneiro Junior (2011) trazem a resiliência como elemen-
to importante para se pensar a superação da relação entre juventude e violência. Para os
autores, em estudo com 11 jovens de idade entre 15 a 19 anos, a resiliência aparece como um
fator que possibilita o afastamento dos jovens às situações de risco. Trata-se da possibilidade
de produção de estratégias pessoais e coletivas de planejamento e projetos de vida que atuam
diretamente sobre situações de vulnerabilidade social buscando a superação das condições
desfavoráveis.

VIOLÊNCIA E PARTICIPAÇÃO
O estudo de Amaro, Andrade e Garanhani (2010) buscou identificar os significados e
as manifestações da violência por meio de entrevistas com lideranças comunitárias de duas
regiões da periferia da cidade de Londrina-PR. As autoras identificaram que comunidades
mais mobilizadas tendem a perceber a violência de forma mais abrangente e expressiva, o
que permite maior possibilidade de enfrentamento. Ao entender a violência como reflexo da
estrutura social, da cultura e dos fenômenos institucionais, as comunidades mais mobiliza-
das evidenciam, nas palavras das autoras, “uma percepção mais aprofundada da realidade e
mais condizente com a complexidade do problema.” (AMARO; ANDRADE; GARANHANI,
2010, p. 308).
Lico e Westphal (2014) chamam atenção para a importância da inclusão dos jovens em
ações de mobilização e enfrentamento à violência. No estudo realizado pelas autoras em re-
giões de alta vulnerabilidade social, em dois distritos localizados na região sul do município
de São Paulo, verificou-se a relação entre violência e uma juventude pouco mobilizada, em
que não se apresenta como protagonista das ações coletivas em torno do enfrentamento à
violência. Todavia, se trata de um duplo movimento em que os jovens não se incluem, mas,
também, não são incluídos, logo excluídos, das ações.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse artigo apresentou uma revisão integrativa da produção brasileira sobre juventude,
violência e participação. No processo de investigação verificou-se um amplo número de estu-
dos sobre juventude, porém pouca correlação entre violência e participação no campo empí-
rico. A literatura tem evidenciado uma ênfase maior nos estudos sobre juventude e violência,
considerando, especialmente, os cenários contemporâneos de problematização da juventude
e adolescência na relação com o acometimento de atos infracionais, e, consequentemente,
discussão política sobre redução da maioridade penal.
Os resultados obtidos nesse estudo apontam para a presença da juventude nos espaços
de participação, em especial, movimentos sociais e espaços não institucionalizados, coletivos
formados por processos de identificação. Não foram encontrados estudos sobre a partici-
pação da juventude nos espaços institucionalizados de participação social, como conselhos
representativos. A resistência aos espaços institucionalizados parece ter correlação com a
representação negativa que a juventude tem sobre a política partidária, confiando pouca ou
nenhuma representatividade a esse campo.
No que diz respeito à violência, o contexto de vulnerabilidade aparece como o grande
produtor de violência nos cenários das juventudes, seja como vítimas ou autores de violência.
O tráfico de drogas e a polícia, nos contextos de periferia, ainda se mostra como o ponto de
maior reverberação de violência. Todavia, essa também é percebida no contexto familiar e
como efeito da ausência de políticas voltadas para a juventude.
Ademais, ressalta-se a necessidade de estudos sobre violência e participação. Os ar-
tigos de Amaro, Andrade e Garanhani (2010) e Lico e Westphal (2014) atestam a possibi-
lidade da mobilização social como forma de enfrentamento à violência, evidenciando que
contextos de pouca ou nenhuma mobilização coletiva tende a apresentar contextos de maior
vulnerabilidade.

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ANAIS DO II SIMPÓSIO NACIONAL APROXIMAÇÕES COM O MUNDO JUVENIL
Juventudes e ações coletivas contemporâneas

HOMICÍDIO JUVENIL: VIOLÊNCIA QUE ASSOLA


A JUVENTUDE BRASILEIRA

Davi Mendes Caixeta


Especialização em Juventude no Mundo Contemporâneo pela FAJE (2018),
Mestrado em filosofia pela PUC-SP (2018), Bacharel em Filosofia pela FAJE (2014),
Bacharel em Direito pela USP (2007).
[email protected]

A violência está ligada ao uso abusivo da força, quando uma pessoa ou um grupo co-
agem alguém a ter determinada atitude, a dominação de um sobre o outro. Nesse sentido,
a violência lembra o uso da força de maneira ilegítima, por parte de governos tirânicos e
autoritários, com a intenção de dominar todo um povo. Mas também essa palavra muitas
vezes é compreendida como um tipo de agressão ainda mais extrema, quando, através da
força ou da técnica, uma pessoa ou todo um grupo social perde a própria vida. Pensamos
nos casos de mortalidade em que o direito à vida é categoricamente violado, as vítimas da
violência são colocadas numa situação de perigo, são destituídas de suas vidas.
Diante dessa pluralidade de sentidos que essa palavra possui, precisamos indagar:
que tipo de violência estamos mencionando no presente artigo? Primeiramente, quere-
mos explicitar a violência que assola diversos jovens no Brasil. Em segundo lugar, com o
intuito de discutir um grande problema que permeia o contexto juvenil brasileiro, anali-
samos mais especificamente as situações de violência relacionadas ao homicídio juvenil.
Queremos, com esse texto, trazer à tona o problema da juventude brasileira que é assassi-
nada ou exterminada nas mais diversas regiões do país.
Tomamos como fonte dessa pesquisa as informações apresentadas pelo Mapa da
Violência 2014: Os jovens do Brasil1, que traz um panorama da evolução da violência di-
rigida contra a juventude brasileira, compreendendo pessoas de 15 a 29 anos, no período
entre 1980 e 2012. Anteriormente, foi lançado o Mapa da violência 2013, com estatísticas
e análises sobre a mortalidade juvenil, tendo como base os jovens entre 15 e 24 anos. No
entanto, foi necessário atualizar os estudos, adequando o estudo ao conceito de juventude
estabelecido pelo Estatuto da Juventude, a partir de 2013.
Em ambos os documentos, são destacadas três causas diferentes de morte violenta
de jovens: homicídio, suicídio e mortes em acidentes de transportes2. Tanto no documento
de 2013 como no de 2014, os homicídios são apontados como a principal causa de mor-
te de jovens no Brasil. O Mapa da Violência 2013, analisando a faixa etária entre 15 e 24

1 Documento de autoria de Julio Jacobo Waiselsz, em parceria com a Secretaria-Geral da Presidência da


República, a Secretaria Nacional de Juventude e a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial.
2 Os números sobre esses eventos de violência são fornecidos pelo Governo Federal, por meio do Subsistema de
Informação sobre Mortalidade (SIM), ligado ao Ministério da Saúde.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

anos, afirma que os homicídios de jovens brasileiros, em 2011, foram de 27.471 mortos,
equivalente a 52,63% do total, dos quais 71,44% negros (pretos e pardos) e 93,03% do sexo
masculino3. Nesse mesmo sentido, o Mapa da Violência de 2014 aponta que, em 2012, os
homicídios de jovens brasileiros, entre 15 e 29 anos, chegaram a 30.072, equivalente a
53,37% do total de homicídios desse ano, dos quais 77% eram negros (pretos e pardos) e
93,3% do sexo masculino4. Apesar de o primeiro estudo ter como base a juventude entre
15 e 24 anos no ano de 2011, e o outro os jovens entre 15 e 29 anos no ano de 2012, os dois
documentos chamam a atenção para o grande número de homicídios os quais assolam a
juventude brasileira.
No ano de 2012, estimava-se que havia 194 milhões de habitantes no Brasil, sendo
que a população de jovens (entre 15 e 29 anos) era de 52,2 milhões, representando 26,9%
do total. Nesse mesmo ano, houve 56.377 homicídios no país, com uma taxa de homicí-
dios de 29 vítimas para cada 100 mil pessoas. Desses, 30.072 eram jovens entre 15 e 29
anos, correspondendo a uma taxa de homicídio juvenil de 57,6 vítimas para cada 100 mil.
Essa grande quantidade de jovens assassinados significa um forte impacto tanto para a
realidade da juventude brasileira como também para a realidade de todo o país: “os 30.072
homicídios de jovens [...] significam 53,4% do total de homicídios do país, indicando que a
vitimização juvenil alcança proporções extremamente preocupantes”5. O elevado número
de jovens assassinados coloca o problema do homicídio juvenil não somente como uma
questão de segurança pública, mas, sobretudo, provoca uma reflexão sobre problemas de
saúde pública, desafios envolvendo violações aos direitos humanos.

ONDE TÊM OCORRIDO OS HOMICÍDIOS JUVENIS?


Quando nos deparamos com o problema do homicídio juvenil, precisamos analisar
cuidadosamente essas estatísticas, levando em conta o tamanho e a diversidade de um
país como o Brasil. É necessário considerar se a violência homicida é recorrente em todos
os estados e regiões ou se está localizada em determinados pontos geográficos. Ademais,
analisamos se os homicídios de jovens estão presentes somente nas grandes cidades, como
as capitais brasileiras, ou se também chegam às cidades menores.
O Mapa da Violência 2014 oferece um estudo comparativo do número de homicídios
juvenis para cada região do país e também para cada unidade federativa6. De maneira geral,
de 2002 para 2012, a quantidade de homicídio contra jovens cresceu de forma considerável
em todas as regiões do Brasil, salvo a região Sudeste. As regiões que mais se destacaram no
aumento da taxa de homicídio juvenil foram o Norte e o Nordeste. Na região Nordeste, em
2002, a taxa de homicídio juvenil era 43,2 para cada 100 mil, passando para 79,5 em 2012.

3 Waiselfisz, 2013, p. 9.
4 Waiselfisz, 2014, p. 9.
5 Waiselfisz, 2014, p. 48.
6 Waiselfisz, 2014, p. 43.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

Na região Norte, em 2002, a taxa era de 38,8 para cada 100 mil, alcançando a taxa de 67,9
em 2012. A redução da taxa de homicídio juvenil somente ocorreu no Sudeste, que era de
76 para cada 100 mil, em 2002, caindo para 40,1 em 20127.
No entanto, é necessária uma análise mais detalhada desse problema no contexto
de cada região do país. De 2002 para 2012, na região Nordeste, os estados que tiveram
um assustador aumento em suas taxas de homicídio juvenil foram Rio Grande do Norte
(+293,6%), Bahia (+249%), Maranhão (+184,1%), Ceará (+176,4%), Paraíba (+160,6%) e
Alagoas (+110,9%). Já Pernambuco teve uma diminuição da taxa de homicídios, de 111,3
jovens mortos para cada 100 mil pessoas, em 2002, para 73,8 em 2012, correspondendo a
uma redução de 33,6% de jovens assassinados8.
Na região Norte, entre 2002 e 2012, Amazonas, Pará e Tocantins tiveram um grande
crescimento da taxa de homicídio juvenil. No Pará a taxa aumentou 140,9%, no Amazonas
98,7%, e em Tocantins 82,6%9. No decorrer dessa mesma década, Acre, Rondônia e
Roraima tiveram uma diminuição dessas taxas, sendo que no Acre a redução foi de 9,8%,
em Rondônia 22,6% e em Roraima 26,8%10. Nesse mesmo período, na região Centro-Oeste,
Goiás dobrou sua taxa de homicídio juvenil, passando de uma taxa de 42,5 jovens mortos
para cada 100 mil, em 2002, para 87,5 em 2012. Já o Estado de Mato Grosso do Sul teve
uma redução, passando de 52,5 jovens mortos para cada 100 mil, em 2002, para 42,3 em
201211.
Na região Sudeste, a diminuição da violência homicida não ocorreu igualmente em
todos os estados. Somente São Paulo e Rio de Janeiro passaram por significativa redução
das taxas de homicídio juvenil. No caso do Rio de Janeiro, a taxa de homicídio juvenil foi
reduzida de 117 mortos para cada 100 mil, em 2002, para 56,5 em 2012. Em São Paulo, a
taxa diminuiu de 80,2 mortos para cada 100 mil, em 2002, para 24,9 em 2012. Porém, em
Minas Gerais, houve um aumento da taxa de homicídio juvenil, passando de 31,7 mortos
para cada 100 mil, em 2002, para 47,9 em 2012. No caso do Espírito Santo, já havia uma
taxa elevada de homicídio juvenil. Em 2002 essa taxa era de 101,6 jovens mortos para cada
100 mil, havendo uma oscilação no decorrer dessa década, chegando em 2012 com uma
taxa de 101,712.
As diferentes taxas de homicídio juvenil indicam uma mudança significativa do
local em que tem ocorrido as maiores quantidades de jovens assassinados no país. Em
2002, as maiores taxas estavam nos estados de Rio de Janeiro, São Paulo, Espírito Santo
e Pernambuco, três da região Sudeste e um da região Nordeste. Em 2012, as seis maiores

7 Waiselfisz, 2014, p. 43.


8 Waiselfisz, 2014, p. 43.
9 Waiselfisz, 2014, p. 45.
10 Waiselfisz, 2014, p. 45.
11 Waiselfisz, 2014, p. 43.
12 Waiselfisz, 2014, p. 34.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

taxas do país se localizavam em Alagoas, Espírito Santo, Ceará, Goiás, Bahia e Paraíba13.
De 2002 para 2012, vinte unidades federativas apresentaram aumento em suas respectivas
taxas de homicídio juvenil, enquanto que somente sete estados tiveram redução. Essas
mudanças mostram que a violência homicida deixou de estar localizada em determinados
estados que antes eram tradicionalmente conhecidos como violentos, para se alastrar para
outras regiões do país.
Outro aspecto importante na análise do homicídio de jovens brasileiros, diz respeito
ao tipo de local em que aconteceram: capitais dos estados, grandes metrópoles, cidades
de médio e pequeno porte. Em 2012, as capitais com maiores taxas de homicídio juve-
nil foram Maceió (taxa de 218,1 vítimas para cada 100 mil), João Pessoa (taxa de 177,8),
Fortaleza (taxa de 176,6), Vitória (taxa de 140,7) e Salvador (taxa de 138,5)14. Na região
Nordeste do país, salvo Teresina, cuja taxa de homicídio juvenil foi de 76, as capitais ul-
trapassaram a trágica barreira dos 100 homicídios para cada 100 mil, sendo que Maceió
superou a taxa de 200 jovens mortos para cada 100 mil15.
Nas grandes cidades brasileiras, tanto aquelas marcadas pelas altas taxas de homicí-
dios como aquelas que vêm reduzindo suas taxas, os eventos de violência homicida não se
deram de forma uniforme. Se tomarmos como exemplo a cidade de São Paulo, em 2016,
a maioria dos homicídios, levando em conta a população total, aconteceu em regiões pe-
riféricas já marcadas pela violência. Os distritos policiais em que foram registrados mais
homicídios foram Jaçanã, Jardim Herculano, Campo Limpo, Jaraguá e Jardim Noemia.
Essa realidade se torna muito diferente se tomarmos distritos como Aclimação, Itaim Bibi,
Pinheiros, com índices muito baixos de homicídios16.
Além disso, importante comparar as taxas de homicídios entre as capitais dos es-
tados e as cidades do interior. Em 2002, a taxa de homicídio do país era de 28,5 mortos
para 1100 habitantes, sendo que as capitais brasileiras tinham uma taxa média de 45,5 e o
interior uma taxa média de 16,1. Em 2012, a taxa de homicídios do país era de 29 pessoas
assassinadas para cada 1100 pessoas, sendo que a taxa das capitais foi reduzida para 38,5 e
a taxa do interior elevada para 22,517. A distribuição dos homicídios para além das capitais
dos estados tem se revelado uma fonte importante para a análise dos fatores que incidem
na produção e reprodução da violência homicida de jovens.
De acordo com as estatísticas apresentadas pelos documentos de 2014 e de 2013,
existem dois processos concomitantes na dinâmica da violência homicida no Brasil: a in-
teriorização e a disseminação da violência homicida, sobretudo do homicídio juvenil18.

13 Waiselfisz, 2014, p. 47.


14 Waiselfisz, 2014, p. 58.
15 Waiselfisz, 2014, p. 58.
16 Secretaria de Estado da Segurança Pública de São Paulo (http://www.ssp.sp.gov.br).
17 Waiselfisz, 2014, p. 65.
18 Waiselfisz, 2014, p. 64.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

Esses dois processos indicam que a violência contra a juventude não está apenas em certos
lugares do país, mas ocorre nos diversos estados e regiões, tanto capitais como cidades do
interior. Ademais, esses dois processos sugerem que há um “deslocamento dos polos dinâ-
micos e uma nova geografia da violência homicida no país”19. A interiorização e a dissemi-
nação da violência homicida colocam esse problema como algo que continua assolando o
Brasil, sobretudo a juventude.

QUEM SÃO ESSES JOVENS QUE PADECEM COM A VIOLÊNCIA HOMICIDA?


Diante do catastrófico número de homicídios que extermina a população brasileira,
buscamos compreender quem são essas pessoas vítimas de assassinatos, quem são esses
jovens que perdem suas vidas. Não pretendemos tecer um perfil detalhado dos jovens
brasileiros que sofrem com a violência homicida, mas destacamos algumas peculiaridades
dos homicídios para ajudar a compreender quem são os jovens com maior suscetibilidade
ao homicídio.
O Mapa da Violência 2014 chama a atenção para a estrutura etária dos homicídios.
No ano de 2012, com relação à faixa dos 10 aos 14 anos de idade, o número total de homi-
cídios foi de 743, com uma taxa de homicídios de 4,3 para cada 100 mil pessoas. A quanti-
dade total de homicídios aumenta assustadoramente para 9.295 mortos, quanto se observa
a faixa etária dos 15 aos 19 anos, com uma taxa de homicídio de 53,8 para cada 100 mil
pessoas. A situação dos homicídios ganha mais perplexidade quanto se toma a faixa dos
20 aos 24 anos de idade, em que o número total de homicídios foi de 11.744, sendo a taxa
de homicídios de 66,9 para cada 100 mil pessoas. Esse número apresenta um pequeno de-
créscimo na faixa etária dos 25 aos 29 anos, com número de 9.658 homicídios, taxa de 55,5
para cada 100 mil pessoas20. Destacamos que, dentre todas as idades, a maior quantidade
de assassinatos foi com pessoas aos 20 anos de idade, totalizando 2.473 homicídios. Esses
números mostram que a incidência de homicídios se dá de maneira diferente para cada
faixa etária e confirma que a categoria social mais atingida pelos homicídios são os jovens,
especialmente entre 20 e 24 anos21.
Outro fator que chama a atenção é que as mortes por homicídio são predominante-
mente masculinas, tanto no total da população assassinada como dentre os jovens mortos.
Em 2012, 91,6% das vítimas de homicídio na população total pertenciam ao sexo mascu-
lino. Ao analisarmos a população jovem entre 15 e 29 anos, nesse mesmo ano, os jovens
homens representavam 93,3% das vítimas22. As taxas de homicídio de jovens mulheres,
em 2002, era de 7 vítimas para cada 100 mil pessoas. Em 2012, essa taxa teve um pequeno
aumento para 7,7. Já a situação dos jovens homens é bastante diferente, com um número

19 Waiselfisz, 2014, p. 64.


20 Waiselfisz, 2014, p. 69.
21 Waiselfisz, 2014, p. 69.
22 Waiselfisz, 2014, p. 70.

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bem mais elevado. Em 2002, a taxa de homicídios de jovens homens era de 105,4 vítimas
para cada 100 mil pessoas, aumentando para 107,5, no ano de 2012.
Ao tomarmos as categorias de raça/cor da população brasileira, segundo o IBGE,
durante a década de 2002 até 2012, o número de homicídios é bastante variado para os di-
versos grupos da população jovem segundo a raça/cor. Em 2002, o número de homicídios
da população jovem branca foi de 10.072, da população jovem preta 2.598, da população
jovem parda 14.902, da população jovem amarela 46 e da população jovem indígena 34.
Em 2012, o número de homicídios da população jovem branca foi de 6.823 (diminuição
de 32,3%), da população jovem preta 2.524 (diminuição de 2,8%), da população jovem
parda 20.636 (aumento de 38,5%), da população jovem amarela 24 (diminuição de 47,8%),
da população jovem indígena 65 (aumento de 91,5%)23. Houve uma significativa queda,
entre 2002 e 2012, do número de homicídios relacionados às populações jovens branca e
amarela, mas um aumento considerável dos homicídios que atingem as populações jovens
parda e indígena. Tendo em vista que, no Brasil, durante essa década, o número de homicí-
dios juvenil aumentou 8,7%, pode-se deduzir que as principais vítimas desses homicídios
foram os jovens negros (englobando a população juvenil parda e preta).
O grande número de jovens assassinados escandaliza qualquer pessoa, mostrando
que o problema do homicídio juvenil no Brasil não pode ser considerado como algo den-
tro da normalidade. De acordo com os dados apontados nesse artigo, é possível explicitar
algumas características das pessoas que mais são assoladas pela violência homicida: na
maior parte são os jovens, predominantemente homens, principalmente negros. Além de
a violência homicida estar se espalhando para diversas regiões do país, essa violência tam-
bém tem constituído um alvo principal dos assassinatos, principalmente o extermínio da
juventude, periférica, pobre, negra.

