Sociolinguística Capítulo1

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Unidade A

Introdução ao estudo da
linguagem no contexto social
Objetivos desta Unidade:

ӲӲ Descrever um panorama dos estudos da língua como um fato


social;

ӲӲ Identificar alguns pressupostos básicos da Teoria da Variação e


Mudança Linguística;

ӲӲ Refletir sobre a questão do preconceito linguístico.

Nesta primeira Unidade, apresentamos a você o quadro geral de


pressupostos teóricos da Sociolinguística Variacionista. No primeiro ca-
pítulo, veremos quais eram as ideias dominantes quanto ao estudo da
variação e da mudança, bem como de que forma outros teóricos, antes
de William Labov (o principal nome da Sociolinguística Variacionista),
buscaram integrar aos estudos linguísticos possíveis influências sociais.
No segundo capítulo, somos apresentados a alguns postulados de Labov
e aos principais conceitos teóricos que os fundamentam, passando inclu-
sive pela discussão um pouco mais avançada dos problemas de definição
de alguns desses conceitos e pela questão do preconceito linguístico.
Breve histórico da Sociolinguística Capítulo 01
1 Breve histórico da
Sociolinguística
Para entender melhor os pressupostos teóricos da Sociolinguísti-
ca, vamos inicialmente contextualizar, em termos gerais, os estudos da Livro clássico publicado
linguagem no século XX. Começamos falando do linguista suíço Ferdi- em 1916, como obra
póstuma de Saussure,
nand de Saussure e do linguista americano Noam Chomsky. organizado por seus dis-
cípulos Bally e Sechehaye,
A atribuição de estatuto científico à linguística costuma ser cre- a partir de apontamentos
ditada a Saussure, no início do século XX. De fato, com seu Curso de de aulas.
linguística geral, Saussure inaugura a linguística moderna, delimitando
e definindo seu objeto de estudo, estabelecendo seus princípios gerais e
Ao longo da história há
seu método de abordagem. Saussure é um marco da corrente linguística inúmeros registros do in-
denominada estruturalismo, segundo a qual a língua (i) é tomada em teresse dos homens pelas
línguas, especialmente de
si mesma, separada de fatores externos; (ii) é vista como uma estrutura filósofos, conforme foi vis-
autônoma, valendo pelas relações de natureza essencialmente linguís- to na disciplina de Estudos
Gramaticais. No século XIX
tica que se estabelecem entre seus elementos. Ou seja, para Saussure, a predominaram os estudos
linguística tem por único e verdadeiro objeto a língua considerada histórico-comparativos.
Mas é a partir de Saussure
em si mesma e por si mesma. que os estudos linguísti-
cos passam a adquirir um
Saussure postula algumas dicotomias e vai isolando o que, segundo caráter mais sistemático
e abstrato, e a língua é
ele, seria de interesse da ciência linguística. Vamos apresentar, dessas estudada sincronicamen-
dicotomias, as que são mais importantes para esta disciplina. te, desvinculada de sua
história.

a) Langue e parole – a langue é homogênea e social, um sistema


de signos, um “tesouro” depositado, pela prática da fala, no cé-
rebro dos falantes; é essencial. Já a parole é um ato individual
de vontade, é heterogênea, manifestação concreta da langue; é Langue e parole
Essa dicotomia pode
acessória e acidental. O objeto da linguística, para Saussure, é
ser traduzida como “lín-
a langue. gua’’ e “fala’’. Entretanto,
preferimos manter os
b) Sincronia e diacronia – correspondem a dois eixos ou pers- termos originais para
assegurar a concepção
pectivas pelas quais se pode estudar a língua: na sincronia, se
saussureana sempre
faz um recorte da língua em um momento histórico (presente que nos referirmos
ou passado), como se fosse um registro fotográfico que capta a ela.
as relações entre os elementos do sistema, tomando-se a língua

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Sociolinguística

como um estado do qual se exclui a intervenção do tempo; na


diacronia, a língua é analisada como um produto de uma série
de evoluções que ocorrem ao longo do tempo, portanto como
algo mutável, dinâmico. É a perspectiva sincrônica, segundo
Saussure, que permite o estudo científico da língua.

Saussure estabelece a seguinte relação entre essas dicotomias: (i)


os fenômenos variáveis não são visíveis na langue (que é social), mas
na parole (que é individual); (ii) a evolução/mudança se dá em alguns
elementos e isso é suficiente para que ela se reflita em todo o sistema;
(iii) o falante não tem consciência das mudanças que ocorrem entre os
Saussure estabelece uma
analogia entre a língua e estados (os recortes sincrônicos) da língua.
o jogo de xadrez: assim
como as peças vão ad- Vale observar que, embora delimite dessa maneira o objeto de estu-
quirindo novos valores
a cada lance no jogo em do da linguística, Saussure admite que a língua seja um fenômeno social,
decorrência das posições produto de uma convenção estabelecida entre os membros de determi-
que vão assumindo frente
às demais, também na nado grupo; porém, os fatores externos ao sistema são deixados de lado
língua, cada mudança por ele – voltaremos a esse ponto mais adiante.
tem reflexos sobre todo
o sistema linguístico. O Nos Estados Unidos, a visão formal da língua ganha destaque, a
tabuleiro com as peças
é usado como metáfora partir da década de 1960, com Noam Chomsky e a corrente denomina-
para a concepção de lín- da gerativismo, segundo a qual a língua (i) é concebida como um sis-
gua como sistema
de signos. tema de princípios universais; (ii) é vista como o conhecimento mental
que um falante tem de sua língua a partir do estado inicial da faculdade
da linguagem, ou seja, a competência. O que interessa ao gerativista é o
A faculdade da lingua- sistema abstrato de regras de formação de sentenças gramaticais.
gem corresponde, para
Chomsky, a um módulo Como vimos, tanto a abordagem estruturalista como a gerativis-
linguístico em nossa
mente que é inato na ta consideram a língua como uma realidade abstrata, desvinculada de
espécie humana. Às regras fatores históricos e sociais. É como uma reação a essas duas correntes
que formam a faculdade
da linguagem chama- que a Sociolinguística desponta nos Estados Unidos na década de 1960,
-se “gramática universal”. tendo como um de seus maiores expoentes William Labov.
Reveja esse conceito no
livro-texto da disciplina
Estudos Gramaticais.