PROBLEMÁTICAS DIANTE DA VIOLÊNCIA HOMICIDA CONTRA A


JUVENTUDE BRASILEIRA
Diante dessa angustiante realidade, é possível afirmar que o Brasil enfrenta um gra-
ve problema com relação ao homicídio juvenil. Os jovens têm sido exterminados, não
somente nas capitais e nas grandes cidades, mas também em diversas regiões do interior
do país, nas cidades fronteiriças, nas zonas marcadas pela violência. Diante dos números
apresentados, não apenas no Mapa da Violência 2014, mas também em outras estatísticas
organizadas pelo poder público e por outras instituições sociais, compreende-se que há
um verdadeiro genocídio em curso no Brasil:

Está em curso no Brasil um verdadeiro genocídio. A violência tem se


tornado um flagelo para toda a sociedade, difundindo o sofrimento,
generalizando o medo e produzindo danos profundos na economia.
Entretanto, os efeitos mais graves de nossa barbárie cotidiana não se

23 Waiselfisz, 2014, p. 152.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

distribuem aleatoriamente. Como tudo no Brasil, também a vitimi-


zação letal se distribui de forma desigual: são sobretudo os jovens
pobres e negros, do sexo masculino, entre 15 e 24 anos, que têm pago
com a vida o preço de nossa insensatez coletiva. O problema alcançou
um ponto tão grave que já há um déficit de jovens do sexo masculino
na estrutura demográfica brasileira. Um déficit que só se verifica nas
sociedades que estão em guerra. Portanto, apesar de não estarmos
em guerra, experimentamos as consequências típicas de uma guerra.
Nesse caso, uma guerra fratricida e autofágica, na qual meninos sem
perspectiva e esperança, recrutados pelo tráfico de armas e drogas (e
por outras dinâmicas criminais), matam seus irmãos, condenando-
se, também eles, a uma provável morte violenta e precoce, no círculo
vicioso da tragédia.24
Inquietante a comparação entre os dados sobre homicídio juvenil no país e o caso de
alguns países que enfrentam situações de guerra. No caso do Brasil, há uma guerra contra
a juventude, pessoas colocadas como uma espécie de inimigos, que devem ser extermina-
dos. Não se trata de uma guerra convencional, mas de uma guerra em que as vítimas são os
próprios jovens, assassinados pelos mais diversos motivos, em circunstâncias que revelam
a precarização da vida de muitas dessas pessoas. Conforme propõe Malaguti, ao estudar o
tráfico de drogas e a violência contra jovens periféricos no Rio de Janeiro, o inimigo nessa
guerra brasileira é representado pela pessoa do jovem traficante armado, inimigo público
número um25. Entende ainda que:

[...] na transição do autoritarismo, da ditadura para a abertura demo-


crática (1978-1988), houve uma transferência do “inimigo interno”
do terrorista para o traficante. Todo o sistema de controle social (in-
cluindo aí suas instituições ideológicas, como os meios de comunica-
ção de massa) convergiu para a confecção de um novo estereótipo. O
inimigo, antes circunscrito a um pequeno grupo, se multiplicou nos
bairros pobres, na figura do jovem traficante.26
Esse problema se agrava bastante quando consideramos que há um descaso ou in-
diferença com relação ao problema do extermínio de jovens brasileiros: “no Brasil, a vio-
lação de direitos trivializou-se, a agressão é quase um capricho, a violência compara-se a
frivolidades, o homicídio rotinizou-se”27. Mesmo que muitas pessoas, muitos governan-
tes e autoridades saibam desses problemas, parece que houve uma banalização da violên-
cia, uma indiferença com relação aos jovens que são assassinados a cada dia no país. Um

24 Soares, 2004, p. 130-131.


25 Malaguti, 2003, p. 35.
26 Malaguti, 2003, p. 40.
27 Soares, 2004, p. 157.

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desdobramento dessa indiferença é a invisibilidade com relação a essas pessoas vítimas da


violência homicida. “Indiferença gera invisibilidade”28. Como muitos dos jovens assassina-
dos são pobres, negros, moradores das periferias, em condições de vida bastante precárias,
essas pessoas não recebem suficiente atenção para seus problemas sociais, para tais situa-
ções de exclusão e de extermínio. O genocídio de jovens ou é invisibilizado ou é colocado
na indiferença, já que vários dessas pessoas são vistas como inimigos públicos.
Alguns pesquisadores sobre o homicídio juvenil, em especial o mexicano José Manuel
Valenzuela, têm usado o termo juvenicídio, com o objetivo de explicitar melhor os contex-
tos com grande número de assassinato de jovens. Inspirados pelo sentido de feminicídio,
os crimes de ódio baseado no gênero que resulta no assassinato de mulheres, o juvenicídio
é uma terminologia relativamente nova e significa o “assassinato sistemático de pessoas
jovens”29. De certa forma, a grande quantidade jovens mortos por homicídio, aumentando
e assustando a cada ano, revela que esses assassinados não ocorrem de maneira aleatória
nem por mera casualidade, mas tantas mortes estão sistematizadas em um processo de
degradação social, em que as políticas públicas e a conjuntura socioeconômica favorecem
ou ignoram a precariedade da vida das juventudes, deixando tantas vidas em situações de
violência homicida. Esse fenômeno tem impactado fortemente diversos países da América
Latina, onde muitos jovens têm seu direito à vida ameaçado e categoricamente transgredi-
do pela violência, sendo o Brasil como um dos países com números e taxas mais elevados
de homicídio juvenil.
Mas que sociedade é essa que extermina seus jovens? Que tipo de país coloca a pró-
pria juventude como inimigo público? Como uma situação tão incompreensível pôde se
desenvolver e perpetuar no Brasil? A quantidade absurda de homicídios contra a juventu-
de brasileira revela as contradições existentes no Brasil. Por um lado, muitas instituições
do país têm afirmado o direito das juventudes, inclusive o direito à vida, como é o caso
da Constituição Federal e do Estatuto da Juventude. Por outro lado, as taxas elevadas de
homicídios apontam para a grande precariedade das condições de vida da juventude, para
violações aos direitos humanos, para falta de garantias ao direito à vida.
Diante da guerra e do genocídio contra a juventude brasileira, como fica o direito
fundamental à vida? Será que a sociedade ou as autoridades públicas têm desconsiderado
o problema do extermínio de jovens, que vem aumentado década após década, até chegar
a índices alarmantes de mortalidade juvenil? Com o crescimento do número de jovens
assassinados e das taxas de homicídio, tanto com relação à população brasileira em geral
como em relação à juventude, algumas políticas públicas criadas para garantir os direitos
da juventude têm sido implementadas.
Em 2014, o Governo Federal publicou o “Plano Juventude Viva”, sob a coordenação
da Secretaria Nacional de Juventude, com o propósito de reunir ações de prevenção para
reduzir a vulnerabilidade de jovens, entre 15 e 29 anos, especialmente de jovens negros,

28 Soares, 2004, p. 136.


29 Perondi, 2017.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

em situações de violência física e simbólica, a partir da criação de oportunidades de in-


clusão social, ampliação dos direitos da juventude, desconstrução da cultura da violên-
cia30. No entanto, muitas dessas políticas públicas têm tido um resultado bastante tímido,
uma vez que a juventude brasileira continua sendo assolada pela violência, inclusive pelo
homicídio. O próprio “Plano Juventude Viva” enfrentou diversos problemas, como o de-
sinteresse por parte de poderes públicos, e uma proposta uma reformulação foi realizada
somente em 2017.
Não podemos ser nem negligentes, nem cegos, nem indiferentes quanto ao con-
texto absurdo dos homicídios de jovens. Pouca estruturação e articulação de políticas
públicas para a juventude, indiferença com relação aos jovens que são constantemente
ameaçados pelos homicídios, invisibilidade do extermínio da juventude brasileira, tudo
isso mostra a complexidade do problema da violência homicida no país que assola tan-
tos jovens. Precisamos encarar o problema do juvenicídio no Brasil. Não se trata de um
problema localizado ou eventual, mas generalizado em diversas regiões. São assassinatos
contra diversos jovens, nas grandes cidades e no interior do país, que priorizam os negros,
pobres, em situação de exclusão, como os principais alvos.
Há tantos jovens que são exterminados. Poucos ganham atenção por parte da so-
ciedade e das autoridades. Há tantas situações de violência homicida, mas que não são
vistas como uma fatal agressão aos direitos humanos, no máximo são tratadas como pro-
blemas de segurança pública. Tudo isso faz com que a guerra e o extermínio de jovens que
há no Brasil seja ainda mais cruel e aterrorizadora.

REFERÊNCIAS

BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis. Drogas e Juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Revan, 2003.

PERONDI, Maurício. “O juvenicídio, a ilusão das facilidades e o falso projeto de futuro”. In. Revista IHU
On-Line. Maio de 2017. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/159-noticias/entrevistas/567744-o-ju-
venicidio-a-ilusao-das-facilidades-e-o-falso-projeto-de-futuro-entrevista-especial-com-mauricio-peron-
di. Acesso em 10 out 2017.

Plano Juventude Viva. Brasília, 2014. Disponível em: http:// http://www.juventude.gov.br/


juventudeviva/o-plano. Acesso em 10 out. 2017.

SOARES, Luiz Eduardo. “Juventude e violência no Brasil contemporâneo”. In. NOVAES, Regina;
VANNUCHI, Paulo (orgs.). Juventude e sociedade: trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo:
Perseu Abramo, 2004.

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2014: Os jovens do Brasil. 2014.

WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2013: Homicídios e Juventude no Brasil. 2013.

30 Plano Juventude Viva, 2014, p. 7.

Annales FAJE, Belo Horizonte-MG, v. 3, n. 2 (2018) | 531


ANAIS DO II SIMPÓSIO NACIONAL APROXIMAÇÕES COM O MUNDO JUVENIL
Juventudes e ações coletivas contemporâneas

AS INSTITUIÇÕES SOCIAIS E A SOLIDÃO DOS JOVENS EM TEMPOS


DE INCERTEZAS - O PROJETO TERRITÓRIOS COMO POLÍTICA DE
ENFRENTAMENTO ÀS VIOLÊNCIAS CONTRA OS JOVENS EM BH

Márcia Cristina Alves


Sebastião Everton de Oliveira

Neste texto apresentamos algumas reflexões sobre a elaboração de um Programa de Prevenção à criminalidade
e às violências com o foco em territórios com altos índices de vulnerabilidade e risco à letalidade juvenil, na
cidade de Belo Horizonte, MG. Em sua formulação utilizamos o IVJ – Índice de Vulnerabilidade Juvenil1, como
indicador para qualificar e indicar territórios com maiores concentrações de desvantagens sociais, onde os jo-
vens e suas famílias têm sido mais excluídos do acesso a bens e serviços públicos, demandando maior atenção
do poder público em seus processos de socialização e proteção social. A leitura que fazemos desses territórios,
das interações que permeiam e flutuam por ali, os fenômenos próprios de cada localidade e estágios de violência
em suas singularidades, são pontos de partida para uma atuação mais conceitual, e não apenas operacional do
ponto de sua execução.

Esses são elementos que indicam um público específico, (jovens) com características específicas (negros) e
condições sociais específicas (pobres em sua maioria), vítimas da violência urbana. Cabe destacar que não se
trata de construir estigmas ou “tratar de forma diferenciada” um público específico, mas de fazer leituras mais
qualificadas sobre o problema examinando as ofertas, potencialidades e limitações das políticas convencionais
para prevenir o envolvimento desses jovens com o crime e com a violência, seja como vítima ou como autores.

Nessa premissa, sugerimos alguns elementos que têm sido centrais na elaboração deste Programa, preliminar-
mente denominado como “Territórios de Prevenção”, como: a) o conceito de territórios; b) o conceito de diag-
nóstico, baseado em de ocorrências de violência nos territórios e, mais especificamente, no interior das escolas;
e c) elementos que podem compor programas para juventude em áreas de vulnerabilidade social.

A partir dos contatos iniciais e formulação de um diagnóstico inicial, temos constatado nos territórios, um
paradoxo institucional, que por um lado sugere a autonomia e independência juvenil, mas que, por outro lado,
tem revelado um abandono e negligência por parte das agências e instituições políticas. Essa é uma constatação
incipiente e em fase de confirmação, que já traz indagações sobre os reais suportes para uma inserção comuni-
tária concreta e um pleno reconhecimento social dos jovens para usufruto de sua cidadania.

Palavras-chave: Conflitos, violências, jovens, solidão, prevenção à criminalidade.

INTRODUÇÃO
As violências tornaram-se uma rotina na vida dos brasileiros, conforme o 10º Anuário
Brasileiro de Segurança Pública, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública,
em 2016. Em 2015, a cada 9 minutos uma pessoa foi morta de forma violenta no Brasil,

1 Fonte: https://monitorabh.pbh.gov.br/ivjbh Este índice é composto por sete indicadores de vulnerabilidade


juvenil (porcentagem de população jovem, abandono escolar no ensino médio, distorção idade-série no ensino
médio, gravidez na adolescência, renda domiciliar, trabalho infantil e homicídios). Ele permite identificar os
territórios da cidade nos quais os jovens estão em situação de maior vulnerabilidade.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

totalizando 58.467 mortes violentas intencionais, incluindo vítimas de homicídios dolosos,


de latrocínios, lesões corporais seguidas de morte e mortes decorrentes de intervenções po-
liciais. Deste total, 54% são jovens entre 15 e 24 anos, que é um dos grupos mais vulneráveis
à violência, seja na condição de agressor ou de vítima, sendo que 73% são negros e pardos. A
sensação de insegurança também prevalece junto aos jovens entre 16 e 24 anos: 80% alegam
ter “medo de morrer assassinados” e 86% dizem sentir “medo de ser vítima de violência por
parte de criminosos”. As capitais concentram 26% dos assassinatos do país (FBSP, 2018).
Inseridas neste contexto, as comunidades, convivem cada vez mais com a ocorrência
de violências cotidianamente. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2016) aborda a
violência na escola em uma parte específica, baseada nos resultados da Pesquisa Nacional
de Saúde do Escolar - PeNSE, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
- IBGE, em 2015, a partir de convênio celebrado com o Ministério da Saúde e o apoio do
Ministério da Educação. A pesquisa teve por objetivo, conhecer e dimensionar os diversos fa-
tores de risco e de proteção à saúde desse grupo populacional. Também são preocupantes os
resultados desta pesquisa: 49,1% das escolas públicas em Minas Gerais localizam-se em área
de risco em termos de violência (indicadores: roubos, furtos, assaltos, consumo de drogas,
homicídios) e 50% dos alunos que frequentam o 9º ano do ensino fundamental (entre 15-16
anos), estão em escolas localizadas em áreas de risco de violência. Em Minas Gerais, 10,1%
dos estudantes que responderam à pesquisa, deixaram de frequentar a escola em função da
falta de segurança no trajeto casa-escola e 9,0% pela falta de segurança na própria escola.
Outro dado importante é que 14,4% oriundos de escolas públicas, não compareceram à es-
cola seja por falta de segurança no trajeto ou por falta de segurança na própria escola (SMSP,
2017) Além de outros fatores a serem observados como as taxas elevadas de evasão, distorção
idade-série e abandono escolar.
Esses dados se relacionam com estudos sobre a juventude contemporânea que apon-
tam três grandes medos (NOVAES, 2013). Segundo consulta realizada, os jovens deste tempo
teriam: medo de sobrar, que estaria ligada a certa insegurança em relação ao trabalho e às rá-
pidas transformações no mundo do trabalho; o medo de morrer, em virtude de a morte estar
cada vez mais presente no cotidiano dos jovens; e o medo de desconectar-se, numa sociedade
integração globalmente, que traz ao mesmo tempo um profundo processo de exclusão.
Quando pensamos em nossa estrutura social, vemos uma incipiente, mas necessária
atuação das instituições socializadoras tradicionais. Porém, precisamos lembrar que a família
e a religião têm buscado o seu lugar de autoridade e de construção de perspectivas de futuro,
num tempo de incertezas, de transformações no mundo do trabalho e de ressignificação de
seus papéis sociais. Nisso, abre-se uma lacuna no caso de referências para dar suporte e con-
tribuir para a fabricação das subjetividades juvenis.
A partir dessas premissas, entendemos que para uma atuação no território, precisa-
mos trocar ou adaptar as lentes da gestão pública, de forma a desenvolver um olhar mais
reflexivo, menos viciado e munido de certezas. É neste esforço que o “Projeto territórios de
prevenção”, tem se debruçado, numa aposta para entrar e iniciar uma leitura do território

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a partir do ambiente escolar no exercício de construção de vínculos com essa comunidade,


suas potencialidades e seus desafios. Consideramos a escola como um equipamento potente,
que se relaciona tanto com aqueles que estão diretamente vinculados a ela, como também
toda a comunidade em seu entorno. É um equipamento que tem capilaridade, que possui
estabilidade de serviço reconhecido pela comunidade, ainda que com suas possíveis limita-
ções. Com isso, numa perspectiva comunitária, partimos da escola como ponto de análise de
problemas e de atuação, para mapear, diagnosticar e conhecer a realidade local e os proble-
máticas que envolvem a violência deste lugar social.

APRECIAÇÃO E APOSTA DE ELEMENTOS PARA IMPLEMENTAÇÃO DE UM


PROGRAMA DE PREVENÇÃO AO CRIME E ÀS VIOLÊNCIAS:
O TERRITÓRIO COMO REFERÊNCIA:
Ë conhecida a relação entre espaço urbano e violência urbana, mas não se pode afir-
mar com clareza, a interação entre estas duas variáveis, sem a descrição da interação de suas
variáveis sociais e físicas. A perspectiva de atuação de programas de Prevenção ao Crime e
à Violência, concebidos a partir da gestão local, parte do pressuposto que é no lugar onde
se vive que a violência assume suas diversas formas, ou seja, onde ela se manifesta. A litera-
tura tem nos apontado uma concentração em maioria absoluta dos homicídios nas favelas,
na faixa etária de 14 a 24 anos, numa vazão que principalmente vitimiza a população negra
(UNESCO, 2004).
O contexto atual de revalorização da dimensão local acompanha o processo de de-
mocratização e descentralização das políticas públicas. Procura-se assim, produzir respostas
a demandas microssociais, constituídas pela diversidade e heterogeneidade dos problemas,
que se formam nos territórios, e, ao mesmo tempo, conectando estas respostas às mudanças
na estrutura social. Ou seja, partindo de intervenções locais e abordagens direcionadas, bus-
ca-se produzir respostas que se configuram em mudanças no grupo-comunidade.
As intervenções com foco no território – através da implementação de ações dirigidas
e de uma gestão de proximidade nos leva a perceber o estabelecimento de vínculos sociais
entre os agentes da Política e os beneficiários da mesma. No caso da violência urbana, há uma
demanda pela emergência, pois se trata de preservação da vida. Isso exige tanto uma especia-
lidade na ação quanto uma aproximação do público alvo.
Para alguns autores (KOGA, 2003; FLÁVIA 2004a), a dimensão territorial favorece a
participação e propicia um maior experimentalismo no campo das Políticas públicas: “não se
trata apenas da emergência de novas políticas, mas de sua democratização, da reconstrução
dos arranjos institucionais e dos processos políticos relativos à concepção e gestão de seus
instrumentos”.
A territorialidade torna-se uma variável relevante a ser considerada no desenho e na
implementação de Programas, pois reconhecer o território como dimensão significativa na
concepção da intervenção, pode romper com a segmentação existente das políticas sociais e

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urbanas e pode produzir resultados mais efetivos e duradouros. Dirce Koga (2003), entende
o território como “um novo elemento catalisador de potenciais e de reinvenção da cidadania”.
Entende-se aqui o território como espaço físico e simbólico da comunidade, como es-
paço social, levando em conta suas múltiplas dimensões e as relações sociais que o consti-
tuem, pois, o ambiente que vivemos é ao mesmo tempo simbólico e físico, com significações
construídas pelos grupos e pelas ações dos indivíduos. Desta forma, pela interação entre
grupos e ambiente, através das relações sociais, constitui-se a percepção do outro, como parte
do grupo ou comunidade, o que permite, inclusive, fazer previsões sobre comportamentos,
ou esperar atitudes desejáveis.
Perceber esta dimensão, que caracteriza o local como espaço construído a partir das re-
lações sociais, abre a possibilidade para outras interpretações acerca da dimensão territorial
na formação de identidades comunitárias (ALVES, 2008).

DIAGNÓSTICO COMO ELEMENTO DE PLANEJAMENTO E ESCUTA:


O IVJ-BH nos possibilita um olhar sobre os territórios, como pontos de planejamento
das políticas de Prevenção, como a apresentado anteriormente, este olhar pode qualificar,
diferenciar e direcionar as ações de prevenção junto a projetos e programas de base local, em
áreas de menor ou maior vulnerabilidade juvenil, aperfeiçoando o trabalho e ampliando a
visão sobre este local.
A partir desta experiência, quando falamos em DIAGNÓSTICO, sugerimos uma con-
cepção para além de trabalhar com dados e informações, ou seja, teria a ver com um olhar
sobre uma região ou local que exige, de uma rede institucional, uma atuação compartilhada
e integrada, visando produzir maior proteção social a públicos vulneráveis.
O objetivo de reunir dados de diferentes agências, sobre as ocorrências de violência e
de criminalidade, associados às informações sobre a realidade local, a qualificação dos dados
em microrregiões – territórios e, mais precisamente, a produção de indicadores específicos
para uma população no caso jovens de 15 a 29 anos, associado a informações da educação e
da segurança, traz uma referência de análise e compartilhamento de informações para o que
consideramos como princípio das atividades do programa. O que torna esse diagnóstico um
pré-requisito metodológico do Programa, para sua implantação e ao mesmo tempo um ins-
trumento de articulação de programas e projetos que atuam no território.
No momento do compartilhamento de informações, novas leituras sobre este mesmo
lugar se produzem, novos arranjos para solução de problemas são criados e novas configura-
ções dos serviços são produzidas. Ou seja, o diagnóstico deixa de ser uma ferramenta estática
e passa a ser uma produção coletiva de informações e base para atuação em rede no territó-
rio. Deste diagnóstico elabora-se e pactua-se, tanto na rede institucional quanto comunitária
um plano local de ação. Conforme dissemos, acredita-se na escola como porta de entrada
para uma atuação mais ampliada no território e com essa construção espera-se: eliminar

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totalmente o problema; reduzir o número de ocorrências geradas pelo problema; reduzir a


gravidade dos danos; lidar melhor com velhos problemas; ou encaminhar o problema para
outra autoridade não policial.
Cabe lembrar que dos estudos iniciais realizados por nós para constituição do diag-
nóstico realizado na regional leste (microrregião leste 4), na escuta a quatro escolas muni-
cipais2, observamos que essas instituições têm trazido algumas questões, que são para nós
importantes:
1. Um sentimento de insegurança constante, com forte interesse em intervenções pela
autoridade no ambiente escolar;
2. Uma generalização da violência com indicação de alto número de envolvimento
dos jovens;
3. Denúncia da ausência de autoridade, sobretudo, dos pais e da própria escola para a
construção de limites e de referências positivas para esses jovens;

Como se pode observar, a sensação de insegurança é produzida pela confluência de


muitos fatores, como no caso da ausência de controle e ao mesmo tempo de incertezas no
campo das intervenções. Ao analisar a realidade concreta, com sujeitos reais, situações e am-
bientes envolvidos, percebemos que as violências são próprias em cada unidade, com sujeitos
identificáveis e numa proporção bem menor do que se sugeriu num momento inicial, exis-
tindo, pois, muitas possibilidades pedagógicas que podem ser investidas e criadas para evitar
uma intervenção policial/judicial ou mesmo uma prevenção a uma violência de grau mais
avançado.
O que viemos constatando, de modo estrito e ainda inicial, é que em certa medida essas
instituições têm se deparado com limitações que são estruturais e conceituais, uma vez que
a natureza das violências e suas características próprias produzem graus e efeitos diferentes,
mas também denunciam questões que são de ordens relacionais, no diálogo intergeracional,
de trabalho com o público adolescente, de contato entre culturas adversas e subversivas às
normas pré-estabelecidas, dentre outros. No esgotamento de olhares e caminhos possíveis,
a autoridade policial surge como panaceia para uma suposta resolução de problemas. Em
certa medida, estes são elementos que projetam modos e expectativas de uma atuação efetiva
para prevenir ou reduzir violências.

INOVAÇÕES DA POLÍTICA PÚBLICA – O DESAFIO DA INTERVENÇÃO:


A metodologia utilizada no projeto territórios é a confluência de algumas técnicas que
têm por objetivo subdividir os territórios da cidade para o levantamento de dados e as lei-
turas de contexto para uma atuação mais especializada via pasta de segurança pública na

2 Escolas Municipais Israel Pinheiro, Professor Fernando Dias Costa, Dr. Júlio Soares e Levindo Lopes

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cidade. A partir da coleta e organização das informações primárias, são eleitos e definidos
os problemas prioritários para região/microrregião. Posteriormente, são realizadas reuniões
ampliadas com a participação da comunidade e de grupos específicos para validação do diag-
nóstico inicial.
Alguns conceitos são fundamentais para uma intervenção voltada para públicos espe-
cíficos, com alta vulnerabilidade;
1. a noção de trajetória: ou seja, a ideia de que existe um processo que deve ser visto
ao longo do tempo – longitudinalmente – e que permite apreender o percurso tem-
poral dos indivíduos em relação ao ambiente mais ou menos permeável;
2. o conceito de identidade: que pode ser positiva ou negativa, que se percebe por
crise ou por construção de experiência vivida;
3. o aspecto de territorialidade, a base que abriga processos excludentes, incluindo a
segregação (PAUGAM, 2002).

Para a leitura destes elementos em um programa territorial, alguns pressupostos estão


postos:
1. Os serviços públicos deveriam contemplar as especificidades e a diversidade de de-
manda: o problema da violência se relaciona a causas diversas e a indivíduos com
demandas próprias.
2. Os Programas sociais enfrentam um conflito entre universalidade e especialização:
produzir acesso e ao mesmo tempo atender a demandas heterogêneas.
3. Os Programas podem atuar como mediadores da política pública: articulando de-
mandas locais com as respostas pensadas pelo campo político.

Além disso, também são desafios para a Política Municipal de Prevenção ao Crime e à
Violência:
1. Desenvolver políticas públicas que visem à redução dos homicídios, produzindo
intervenções preventivas na realidade social local urbana.
2. Atender a demandas específicas de uma população alvo, com grandes especificida-
des e heterogeneidade, com concentração desvantagens sociais.
3. As áreas em que se instalam os maiores índices de criminalidade são áreas de exclu-
são, com ausência ou precariedade de políticas públicas e com uma estrutura social
complexa, bem como de fragmentação dos vínculos sociais.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS
No desenvolvimento do projeto “Territórios de Prevenção”, muitas evidências ainda
aparecerão e complementarão as informações que aqui se apresenta. No diálogo com uma
literatura que reflete aspectos aparecidos nesta realidade social, observamos que os jovens
têm sofrido de forma mais direta as consequências das políticas de ajuste, de violência estatal
e de proposições arbitrárias do mercado financeiro (BRINGEL, 2017, p. 13). Neste tempo de
incertezas e complexidade, eles têm precisado de suportes para se “individuar”, cada vez mais
(MARTUCCELLI, 2007a). Contudo, faltam nexos entre as instituições e suas experiências
vividas. Como lidar com essa problemática? O que temos aprendido das vivências juvenis
contemporâneas? Como construir políticas que dialoguem com suas culturas e demandas no
tempo presente?

BIBLIOGRAFIA

ALVES, Márcia. Gestão Local e Políticas Públicas: os desafios do campo da segurança. Fórum Brasileiro de
Segurança Pública. Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, v. 2, p. 64-67, 2008.

BRINGEL, Breno. Protesta e indignación global: Los movimientos sociales en el nuevo orden mundial
/ Breno Bringel... [et al.]; editado por Breno Bringel; Geoffrey Pleyers - 1a ed. - Ciudad Autónoma de
Buenos Aires: CLACSO; Río de Janeiro: FAPERJ, 2017. Libro digital, PDF

FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública, Versão


online, 2016.

NOVAES, Regina. Medos de Sobrar, de Morrer e de se Desconectar http://webcache.googleusercontent.


com/search?q=cache:Q0n5Bu_VjUkJ:www.elenafilme.com/mobilizacao-social/medos-de-sobrar-de-
morrer-e-de-se-desconectar/+&cd=1&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br acesso 16/01/2018 às 14:18 horas.

MARTUCCELLI, Danilo. Gramáticas del individuo. Buenos Aires: Losada, 2007b.

SECRETARIA MUNICIPAL DE SEGURANÇA E PREVENÇÃO (SMSP). Territórios de Prevenção.


Diretoria de Prevenção ao crime e à Violência, Belo Horizonte, 2017.

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FLUXO E PROCEDER: A DINÂMICA DO FLUXO


DE FUNK NA BRASILÂNDIA

Marco Aurelio Cardoso Moura


Pós-Graduação em Juventude no Mundo Contemporâneo
[email protected]

Este artigo tem por objetivo problematizar o papel do Proceder como técnica disciplinar no fluxo de funk na
Brasilândia. O proceder é um conjunto de regras de comportamento que regulam a vida social na maior parte
das penitenciárias de São Paulo. Contudo, as regras do Proceder também regulam a vida cotidiana das perife-
rias. A hipótese é de que o baile funk, no modelo em que funciona, só é possível porque seus frequentadores, em
grande maioria jovens, são conhecedores nativos dessas regras e se esforçam para não “vacilar”.

Palavras chave: fluxo, funk, Brasilândia, jovens e proceder.

INTRODUÇÃO
O funk na região da Brasilândia, que se localiza na zona Noroeste de São Paulo, virou
uma das referências dos circuitos1 de baile funk de rua em São Paulo. Por muito tempo, os
pequenos bailes de rua que movimentavam alguns Mc’s das próprias quebradas, hoje esses
ex-Mc’s são chamados pelos jovens de “caixa velha”, eram um dos únicos espaços onde o funk
encontrava expressividade. Os CDs piratas gravados em pequenos estúdios nos próprios
bairros eram seu meio de divulgação.
Com o crescimento da internet esse cenário mudou muito. As redes sociais passaram a
promover encontros que alteraram significativamente o espaço e as formas de relação entre
os jovens tanto Mc’s quanto aqueles que apenas frequentam os bailes e/ou gostam da música
e do estilo funk.
Nos fins dos anos 2000 passaram a ter expressividade na cidade de São Paulo alguns
grupos de jovens, em sua grande maioria de meninos, com idade de 15 a 29 anos2, que se or-
ganizavam em “bondes” chamados por eles de “QZ”3. A sigla “QZ” significa Quebrada Zona,
contudo sua organização era por regiões da cidade, com isso a sigla ganhava o complemento
de sua quebrada, por exemplo: QZL – Quebrada Zona Leste. Neste movimento, era muito co-
mum identificá-los pelos bonés bordados com sua sigla nos espaços das escolas, shoppings,

1 “Trata-se de uma categoria que descreve o exercício de uma prática ou a oferta de determinado serviço em es-
tabelecimentos, equipamentos e espaços que não mantêm entre si uma relação de contiguidade espacial, sendo
reconhecido em seu conjunto por seus usuários habituais.” (MAGNANI, 2012.)
2 Essa referência de idade é a estabelecida pelas secretárias de juventudes dos municípios, Estados e União para
determinar as politicas públicas destinadas aos jovens.
3 Identifico esse movimento, guardadas as proporções, com os rolezinhos dos jovens das periferias aos shoppin-
gs de algumas capitais do Brasil no ano de 2014.

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matinês, parques, etc.. As categorias de pedaço, mancha, circuito, trajetória e pórtico nos aju-
dam a entender esse movimento como uma mancha que na denominação de Magnani: “São
as manchas, áreas contiguas do espaço urbano dotadas de equipamentos que marcam seus
limites e viabilizam – cada qual com sua especificidade, competindo ou complementando –
uma atividade predominante. ” (MAGNANI, 2012). Podemos denominar os Bondes dos QZs
como manchas de lazer.
A referência a esse movimento é importante porque uma das características de seus
membros é que em sua grande maioria o gosto musical predominante era o funk. Um de
meus informantes durante essa pesquisa relatou que Mc’s hoje famosos como Mc Guime4
fizeram parte desses grupos e que um dos canais que os levavam aos bailes funk era os “rolês”
promovidos pelo QZ. Com significativa relevância, este grupo relatado tem importância para
a permeabilidade recente do funk entre os/as jovens das periferias de São Paulo.
Segundo os dados fornecidos no site da prefeitura da cidade de São Paulo, a Brasilândia
é um distrito que possui uma área de 21,00 Km² e população de 264,918 habitantes. Com
essa proporção a Brasilândia tem significativa importância territorial. Consta no mapa da
violência como um dos locais mais violentos da cidade. Em meio as suas quebradas, o Jardim
Terezinha é palco de um baile funk muito conhecido, o “Iraque é o fluxo”. Este é o baile funk
referência na região e que é objeto desta pesquisa.

METODOLOGIA
O trabalho de campo foi feito pelo método da observação participante. Fiz alguns per-
cursos diferentes para chegar ao fluxo que considero relevantes descrevê-los. Sempre fiz o
percurso para o baile de transporte público e trechos a pé. Nas primeiras idas a campo, toma-
va 3 lotações e andava um trecho a pé. Com o passar do tempo descobri que morava muito
mais perto do baile do que imaginava. Por esta descoberta, o percurso diminuiu de 3 para
1 lotação e um trecho a pé. É importante destacar desse relato que, pelo segundo percurso,
pude acompanhar vários “bondes5” de jovens que se deslocavam para o fluxo e assim viven-
ciar parte do trajeto desses jovens.
No trajeto6, os jovens costumavam parar numa pequena praça próxima ao Iraque
chamada “rotatória do Paulistano”, ela fica em frente à viela 6 conhecida como “viela do
Iraque”. Este é um trecho de descida de terra que desemboca em um escadão. Ao descê-lo,
já é possível ouvir o alto volume do som dos carros no fluxo que acontece na Rua Ipiroldes
Martins Borges mais conhecido como Iraque.

4 Mc Guime é um famoso funkeiro que ganhou grande visibilidade ao gravar a música “País do futebol” com o
jogador Neymar e o raper Emicida para a copa do mundo do Brasil em 2014.
5 “bonde” é um termo nativo que significa pequeno grupo de jovens (meninos ou meninas; raramente juntos)
que se reúnem para curtir o rolê. Nesse caso o bonde não tem mais as mesmas características dos QZs. Sobre os
bondes será mais bem relatado nos resultados deste relatório.
6 Trajeto aplica-se a fluxos recorrentes no espaço mais abrangente da cidade e no interior das manchas urbanas.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

Esse percurso foi feito em média duas vezes ao mês durante aproximadamente 8 me-
ses. Durante a presença no baile, que se deu ou sozinho ou coletivamente com amigos, eu
ficava em algum lugar estratégico da calçada ou próximo a algum comércio aberto enquanto
tomava uma cerveja.7 A interlocução com os jovens era facilitada quando estava acompanha-
do de alguém da quebrada, mas em nenhum momento tive acesso ao bonde das meninas.
Quando possível eu tramitava em meio ao fluxo de deslocamentos constante durante toda a
noite. Por lá costumava ficar até as 04h00min ou em algumas poucas ocasiões até o fim do
fluxo que geralmente acabava entre 07h00min e 09h00min da manhã.

RESULTADOS
ESPAÇO
A quebrada do Iraque é um Pedaço estendido. Para pedaço utilizo a definição de
Magnani:

“O termo, na realidade, designa aquele espaço intermediário entre o


privado (a casa) e o público, onde se desenvolve uma sociabilidade
básica, mais ampla que a fundada nos laços familiares, porém mais
densa, significativa e estável que as relações formais e individualiza-
das impostas pela sociedade. Pessoas de pedaços diferentes, ou al-
guém em transito por um pedaço que não o seu, são muito cautelosas:
o conflito, a hostilidade está sempre latente, pois todo o lugar fora do
pedaço é aquela parte desconhecida do mapa e, portanto, do perigo.
Para além da soleira da casa, portanto, não surge repentinamente o
resto do mundo. Entre uma e outro situa-se um espaço de mediação
cujos símbolos, normas e vivências permitem reconhecer as pesso-
as diferenciando-as, o que termina por atribuir-lhes uma identidade
que pouco tem a ver com a produzida pela interpelação da sociedade
mais ampla e suas instituições” (Magnani, 1998: 116-117).
O conceito de quebrada é nativo de todas as periferias de São Paulo. Sua referência é
definida por um espaço determinado no qual são estabelecidas relações caracterizadas por
alguma estabilidade. Não são verificáveis as mesmas características que Magnani define para
pedaço, no entanto também a definição de mancha não contempla uma abstração desse
espaço.
Podemos definir a quebrada como uma extensão das relações no “pedaço”. Aquilo
que era restrito a um grupo menor de pessoas que moravam próximas umas das outras foi
impulsionado pelo acesso à internet, redes sociais, celular que diminuiu a distância entre
as pessoas possibilitando maior abrangência das relações. A presença da tecnologia alterou

7 Permanecer sozinho ou sem nenhum consumo no fluxo pode gerar desconfiança. No meu caso isso era ainda
mais complicado por não ter o estilo funkeiro da maior parte dos rapazes.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

significativamente os laços de relacionamento mesmo na periferia. Consta no “pedaço” que


as relações de “parentesco, vizinhança, procedência, vínculos definidos por participação em
atividades comunitárias e desportivas, etc.” era fundamental para reconhecer o outro como
“colega”, “chegado” ou “xará” e estabelecer os vínculos. Contudo as relações estabelecidas na
quebrada mantêm os laços do “pedaço”, mas a nova natureza desses laços possibilita alterar
sua forma tradicional e envolver pessoas mais distantes, sem necessariamente ter a presen-
ça cotidiana no espaço. Essa mesma tecnologia possibilita o reconhecimento de manifesta-
ções culturais comuns que organiza redes de proximidade mais íntimas que nas “manchas”.
Portanto a “quebrada” pode ser pensada como um fenômeno que se concretiza entre o “pe-
daço” e a “mancha”. O território do Iraque é relativamente pequeno. É delimitado à extensão
de uma rua de aproximadamente 500 metros (rua principal) com becos e a viela 6 que a cir-
cunscreve, uma rua sem saída e duas ruas de acesso para fora do perímetro do Iraque.

AS REGRAS DE QUALQUER QUEBRADA


A dicotomia entre a Casa x Rua consagrada pelos estudos do antropólogo Roberto
DaMatta, sendo a Casa o local da relações amistosas e da harmonia garantidos pelas relações
estabelecidas no universo privado e a Rua o lugar associado ao perigo do mundo não relacio-
nal no qual estamos submetidos a impessoalidade da lei, se flexibiliza quando nos referimos
à periferia. A noção de “pedaço” estreita significativamente esses dois mundos cuja noção de
lei e ordem é disputada por diferentes poderes, neste caso o Estado e o “Crime8”.
Para a periferia, a impessoalidade da lei é ainda mais severa. Distante territorialmente
do centro onde as relações institucionais de poder se estabelecem, o acesso a direitos sociais
é sempre um desafio. Para o antropólogo Eduardo Marques:

“(...) Entre as muitas dimensões que a pobreza tem, o território está


incluído. O território é uma dimensão das condições sociais e da po-
breza de maneira mais específica. Isso tem a ver com o isolamento ou
integração. Os padrões de segregação produzem isolamento social.”
(MARQUES, 2006).
O isolamento territorial das periferias de São Paulo, a ausência de serviços públicos
juntamente com as dificuldades econômicas dessa população, contribuiu para o surgimento
do tráfico de drogas. Durante muitos anos vários grupos rivais disputavam o espaço urbano
periférico para o comércio de drogas.

“O início da decadência dessa “época de guerra entre os ladrões”


fulgurou em 1993 no seio da unidade prisional conhecida como
“a mais segura do país” – à época – e pelos brutais maus-tratos
infligidos contra os “criminosos mais perigosos do estado”, o centro
de Readaptação de Taubaté – apelidada de “piranhão”, “inferno” e

8 “Crime” é uma forma genérica para denominar os traficantes de drogas.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

“campo de concentração” pelos presos - , quando um “pacto” foi travado


entre oito presos que, assistindo a “desunião dos ladrão” e as “injusti-
ças do Estado”, propunham instituir novos modos de relação entre os
prisioneiros e , por conseguinte, uma nova maneira de travar relações
com o “Estado”. Ali se dava a fundação do PCC”. (MARQUES, A. p.
78. 2014).
O excerto acima da obra Crime e Proceder: um experimento antropológico de Adalto
Marques é muito importante para se entender a organização e as regras impostas pelo PCC
– Primeiro Comando da Capital, também no território extramuros das penitenciarias de seu
domínio. A organização do PCC prevê uma postura que deve ser seguida por seus membros
que são divididos entre “irmãos” ou “primos”. Essa postura é denominada de Proceder.
Os estudos de Adalto Marques revelam que as regras estabelecidas para a convivência
no sistema prisional estão compactadas, pela população carcerária, em uma única categoria
nativa: “proceder”. “Todavia, tal palavra não é tomada pelos prisioneiros para indicar uma
ação, antes, utilizam-na, também, como um substantivo. Desse modo, nunca é dito “ele pro-
cede”, mas sim “ele tem proceder””. (idem).
Os presos ingressos no sistema prisional passam por uma avaliação prévia antes de
serem encaminhados para o “convívio” ou “seguro”.

“É importante ressaltar ainda, a respeito do “seguro”, que esse espaço


compõe-se de dois modos: I) por presos que jamais puderam pisar
no “convívio” porque já era sabido o motivo de suas prisões ou seus
“históricos no crime” geralmente “os duque treze”, “os pé de pato”
(justiceiros). Aqueles que têm “inimigos” no “convívio” e querem evi-
tar o confronto etc.; 2) por presos que, ao quebrarem alguma regra
do “proceder” enquanto habitam o “convivo”, “pedem seguro” para
evitar um confronto letal: “os talarico”, “os noias”, “os cagueta, aqueles
que arrumam quiaca (briga) e não estão dispostos a matar ou morrer,
etc.” (idem)
Apesar dos estudos de Marques e Biondi se concentrarem na atuação do PCC dentro
do sistema prisional paulista, é de conhecimento geral entre os moradores das periferias pau-
listanas alguns aspectos da regra do “proceder”, citados acima, que também são válidos para
os não membros do comando. É sabido, por exemplo, que a “caguetagem9” não tem vez.10 Esse
fenômeno foi tema da música Se não avisar o bicho pega da banda O Rappa:

“O malandro ganhou monareta, uma caixa de fogos e


um carretel de linha
Também uma pipa, também uma pipa

9 Cagueta é o adjetivo atribuído àquele que revela alguma informação não autorizada sobre as ações do comando.
10 “não tem vez” é uma expressão nativa que significa que não haverá perdão.

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que ele botou no alto pra avisar a massa que os cana já vinha
e a moçada que não dá mancada sentiu o aviso e não vacilou
pois toda favela tem sua passagem e sem caguetagem jamais alguém
dançou jamais alguém dançou...vai ter!”
As consequências para o cagueta podem ser até a morte. Outra regra importante que
é de conhecimento de todos se refere a “Talaricagem”11que em muitos casos é levado para os
altos escalões do comando para a verificação da procedência da acusação com consequências
graves como punição. Os “Zé povinho” por sua vez são todos aqueles que de alguma forma
atrapalham o andamento dos “negócios”. O conjunto de regras que abrangem o “proceder”
não se limita a essas acima, mas são essas que têm relevância para o cotidiano de uma comu-
nidade periférica e para os não membros do PCC.
Os membros do PCC que estão no “corre”12 são, na maioria das vezes, os próprios meni-
nos que nasceram e cresceram na comunidade que atuam. Mesmo o anonimato sendo umas
das principais características das grandes cidades, nas periferias ainda se mantém alguns laços
de relacionamentos de vizinhança. Isso para uma quebrada como o Iraque é facilmente manti-
do por ser um território pequeno. As relações estreitas são importantes para o nosso contexto,
pois a rapidez e a identificação com que um “vacilo”13chega aos ouvidos de um membro do
comando é determinante para a sensação de panóptico que existe nesses territórios.
Na lógica do “proceder” não existe um detentor da “verdade” sobre a procedência ou
não de um vacilo cometido por alguém. A partir do momento que alguém levanta a suspeita
sobre um possível vacilo cometido, dar-se início um processo denominado de “debate”. Nesse
espaço composto por diferentes atores do comando e os envolvidos na fita14 é feito uma ava-
liação dos argumentos apresentados.

“Eles entendem que a realização de um “debate neutro” é a condição


sine qua non para que o querelante “sem proceder” seja derrotado
diante das argumentações do querelante que “tem proceder”. Do con-
trário, quando há interferências de grupos cuja força extrapola as ou-
tras que se reúnem no “debate”, esse passa a servir meramente como
um processo legitimador para o inevitável assassinato – ou exílio no
“seguro” – do preso “inimigo”. Nesse caso, todos já sabem, antecipa-
damente, que o preso “aliado” do poderoso se sobrepujará ao outro
querelante, que conta apenas “com seu proceder”. (idem).

11 A expressão “Talaricagem ou Talarico” se refere ao caso de um homem cantar uma mulher comprometida.
É importante notar que não existe o feminino de talarico, no entanto essa regra não é exatamente desprezada
pelas mulheres.
12 A expressão “corre” significa as diversas funções exercidas por um irmão ou primo nas atividades do coman-
do fora da cadeia.
13 A expressão “vacilo” significa uma infração as regras do “proceder”.
14 “fita” é o mesmo que acontecimento, ocorrido, fato.

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Não tenho condições de afirmar com exatidão que o “debate” nas quebradas possui a
mesma estrutura dos relatados por Marques nas prisões. Mas uma constante observada é que
os “debates” são constituídos de relações de poder estabelecidas de antemão. Nessa estrutura
os “aliados” sempre terão vantagens em relação aos que não pertencem ao comando ou aos
desconhecidos da quebrada. São esses fatores importantes, pois num eventual debate poder
contar com um “passar pano”15 nunca deve ser dispensado.
Todas as regras apresentadas até agora constituem a organização de praticamente todas
as quebradas de São Paulo. É importante ressaltar que existem possibilidades dessas regras
serem aplicadas de diferentes formas de acordo com cada situação. O Iraque está inserido
nessas regras e o fluxo não é isento, pelo contrário, é submetido à vigilância e eventuais puni-
ções de acordo com o “proceder” dos frequentadores.
Durante o fluxo ocorrem muitas “tretas16”, algumas são possíveis de entender os por-
quês, outras nem sempre. No entanto sua resolução acontece pela interferência de um agente
externo que media um apaziguamento. Em certos casos o debate é estabelecido em local
separado.17

O FLUXO
Os bondes dos/as jovens ocupam os espaços das calçadas e parte da rua principal e sem
saída do Iraque. Alguns também se estabelecem no escadão que dá acesso à rua principal.
Os bares também são parcialmente ocupados. O meio da rua fica em constante movimento
de duas filas que andam em direção ao “bar da loira” ou em sentido contrário em direção ao
escadão. Em meio ao fluxo alguns bondes ficam parados observando a movimentação. Os
carros de som dão o ritmo ao fluxo, em média no Iraque há de 2 a 3 carros de som ligados
simultaneamente em músicas diferentes. Não há uma disputa declarada sobre o som mais
potente, os jovens se aproximam dos carros aleatoriamente para curtir o som que desejam
no momento.
Alguns sinais nos ajudam na distinção dos bondes: as bebidas e/ou drogas ilícitas con-
sumidas, os locais de proveniência, orientação sexual e gênero. Dentre essas possibilidades as
combinações não são exatamente uma camisa de força, mas certa regularidade é observada.
Em todo meu trabalho de campo raramente vi meninas junto com o bonde dos meninos,
somente quando havia algum vínculo de relacionamento amoroso entre algum deles. As me-
ninas costumavam andar, sempre em bonde, muito mais que os meninos. Estes ficavam mais
parados.

15 “Passar pano”, nesse caso, significa abrandar ou omitir a falha de um aliado; “dar pano”, por efeito, é fornecer
proteção ao aliado; enfim, “ficar no pano” é a situação de proteção pela qual passa esse aliado.
16 “Treta” gíria que corresponde a confusão, briga, desentendimento.
17 Não tive a oportunidade de presenciar um debate o Iraque, até porque o mesmo é restrito, mas tenho
conhecimento por narrativas da quebrada de outros acontecimentos que levaram a esse método.

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O número de homossexuais é bem inferior e também tem seu bonde que geralmente
está acompanhado por meninas. O espaço em que eles permaneciam era regularmente o
mesmo. No entanto nunca presenciei nenhuma situação de hostilidade contra nenhum deles.
No “bar da loira” existe um espaço em cima do bar que alguns jovens ficam por um
tempo durante a noite. Quando observei este espaço pela primeira vez, logo o associei a um
“camarote” exclusivo para alguns poucos autorizados em acessá-lo. Com o tempo percebi que
o fluxo de pessoas também era intenso nesse espaço e arrisquei adentrá-lo. Foi uma ótima
experiência com um ângulo de visão privilegiado e sem nenhuma restrição de acesso.
Além do comércio “legal” de bares e mercearias abertos durante toda a madrugada, as
lojinhas18 também são facilmente identificadas. Nelas há sempre dois ou três meninos para-
dos conversando, geralmente sentados e bastante observantes. No fluxo também é possível
solicitar a algum garoto que busque uma “paranga”19 na lojinha em troca de uns trocados ou
de promessa de divisão da droga. Uma droga que provoca um comportamento diferente nos
usuários é o lança-perfume, sob o uso dessa droga geralmente o usuário costuma ficar mais
sozinho do que em grupo e em constante movimentação.
Diante dessa descrição é importante se fazer algumas questões: Quais as regras que or-
ganizam o baile? Por que não se dança? Qual atmosfera moralizante permeia suas relações?
Essas e outras questões nortearam a minha observação e no decorrer do trabalho foram par-
cialmente respondidas.

CONCLUSÕES
Na metodologia relatei que numa determinada etapa do trabalho de campo passei a
acompanhar o itinerário de alguns bondes indo em direção ao fluxo. Em uma dessas opor-
tunidades verifiquei que havia muitos jovens concentrados na “rotatória do Paulistano” con-
versando entre eles que no Iraque aquela noite estava “moiado20”. Resolvi descer a viela para
verificar e pude ver a presença de duas viaturas da polícia militar fazendo guarda na rua
principal. Fiz o retorno e aguardei com os jovens o que iria acontecer. Por volta das 3 horas
da manhã começou uma movimentação em direção ao Iraque e o fluxo começou.
Para além de qualquer especulação é de conhecimento de todos a velha prática do
pagamento do “arrego”21a policiais militares e civis para “facilitar” o comércio de drogas.
Essa também não deixa de ser uma condição para que aconteça o fluxo. Para tanto é quase
impossível ter acesso aos detalhes dos acordos e o porquê de intermitentemente o fluxo ser
impedido de acontecer. O papel dos atores envolvidos é fundamental nessa negociação e as
relações de poder são determinantes nesse processo.

18 “lojinha” ponto de venda de drogas ilícitas.


19 “Paranga” significa algum tipo de droga ilícita.
20 “Moiado” quando há algum impedimento para a realização de algo.
21 “Arrego” pagamento de propina à polícias militares e civis.

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A “ordem” e a “desordem” convivem de forma harmoniosa no espaço. Lembrando no-


vamente os estudos de Roberto DaMatta sobre o Carnaval e os rituais brasileiros, o fluxo po-
deria, em alguns aspectos, se assemelhar ao carnaval, mas com uma diferença fundamental,
ele não permite a “inversão” dos papéis sociais. Durante o fluxo qualquer sinal de tumulto é
rapidamente resolvido com disparos de arma de fogo para o alto, gerando um pequeno mo-
mento de “insegurança”, mas que logo se estabelece a ordem novamente.
A “desordem” poderia ser enquadrada numa certa ausência de definição de “etiqueta”
comportamental. Não há restrições ao modo de se falar, vestir, andar, comer ou beber, no
entanto a “postura” deve sempre ser mantida para evitar os “vacilos” em detrimento do “pro-
ceder”. Nesse aspecto é que a “ordem” se estabelece.
Todos sabem que não existem desculpas para determinados deslizes de conduta. Se se
comete “talaricagem”, por exemplo, não se pode atribuir a responsabilidade a “brisa” ocasio-
nada pela droga, e o “rojão”22 deverá ser segurado pelo “vacilão.”23Talvez por isso não exista a
prática de “sarrar24” e se estabeleça a ausência de dança.
A própria maneira como os jovens se dispõem no espaço pode ser interpretada como
uma forma de organização natural do ritual do fluxo que reforça as regras sócias previamente
estabelecidas. No entanto essa hipótese pode não se confirmar de formar tão direta. Fazer a
articulação de todos esses dados relatados para aplicá-los em análise sobre o fluxo não é tare-
fa fácil, mas os mesmos são fundamentais para se compreender as estruturas que compõem
o momento ritual e de performance das regras sociais presentes no fluxo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BIONDI, Karina. Junto e misturado: uma etnografia do PCC. São Paulo: ed. Terceiro Nome, 2010.

FERREIRA, Alexandre Barbosa. A maior zoeira: experiências juvenis na periferia de São Paulo. São Paulo,
2008.

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FOUCAULT, Michael. Vigiar e punir: nascimento da prisão 36ª ed. Petrópolis: Vozes, 2009.

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(Org.). Antropologia das sociedades contemporâneas. São Paulo, Ed. UNESP, 2010.

MAGNANI, José Guilherme Cantor & SOUZA, Bruna Mantese de. (org.) Jovens na Metrópole: etnogra-
fias de circuitos de lazer, encontro e sociabilidade. 1ed. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2007.

22 “Rojão” são as consequências de um ato cometido.


23 “Vacilão” é o sujeito que comete um vacilo.
24 “Sarrar” é a dança no funk que o menino fica atrás da menina enquanto ela dança. Segundo um informante
isso se deve as batidas atuais das músicas funk que não favorecem a essa prática.

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ANAIS DO II SIMPÓSIO NACIONAL APROXIMAÇÕES COM O MUNDO JUVENIL
Juventudes e ações coletivas contemporâneas

MAGNANI, José Guilherme Cantor. Da periferia ao centro: trajetórias de pesquisa em antropologia urba-
na; prefacio Peter Fry; posfácio Marcio Silva. São Paulo: Editora Terceiro Nome, 2012.

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NOVAES, Regina & VENNUCHI, Paulo (org.). Juventude e sociedade: Trabalho, Cultura e participação.
São Paulo: Ed. Fundação Perseu Abramo, 2004.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

JUVENTUDE NEGRA: LUTA E RESISTÊNCIA

José Rodrigo Pontes dos Santos


Mestrando em Educação, Especialista em Saberes Africanos
e Afro-brasileiros na Amazônia
[email protected]

Maria Cândida Lima de Sousa


Mestranda em Educação, Especialista em Educação, Pobreza
e Desigualdade Social e em Filosofia da Educação
[email protected]

Lúcia Isabel da Conceição Silva


Professora do Instituto de Ciências da Educação
da Universidade Federal do Pará
[email protected]

As disparidades entre a juventude negra e branca, mesmo tendo diminuído nos últimos anos, ainda apresenta
diferenças significativas na vida desses jovens, sobretudo no que se refere a mobilidade social, dificultada à
juventude negra pela baixa escolarização, que consequentemente proporciona menos oportunidade de empre-
go, com isso, baixa remuneração e manutenção das desigualdades. A ausência ou negação da escola, coloca a
juventude negra em situação mais vulnerável, tendo que sair mais cedo de casa para ocupar trabalhos informais
de “menor prestigio” para garantir sua subsistência. Sob este enfoque, o artigo tem como objetivo desenvolver
uma discussão crítica sobre a situação da juventude negra, levando em consideração dados disponibilizados
pelo IBGE nos últimos anos. Para tanto, realizou-se um levantamento bibliográfico e documental sobre a popu-
lação negra, com destaque a sua juventude. Em face da leitura, diálogo teórico e debates no Grupo de Estudos
e Pesquisa em Adolescência, Juventude e fatores de vulnerabilidades e proteção (GEPJUV) observa-se que o
jovem negro ainda é alvo do genocídio no Brasil, que não é mero acaso, mas atende a uma estrutura de poder
que tem suas raízes fincadas em meados do século XV com o início do processo de “colonização” no país. Em
contrapartida a este cenário de violência e ao quadro de desigualdade montado pelo sistema capitalista, temos
a participação da juventude negra nos movimentos sociais contestatórios. Nesta direção, pode-se citar a luta e
resistência que visam por diversas frentes, reavivar Palmares novamente, buscando o reconhecimento das suas
raízes na formação do país.

Palavras-chave: Juventude; Negro; Raça; Resistência.

INTRODUÇÃO

Tem que acreditar, desde cedo a mãe da gente fala assim: “Filho por
você ser preto, você tem que ser duas vezes melhor”

Aí passado alguns anos eu pensei: como fazer duas vezes melhor. Se


você está pelo menos cem vezes atrasado pela escravidão, pela histó-
ria, pelo preconceito, pelos traumas, pelas psicoses, por tudo o que

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aconteceu? Duas vezes melhor como? Ou melhora, ou você é o me-


lhor ou pior de uma vez. Sempre foi assim. Se você vai escolher o que
estiver mais perto de você ou que estiver mais perto de sua realidade,
você vai ser duas vezes melhor como? Quem inventou isso aí? Quem
foi o pilantra que inventou isso aí?

Edi Rock. Musica “A vida é um desafio” – Racionais Mc’s

A apresentação da música “A vida é um desafio” do vocalista Edi Rock da banda de


Rapper Racionais1, sinaliza bem o caminho que pretendemos transcorrer nesse estudo, de-
nunciando o genocídio ao qual a população negra, em especial os jovens, vem sofrendo na
sociedade brasileira ao longo dos séculos. Sobre genocídio, usarei as referências citadas por
Abdias Nascimento em seu livro “O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo
mascarado” de 1978 no qual expõe que genocídio é:

GENOCÍDIO- geno-cídio

O uso de medidas deliberadas e sistemáticas (como morte, injúria


corporal e mental, impossíveis condições de vida, prevenção de nas-
cimentos), calculadas para a exterminação de um grupo racial, polí-
tico ou cultural, ou para destruir a língua, a religião ou a cultura de
um grupo.

(Webster’s Third New lnternational Dictionary of the English Lan-


guage, Massachussetts, 1967 apud NASCIMENTO, 1978, p.07-08).
O genocídio do jovem negro no país, não é mero acaso. Atende a uma estrutura de
poder que tem suas raízes fincadas em meados do século XV com o início do processo de
“colonização”. É preciso essa retomada de discussão para podermos entender o cenário atual,
onde esses jovens negros são as principais vítimas do sistema, figurando como os mais pobres
e como as principais vítimas de homicídios por armas de fogo, segundo dados recentes do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) (2017) e da campanha jovem negro vivo
puxada pela anistia internacional2.
Segundo Hasenbalg (2005), a pobreza no Brasil tem cor, os pobres são negros e os ne-
gros são pobres. Para Florestan Fernandes (1972) a concentração de negros e negras como a
população mais miserável no país, tem sua herança na escravidão, por isso é importante reto-
marmos essa discussão, pois assim, se tornará mais fácil compreender a situação do(a) jovem
negro(a) no país. De acordo com Fernandes (1972), a situação da pobreza dessa camada da

1 Música gravada no Sesc Itaquera em 2006 na Cidade São Paulo.


2 Anistia Internacional é uma organização não governamental que envolve mais de 7 milhões de apoiado-
res em mais de 150 países em prol da garantia dos direitos humanos e em defesa de território de populações
tradicionais.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

população é amparada por preconceitos raciais e suntuosas discriminações, sustentadas des-


de o período escravista, baseada por teorias alienadas à ideia de raça.
Porém, antes de aprofundar essa discussão, é importante situar a categoria juventude,
entendendo quem são estes sujeitos, para então adentrar no contexto especifico da juventude
negra, que requer uma discussão mais intensa, se fazendo necessário uma breve contextuali-
zação da chegada da população negra no Brasil e de teorias ideológicas ligadas a ideia de raça
e embranquecimento, que, sem dúvida alguma, deixaram e deixam resquício na situação da
juventude negra hoje como revela dados do IBGE.

UM BREVE PANORAMA SOBRE A JUVENTUDE


A categoria juventude, distinguida demograficamente como o grupo de pessoas per-
tencentes à faixa etária de 15 a 29 anos, emerge da identidade do ser jovem, em sua dimensão
biológica, cognitiva e sociocultural, não podendo ser interpretada somente pelo viés demo-
gráfico, visto que:

O termo ‘juventude’ refere-se ao período do ciclo da vida em que as


pessoas passam da infância à condição de adultos e, durante o qual,
se produzem importantes mudanças biológicas, psicológicas, sociais
e culturais, que variam segundo as sociedades, as culturas, as etnias,
as classes sociais e o gênero. (...) A partir de enfoques biológicos e
psicológicos, a juventude estaria definida como o período que vai
desde o momento em que se atinge a maturidade fisiológica até a
maturidade social. Mas, nem todas as pessoas de uma mesma idade
percorrem esse período vital da mesma forma, nem atingem tal meta
ao mesmo tempo, daí que a partir da sociologia e da ciência política
se insiste na necessidade de se incorporarem outras dimensões de
análise. A juventude tem significados distintos para pessoas de dife-
rentes estratos socioeconômicos, e é vivida de maneira heterogênea,
segundo contextos e circunstâncias. Esse é um dos embasamentos
para a utilização do termo juventudes no plural, contudo não se apela
para uma visão fragmentada por tipos de jovens, e se ressalta que há
elementos comuns a todos jovens (BRASIL, 2004. p. 23-25).

Todavia, a juventude somente será enfatizada na América Latina, precisamente no


Brasil, nos anos 60 – no período desenvolvimentista, tendo em vista o olhar futurista sobre
o jovem, que passou a representar a mão-de-obra necessária ao mercado de trabalho, o chefe
de família, o estudante secundarista, sem esquecer o porte físico hábil ao crescimento eco-
nômico do país.

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No que tange a agenda governamental, a inserção da juventude como pauta na mesma


acontecerá no final da década de 1980, após a atuação juvenil no processo de democratiza-
ção – retornar a democracia como forma de governo – por meio de movimentos estudantis,
partidos políticos e movimentos sociais, ganhando visibilidade no cenário latino-americano,
em conjunto com a ação sindical:

Entre outros fatores, a própria desativação e rebaixamento da partici-


pação tradicional, ocorrida posteriormente (e que ainda permanece)
pode constituir um elemento de juízo de geração por parte dos jo-
vens, com relação a capacidade dos sistemas políticos na concentra-
ção das expectativas depositadas nos mesmos.

A esse fator, de particular importância, pode-se adicionar a desig-


nação do ano de 1985, por parte das Nações Unidas, como o Ano
Internacional da Juventude, fazendo com que o tema aumentasse de
importância para os organismos internacionais e os Estados nacio-
nais (BANGO, 2003, p. 40).
A participação da juventude nos movimentos sociais contestatórios, diante da conjun-
tura nacional, denota a preocupação do respectivo grupo por questões envolta a organização
da cidade, em busca da emancipação política, opondo-se a ordem imposta por uma fração
de classe dominante. Neste sentido, a inserção do jovem no movimento social, como pro-
tagonista da ação, permitiu “o enfrentamento de estigmas existentes, centrados na imagem
amplamente difundida de jovens como problema” (BRASIL, 2004, p. 155).
Sob este enfoque, Pedro Pontual (2003, p. 115) assinala que a organização autônoma da
juventude na sociedade civil é complementada pela criação de espaços e canais institucionais
de participação. Entretanto, ao lado da crise econômica instalada no Brasil, após a transição
política de 80, temos uma parcela elevada de jovens em situação de vulnerabilidade social,
desempregada, posto que, suas formações eram norteadas para a vivência militar regida pelo
governo ditatorial.
Em meio às modificações políticas e econômicas nacionais, observa-se a mudança no
trato à juventude brasileira, uma vez que, torna-se necessário integrar o público juvenil ao
mercado de trabalho (visando alavancar a economia nacional), perpassando pela qualifica-
ção profissional, oportunizando aos que nada detinham, incluindo o acesso à política edu-
cacional, o mínimo indispensável à formação humana e cidadã. Porém, cabe frisar que esta
mudança ainda não atingiu de forma efetiva o cenário de desigualdade social que permeia a
juventude negra, que é marcada pela estrutura montada do poder.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

IDEIA DE RAÇA E O NEGRO NO CONTEXTO DA PÓS-ABOLIÇÃO: INTERFACES


COM O MUNDO JUVENIL
A ideia de “raça” é de suma importância para entendermos a estrutura de poder que
foi montada para subjugar a população negra, isso porque, ela tem servido para classificar
a “diversidade humana” em raças distintas, como forma de hierarquizar seres em superiores
e inferiores, aptos e não aptos, civilizados e “não civilizados” (MUNANGA, 2003). Quijano
(2005) explica que essa forma de dominação baseada no conceito de raça, surge como um
dos instrumentos mais eficazes de subordinação, pois além de ser usada como justificativa
para a escravidão de negros e negras, sobrevive no imaginário do racista como um mecanis-
mo de afirmação de sua superioridade e manutenção do status quo.
A ideologia de raça, atravessou a história, tendo efeitos nas relações estabelecidas após
a escravidão, onde o sentimento mórbido que tarjou a população negra no país como infe-
riores, os relegou a condenação de viverem sobre a judie do Estado, que se desenhava sob a
ordem de uma economia mundial, o capitalismo. O contexto pós-abolição, não trouxe tantas
perspectivas à população negra liberta, isso porque, mudou-se o modelo de sociedade, mas
as estruturas se mantiveram: “Os escravos assumiram a liberdade sem nenhuma profissio-
nalização. A preferência pelo trabalhador imigrante consolidou o mito de que o negro era
bronco e vagabundo” (CHIAVENATO, 2012, p.225).
A república consolidou práticas racistas oriundas do tempo da escravidão, levando a
população negra a uma situação de desfavorecimento no contexto pós-abolição. Em com-
plemento, Mattos (2015) acrescenta que o governo republicano promoveu uma campanha
de branqueamento da população por meio do incentivo a imigração de europeus3, e o casa-
mento entre brancos e negras visava o melhoramento da raça, ao mesmo tempo, que ocorria
a aniquilação dos mesmos4, que eram marcados(as) como os(as) principais responsáveis pelo
atraso do país.
Com a imigração, restaram aos negros e negras os trabalhos menos qualificados, de
menor remuneração e sem qualquer tipo de contrato assinado. No meio rural, sobraram os
trabalhos mais penosos, exercidos em condições iguais às praticadas durante a escravidão,
sem materiais adequados e em locais insalubres. Nas cidades, “os negros eram subemprega-
dos em atividades domésticas, no transporte, na limpeza das ruas, no carregamento de cargas
e na venda de jornais” (MATTOS, 2015, p.187).

3 Esses ganhavam terras para o cultivo no país. Essa informação pode ser constatada quando direcionamos
nossos olhares ao sul e sudeste do país, o qual, concentram grande número de pessoas brancas frutos dessa
imigração (alemães, italianos etc..).
4 Ver decreto 3.688 de 1941 que institui a conhecida “lei de vadiagem” que em seu artigo 59 prevê a prisão de
até três meses a pessoas que se encontrem na ociosidade. Nesse período, quem estava desempregado? O negro e
a negra! Figuras frequentes nos boletins policiais da época. Essa e o a imigração, algumas das diferentes formas
de discriminação e aniquilamento contra a população negra proposta pelo Estado Racista.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

A população negra no país, deixa de ser a classe escravizada dos tempos de colônia e
império, para hoje ocupar outro posto, a da camada da população mais pobre. Para Santos
(S/D, p.06) “a forma como que se fez a abolição condenou os negros à imobilidade social”, na
medida em que manteve as estruturas e relegou a população negra a conviver com o racismo,
a falta de emprego, saúde e educação.
Com o racismo, atribui-se determinados critérios psicológicos, morais, intelectuais,
culturais e estéticos entre sujeitos e povos que são situados em uma escala de valores desiguais
(MUNANGA, 2003). Nessa escala de valores, os ligados à população negra estão em último.
Um dos artifícios do racismo, é segundo Franz Fanon (2008), produzir desvios existenciais
de nossa cultura e memória, propagando o sentimento de inferiorização que é absorvido de
forma consciente ou inconsciente pelos sujeitos, no caso da população negra, afastando-os de
sua negritude5 (MUNANGA, 1998).
O racismo em sua finalidade, se mostrou muito eficaz no Brasil, isso porque conseguiu
e ainda consegue sustentar a desigualdade entre os indivíduos, atuando em diferentes instân-
cias (interpessoal, pessoal e institucional) de forma descabida e dissimulada. Na contramão
do racismo, é essencial destacar o fortalecimento e surgimento de diversos grupos, entidades
e movimentos sociais durante o século XX (século em que a juventude também ganha visibi-
lidade), ao qual visavam denunciar a situação da população negra no país, ao mesmo tempo
em que desmontavam a tese de passividade destes. Essas organizações e movimentos, além
de serem importantes ferramentas de denúncia e difusão da cultura negra, atuam no combate
ao racismo, preconceito e discriminação, exigindo políticas afirmativas para reparar os mais
de 300 anos de exploração ao qual os próprios foram submetidos no Brasil.
No contexto das primeiras décadas do século XX, surgiram associações carnavalescas
em São Paulo como forma de ressaltar a cultura afro-brasileira por meio da música. Nesse
mesmo período, surgiram também jornais dirigidos por negros, onde tinham por finalidade
divulgar a cultura negra e a situação do negro no país, bem como, reivindicar políticas afir-
mativas. Dentre os principais jornais, destacaram-se: O Combate (1912); O Alfinete (1918);
Kosmos (1922); O Clarim da Alvorada (1928) e Tribuna Negra (1928) (MATTOS, 2015).
Em complemento a essas ações, ainda temos os movimentos culturais e políticos como
o Centro Cívico Palmares – CCP (1927), a Frente Negra Brasileira – FNB (1931) o Teatro
Experimental do Negro – TEN (1944) e o Movimento Negro Unificado – MNU (1978) que
visavam a difusão da cultura africana e afro-brasileira por meio de atividades teatrais e alfa-
betização desenvolvidas pelo TEN e CCP, além de reivindicações de políticas de reparação,
superação do racismo e de valorização da história e cultura africana puxadas pela FNB e pelo
MNU (ALBURQUERQUE; FILHO, 2006).

5 “Para Césarie, a negritude é o simples reconhecimento do fato de ser negro, a aceitação de seu destino, de sua
história, de sua cultura. Mais tarde, Césarie irá redefini-la em três palavras: identidade, fidelidade, solidarieda-
de” (MUNANGA, 1998, p.24).

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

Essas entidades operaram em um deslocamento de perspectiva, onde oportunizou a


valorização da cultura africana em um contexto voraz de imposição e genocídio. Essas enti-
dades, visam reverter o quadro de desigualdade que assolava a população negra no país, for-
talecendo também a identidade negra, antes marginalizada e desvalorizada. Identidade negra
agora, é colocada em destaque, com orgulho, como símbolo de resistência e valorização do
negro (MUNANGA, 1998).
Por meio da organização, reivindicação e pressão dessas entidades, o Estado brasilei-
ro logo após a redemocratização do país, trouxe em sua Carta Magna de 1988 demandas
da população negra para reverter o quadro desigual ao qual esses foram submetidos. A sa-
ber: o § XLII do Art. 05, o § 1º do Art. 215, o Art. 216; o § 1º do Art. 242 e o Art. 68 que
respectivamente versam que:

a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, su-


jeito à pena de reclusão, nos termos da lei (BRASIL, 1998).

O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indíge-


nas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do proces-
so civilizatório nacional (BRASIL, 1998).

Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza ma-


terial e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, porta-
dores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes
grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem
(BRASIL, 1998).

O ensino da História do Brasil levará em conta as contribuições


das diferentes culturas e etnias para a formação do povo brasileiro.
(BRASIL, 1998).

Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam


ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, deven-
do o Estado emitir-lhes os títulos respectivos (BRASIL, 1998).
Com a Constituição Federal, outras leis e decretos foram sendo sancionadas, como a
Lei 9.394 que institui a Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) em 1996, que em seu
texto versa sobre a obrigatoriedade do Estado em garantir o acesso e permanência de todos,
sem discriminação de cor, além de afirmar o compromisso do Estado em desenvolver uma
educação étnico-racial.
Com a LDB, esperava-se resultados positivos, principalmente no que se refere a ma-
nutenção de negros e negras nos espaços escolares, diminuindo a distância entre brancos(as)
e negros(as) no que tange o percentual de analfabetos, evasão e anos de escolarização (onde
esses últimos encontravam-se em desvantagem no final do século passado).

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

Ainda que houvesse um otimismo, encerramos o século XX ainda com diferenças sig-
nificativas entre negros(as) e não brancos(as), em todos os setores da sociedade. De acordo
com Henriques (2001), a taxa de analfabetismo entre jovens brancos(as) e negros(as) de 15 a
25 anos ainda era muito discrepante, enquanto o primeiro apresentava uma taxa percentual
de 2,6%, o segundo atingia 7,6% do total de pessoas que não sabiam ler, uma diferença de 5%.
A diferença entre as populações (branca e negra) se estendia para todos os níveis de ensino,
chegando a desoladora taxa de ingressos na universidade, onde 98% dos negros estavam fora.
No campo emprego e renda mensal, a população negra também se encontrava em des-
vantagem nesse mesmo período. De acordo com dados do IPEA analisados por Henriques
(2001), a taxa desemprego entre brancos e negros é bem distinta, isso porque os últimos
eram 10,9% dos desempregados enquanto os primeiros somavam 8,9% de uma população
significativamente superior (43, 1 milhões de brancos para 35,7 milhões de negros no Brasil).
Mesmo com o avanço de políticas afirmativas voltadas a promoção da igualdade racial
conquistadas entre o final do século passado e o início deste como as cotas para negros(as)
em universidades e a Lei 10.639/036, o fardo do racismo, da discriminação e do preconceito
ainda atinge a população negra (NASCIMENTO, 1978).
Dados recentes divulgados pelo Atlas da violência do IPEA de junho de 2017 e da
Anistia Internacional (2017), mostram que a juventude negra no país figura como a principal
vítima de crimes cometidos por arma de fogo, onde menos de 8% dos casos são julgados.
“A cada 100 pessoas que sofrem homicídio no Brasil, 71 são negras. Jovens e negros do sexo
masculino continuam sendo assassinados todos os anos como se vivessem em situação de
guerra” (IPEA, 2017, p.30).
De acordo com dados do IPEA (2017, p.30) “(...) o cidadão negro possui chances 23,5%
maiores de sofrer assassinato em relação a cidadãos de outras raças/cores, já descontado o
efeito da idade, sexo, escolaridade, estado civil e bairro de residência (...)”. Em consonância
com o homicídio da juventude negra, temos os dados disponibilizados pelo Departamento
Penitenciário Nacional (DEPEN) via Informações Penitenciárias (INFOPEN) (2014) que
embora não traga elementos precisos sobre a faixa etária da amostragem, revela que 61,67%
dos 622.202 detentos que compõem a população carcerária brasileira é negra, isso de um
contingente populacional que compreende 53,63% da População Brasileira hoje. É taxativo
afirmar que, quando o Estado não mata a população negra, ele a encarcera. A consequência
disto é inquietante, pois, a juventude negra se vê cada vez mais cercada pelas armadilhas do
genocídio que não cessa.
O cenário se mostra preocupante, haja vista, que o Estado em seus diferentes poderes
ainda reproduz o racismo, não tratando igual os sujeitos, condenando a juventude negra a
viver sob uma “anomalia social”. Esse cenário sem dúvida alguma, reflete o enunciado no
início deste artigo, onde a discussão de estrutura do poder baseado no conceito de raça se fez

6 Institui a obrigatoriedade do ensino da história e cultura africana e afro-brasileira nos estabelecimentos de


ensino da educação básica (fundamental e médio).

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necessário, isso porque, mesmo com conquistas do MN, a juventude negra ainda encabeça
a lista dos desempregados, dos analfabetos, dos que abandonam a escola antes de tempo e
dos que têm maior defasagem escolar (BENTO; BEGHIN, 2005, p.194). Para dar mais visi-
bilidade ao racismo vigente em nossa sociedade, basta olharmos os dados do Plano Nacional
por Amostra de Domicilio (PNAD) de 20157 vinculado ao Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) que disponibiliza dentre tantas informações, um panorama sobre a edu-
cação no Brasil. De acordo com a PNAD (2015) a taxa de analfabetismo da população negra
com 15 anos ou mais é 11,5 enquanto a população branca é 5,2%, ou seja, mais que o dobro.
Esses dados podem ser complementados com outros que revelam a distorção série-ida-
de de pessoas entre 13 e 16 anos que frequentam o ensino fundamental, onde mais uma vez
os negros e negras lideram, sendo 47,7% em comparação a população branca que são 30,9%
com essa defasem no processo de escolarização. As distorções nos anos de escolarização bá-
sica, resultam efeitos no ingresso de jovens negros e negras no ensino superior, onde esses se
fazem presente em 40,7%, (em um contexto de políticas afirmativas) enquanto a população
branca com a mesma faixa etária (entre 18 e 24 anos) são 69,4% dos presentes neste nível de
ensino (PNAD, 2015).
A ausência ou negação da escola, coloca a juventude negra em situação mais vulnerá-
vel, tendo que sair mais cedo de casa para ocupar trabalhos informais de “menor prestigio”
para garantir sua subsistência.

Pretos ou pardos representavam, em 2015, 54,0% do total da popula-


ção, mas 75,5% das pessoas com os 10% menores rendimentos (con-
tra 23,4% de brancos), ao mesmo tempo em que eram apenas 17,8%
das pessoas no 1% com os maiores rendimentos, contra 79,7% de
brancos (PNAD, 2017, p.96).
Com esses dados, fica evidente que uma coisa está interligada a outra, em um pacto
que mantêm a tão comentada estrutura do poder. A negação ou descaso com a educação,
tem implicação direta na mobilidade social da juventude negra, que por sinal é a maioria
pobre. Em suma, posso sintetizar que a evasão escolar ou a baixa escolarização, possibilitam
duas frentes desanimadoras, onde a 1º refere-se a baixa escolaridade que tem incidência di-
reta na sua mobilidade social, e a 2º pauta-se na exposição deste ao mundo do crime, o que
indiscutivelmente lhes coloca no grupo dos 10% com maior probabilidade de serem vítimas
fatais, com estrondosos 78,9% de chance segundo dados do Atlas da violência. Fica então
possível inferir que estamos diante de um problema muito maior do que a meritocracia nos
coloca, insinuando que a mudança do status social depende exclusivamente do jovem.

7 O documento da PNAD (2017) “Síntese de indicadores sociais: uma análise das con-
dições de vida da população brasileira” do ano 2016 não traz o recorte racial em seus dados
sobre a educação.

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ANAIS DO II SIMPÓSIO NACIONAL APROXIMAÇÕES COM O MUNDO JUVENIL
Juventudes e ações coletivas contemporâneas

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociedade tem um desafio, no que tange a modificação desse quadro de desigual-
dade, montado e assegurado “pelos interesses capitalistas do colonialismo até hoje vigen-
tes, os quais vêm mantendo a raça negra em séculos de martírio e inexorável destruição”
(NASCIMENTO, 1978, p.137). O problema do Brasil não é só social como nos fazem crer. É
também racial! O racismo faz parte da estratégia ideológica de um grupo para se manter no
poder, isso porque, busca inverter a culpa, jogando a responsabilidade da condição da popu-
lação negra no país aos próprios sujeitos, dada sua “suposta inferioridade”.
Diante do contexto de racismo, observa-se que os jovens negros é um dos grupos so-
ciais mais afetados, tendo em vista as consequências oriundas de sua prática na vida dos
mesmos, reflexo disso é a taxa elevada de homicídio, em que 71% são jovens negros, pobres
e residentes em periferia (IPEA, 2017, p.30), demonstrando a urgência na constituição de
estratégias de enfrentamento ao racismo e, por consequência, de combate à violência contra
a população negra.
Existem hoje movimentos fortes puxados por diversas frentes que visam formar
Palmares novamente, denunciando o processo de genocídio ao qual o negro vem sofrendo
no país. Nesse movimento, a população negra procura recompor “os elos que os unem à sua
ancestralidade, em busca da recuperação da identidade negra que estava “adormecida”. Cabe
às lideranças procurarem levar o povo negro a desenvolver sua consciência, para que conheça
adequadamente sua realidade passada e presente (...)” (LOPES, 2011, p.211).
Entretanto, para além dos movimentos sociais, é necessário haver interesse político,
com vistas a garantir a efetividade dos marcos legais direcionados ao atendimento do negro
no Brasil, a começar pelas políticas educacionais, de trabalho, emprego e renda, como forma
de minimizar as sequelas da escravidão no território nacional, de modo a contrapor o ce-
nário de desigualdade socioeconômica brasileiro. Parece utópico, mas é necessário resistir e
acreditar em novas mentalidades, inclusive no meio político, que considere o outro a partir
de suas especificidades, ultrapassando o tratamento pela cor da pele e valorizando as raízes
sociohistóricas do nosso povo.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

EMPODERAMENTO JUVENIL E FAMILIAR NO CONTEXTO DE UMA


MEDIAÇÃO DE CONFLITOS

Rubens Ferreira do Nascimento


Mestre em Psicologia – PROEX PUC Minas
[email protected]

Fernanda Campos Santos


Graduanda em Psicologia - PROEX PUC Minas
[email protected]

INTRODUÇÃO
Iniciado no ano de 2014, o projeto de extensão da PUC Minas “MediAção Comunitária:
Educação, Mediação de Conflitos e Justiça Restaurativa”, tem como objetivo para 2018: pro-
mover um processo educativo prático-teórico em mediação comunitária, contemplando
também atividades de educação em direitos humanos e ações comunitárias. O Projeto busca
a inter/transdisciplinaridade e articula saberes da Psicologia Social, do Direito e da Educação.
Sob a orientação da pesquisa/intervenção, a mediação de conflitos transformativa constitui
o principal método adotado; além das oficinas psicossociais e técnicas afins. Desta forma, o
projeto promove a união da teoria (capacitações, leitura e escrita) com atividades práticas
realizadas semanalmente no bairro São Gabriel e região metropolitana de Belo Horizonte.

UM CASO DE MEDIAÇÃO DE CONFLITOS DE ORIENTAÇÃO COMUNITÁRIA


Dos diversos casos atendidos pelo projeto “MediAção Comunitária”, um em especifico
contempla uma experiência relacional de empoderamento juvenil e familiar no contexto de
uma mediação de conflitos de orientação comunitária, destacando-se a dificuldade relacio-
nal do casal e entre pais e filhos. Observa-se uma fragilidade na parte paterna, com condutas
passivas frente aos filhos, e invasivas e de desautorização do poder da mãe. Sendo assim, o
pai é próximo do filho e filhas, sendo que elas recorrem prioritariamente a ele nas situações
cotidianas que lhes convém. Há também excesso de autoritarismo da parte da mãe, que age
e “grita” por espaço/voz na relação familiar. Alternância de autoritarismo e permissividade
permeiam, portanto, o ambiente familiar conturbado.
Conforme aponta a literatura, o contexto familiar é importante no desenvolvimento
de crianças e jovens e mesmo não sendo o único fator, há íntima relação entre a dinâmica
familiar e as ações de sociabilidade de filhos adolescentes. De acordo com o pensamento de
Biasoli-Alves (2004), entende-se grupo familiar como elemento importante na determinação
e organização da personalidade, influenciando, significativamente, por meio de ações e me-
didas educativas, o comportamento dos filhos e das filhas.

Annales FAJE, Belo Horizonte-MG, v. 3, n. 2 (2018) | 561


ANAIS DO II SIMPÓSIO NACIONAL APROXIMAÇÕES COM O MUNDO JUVENIL
Juventudes e ações coletivas contemporâneas

Foi colocado em destaque, nos discursos da mãe e do pai, o envolvimento da filha


adolescente em ações de incivilidade e violência tanto na família como na escola. Houve,
por parte dela e dele, a procura por intervenções de equipamentos públicos, tais como o
Conselho Tutelar e a própria escola. Buscavam aconselhamentos e soluções educativas.
Considerando os aspectos mencionados acima acerca da importância da família para
o desenvolvimento da criança e do adolescente, podemos ponderar que esse momento de
transição da vida infantil para a vida adulta é considerado por muitos estudos psicológicos
como um momento de “crise” no contexto familiar. Outros estudos evidenciam que a adoles-
cência corresponde a um fenômeno biopsicossocial, cujo elemento psicológico do processo
é constantemente determinado, modificado e influenciado pela sociedade (Kalina, 1999). Ela
corresponderia a um período de descobertas dos próprios limites, de questionamentos dos
valores das normas familiares e de intensa adesão aos valores e normas do grupo de amigos.
Nessa medida, é um tempo de rupturas e aprendizados, uma etapa caracterizada pela neces-
sidade de integração social, pela busca da autoafirmação, da independência individual e pela
definição da identidade sexual (Silva & Mattos, 2004).
Para a compreensão psicossociológica do processo do adolescer e do ser jovem se faz
necessário considerar os diferentes contextos sociais nos quais essas pessoas se constroem
como indivíduo/sujeito e se transformam. O Brasil, é marcado por desigualdades econômi-
cas, sociais e culturais (Dayrell, 2001). Os jovens1 (e adolescentes) têm sido os mais atingidos
pela falta de oportunidades e ausências de políticas específicas. Nesse contexto, as famílias
se veem solitárias diante do desafio de criarem seus filhos, sendo muitas vezes as únicas res-
ponsáveis por esta função. Os adolescentes pobres vivenciam frágeis e insuficientes formas
de inclusão social. Ao observar o desestimulo da adolescente em relação à escola e ao seu
próprio futuro, a mãe demonstra a vontade de conscientizar os filhos, incentivando-os a não
desistirem dos estudos. Não satisfeita com suas condições financeiras e de trabalho atuais,
a mesma afirma que, gostaria de ter cursado ensino superior e ter seguido seus sonhos que
foram renunciados para a criação dos filhos, e a constituição precoce da família.
Levando-se em consideração as ressalvas quanto a diversidade e multiplicidade de pos-
sibilidades identitárias, podem-se elencar como principais especificidades do (adolescente)
jovem de classes populares, de acordo com Costa (2001): Ingresso precoce no mercado de
trabalho; relação conflitiva com a escola formal; vivência de várias formas de privação e ex-
clusão; proximidade de situações e condutas de risco; reduzida capacidade competitiva com
jovens de outras classes sociais, devido à privação de políticas que proporcionem equidade
de condições; constituição mais precoce de família; dificuldade em obter moradia própria.

1 O educador Juarez Dayrell opta pelos termos jovem/juventude. Lembro que segundo as definições vigentes
a juventude compreende a faixa etária entre 15 e 24 anos. Acompanho o autor. O termo adolescente segun-
do algumas definições (por exemplo o ECA) compreende a faixa etária entre 12 e 18 anos. Tradicionalmente
adolescente tem sido mais utilizado a partir de uma perspectiva biopsíquica. Juventude se apresenta mais nas
produções das ciências sociais e enfatiza a dimensão de construção social que se faz por meios de discursos e
práticas sociais.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

Acrescenta-se a inserção precoce no mercado de trabalho por vezes em subempregos e a


conectividade, esta, presente em todos os estratos sociais. Serrão e Baleeiro (1999) acrescen-
tam: Autoestima fragilizada; medo de expressar-se; dificuldades de reconhecer em si atitudes
de racismo; música e dança como formas de expressão; ataque como forma de defesa; falta
de perspectiva; percepção das limitações da escola; preocupação com a inserção no mercado
de trabalho; falta de privacidade na vida pessoal; condições de solidariedade; percepção da
cidadania como um conceito abstrato; Papéis de gênero masculino e feminino com limites
mais rígidos.
A família em questão pode ser classificada como de classe popular, mas não necessaria-
mente como “pobre”. Deve ser mais bem localizada como classe C ou, como denomina Jessé
de Souza (2012), “os batalhadores”.
Foram relatados, nos atendimentos em mediação de conflitos, episódios de violência,
ameaças e agressões entre a filha adolescente e a mãe. Acredita-se, criticamente, que situações
de conflito envolvendo jovens e violência comunicam mais do que atos de agressão, indisci-
plina ou incivilidade. A violência em perspectiva relacional e performática é o “emprego da
força ou da dominação sem legitimidade” (Misse, 2002 p. 1), ou seja, quando não há possi-
bilidade de ocorrer a resistência e o conflito. Pressupõe-se um violentador e um violentado.
Quem pratica a violência o faz a partir de uma identidade determinada; a violência tem
caráter avaliativo (“um marido e/ou uma esposa violentos”, “mãe, pai, filha violentos”). Para
Castro, Salles e Silva (2009, p. 71) violência é “um estado das relações sociais que precisa da
ameaça para sua conservação ou transformação”. A agressão seria “a materialização dessa
ameaça”.
Costa (2007, p. 100), baseado em Winnicott, elabora um conceito comunitarista de vio-
lência, como “tudo que nos faz perder a confiança no outro, e, por conseguinte, nos impede
de exercer o poder de prometer e perdoar”. Sob esta perspectiva pode-se perguntar: uma ex-
periência de crise nas relações de afeto e poder familiar expressaria somente o esvaziamento
de significados e sentidos ou ofereceria a possibilidade de novas construções? Spósito (2001,
p. 102) dá uma resposta interessante: “A resistência e o conflito entre as gerações enriquecem
a vida social, porque oferecem novas alternativas e sinalizam as possibilidades da mudança”.
No caso abordado, a violência entre mãe e filha, gera conflitos e a falta de comunicação entre
as partes, despertando raiva, resistência para o convívio por parte da adolescente e frustação
por parte da mãe, devido à relativa perda de autoridade do seu lugar social de mãe, líder da
família e pela relação conturbada que estabelece com a filha. Acrescentando ao apontamento
anterior de Spósito (2001), observa-se que o conflito entre mãe e filha sinalizou a necessidade
de mudança. Mesmo com a resistência inicial da adolescente, pode-se perceber vontade em
ambas as partes de estabelecer um ambiente familiar menos conflituoso prenunciando aos
poucos, sob um olhar otimista, novas possibilidades para as relações mãe-filha e familiares
Durante o processo e com certos resultados identificados pode-se observar alguma ini-
ciativa tímida de diálogo tomada pelo pai. A mãe apresenta dificuldades para se autoimplicar,
mas parece ser a parte mais ativa no processo de busca por mudanças. A filha adolescente,

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

posicionada e interessada no processo de mediação, apresenta postura ativa, expressando sua


condição de sujeito na relação com seus genitores e no ciclo específico de mediação iniciado
com a mãe, trazendo também questões que envolvem irmã e irmão mais velhos. Ela parece
ampliar sua autonomia e o seu autoconhecimento como adolescente empoderada capaz de
realizar e sugerir mudanças no âmbito familiar, embora se mantenha em posição egocentra-
da, o que não surpreende considerando-se sua faixa etária, condição de desenvolvimento e
seu contexto familiar de educação.

MEDIAÇÃO DE CONFLITOS COMO


INTERVENÇÃO PSICOSSOCIAL COMUNITÁRIA
Mediação de Conflitos é um método consensual de resolução de conflitos no qual
um terceiro em posição equidistante facilita o diálogo entre as partes em disputa. Difere da
Conciliação por esta ser centrada no acordo e nela o conciliador poder sugerir. Já o media-
dor, guardadas as variações tipológicas das escolas de mediação, tem na transformação das
posições e na responsabilização das pessoas em conflito, seu principal objetivo2. Para Tania
Almeida (2009, p. 95) “A mediação privilegia a desconstrução do conflito e a consequente
restauração da convivência pacífica entre as pessoas”.
Observa-se ser importante nas propostas alternativas de educação e prevenção às vio-
lências nas comunidades, entre elas a mediação de conflitos, tomar conhecimento, valorizar
e incorporar as tentativas de diálogo e demais esforços de enfrentamento das situações de
conflito e violência já existentes entre os sujeitos em seu cotidiano. Isto implica em enxergá
-los não como “objetos” de políticas de inclusão, mas como sujeitos que têm vozes e atuações,
atrizes e atores (Touraine, 1984). Implica também, que as iniciativas com intenções eman-
cipatórias venham a estabelecer com seu público-meta relações efetivamente “educativas”
contemplando-os como radicalmente “Outros” (Dussel, 1986).
No âmbito das escolas públicas e do trabalho em educação comunitária isto significa
que professores e demais educadores sejam vistos como sujeitos “sócio-culturais” (Teixeira,
2001) e alunos e outros educandos sejam valorizados em sua condição psicossocial tendo
respeitado o seu direito a se saberem (Arroyo, 2014), compreendendo, deste modo, o que há
de “ofício” em sua configuração identitária, como sugere Corti (2014).
Nessa linha o Projeto aposta na hipótese de Paulo Freire (1987) de que a maior drama-
ticidade das formas de viver e ser no mundo está relacionada ao pouco saber que tais sujeitos
trazem sobre o mundo e sobre si mesmos. Sob esta orientação, acadêmicos e pesquisadores
do cotidiano, professores e demais educadores são convidados a “pensarem” e “reconhece-
rem” seus mediandos e alunos como “Outros”. (Arroyo, 2014, p. 158).

2 Há basicamente três escolas de mediação de conflitos. A Escola de Harvard que é centrada no acordo, a Escola
Circular Narrativa que se centra nas relações e no acordo e a Escola Transformativa que foca nas relações e na
transformação das posições dos mediandos.

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O psicólogo social freireano, Pedrinho Guareschi, citando Emmanuel Levinas, afirma


que “Ver um rosto já é escutar: Não matarás! E escutar não matárás!, é escutar: Justiça Social!
(Levinas, citado por Guareschi, 2002, p. 218). “Escuta” está sendo entendida como um con-
junto de habilidades e competências desenvolvidas por meio do exercício de aprendizagem,
de auto-localização e de localização do outro, dos outros, das relações e do mundo, no mun-
do. Implica em uma pessoa atuar e se pensar como sujeito sócio-histórico na atualidade, o
que o remete a compreensão de que é portador de direitos humanos, é cidadão. Esse tipo de
aprendizagem pode ser conseguido integral ou parcialmente no seio de comunidades enga-
jadas e de movimentos sociais, mas também no contexto de outras interações educativas em
direitos humanos na escola ou fora dela. Tratam-se de processos de formação crítica (Gadotti
e Romão, 2011).
Ignacio Martin-Baró, foi o criador da Psicologia da Libertação. Trata-se de uma psico-
logia bastante prática e compromissada com a transformação social dos povos latino-ame-
ricanos. Para este autor espanhol, que se enraizou em El Salvador, a psicologia latino-ameri-
cana deve “despreocupar-se com seu status científico e social e propor-se a um serviço eficaz
para atender as necessidades das maiorias populares” (Martin-Baró, 2009). Faz-se necessária,
portanto a libertação da psicologia (e das outras ciências sociais) para que ela possa contri-
buir para a libertação psicossocial das pessoas, grupos, comunidades e povos, ou seja, trans-
formações em dimensões primárias, funcionais e estruturais (Martins, 2003).
O conceito de identidade é central no trabalho proposto. Ela é entendida como psicos-
socialmente construída. Com o processo atual de hiperindividualização da sociedade, iden-
tidade passou a ser um eixo basilar da experiência subjetiva. Castro Salles e Silva (2009) se
abstendo das visões dicotômicas apontam o escasso interesse pelo contexto social das teorias
sociocognitivistas e o investimento insatisfatório de Tajfel na dimensão individual em sua
teorização sobre a identidade social.
Os mesmos Castro, Salles e Silva (2009) elucidam uma configuração de identidade psi-
cossocial que coloca em diálogo os discursos de saber/poder de Foucault com modelos inte-
racionistas e narrativos. O Projeto adota uma visão performática de identidade seguindo em
parte Jurandir Freire Costa, que afirmou que a identidade é “ficção necessária” (Costa, 1988,
p. 163). Composta de ego e sujeito, ela não é idêntica a si mesma, se constitui na interação
discursiva. Pretende-se focalizar crítica e autocriticamente a questão do essencialismo nos
conceitos de identidade e subjetividade e promover um diálogo entre descrições sócio-cons-
trucionistas (Spink, 2004) sobre a constituição social do autodiscurso e visões vigotskianas
latino-americanas contemporâneas de sujeito (Molon, 2003; Gonzalez Rey, 2004). O autor
cubano, um importante representante da psicologia social crítica latino-americana afirma o
seguinte:

A categoria sujeito abre um espaço diferente, para a compreensão


tanto da sociedade quanto da subjetividade humanas. Uma teoria da
subjetividade sem sujeito seria uma teoria encapsulada no indivíduo,
o que não teria como transformar em uma teoria que integrasse indi-

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víduo, sociedade, cultura e história, que é o que se pretende com essa


abordagem histórico cultural ao tema da subjetividade. A subjetivi-
dade é um tema ao qual só temos acesso através do sujeito em seus
espaços de relação social. Por isto o sujeito ganha uma importância
metodológica que nunca teve. As dimensões da subjetividade social
aparecem de forma implícita e diferenciada nas expressões do sujeito
e nos sentidos subjetivos que configuram sua subjetividade individu-
al. (Gonzalez-Rey, 2005)
Gonzalez Rey visibiliza processos de subjetivação nos quais os indivíduos são também
sujeitos e não tão somente sujeitados pelos discursos e práticas sociais predominantes. Um
dos autores caros à teorização dele é Alain Touraine. Este francês está entre os teóricos do so-
cial que problematizam o pensamento moderno. Ele desenvolve, para alguns, uma “sociolo-
gia clínica” (Furlin, 2011), para outros Touraine constrói uma sociologia da ação e do sujeito
(Touraine, 1984, 2006; Veronese e Lacerda, 2011) com atenção especial para os movimentos
sociais na América Latina. Para Alain Touraine o indivíduo é a parte da pessoa que se assujei-
ta à sociedade, que reproduz os papeis sociais e se apresenta normatizada. O sujeito expressa
a dimensão do que resiste, do novo, da criação (Furli, 2011). A identidade psicossocial se faz
como indivíduo e sujeito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
No contexto da mediação de conflitos Riskin (2001) e Six (2001) são autores que afir-
mam os princípios da neutralidade e da imparcialidade. O mediador seria um terceiro neutro
e imparcial que auxilia as partes a, voluntariamente, resolverem seus conflitos ou planejarem
uma transação. Porém a mediadora comunitária Souza (2003) pondera que “Hoje” já não
se deveria pensar na neutralidade na conduta do mediador, mas que ele é um terceiro a fa-
vorecer uma distribuição equitativa de poder entre as partes por meio de uma posição sua
de equidistância entre elas. O conceito de neutralidade se choca com a definição de conflito
(intersubjetividade) e coloca o foco na subjetividade.
No atendimento em processo, elementos de afeto, poder e violência, especialmente nos
âmbitos das relações de gênero e de geração no contexto familiar estão sendo focalizados e
trabalhados a partir do que as mediandas e o mediando trazem. Isto tem sido feito por meio
de problematizações e perguntas reflexivas, orientadas por perspectiva e conduta ético-polí-
ticas da equipe de mediação, portanto não neutras ou imparciais. Acredita-se que esse modo
de intervir pode contribuir para a potencialização dos sujeitos e sujeitas em cada identidade
em processo de reelaboração: mulheres adulta e jovem e homem adulto; mãe, pai e filha ado-
lescente, consequentemente o empoderamento do grupo familiar.
Insurgindo contra as diretrizes de neutralidade e imparcialidade para a mediação e
seguindo Figueiredo (1998), postula-se que intervenções e escutas críticas da indisciplina
(nos contextos escolar ou familiar, por exemplo) podem se relacionar a uma “in-disciplina”.

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Sendo assim pode-se confrontar com a normatização da família, das relações de gênero, da
adolescência/juventude, da identidade e subjetividade e, com elas, do método consensual de
resolução de controvérsias adotado. Isto pode viabilizar a compreensão e conceituação da
mediação de conflitos como dispositivo emancipatório, de emergência do sujeito (Touraine,
2006; Gonzalez Rey, 2004), algo perseguido pelos movimentos sociais e as práticas comuni-
tárias críticas e de defesa dos direitos humanos.

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AS RELAÇÕES DE NAMORO DO ADOLESCENTE VÍTIMA DE


VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR

Thaís Afonso Andrade


Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP)
[email protected]

INTRODUÇÃO
A violência intrafamiliar é de um fenômeno complexo que ocorre no âmbito das re-
lações familiares. A sua ocorrência não se limita ao espaço físico, ou seja, pode ser perpe-
trada no interior ou fora de casa por algum membro da família. Abrange pessoas que exer-
cem a função parental, mesmo que sem laços consanguíneos, e em relação de poder à outra
(BRASIL, 2002). Neste sentido, episódios de violência intrafamiliar contra a criança e o ado-
lescente ocorrem desde a antiguidade, em todas as classes sociais, numa relação permissiva
entre práticas educativas e punição (MINAYO, 2001; MOREIRA; SOUSA, 2012).
As relações familiares violentas resultam em várias consequências para os adolescentes
que convivem nesse contexto, entre elas, a vivência precoce de relações violentas no namoro
(ANACONA, 2008; ASSIS et al., 2011; OMS, 2015; CDC1, 2016). Nesta perspectiva, a expe-
riência de violência na família de origem é apontada como um dos fatores de risco para ocor-
rência da violência no namoro entre adolescentes, além de ser preditor da violência conjugal
(GÓMEZ, 2011; OMS, 2015).
O fenômeno da transmissão intergeracional de violência nas relações amorosas de
adolescentes é bastante estudado no cenário internacional. No Brasil, tal temática apresenta
uma grande lacuna (WOLFE; SCOTT; WEKERLE; PITTMAN, 2001; GOVER; KAUKINEN;
FOX, 2008; OLIVEIRA, SANI, MAGALHÃES; 2012; FAIAS; CARIDADE; CARDOSO,
2016). Face a esse aspecto, Oliveira, Sani e Magalhães, (2012, p. 175) ressaltam que a origem
da violência conjugal “pode estar na transmissão intergeracional desta violência, designada-
mente a partir da família, a qual se pode começar a revelar desde as relações de namoro na
adolescência”. Nesse ponto de vista, Scantamburlo, Moré e Crepaldi (2012) ressaltam que não
há uma relação direta, linear entre a exposição da violência no âmbito familiar e vitimização/
perpetração da violência no namoro.
A Violência no namoro entre adolescentes “pode ser qualquer comportamento que
prejudique o desenvolvimento e a saúde da(o) parceira(o) e comprometa a sua integridade
física, psicológica ou sexual” (Njaine, 2015, p. 382). A literatura especializada sobre o tema
identifica várias formas de violências praticadas no âmbito do relacionamento de namoro ou
ficar, a saber: física, psicológica (emocional/verbal), sexual, financeira, digital e a perseguição
(CDC, 2016).

1 Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), divisão Prevenção da Violência do Departamento de


Saúde (U.S. Department of Health & Human Services) dos Estados Unidos.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

Pesquisa realizada no país investigou a violência nas relações de namoro e ficar de ado-
lescentes em dez capitais brasileiras. Participaram do estudo 3.200 alunos na faixa etária de
15 a 19 anos de 104 escolas públicas e privadas entre os anos 2007 a 2009. Concluiu-se que
a maioria das meninas e dos meninos, 76,6%, simultaneamente perpetra e sofre vários tipos
de violência no relacionamento, dados que corroboram com as pesquisas internacionais. Na
violência psicológica, por exemplo, esse número sobe para 96,9%. As altas taxas apontam a
banalização e a aceitação desse tipo de violência por parte dos adolescentes (OLIVEIRA, Q
et al., 2011).
Diante desse cenário, o presente trabalho tem como objetivo compreender como o
adolescente com histórico de violência intrafamiliar constrói suas relações amorosas. Face
à lacuna dos estudos nacionais relacionados ao fenômeno da violência no namoro, faz-se
importante também estudar as relações amorosas de namoro ou ficar de adolescentes que já
experienciaram na infância, ou ainda, experenciam diretamente ou testemunham a violência
entre os seus pais e/ou responsáveis.

MÉTODO
O presente estudo é uma pesquisa de natureza qualitativa, de caráter exploratório.
Minayo (2014) versa que a pesquisa qualitativa se fundamenta em uma estratégia baseada
em dados coletados diante de interações sociais de grupos circunscritos, analisadas a partir
dos significados que os atores atribuem ao fenômeno, de como vivem, pensam e sentem.
Como estratégia de investigação elegeu-se o estudo de caso. Este método busca conhecer em
profundidade o singular, sem ignorar o contexto e suas interligações (ANDRE, 2005).
Ressalta-se que este estudo é um recorte da dissertação “As relações amorosas do ado-
lescente com histórico de violência intrafamiliar”. Para a inclusão na pesquisa os participan-
tes foram vítimas de violência intrafamiliar e que tivessem namorado ou ficado, independen-
temente do tempo de duração da relação.
A coleta de dados se deu por meio de uma entrevista semiestruturada realizada na
residência dos adolescentes. As respostas foram audiogravadas para posterior transcrição
e análise. Os dados foram analisados através da Técnica de Análise Temática do Conteúdo,
considerando três etapas: (a) pré-análise, que é composta pela leitura flutuante, ou seja, o pes-
quisador deixa-se impregnar pelo conteúdo, por meio de exaustivo contato com o material,
para constituir o corpus e formular algumas hipóteses de trabalho; (b) exploração do mate-
rial, que consiste em separar as categorias ou eixos temáticos, a serem discutidos adiante; (c)
análise e interpretação dos resultados, com base na literatura consultada (MINAYO, 2014).
Os adolescentes participantes assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido
(TALE) e seus responsáveis, consentiram a participação por meio do Termo de Consentimento
Livre Esclarecido (TCLE). Para a realização desta pesquisa foram obedecidas as orientações
da Resolução n º 466/12 da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, que assegura os direitos
e deveres que dizem respeito à comunidade científica, aos sujeitos da pesquisa e ao Estado. A

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

pesquisa foi aceita pelo Comitê de Ética da Universidade Católica de Pernambuco e recebeu
o CAAE de número 60883516.5.0000.5206. Os nomes que aparecem no estudo são todos
fictícios como forma de garantir o anonimato na pesquisa.
Participaram deste estudo dois adolescentes que residem na região metropolitana do
Recife/PE: Tays, 17 anos, estudante do 3º ano do ensino médio, mora com os pais e duas ir-
mãs. Namora Raul, da mesma idade, há 18 meses. O segundo participante é Alex, 16 anos,
estuda o 2º ano do ensino médio, reside com a mãe e dois irmãos. Não estava envolvido em
uma relação amorosa no momento da entrevista.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
A análise de conteúdo temática das entrevistas com os adolescentes possibilitaram a
elaboração de três unidades de sentido: 1) exposição à violência intrafamiliar; 2) possíveis
episódios de violência perpetrados e/ou sofridos pelo adolescente no âmbito do namoro ou
ficar; 3) natureza da violência no namoro ou ficar.

VIOLÊNCIA INTRAFAMILIAR
Verificou-se que os adolescentes foram vítimas de violência psicológica por meio de
conflitos verbais e humilhações, além de agressões físicas por parte dos genitores. Para mais,
testemunharam ainda episódios violência entre os pais cotidianamente. Destaca-se que tal
cenário é vivenciado por ambos desde a infância.

“[...] tem briga, mais da parte da minha mãe e do meu pai. Aí, que-
rendo ou não afeta a gente.” [...] ah, você não presta pra nada (Mãe).
Você não faz nada. Só quer viver a vida assim, sem fazer nada.” Meu
pai diz que eu sou safada [...] “tem hora que a gente procura um bu-
raco para enfiar a cabeça, eu choro muito, por que por tudo, eu cho-
ro” (Tays, 17 anos).

“O mais difícil foi quando ele brigava com a minha mãe, eu ficar
presenciando aquilo, não sai da minha cabeça [...] “Ele (Pai) já deu
em mim com um cabo de canivete, já deu em mim com corda de ca-
minhoneiro. É uma corda bem grossona com um bocado de nó [...]
isso aconteceu muitas vezes, ele batia mesmo sem dó.” “Ela (Mãe) me
disse uma vez: se tá achando ruim, vai embora da minha casa [...]
isso ficou na minha cabeça.” (Alex, 16 anos)
As verbalizações remetem a ofensas e humilhações sofridas, privação de afeto, além
de violência física. Este cenário evidenciou repercussões negativas para a saúde mental dos
participantes. Os mesmo aspectos foram verificados na pesquisa de Magalhães et al. (2017)
realizado com oito adolescentes entre 12 e 18 anos. Os resultados apontam que uma infância

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

e adolescência marcada pela presença da violência conjugal entre os pais e vivência de agres-
sões físicas, humilhações, abandonos e negligências trazem consequências para a saúde do
adolescente.

POSSÍVEIS EPISÓDIOS DE VIOLÊNCIA PERPETRADOS E/OU SOFRIDOS PELO


ADOLESCENTE NO ÂMBITO DO NAMORO OU FICAR
Os episódios de violência vivenciados no âmbito do namoro foram a digital e a psi-
cológica, apenas na situação de perpetração, ou seja, os adolescentes participantes não são
vítimas do(a) parceiro(a) de tais atos.

“eu brigo com ele, eu brigo mesmo, essa semana que passou foi o
aniversário da igreja, eu cheguei a chorar pra ele ir comigo [...], “eu
não consigo conversar, eu sou nervosa, aí eu tenho que brigar e muito
[...], “eu tenho argumento, mas eu não sei expressar, assim o que eu
quero falar”, “nunca aconteceu violência entre a gente, graças a Deus
[...] ele me respeita muito.” (Tays, 17 anos).

“[...] eu acho que eu sou muito ciumento, tinha muita briga não,
quando brigava era ciúmes meu, ciúme dela. Ciúmes só”, “[...] eu
cheguei lá na casa dela, aí pedi para ver o celular dela e ela não me
deu [...]. Cheguei lá e vi ela com um menino na esquina [...] se ela tá
namorando comigo, o que ela tá fazendo numa esquina conversando
com outro menino [...]“[...] ela queria ir para uma festa, aí eu falei: se
você for, pode me esquecer, esqueça que eu existo. Sua mãe vai beber,
sua cunhada vai beber, tu não bebe, vai fazer o que lá? Aí, ela disse:
eu não vou não.” (Alex, 16 anos).
Tays e Alex não reconhecem como violência as situações vivenciadas em suas relações
amorosas e, muito menos, percebam-se como perpetradores de tais episódios. Denominamos
no presente estudo o ciúme, a ameaça, os conflitos verbais, o controle acerca das amizades,
bem como o local frequentado pelo(a) parceiro(a), de violência psicológica. Quanto à ocor-
rência da violência digital, foi verificada por Alex, no sentido do controle exercido em relação
ao conteúdo do celular, apontado como prova de amor e confiança.
Observou-se, dessa forma, uma associação possível entre a experiência prematura da
violência no namoro e as vivências na família de origem por meio da transmissão intergera-
cional da violência. Resultados semelhantes foram encontrados por Gover et al. (2008) em
pesquisa que objetivou investigar a influência da transmissão intergeracional da violência
física e psicológica, com 2.541 estudantes universitários americanos. Os autores concluíram
que vivenciar episódios de violência na infância é um forte preditor para o envolvimento em
relações de namoro violentas tanto para rapazes como para moças.

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NATUREZA DA VIOLÊNCIA NO NAMORO OU FICAR


Os adolescentes deste estudo nomeiam as violências física, psicológica (emocional/ver-
bal) e sexual como possíveis situações de violência no namoro.

“Tipo, se a gente tá lá sozinho e o negócio vai ficando mais quente, aí


ela não quer, eu vou fazer a força com ela, é? Aí não pode. Se ela é a
minha namorada eu tenho que respeitar a parte dela. Eu acho assim.
E ela também tem que me entender, me respeitar.” (Alex, 16 anos).

“Quando um começa a esculhambar o outro, e também, a parte de


bater. É tudo que ofende, tudo o que dói, eu considero como uma
violência porque, se eu começo a lhe esculhambar e tá doendo, então
pra mim é uma violência.” (Tays, 17 anos).
Neste sentido, esses dados corroboram com a investigação de García; Farré (2010) que
evidenciam que as condutas de maus-tratos físicos são as mais facilmente identificadas pelos
adolescentes no namoro. Conclui-se também que a experiência de violência no namoro se
produz com uma frequencia considerável, sendo as mais comuns as do tipo sexual e psicoló-
gico. A pesquisa foi realizada com 122 adolescentes entre 15 e 16 anos na Espanha.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de únicos, cada relato que compõe a presente pesquisa nos leva a identificar
elementos indicativos da transmissão intergeracional de violência por meio de uma possível
associação entre a exposição direta e/ou indireta de episódios de violência no âmbito familiar
e a presença da violência no namoro dos adolescentes participantes. Os reflexos das vivências
na família de origem, principalmente, os intensos conflitos verbais vivenciados com o pai,
são de certa maneira estendidos à sua relação amorosa, no caso Tays. Para Alex, as vivências
diante das frágeis interações familiares dos seus membros perpassadas pela violência tendem
a se repetir, na sua maneira de se relacionar com uma parceira íntima no namoro. Dessa for-
ma, o relacionamento matrimonial tecido pelos pais pode ser visto pelos participantes como
um modelo a ser seguido, numa possível continuação, reedição de tal fenômeno em suas
relações de namoro ou ficar. Destaca-se que os adolescentes não reconhecem como violência
as situações que vivenciam nas suas relações de namoro, o que reflete, dessa forma, uma ba-
nalização de tais episódios.
Diante da complexidade de desenvolver-se em meio a relações familiares perpassadas
pela violência, torna-se fundamental a realização de pesquisas que aprofundem a compreen-
são da relação entre a vivência da violência intrafamiliar e a presença da violência no namoro
entre adolescentes.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

A JUVENTUDE E A CULTURA DO CONTROLE A PARTIR DAS


PRÁTICAS DA PIXAÇÃO

Thaisa da Silva Ferreira


Universidade Federal de Goiás – UFG
thaisaff[email protected]

Diego José Dias Mendes


Universidade Federal da Bahia – UFBA
[email protected]

O presente trabalho analisa como a cultura do controle se manifesta na persecução penal de jovens e se rela-
ciona com a disputa pelo acesso ao espaço urbano. Para tanto, empreende um estudo de caso: no ano de 2012 o
Ministério Público de Goiás apresentou denúncia criminal e, a despeito da ausência de previsão legal, requereu
judicialmente o recolhimento domiciliar de 15 jovens acusados de pixação na cidade de Goiânia e sua região
metropolitana. A forma como o sistema penal e a sociedade entendem a ação dos pixadores será discutida
a partir dos conceitos da cultura do controle de Garland e de Wacquant. Ambos apontam que a ampliação
da cultura do controle está mais atrelada à sensação de violência e insegurança nas grandes cidades do que à
existência de uma real criminalidade. Qual seria então o papel do recolhimento domiciliar de jovens pelo ato da
pixação? Nossa hipótese parte da possibilidade de restrição dos jovens em relação ao acesso a cidade, principal-
mente dos indivíduos de regiões periféricas da cidade de Goiânia.

Palavras chaves: juventude, cultura do controle, espaço urbano, violência.

INTRODUÇÃO
No decorrer do ano de 2012 o Ministério Público de Goiás apresentou duas denúncias
criminais contra 15 jovens acusados de pixar1 locais públicos e privados em diversos seto-
res (bairros) de Goiânia. Noticiando a atuação do órgão, documento de sua assessoria de
comunicação publicado no portal eletrônico “Jus Brasil” (reproduzindo as conclusões dos
inquéritos policiais que embasaram essas denúncias) especificou que eles agiam desde 2009
e causaram prejuízos estimados em mais de dois milhões de reais, sem, contudo, detalhar
a materialidade desse prejuízo. Também relatou existência de publicações em redes sociais
retratando as pixações, além de casos de incitação á pratica em comunidades virtuais de
Goiânia2.
Nas denúncias, as condutas destes jovens foram criminalmente tipificadas no artigo
65 da Lei n. 9.605/1998 (Lei de Crimes Ambientais), pois, para a legislação brasileira, além

1 A palavra pixar escrita com “x” e não com “ch” é a forma como os pixadores afirmam ser correta, é para eles
uma forma de resistência e identidade.
2 Conforme matéria da Assessoria de Comunicação do Ministério Público de Goiás publicada no “Jus Brasil”:
https://mp-go.jusbrasil.com.br/noticias/2849375/mp-denuncia-e-pede-recolhimento-domiciliar-de-15-acusa-
dos-de-pichacao-em-goiania

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de mera transgressão juvenil, a pixação nas cidades – seja a inscrição feita em propriedade
pública ou privada – constitui também espécie de crime ambiental, sob a ótica de que degra-
daria a estética urbana3.
Todavia, muito embora a política legislativa de criminalização do pixo mereça ser pro-
blematizada, detém-se o presente artigo no modo como as agências punitivas mobilizam o
controle penal especificamente neste caso4: em primeiro lugar, que as denúncias resultem
de um amplo e longo esforço de investigação da Polícia Civil5; em segundo, o entendimento
do Ministério Público de Goiás no sentido de que os jovens que se reúnem para fazer suas
pixações ou mesmo comentar as obras de pixação em redes sociais praticam os crimes de
apologia ao delito e associação criminosa: respectivamente tipificados nos artigos 287 e 288
do Código Penal (“Crimes contra a Paz Pública”).
Estes são elementos que permitem inferir que a cultura da pixação, fenômeno mais
amplo do que a própria prática (CALDEIRA, 2012), apresenta-se a esses atores sociais (ins-
tituições do sistema de Justiça) como uma conjunção de dinâmicas associadas à ideia de
delinquência e que enquanto tal deve ser controlada com rigor.
No limite, a incomum ênfase na penalização de prática demonstra (reafirma) o modo
como a juventude é compreendida pela sociedade e pelo Estado brasileiro. De fato, há uma
tendência histórica de apenas se conceder visibilidade ás ações juvenis através dos significados
de delinquência e desordem civil. Sobre essa questão, desde as primeiras pesquisas desenvol-
vidas pela Escola de Chicago, a juventude pobre foi caracterizada e relacionada ao crime,
transgressão e delinquência.
Porém, quando se aborda o tema “juventude”, há sempre de atinar para o caráter po-
lissêmico dessa expressão, pois há várias “juventudes” (Feixa, 2006). É o caso de especificar
sobre qual delas se está referindo: trata-se aqui de um grupo de jovens, com perfil masculino,

3 “Art. 65. Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano: Pena - detenção, de 3 (três)
meses a 1 (um) ano, e multa
4 Ressalvado um breve comentário ao longo dos capítulos de desenvolvimento acerca da mudança operada pela
lei 12.408 de 2011, que reformou a redação original do artigo 65 para distinguir o tratamento dado à pixação e
ao grafitti, excluindo este último do âmbito de criminalização.
5 De acordo com o Delegado de Polícia responsável pelo inquérito, meses de investigação foram necessárias à
identificação dos acusados. Em Anápolis, cidade vizinha, a repressão mobiliza ainda ação sistemática Polícia
Militar, que se desenvolve através do mapeamento de pixações, conforme declaração de Coronel da instituição
publicada pelo Portal G1: http://g1.globo.com/goias/noticia/2012/03/pichadores-desafiam-policia-e-revoltam
-populacao-em-goiania.html

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selecionados criminalmente e submetidos a privação de liberdade, conforme informações do


“Jus Brasil” e outras notícias jornalísticas6 que informam sobre o caso.
Nesse aspecto, é justamente aquela população que a pesquisa do sociólogo Julio Jacobo
Waiselfiz, intitulada “Mapa da Violência 2014”, aponta como mais vulnerável: jovens homens
entre 16 a 24 anos, faixa etária que compreende os maiores índices de morte violenta e ho-
micídio do país. Dentro dessa população específica ainda é possível reconhecer os jovens
negros, pobres, moradores de periferia e que em grande parte permanecem fora do mercado
de trabalho formal e da escola.
Sendo assim, o que exige ainda maior atenção ao caso é que, paralelamente às denún-
cias, o Ministério Público tenha requerido à Justiça Estadual – como medida cautelar7 desti-
nada a manter a “ordem pública” e evitar a continuidade de novas infrações8 – o recolhimento
domiciliar9 dos jovens durante o período noturno, nas folgas e nos finais de semana, visto que
seria esse o período em que agiriam. Sem, todavia, que a situação tenha se enquadrado em
algumas das restritas hipóteses de aplicação da medida previstas no artigo 318 do Código de
Processo Penal10.

6 Conforme matéria da Assessoria de Comunicação do Ministério Público de Goiás publicada no“Jus Brasil”;
https://mp-go.jusbrasil.com.br/noticias/2849375/mp-denuncia-e-pede-recolhimento-domiciliar-de-15-acusa-
dos-de-pichacao-em-goiania
E matéria jornalística do jornal G1: http://g1.globo.com/goias/noticia/2014/09/policia-identifica-90-suspeitos-
de-pichar-10-mil-pontos-em-goiania.html
7 Cautelares são limitações aos direitos do acusado que podem ser executadas durante ou mesmo antes do
processo criminal, enquanto não se pode ainda aplicar a punição prevista em lei para o crime (pena definiti-
va), desde que elementos mínimos de prova confiram plausibilidade à acusação e justifiquem a urgência desta
limitação.
8 “Garantia da ordem pública” é expressão empregada pelo Código de Processo Penal (art. 312) para designar
uma das funções possíveis da prisão preventiva e tem sido largamente criticada por juristas ao
9 O recolhimento domiciliar é uma medida cautelar introduzida recentemente no Brasil pela lei n. 12.403,
que em 2011 reformou o Código de Processo Penal: antes dela, as únicas medidas cautelares pessoais (aquelas
capazes de atingir o corpo do acusado) eram as chamadas prisões provisórias. Trata-se, portanto, de uma diver-
sificação do controle penal sob a justificativa de evitar o uso do encarceramento ou ao menos restringi-lo aos
casos realmente necessários.
10 Art. 318, Código de Processo Penal. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o
agente for: I - maior de 80 (oitenta) anos; II - extremamente debilitado por motivo de doença grave; III - im-
prescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV – ges-
tante; V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos; (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)
VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.
(Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos
requisitos estabelecidos neste artigo.

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No plano concreto, o que explica essa pretensão de recolher pixadores a suas casas a
despeito do que a legislação brasileira dispõe? E qual a problemática de tipificar suas condu-
tas de acordo com os crimes de apologia ao delito e associação criminosa?
Articula-se a seguir a hipótese de que essa juventude não está fechada em si mesma,
pois no mínimo tenciona a possibilidade de vivenciar a cidade. Esse anseio, todavia, se mani-
festa em lógica particular, ininteligível aos códigos dominantes e que não quer ela própria se
fazer compreender, pois representa justamente uma ruptura com esses códigos. E é possível
que a forma como os pixadores se relacionam com a cidade de Goiânia e os modos de repres-
são que lhes foram dirigidos suscitem uma privilegiada compreensão de como os conflitos
sociais se estruturam simbolicamente no (e em disputa pelo) tecido urbano.
Dentro dessa perspectiva, contextualizar o caso no âmbito das atuais teorias sobre a
punição na contemporaneidade e reconhecer nas ações dos pixadores talvez represente uma
maneira de desvendar como os indivíduos que se colocam contrários às regras da sociedade
mesmo sem explicitá-lo em formulações convencionais podem ser objetivamente compreen-
didos: enquanto agentes que desestabilizam a ordem vigente justamente porque explicitam
seus mecanismos ideológicos quando a provocam a atuar sobre si próprios, mobilizando o
aparato punitivo do Estado e dos discursos que lhe legitimam.

JUVENTUDE, PIXO E CIDADE


A juventude tem tradicionalmente sido registrada como problema social. Nesse sen-
tido, estudos apontam que de modo geral as “diferentes juventudes” brasileira enfrentam
dificuldades em suas vivencias politicas, econômicas e sociais (OLIVEIRA, 2013; SOFIATI,
2013). Os autores relatam que tanto a problemática da implementação das politicas públicas
para/com a juventude, assim como a entrada e permanência no mercado de trabalho formal
até o alto índice de vitimas de homicídio nesse grupo permanece com certa invisibilidade.
Entretanto, no que tange as politicas penais e criminais a juventude tem marcado pre-
sença, principalmente em índices. Dados do fórum de segurança pública11 apontam que os
jovens são o grupo mais afetado pela violência. A exposição da juventude brasileira à violên-
cia significa que os jovens são as maiores vítimas e também frequentes autores dos homicí-
dios, além de estarem envolvidos na prática de outros crimes, o que aponta a necessidade de
elaborar políticas públicas direcionadas menos na repressão e mais focada na prevenção para
este seguimento12.
É notório que a cidade de Goiânia, assim como outras capitais brasileiras, tenha
demarcado seus espaços de segregação social, racial e econômica (FRATARRI, 2013). Nessa

11 Para maiores detalhes acessar; http://www.forumseguranca.org.br/storage/publicacoes/lote_02_2016_12_12/


FBSP_Cartilha_tematica_policia_juventude_SD.pdf
12 Para uma discussão mais aprofundada sobre o tema da juventude e violência ver: Ferreira, Thaisa da Silva.
Narrativas de jovens sobre percepções de violência em bairros periféricos da cidade de Salvador. Dissertação.
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais, UFBA, 2016.

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perspectiva, a forma de como a juventude acessa a cidade pode ocorrer fora das expectativas
da população mais favorecida e estabelecida. Sendo assim, a pixação vem a ser uma das pos-
sibilidades da juventude adentrar uma cidade que não oportuniza a vivencia de forma igua-
litária, principalmente nos espaços públicos onde se concentram os equipamentos culturais.
Outra questão que envolve a juventude goiana é a mobilidade e o acesso à cidade de forma
mais igualitária, sabe-se que o transporte público que a cidade oferece é precário e nesse sen-
tido, importantes manifestações juvenis já foram palco de muita violência, mas também de
algumas conquistas.
Todas essas questões são importantes para dimensionar a resistência que o estado tem
em dialogar com a juventude e pode nos dar pistas de porque grupos de pixadores são alvo
de tanto controle estatal e consequentemente objeto privilegiado da cultura do controle.
Entretanto, a questão não se encerra em uma juventude somente “vítima” ou vencida pela
cultura do controle, se trata de uma juventude que também é reativa. O ato de pixar é um ato
que comunica por excelência. Mas o que exatamente informa um pixo no muro, na porta do
comércio, na estatua da praça e em espaços de visibilidade dos transeuntes?
Os pixadores compreendem que a pixação não é aceita por maior parte da sociedade,
os mesmos se veem como transgressores, mas percebem uma lógica no ato de pixar (Pereira,
2010). Eles não se sentem pertencentes a sociedade e tão pouco estão de acordo com o sis-
tema vigente, contudo tentam uma comunicação entre seus iguais e por vezes alguma inter-
venção com os transeuntes, pois a escrita na pixação não é de simples compreensão para os
demais e essa incompreensão é intencional.
Sendo assim, a pixação pode vir a ser uma possibilidade de estar na cidade de jovens
que de outra forma não conseguiriam acessa-la. Ou talvez de se comunicar entre seus iguais
na tentativa de criar espaços possíveis. Para os jovens pixadores o mais importante é trazer
sua escrita e comunicar com outros grupos de pixadores e forçar uma visibilidade muitas
vezes incompreensível para os transeuntes.

ESTADO, JUSTIÇA E CULTURA DO CONTROLE


Segundo o conceito da cultura do controle defendido por Garland (2012, p.55), quanto
mais um governo é punitivo mais ele demonstra suas fraquezas e seus possíveis embara-
ços em relação a sua autoridade. Estratégias punitivas como no caso da penalidade aplica-
da aos jovens pixadores apontam para uma resistência no nível simbólico da não efetivida-
de da autoridade governamental. Para o autor, esse é o drama do controle nas sociedades
contemporâneas13.

13 Garland utiliza o conceito de modernidade tardia, contudo este conceito apresenta algumas complicações.
Wacquant, por exemplo, vai discordar do seu uso e utilizar “neoliberalismo”, principalmente porque explica
melhor a realidade de capitais em “desenvolvimento” como as brasileiras (2015, p. 19). No entanto, não há
aqui espaço para discutir suficientemente bem esses conceitos e por isso utilizo a nomenclatura “sociedades
contemporâneas”.

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ANAIS DO II SIMPÓSIO NACIONAL APROXIMAÇÕES COM O MUNDO JUVENIL
Juventudes e ações coletivas contemporâneas

No caso da pixação, essas ações são entendidas como uma prática ilícita que atenta
contra o patrimônio público ou contra a propriedade privada. A defesa da propriedade pri-
vada é tradicionalmente uma demanda da classe média e, nesse sentido, os reclamantes da
pixação são moradores dos setores14 da classe media Goiana que mobilizam a justiça através
do Ministério Público para reagir com medidas que criminalizam penalmente tais jovens.
Sustentam um discurso de que esses jovens devem ser criminalizados e seu acesso e perma-
nência nos espaços públicos devem ser restringidos com ações coercitivas.
Em matéria jornalística citada acima os pixadores são assimilados ao tráfico de drogas
o que permite e mantem um imaginário de juventude criminosa e perigosa sustentando as-
sim a sensação de medo na população. O delegado que acompanha o caso mencionou: “Eu
não tenho dúvidas que tirando o jovem da pichação também estamos tirando das drogas
porque a maioria deles está envolvida com tráfico também”15.
Garland (2012, p.57) aponta que foi no período moderno e suas muitas transforma-
ções sociais/econômicas/políticas que se verificou a ocorrência de uma série de mudanças
nas percepções oficiais do crime e no discurso criminológico, assim como, nos modos de
ação governamental e na estrutura da organização da justiça criminal. Nesse sentido, o autor
aponta que a partir dessas percepções sobre o crime e do aparato do estado (órgãos judiciais)
foi possível a construção de uma falsa ideia (o mito) de que o Estado é capaz de prover segu-
rança, lei e ordem e controle do crime dentro de seus limites territoriais.
Para o autor, os estados, no intuito de manter esses discursos, promoveram uma “mas-
siva expansão do encarceramento” que ocorreu em muitos países e paralelamente também
surgiram movimentos que tendem a uma direção diferente e operam com outra racionalida-
de. Foram as chamadas “adaptações”. Essa nova racionalidade é reconhecida como os “novos
modos de operar/governar o crime” ou as “novas criminologias da vida cotidiana” elas par-
tem da premissa do crime como uma continuidade ou como uma a interação social normal
– por isso adaptações (Garland, 2012, p. 63).
Corroborando com Garland e pensando o Estado brasileiro a partir da experiência
dos jovens pixadores, a justiça primeiramente situou esses indivíduos no Código Penal, com
direito a encarceramento para demonstrar um estado forte e que mantinha o controle, entre-
tanto ocorreu a percepção que o “encarceramento em massa” também resultou um descon-
trole e uma não efetividade que se supunha. E em um segundo momento, optou por aplicar
o “recolhimento domiciliar”, que não deixa de ser uma punição e que demonstra o poder e o
controle estatal em suas “adaptações” ou em “novas maneiras de governar”.

14 Segundo a reportagem do Jus Brasil, os setores frequentados pelos jovens foram: Bueno, Jardim América,
Centro, Campinas, Parque Atheneu, Novo Horizonte, Nova Suíça e Pedro Ludovico.
15 (...) a dramaturgia da manutenção da lei-e-ordem deu lugar a um teatro cívico, em cujo palco funcionários
escolhidos manifestam-se arrogantemente para dramatizar normas morais e demonstrar sua capacidade con-
fessa por ação decisiva, reafirmando, por conseguinte, a relevância política do Leviatã no exato momento em
que organizam sua impotência diante do mercado. (WACQUANT, 2015, p. 15).

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ANAIS DO II SIMPÓSIO NACIONAL APROXIMAÇÕES COM O MUNDO JUVENIL
Juventudes e ações coletivas contemporâneas

Ainda nessa perspectiva, o autor também aponta que as altas taxas de criminalidade
geram problemas de sobrecargas e legitimidade nas agencias estatais (policia, tribunais, pri-
sões, serviço de condicional etc.) e nesse aspecto, a redução do uso de penalidade de encar-
ceramento para delinquentes juvenis foi e ainda é uma estratégia que soluciona a questão da
legitimidade e o aumento do trabalho nas agencias estatais de combate ao crime (Garland,
2012, p. 69).
Essa estratégia possibilitou uma mudança na percepção de como gerenciar o crime e
nesse aspecto, tal gerenciamento dialoga também com questões econômicas nos recursos
públicos para a segurança e que tencionará o planejamento do estado. No caso do Ministério
Público de Goiás em relação aos jovens pixadores se trata de submetê-los a diferentes tipos de
controles com o menor gasto econômico e por isso o uso do recolhimento domiciliar.
O recolhimento domiciliar corresponde á uma adaptação no sistema penal de uma so-
ciedade como a brasileira que tem uma elevada taxa de criminalidade e de encarceramento.
Essa medida diminui o “volume” no que o sistema de justiça entende como “comportamentos
criminais” essa medida pode ser definida, segundo Garland (2012, p.71) como “redução às
definições de desvios” e que se faz possível em um contexto cultural no qual a criminalização
de infrações entendidas como “menores” é frequentemente vista como contra produtivas e
por um contexto burocrático no qual tal criminalização é tida como um gasto desnecessário,
pois o encarceramento se torna cada vez mais custoso aos governos. Sendo assim, serão as
medidas cautelares utilizadas pelo sistema de justiça como uma forma de reduzir gasto pú-
blico e aumentar a “performance governamental”.
A forma de como o Estado atua com suas políticas de segurança pública somente tem
sentido se pensarmos em qual economia estamos inseridos. No caso brasileiro com o sistema
capitalista neoliberal, onde o mercado é cada vez mais exigente e as politicas sociais cada
vez mais restritivas, a juventude (empobrecida) que não se insere no mercado de trabalho
possivelmente será direcionada às politicas públicas de segurança. Existe uma demanda por
segurança e politicas públicas de segurança onde o jovem de sexo masculino, negro e mora-
dor de periferia é um alvo em especial.
A especificidade dessa juventude, no caso os pixadores, pode ser analisada no que
Garland (2012, p.77) vai chamar de “criminologia do outro”. Desse modo, os jovens pixado-
res passam a ser tratados como o “outro diferente” e que representa perigo a sociedade, ele é
a representação do individuo perigoso, criminoso com suas diferenças raciais e sociais e que
se assemelha muito pouco com os cidadãos de bem. Essa criminologia trabalha predominan-
temente com “aparências” e menos com análises ou pesquisas que detectam a real situação
de criminalidade num dado contexto social possibilitando assim uma demanda por mais
segurança e policia ostensiva.
Essa demanda por segurança faz sentido principalmente nos dias atuais em que con-
vivemos na presença da chamada “sensação de insegurança” e nesse aspecto, é perceptível
como o discurso do “combate ao crime” é fortemente reproduzido pelos meios de comuni-
cação e que nem sempre dialoga com os índices oficias de violência e criminalidade de uma

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ANAIS DO II SIMPÓSIO NACIONAL APROXIMAÇÕES COM O MUNDO JUVENIL
Juventudes e ações coletivas contemporâneas

dada cidade. De alguma maneira, as modificações nas práticas penais e nas políticas de se-
gurança podem ser entendidas como resultado do crescimento do sentimento do medo e da
insegurança diante da emergência de novas formas de violência.
Para Wacquant (2012, p.13) as técnicas para administrar a marginalidade nas metrópo-
les também estão relacionadas á cultura de controle e, nesse sentido, a questão penal (e tudo
que envolve tal questão) é tratada no sistema econômico que vivemos; o capitalismo neolibe-
ral e que resulta em um governo que emerge da insegurança social. Portanto, a “sensação de
insegurança” é parte da engrenagem estatal. Ela tem sentido em existir.
O autor aponta que a prisão e a cultura de controle é uma resposta relacionada majori-
tariamente com a sensação de insegurança das classes médias e menos relacionada com a
questão do crime efetivamente. No caso da cidade de Goiânia, a insegurança social por parte
da classe media tem a ver com a propriedade privada. E talvez por isso o sistema de repressão
penal (Polícia Militar, Polícia Civil, Ministério Público etc.) dedique tanto tempo e energia
em perseguir ações da ordem da pixação.
Nessa perspectiva, Wacquant (2012) defende que existe uma forte tendência a penali-
zação da pobreza para conter as chamadas “desordens urbanas” e essa penalização ocorre por
uma consequente desregulamentação econômica. O autor ainda afirma que muitos países
vivem uma economia neoliberal e que nesse contexto as politicas sociais/econômicas são
prioritariamente dependentes do mercado e da mercantilização do capital. Dessa forma, a
dinâmica estatal é de menos Estado e mais Mercado, sendo assim as politicas sociais são deli-
beradamente diminuídas para as classes mais necessitadas e o mercado absorve uma minoria
pertencente às classes mais abastadas, resultando assim em uma maior desigualdade social
onde a classe destituída de emprego é automaticamente “selecionada” para o atendimento da
justiça penal.
Contudo, essa forma de gerir a pobreza se desdobra em outras possibilidades de ges-
tão, para o autor existe uma expansão da prisão a partir de outras formas que não o simples
confinamento, como por exemplo, a liberdade vigiada, liberdade condicional, base de dados
de criminosos, discursos sobre o crime e difamação pública dos agressores. E nesse aspecto,
o Ministério público de Goiás cumpre com essa nova forma de punir e punir de forma “bran-
da”: o recolhimento. Sendo assim, tal ação desloca o que antes era encarceramento para uma
forma de expansão da prisão e paralelamente tranquiliza a classe média quanto aos seus bens
privados dando a sensação provisória de segurança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do acesso aos autos dos processos dos jovens denunciados é possível afirmar
que pertencem a uma juventude empobrecida, moram em setores periféricos ou distantes do
chamado “centro” de Goiânia. São trabalhadores de espaços informais e que não concluíram
ou não possuem o ensino médio completo. Em seus relatos apontam a prática da pixação

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

como possibilidade de lazer e possibilidade de ocupar espaços públicos na região central e


nos setores mais privilegiados de equipamentos culturais.
Nesse aspecto existe um deslocamento entre politicas sociais para políticas penais.
Quanto mais “governo da insegurança social” mais “politicas punitivas” são acionadas e re-
clamadas pela população e isso se tornou um modelo estatal, ou seja, é uma forma de gestão
do Estado.
O recolhimento domiciliar de jovens pixadores se insere nessa lógica. No intuito de
trazer mais segurança para a cidade e deixar a classe media tranquila quanto aos seus bens
e ao mesmo tempo é possível que o Estado consiga gerenciar o acesso de jovens aos espaços
públicos da cidade sem precisar priva-los totalmente de liberdade – forma mais barata e efi-
ciente de controle.
Os efeitos desta nova realidade, todavia, se fazem sentir pelo jovem. Embora ela não
implique o acesso imediato na prisão, procede-se ao seu registro, o que permite intimidá-lo
com a ameaça de pena futura, caso ele torne a ser selecionado. E as penas a cumprir não
seriam aquelas correspondentes à pixação em si – mas tudo o que a envolve: a reunião para
combinar novas ações, uma associação criminosa; o elogio e a celebração da identidade, con-
sideradas apologia ao delito.
Se por um lado o estado e parte da sociedade gerencia e controla o acesso a cidade de
uma juventude específica, por outro, percebe-se também que por meio da prática da pixação,
tais indivíduos transcendem seus locais de origem e suas condições originais para ocupar
outros espaços, modificando e apropriando-se deles para ali deixarem suas marcas.

REFERÊNCIAS

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público em São Paulo. Revista Novos Estudos, CEBRAPE, nov. 2012. Disponível em: http://www.scielo.br/
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2013. Tese (Doutorado em Sociologia). Universidade de Brasília.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

(IN)VISIBILIDADE DOS ENCARCERADOS JUVENIS:


PAPEL DA EDUCAÇÃO NÃO FORMAL
COM LIDERANÇAS JOVENS CRISTÃS

Thiago Eduardo Freitas Bicalho1


Pós graduando em Juventude no Mundo Contemporâneo (FAJE)
[email protected]

Estudou-se as visões e perspectivas que as lideranças jovens cristãs tem sobre um processo de educação não
formal intermediado por uma instituição religiosa brasileira. O objetivo da pesquisa é compreender o papel da
educação não formal na percepção de jovens em situação de invisibilidade social e analisar uma experiência
com lideranças jovens cristãs. Optamos para o desenvolvimento deste estudo uma proposta de análise descriti-
va que mescla elementos qualitativos e quantitativos, uma pesquisa de campo de cunho exploratório-descritivo
combinado empregando as técnicas de observação direta intensiva (observação assistemática, participante, in-
dividual e da vida real) e observação direta extensiva (questionário) para a coleta de dados. Em uma abordagem
conceitual investiga-se a racionalização, invisibilidade, jovens encarcerados e a educação não formal. A investi-
gação aponta que a percepção das lideranças jovens cristãs sofreu releituras, como visto nos relatos feitos sobre
os jovens encarcerados, todavia, faz-se necessário um acompanhamento destes participantes para saber os des-
dobramentos das experiências vivenciadas durante o encontro. Constata-se o poder transformador da educação
não formal sob a percepção das realidades juvenis visto que existem muitas situações que são desconhecidas por
parte dos jovens e, de maneira específica, das lideranças cristãs.

Palavras-chave: Juventude. Invisibilidade social. Educação não formal. Formação humana. Liderança jovens
cristãs.

INTRODUÇÃO
Este trabalho é fruto de uma investigação associada a discussões realizadas na espe-
cialização em juventude no mundo contemporâneo, correlacionando o fenômeno religioso,
o processo formativo e os direitos humanos. Estudou-se as visões e perspectivas que as lide-
ranças jovens cristãs tem sobre um processo de educação não formal intermediado por uma
instituição religiosa brasileira. Analisa-se especificamente uma atividade de educação não
formal que apresenta a realidade de jovens encarcerados em centros socioeducativos2, con-
templando especificamente, assessoria e a visita em uma unidade de internação localizada no
Distrito Federal.

1 Pós-graduando em Juventude no Mundo Contemporâneo pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia


(FAJE), Bacharel em Turismo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Técnico em Guia de
Turismo pelo Senac Minas. Tem experiência no mercado de turismo e com processos de educação não-for-
mal no âmbito ambiental, patrimonial/artístico e religioso. Áreas de interesse: Turismo, Educação Não-formal,
Juventude, Comunicação e Cultura.
2 Unidades de internação para ressocialização de adolescentes e jovens infratores.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

Sendo assim, a pesquisa adota como tema a formação humana – por meio da educa-
ção não formal – de lideranças jovens cristãs tendo como princípio o olhar sobre realida-
des juvenis de invisibilidade social. A juventude contemporânea se organiza para promover/
modificar ações através da coletividade, o que relacionado com o tema deste artigo, levanta
um questionamento a ser respondido: um encontro de lideranças organizado por jovens em
conjunto com uma instituição religiosa, contribui para a diminuição da invisibilidade social
dos jovens encarcerados na visão de jovens lideres cristãos?
O objetivo buscado durante a pesquisa foi compreender o papel da educação não for-
mal na percepção de jovens em situação de invisibilidade social e analisar uma experiência
com lideranças jovens cristãs.

METODOLOGIA
Optamos para o desenvolvimento deste estudo uma proposta de análise descritiva que
mescla elementos qualitativos e quantitativos, além, de várias técnicas de coleta de dados.
Dá-se uma ênfase na abordagem qualitativa para a obtenção dos dados pelo pesquisador
sobre a situação de estudo visto a necessidade de compreender os processos envolvidos na
percepção dos jovens.
A pesquisa de campo é de cunho exploratório-descritivo combinado, que têm por ob-
jetivo descrever completamente determinado fenômeno. Por meio de descrições, ora quan-
titativas e outrora qualitativas, obtém informações detalhadas mesclando as técnicas de ob-
servação direta intensiva, observação direta extensiva e questionários. (LAKATOS, 2003).
A técnica de observação que foi empregada nesta pesquisa é assistemática, participan-
te, individual e da vida real. Lakatos (2003) destaca estas técnicas como:
1. Assistemática - registro espontâneo dos fatos, sem utilização de meios técnicos
especiais;
2. Participante - participação real do pesquisador com o grupo pesquisado;
3. Individual - realizada por um pesquisador; e
4. Da vida real - realizada em ambiente real na medida que os fatos ocorrem.

Adotou-se também, para a coleta de dados, a distribuição de um questionário compos-


to de sete (7) perguntas abertas para livre redação dos jovens participantes que compõem o
objeto de estudo.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

RACIONALIZAÇÃO, INVISIBILIDADE E JOVENS ENCARCERADOS


Como prerrogativa deste estudo que pretende analisar a visibilidade ou a invisibilidade
dos encarcerados juvenis, devemos investigar as relações de poder presentes no estado e o
que caracteriza a existência/necessidade de manter um cárcere.
Max Weber, um dos grandes referenciais das ciências sociais aponta indícios da buro-
cracia3 nas relações sociais da sociedade moderna que condiciona o indivíduo a racionali-
zação. Afirma que “as burocracias tendem a produzir organizações hierárquicas impessoais,
com procedimentos padronizados que sobrepõe ao individualismo” (THORPE et al., 2015, p.
42). Em um sistema de reclusão – como as prisões e os centros socioeducativos - o processo
de racionalização elevada promove uma padronização dos jovens, suprimindo muitas vezes
suas individualidades, desejos e projeções futuras.
Podemos relacionar tais organizações hierárquicas com o estado e sua forma de mani-
festação de poder, sejam por meios econômicos, sociais, políticos, religiosos e outros. Michel
Foucault apresenta uma maneira de relacionar a racionalização e o poder ao afirmar que
primeiramente para investigar a racionalização deve-se partir das racionalidades específicas
ao invés da racionalização geral, ou seja, consiste em usar as formas de resistência contra as
diferentes formas de poder como um ponto de partida. (FOUCAULT, 1995)
Foucault afirma que as relações de poder em uma sociedade não podem ser analisadas
por meio de instituições, e sim, no conjunto de redes sociais. Necessita considerar o sistema
de diferenciações que permite agir sobre a ação dos outros; o tipo de objetivos perseguidos
por aqueles que agem sobre a ação dos outros; as formas de institucionalização e os graus de
racionalização. (FOUCAULT, 1995)
Com a interpretação de Foucault instituições como escolas e prisões extrapolam a ideia
de existir apenas para evitar a recorrência de ações por parte das pessoas, sendo que

tais instituições não apenas elimina a possibilidade de transgressão,


como também oferecia as condições pelas quais a conduta das pes-
soas pudesse ser corrigida e regulada e, acima de tudo, monitorada e
controlada. (THORPE et al., 2015, p. 54)
No contexto destas instituições, porém com o foco nos sujeitos jovens nela(s) presen-
te(s), esta investigação propõe-se a compreender a (in)visibilidade dos jovens encarcerados
em sistemas socioeducativos na perspectiva de lideres jovens cristãos.
Tratando de invisibilidade, Soares (2004) afirma que há muitos modos de ser invisível
e várias razões para sê-lo. [...] a invisibilidade decorre principalmente do preconceito ou da
indiferença.

3 Burocracia definida por Max Weber como um sistema de organizações caracterizado por uma hierarquia de
autoridades ligadas a regras, que mantém registros detalhados de tudo o que fazem. (THORPE et al., 2015, p.
340).

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

Em seu artigo, o autor apresenta inúmeros estigmas que nos leva a diluir/anular a iden-
tidade do outro caminhando para os conceitos prévios sobre o sujeito, conhecidos como, pre-
conceitos. A outra forma comum de invisibilidade parte da indiferença com os miseráveis,
com os jovens pobres e encarcerados, que permanecem invisíveis perante os seres socialmen-
te visíveis. (SOARES, 2003)
Seguindo a percepção sobre a invisibilidade da juventude no Brasil contemporâneo

O fato é que há indiferença, e ela, assim como o preconceito, enco-


bre, sob um manto imperceptível, meninos e meninas pobres, espe-
cialmente negros. Indiferença gera invisibilidade. Resultado: jovens
transitam [ou não, no caso dos encarcerados] invisíveis pelas grandes
cidades. (SOARES, 2004, p. 136)
Para abordar a visibilidade e a luta por reconhecimento, apresentamos a discussão so-
bre o direito ao reconhecimento e o direito à redistribuição feita por Zygmunt Bauman em
sua obra Comunidade: A busca por segurança no mundo atual. O autor afirma que a situa-
ção social ficou irreconhecível devido ao fato da luta pela “questão do reconhecimento” são
apresentadas hoje sem referencia a redistribuição, ou melhor, sem a busca da justiça distribu-
tiva. Como justificativa, utiliza-se o argumento de que é assegurado legalmente o direito de
escolha que torna cada sujeito livre para escolher – o que na pratica não é o caso. (BAUMAN,
2003)
Desta forma,

no caminho de uma versão “culturalista” do direito humano ao reco-


nhecimento, a tarefa não realizada do direito humano ao bem-estar e
a uma vida vivida com dignidade se perdeu. (BAUMAN, 2003, p. 81)
Na perspectiva dos jovens encarcerados o direito ao reconhecimento não deve ser
dissociado do direito a redistribuição, visto que as realidades presentes na juventude são
múltiplas e individualizadas.
Para aproximar/contextualizar o tema na realidade brasileira trazemos a autora Vera
Malaguti em sua pesquisa sobre as drogas e a juventude pobre no Rio de Janeiro. Malaguti
afirma que 49% dos jovens que ingressam no sistema carcerário estão envolvidos com drogas,
entretanto, conclui que existe uma diferença de tratamento entre os jovens ricos e os jovens
pobres reforçando a ideia do problema não ser a droga em si, mas o controle específico da-
quela parcela da juventude considerada perigosa (BATISTA, 2003).
No contexto da obra de Malaguti, o preconceito e a indiferença com o jovem parte de
um

esteriotipo de bandido [...] na figura de um jovem negro, funkeiro,


morador de favela, próximo do tráfico de drogas, vestido com tênis,
boné, cordões, portador de algum sinal de orgulho ou de poder e de

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

nenhum sinal de resignação ao desolador cenário de miséria e fome


que o circunda. (BATISTA, 2003, p. 36)
A sobreposição do auto gral de racionalização nos sistemas socioeducativos e o papel
das instituições em coibir, regular, monitorar e controlar as ações dos jovens encarcerados
somado com o preconceito e a indiferença gera uma luta quase que perdida pelo direito ao
reconhecimento, muitas vezes sendo negligenciado a condição social do sujeito jovem que
encontra-se encarcerado.

EDUCAÇÃO NÃO FORMAL: FORMAÇÃO HUMANA


DE LIDERANÇAS JOVENS CRISTÃS
A compreensão de educação não formal pode ser confundida com a educação infor-
mal, o que conduz o início desta seção com a diferenciação entre as duas temáticas. Entende-
se por educação informal a

forma de aprendizagem e conhecimentos a percepção gestual, moral,


comportamentos, provenientes de meios familiares, de amizade, de
trabalho, de socialização, midiática, nos espaços públicos em que re-
pertórios são expressos e captados de formas assistemáticas. (PARK
& FERNANDES, 2007)
Ou seja, aqueles aprendizados não sistematizados apreendidos ao longo da socializa-
ção são enquadrados na educação informal. Já a educação não formal tem outra dimensão,
segundo Maria da Gloria Gohn (2006) a educação não-formal é aquela que se aprende “no
mundo da vida”, via os processos de compartilhamento de experiências, principalmente em
espaços e ações coletivos cotidianas. Destaca-se pela sua estrutura, conteúdo e investimento
temporal, sendo possível considerar que

as metodologias operadas no processo de aprendizagem parte da cul-


tura dos indivíduos e dos grupos [no caso desta pesquisa, o jovem].
O método nasce a partir de problematização da vida cotidiana; os
conteúdos emergem a partir dos temas que se colocam como neces-
sidades, carências, desafios, obstáculos ou ações empreendedoras a
serem realizadas. (GOHN, 2006, p. 31)
A noção de educação não formal aproxima-se bastante do trabalho com jovens junto
as pastorais e instituições religiosas. Jorge Boran4 pretende, em um de seus livros, apresentar
uma nova metodologia de trabalho com juventude pautada em várias ações distintas.

4 Sacerdote, pela Congregação do Espírito Santo. Especialista internacional na área de capacitação de líderes e
Pastoral da Juventude. Doutor na área de liderança comunitária pela Universidade de Fordham (EUA). Autor de
importantes livros sobre a juventude em português, inglês, espanhol, alemão e ucraniano. (CCJ, 2017)

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

Em suas afirmações iniciais, Boran relata a necessidade de ter clareza do objetivo e,


consequentemente, aponta o caminho na educação não formal dizendo que a metodologia
da pastoral é diferente [da educação formal de escola]; é de educação não formal (BORAN,
1994, p. 188).
Como experiência de educação não formal analisada neste artigo temos o IV Encontro
Provincial de Lideranças Juvenis, promovido pela Pastoral Juvenil Estigmatina da Província
São José - JUVEST.
O primeiro curso foi realizado em 2014, com o intuito de reunir as lideranças jovens
para uma formação humana e uma vivência espiritual baseada nos carismas de São Gaspar
Bertoni, patrono da congregação.
A segunda edição seguiu a metodologia do Curso de Dinâmicas para Lideres – CDL,
criado pelo Jorge Boran e executado em parceria com o Centro de Cursos de Capacitação da
Juventude – CCJ.
Na terceira edição tornou-se um Encontro de Capacitação dos Líderes Jovens
Estigmatinos, distanciando um pouco da metodologia e dos objetivos do CDL proposto no
segundo encontro.
A quarta edição foi organizada pela JUVEST em uma nova estrutura. Sua composição
era de religiosos estigmatinos e, no ano de 2017, foi reestruturada e passou a ser composta
por 02 religiosos e 03 jovens estigmatinos leigos. Com uma nova organização, foram repen-
sados os objetivos e traçado um plano de trabalho que favorecesse uma estrutura de apren-
dizagem e troca de conhecimento que assemelha com a proposta de educação não-formal e
contempla uma aproximação com a temática trabalhada.
Os participantes da formação são oriundos de 07 estados brasileiros, incluindo o
Distrito Federal. As cidades são predominantemente urbanas com exceção de algumas rea-
lidades rurais sendo, portanto, 10 cidades5 representadas. A determinação das cidades de
origem dos jovens foi de acordo com a presença de obras missionárias da congregação estig-
matina na Província São Jose.
Com o tema “Encarceramento Juvenil” o encontro teve como objetivo apresentar a rea-
lidade de jovens menores infratores que estão no sistema socioeducativo com uma perspecti-
va desafiadora de ecoar vozes de defesa pela vida destes jovens e lutar por possíveis meios de
transformação destas realidades.
Na sequencia desta investigação, pretende-se apresentar os resultados obtidos por meio
da observação realizada e uma analise descritiva das respostas apontadas no questionário.

5 As cidades representadas foram Belo Horizonte/MG, Brasília/DF, Goiânia /GO, Goiatuba/GO, Morrinhos/
GO, Palmas/TO, Panamá/GO, Rio de Janeiro/RJ, Uberaba/MG e Várzea Grande/MT.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

RESULTADOS
O IV Encontro Provincial de Lideranças Juvenis ocorreu durante três dias. O primeiro
dia foi destinado a um olhar sobre a realidade através de partilhas sobre fatos pessoais e vivên-
cias jovens e sobre as juventudes presentes nos territórios de procedência dos participantes.
O segundo dia iniciou com a visita a um centro socioeducativo6 localizado no Distrito
Federal, colocando as lideranças jovens cristãs em contato direto com os jovens encarcera-
dos. Algo que se refletiu nos questionários, visto que 100% dos jovens que responderam7 o
questionário visitaram um centro socioeducativo pela primeira vez durante o encontro.
Cabe ressaltar que o sistema socioeducativo no Distrito Federal acumula as competên-
cias de estado e município por ser uma unidade federativa, tendo como responsabilidade a

execução das medidas socioeducativas de Prestação de Serviços


à Comunidade (PSC), Liberdade Assistida (LA), Semiliberdade e
Internação, todas sob responsabilidade da Secretaria de Estado da
Criança, mais especificamente da Subsecretaria do Sistema Socioe-
ducativo - Subsis. (GOVERNO DE BRASÍLIA, 2018)
Outro aspecto relevante a visibilidade dos jovens encarcerados é que apenas 27% das
lideranças jovens cristãs já haviam conversado com um jovem/adulto em cumprimento de
medidas socioeducativas/reclusão, os outros 73% nunca haviam conversado com um jovem
encarcerado até a realização do encontro.
O fato das lideranças jovens cristãs nunca terem visitado um centro socioeducativo e
mais de 70% delas não conhecer um jovem encarcerado apresenta um indicativo da existên-
cia da invisibilidade social destes jovens internos. Uma das lideranças jovens cristãs realizou
a seguinte afirmação

Sendo sincero, eu não sabia que existia unidades socioeducativas, pra


mim na minha concepção existia somente cadeias independente da
idade ou não. Então eu não tinha uma visão sobre eles, somente fui
com o meu coração para ouvir, sorrir e acima de tudo não julgar.
(J09)
Quando os jovens foram questionados sobre a visão que tinham dos jovens encarcera-
dos foi possível identificar quatro grupos:
1. Os que conheciam os jovens nesta situação;
2. Os que imaginavam jovens violentos, mal humorados, frios e desrespeitosos;
3. Os que afirmaram ter uma visão influenciada pela mídia; e

6 Para efeito de sigilo o nome da unidade de internação não será citado nesta investigação.
7 Dos 27 jovens que participaram do encontro, 15 responderam o questionário proposto.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

4. Os que tinham percepções distintas com relação as praticas internas e ao desconhe-


cimento total da realidade.
Com o intuito de identificar se a educação não formal proporcionada as lideranças jo-
vens cristãs contribui para o aumento da visibilidade dos jovens encarcerados analisaremos
a descrição da assessoria técnica realizada no encontro comparando-a com as percepções
relatadas no questionário.
Majoritariamente os participantes elogiaram a assessoria técnica que foi realizada por
um advogado criminal com experiência em advocacia e no Ministério Público. Esta assesso-
ria, segundo os relatos do questionários,

nos ajudou muito refletindo sobre a visita e os fatos que são apresen-
tados e o que verdadeiramente acontece. [João8] falou suscintamente
e explicou importantes ações que influenciam na vida destes jovens,
por isso gostei muito e achei positiva a abordagem. (J08)
O assessor informou que a visita foi conduzida em módulos em que existem internos
de bom comportamento e os alojamentos estavam todos limpos, o que não é a realidade dos
demais módulos/unidades de internação.
Durante a observação realizada do processo, cabe ressaltar que a visita no centro so-
cioeducativo se mostrou superficial, exaltando os pontos positivos. As lideranças jovens cris-
tãs visitaram dois módulos, sendo que no primeiro nenhum jovem encarcerado conversou
com as lideranças. Após questionamento das lideranças jovens, o segundo módulo foi dis-
ponibilizado um tempo maior para dialogo e descobertas da realidade vivida pelos jovens
internos.
Durante a observação e no dialogo com os jovens encarcerados foi realizado a seguinte
pergunta aos jovens encarcerados: o que pretende fazer depois de sair? E as respostas foram
“Viajar para fugir dos amigos”; “Não tenho perspectiva nenhuma, quero voltar para a galera”;
“Quer ir embora porque não terá tranquilidade em Brasília”; “É roubar porque é mais fácil”;
e “Eu não sei fazer outra coisa”.
Com estas afirmativas fortes de muitos jovens encarcerados que não alimentam uma
perspectiva de futuro melhor do que a situação na qual tornaram eles internos, uma das lide-
ranças jovens cristãs relatou que

O conceito da palavra de socioeducação que na teoria do projeto dos


centros socioeducativos são muitos discrepantes na pratica, pois é
possível notar a questão da segregação socioespacial no “Lugar” que
é o espaço que o jovem ali tem sua intimidade, ou mesmo a questão
das “turmas” que são divididas entre organizações que levam em con-
ta a regionalização de onde o mesmo residia ou até mesmo a questão

8 Nome fictício para resguardar a identidade do profissional

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

do(s) ato(s) cometidos na sociedade. Também é possível verificar a


questão da reincidência dos crimes, pois, muitos reeducandos pen-
sam que não são capazes de se reeducarem e voltarem a sociedade
de forma a se socializarem com a sociedade. Portanto, fica claro que
muitos voltarão a praticar atos infracionais e até mesmo colocando
suas vidas em risco. Outro aspecto que foi visto na visita é a questão
do infrator não ser aceito pela sociedade, pelo mercado de trabalho e
pelos familiares. (J11)
Após a visita e a assessoria os jovens apresentaram perspectivas diferentes de visão so-
bre os encarcerados juvenis. Isto se deve, de acordo com os relatos do questionário9:
1. Pela oportunidade de olhar para a realidade local vivida pelos internos;
2. Pela mudança de visão obtida através da aproximação com o jovem encarcerado,
desmistificando a visão de jovens extremamente violentos;
3. Reiteraram a necessidade de melhorar seus papeis enquanto cristãos; e
4. Afirmam a possibilidade de escolha dos jovens encarcerados.
De modo geral, a percepção das lideranças jovens cristãs sofreu releituras como visto
nos relatos feitos sobre os jovens encarcerado, todavia, faz-se necessário um acompanhamen-
to destes participantes para saber os desdobramentos das experiências vivenciadas durante
o encontro.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Constata-se o poder transformador da educação não formal sob a percepção das reali-
dades juvenis visto que existem muitas situações que são desconhecidas por parte dos jovens
e, de maneira específica, das lideranças cristãs. A troca de saberes entre os jovens e o encontro
com realidades nacionais promove o dialogo sobre questões estruturais da sociedade e leva o
jovem a um patamar não alcançado em sua localidade territorial.
Esta experiência realizada com as lideranças jovens cristãs incentivou, segundo relatos
do questionário, 60% dos jovens a testemunharem sua experiência e os outros 40% relataram
o desejo em mudar realidades da sociedade e levar outros jovens a ter uma experiência simi-
lar a que tiveram.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BATISTA, Vera Malaguti. Difíceis ganhos fáceis. Drogas e Juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Instituto Carioca de Criminologia, 2003.

9 As opiniões e respostas das lideranças jovens cristãs podem ser conferidas no anexo I.

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ANAIS DO II SIMPÓSIO NACIONAL APROXIMAÇÕES COM O MUNDO JUVENIL
Juventudes e ações coletivas contemporâneas

BAUMAN, Zygmunt. Direito ao reconhecimento, direito à redistribuição. In: BAUMAN, Zygmunt.


Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.

BORAN, Jorge. O futuro tem nome: juventude - sugestões práticas para trabalhar com jovens. São Paulo:
Paulinas, 1994.

CCJ. Centro de cursos e capacitação da juventude – equipe. Disponível em: < http://ccj .org.br/ccj/equi-
pes/ccj/>. Acesso em: 08 nov. 2017

FOUCAULT, Michel. O sujeito e o poder. In: DREYFUS, H.; RABINOW, P. Michel Foucault, uma traje-
tória filosófica. Rio de Janeiro: Forense universitária, 1995.

GOHN, Maria da Gloria. Educação não formal, participação da sociedade civil e estruturas colegiadas nas
escolas. Ensaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v.14, n.50, p. 27-38, jan./mar. 2006.

GOVERNO DE BRASÍLIA. Subsecretaria do sistema socioeducativo – subsis: apresentação. Disponível


em: <http://www.crianca.df.gov.br/subsis/apresentacao.html>. Acesso em: 05 fev. 2018.

LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.

PARK, Margareth Brandini. FERNANDES, Renata Sieiro. Para saber a diferença entre a educação não-
formal e a educação informal. Jornal da Unicamp. Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2007.

SOARES, Luiz Eduardo. Juventude e violência no Brasil contemporâneo. In: NOVAES, Regina;
VANNUCHI, Paulo (orgs.). Juventude e sociedade: trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo:
Perseu Abramo, 2004.

THORPE, Christopher (et. al.). O livro da sociologia. 1ª ed. São Paulo: Globo Livros, 2015.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

ANEXO I
Respostas das lideranças jovens cristãs sobre
como visualizam os jovens encarcerados
Antes da visita Após a visita
Jovem 01 (J01) Jovens muito violentos, fechados que não Pude ver que são abertos a dialogo.
davam abertura para dialogo.

Jovem 02 (J02) A minha visão era bem caricata, pro- A visita transformou minha visão no sentido de
jetando de forma televisiva os jovens perceber que aqueles jovens são muito carentes e
encarcerados. sofreram muito na vida, principalmente no âmbito
familiar. Contudo minha visão aqui não é utópica
pois sei que eles tem algumas oportunidades, que
tem que partir deles a vontade

Jovem 03 (J03) Uma visão passada pela mídia Conhecer a realidade dos jovens e também dos
trabalhadores do local

Jovem 04 (J04) Eu já tinha uma visão, pois eu já convivi Acho que precisamos evangelizar mais, amar meu
com alguns jovens. próximo, levar a palavra de Deus.

Jovem 05 (J05) De que eram menores infratores (o que O meu ponto de vista, e o meu receio, e a “quebra”
realmente são) do meu preconceito a respeito dos encarcerados.

Jovem 06 (J06) Uma visão julgadora ao que diz respeito Uma nova realidade, após ter dado a oportunidade
à situação de esclarecimento e do conhecimento sobre esta
realidade.

Jovem 07 (J07) Tinha uma visão um pouco diferente do Mudou minha visão, vi como as coisas são realmen-
que eu vi lá, achei que eles ficavam lá sem te feitas e percebi o que eles realmente passam.
nada para fazer, só indo para aulas para
melhorar sua inclusão na sociedade.

Jovem 08 (J08) De que me depararia com jovens desres- A visita e a conversa com os jovens encarcerados e
peitosos, mal comportados e, por vezes, os agentes que trabalhavam na [Unidade] me fize-
após chegar a [Unidade] tive receio de ram refletir melhor sobre a realidade de cada jovem,
como se daria o nosso encontro com não só aqueles que estavam lá. Muda muito visto
aqueles jovens. Ao entrar na unidade sobre o outro
percebi que havia essa preocupação até
pela frieza do espaço

Jovem 09 (J09) Sendo sincero, eu não sabia que existiam Após a visita vi que o que faço ainda é pouco, que
unidades socioeducativas, pra mim na tudo que já fiz como jovem evangelizador e revo-
minha concepção existia somente cadeia lucionário ainda não é suficiente, mas é preciso
independente da idade ou não. Então eu caminhar, não vejo a utopia, mas sei que ela existe
não tinha uma visão sobre eles, somente e está a nossa frente. Vi que o mestre está naquele
fui com o meu coração para ouvir, sorrir jovem que sofre, mas é necessário sairmos do nos-
e acima de tudo não julgar. so comodismo e ir ao encontro do mesmo. Vi que
quando muito se julga deixa de amar, carrego no
meu coração cada vez mais o desejo de lutar por um
mundo melhor, assumindo o protagonismo juvenil
e que mais do que fazer ou escrever palavras bonitas
é necessário agir e fazer partindo da realidade que
vivo.

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Jovem 10 (J10) Tinha uma visão que eles eram mal hu- Que são seres que tem sentimentos, são humilde e
morados e que demonstravam tristeza que estão ali por falta de oportunidade.

Jovem 11 (J11) Possuía uma visão empírica sobre a res- O conceito da palavra de socioeducação que na
peito dos jovens em situação de centros teoria do projeto dos centros socioeducativos são
de reclusões socioeducativas, que eram muitos discrepantes na pratica, pois é possível notar
baseados somente em comentários jor- a questão da segregação socioespacial no “Lugar”
nalísticos. que é o espaço que o jovem ali tem sua intimidade,
ou mesmo a questão das “turmas” que são divididas
entre organizações que levam em conta a regiona-
lização de onde o mesmo residia ou até mesmo a
questão do(s) ato(s) cometidos na sociedade. Tam-
bém é possível verificar a questão da reincidência
dos crimes, pois, muitos reeducandos pensam que
não são capazes de se reeducarem e voltarem à so-
ciedade de forma a se socializarem com a sociedade.
Portanto fica claro que muitos voltarão ha praticar
atos infracionais e até mesmo colocando sua vida
em risco. Outro aspecto que foi visto na visita é a
questão do infrator ser aceito pela sociedade, pelo
mercado de trabalho e pelos familiares.

Jovem 12 (J12) Eu não pensava nesta questão, embora Após a visita, eu me senti bastante ligada a toda
soubesse dessa realidade de crime entre aquela situação, porque alguns dos atos que eles co-
os jovens. Eu imaginava que eles eram meteram, não generalizando, foram em momentos
pessoas extremamente frias, sem interes- de vulnerabilidade e toda uma estrutura envolvida
se por fazer algo de bom, eu tinha uma por trás, e comecei a ver que todas as pessoas estão
visão de bandidos e de criminosos mes- sujeitas a coisas que não estão ligadas aos nossos va-
mo, embora tendo a consciência de todo lores cometer um “vacilo”. Eu senti ao ver eles, toda
o sistema falho que vivemos. a falha do sistema, toda a falta de estrutura familiar,
de oportunidades: A minha visão enquanto líder
mudou, principalmente pelo ambiente, porque eu vi
o quanto uma única pessoa pode fazer a diferença
no ambiente que ela está inserida, o quanto pode-
mos humanizar os espaços que vivemos.

Jovem 13 (J13) Jovens encarcerados, na minha opinião Percebi que em uma conversa, embora os atos e a
antes da visita, seriam pessoas completa- condição em que estão, possuímos poucas diferen-
mente fechadas ao dialogo e em grande ças, ainda que também as realidades variam muito,
parte agressivos. os anseios com o futuro predominam. A ocasião
como destacou um jovem no dormitório, propor-
ciona diferentes oportunidades e a escolha diante
delas é sempre difícil e imprecisa e isso caracteriza
certa desesperança na maioria deles.

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Juventudes e ações coletivas contemporâneas

Jovem 14 (J14) Por já conviver com jovens marginali- Mudou a minha percepção. Ao me aproximar da
zados no meu meio (bairro, escola) já realidade do encarceramento e ter um contato mais
tinha uma visão realista dos adolescentes próximo de alguns jovens, reforcei minha convicção
e mais próxima da realidade que eles de que meu papel, de liderança jovem cristã, é de
vivem. prevenir e dar a assistência aos jovens de meu bair-
ro, visto que estes jovens que me rodeiam são jovens
vulneráveis. Reforço minha convicção de sair dos
bancos da igreja e me aproximar das nossas realida-
des de bairro.

Jovem 15 (J15) Alguns amigos e colegas do meu tempo Ter a oportunidade de estar no local onde estes jo-
de escola e até mesmo do meu dia-a-dia vens cumprem suas medidas socioeducativas refor-
já estiveram presos. São pessoas que já çou meus pensamentos sobre este assunto. Sempre
me relacionava bem, então já esperava defendi mais direitos para a juventude carente, sou
encontrar na unidade boas pessoas. Ou contrário à redução da maioridade [penal] e estar
um ouvinte de rap, que tem por costume com eles reforça.
de abordar esta realidade em sua letra.

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