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Breve histórico da Sociolinguística Capítulo 01

Sociolinguística labo-
viana
Também chamada de
Wiliam Labov.
“Teoria da Variação e
Mudança” ou de “Socio-
Antes, contudo, de nos determos na Sociolinguística laboviana, linguística Quantitati-
va”, pois trabalha com
que é o foco principal de nosso livro, é importante retroceder no tempo
resultados estatísticos.
para resgatar alguns autores do início do século XX que, diferentemente
da proposta teórica de Saussure, postulavam uma concepção social da
língua. Vamos falar um pouco do linguista francês Meillet (1866-1936) e
dos linguistas russos Marr (1865-1934) e Bakhtin (1895-1975). Antoine
Meillet enfatizava, em seus textos, o caráter social e evolutivo da língua.
Segundo ele, “Por ser a língua um fato social resulta que a linguística é
Meillet foi discípulo de
uma ciência social, e o único elemento variável ao qual se pode recorrer Saussure, mas, inspirado
para dar conta da variação linguística é a mudança social” (MEILLET, no sociólogo Durkheim,
definia a língua como um
1921 apud CALVET, 2002, p. 16). Como se pode notar nessa citação, do fato social, enfatizando
ponto de vista de Meillet, toda e qualquer variação na língua é motivada o caráter evolutivo da
língua, diferentemente
estritamente por fatores sociais. de Saussure, para quem a
sincronia prevalecia sobre
Comparando brevemente as ideias de Meillet e de Saussure, pode- a diacronia.
mos dizer que (i) Saussure opõe linguística interna (aquela que se ocupa
estritamente da língua) e linguística externa (aquela que se ocupa das
relações entre a língua e fatores extralinguísticos), e Meillet as associa;
(ii) Saussure distingue abordagem sincrônica (estrutural) de abordagem
diacrônica (histórica), e Meillet as une. Em suma, enquanto Saussure
elabora um modelo abstrato da langue (sistema de signos), Meillet bus-
ca explicar a estrutura linguística por meio de fatores históricos e so-
ciais. Essas ideias de Meillet, como vamos ver adiante, serão retomadas
por Labov décadas depois.

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Sociolinguística

Já na perspectiva da linguística soviética, encontramos, também no


início do século XX, posições marxistas acerca da língua. Inicialmente,
o linguista Nicholas Marr propunha que (i) todas as línguas do mun-
do têm uma mesma origem; (ii) as línguas são instrumento de poder e
refletem a luta de classes sociais; (iii) as línguas são parte de uma supe-
restrutura, passando por estágios de desenvolvimento de acordo com a
base econômica de diferentes sociedades, ou seja, os estágios das línguas
corresponderiam aos estágios da sociedade. A doutrina de Marr (cha-
mada “marrismo”) foi tida como oficial na União Soviética no período
de 1920-1950, até ser severamente atacada pela intervenção política de
Stalin, que negava o caráter de classe e de superestrutura da língua.

Ainda na linguística soviética, Bakhtin (e o chamado Círculo de


Bakhtin) critica a perspectiva estruturalista abstrata – que é a perspecti-
va saussureana –, defendendo um enfoque da língua na interação verbal
historicamente contextualizada (seja num contexto imediato, seja num
contexto social mais amplo). Nesse sentido, a mudança linguística é his-
toricamente motivada pelos diferentes contextos de uso da língua, que
acabam conferindo diferentes sentidos à “mesma” palavra. Assim, na
visão de Bakhtin, as palavras não são neutras nem imutáveis: é no con-
texto real de uso da língua que determinada forma possui valor para o
falante, sendo, nesse caso, um signo variável e flexível. É bastante eluci-
dativa a seguinte afirmação de Bakhtin (1988 [1929], p. 147): “conforme
a língua, conforme a época ou os grupos sociais, conforme o contexto
apresente tal ou qual objetivo específico, vê-se dominar ora uma forma,
ora outra, ora uma variante, ora outra”.

Em síntese: foi no início do século XX que começaram a germinar


as sementes que viriam posteriormente – depois de cerca de meio século
de domínio de correntes estruturalistas – a florescer e dar frutos no ter-
reno fecundo da área de estudos da linguagem que ficou conhecida como
Na disciplina de Lin- Sociolinguística. Assim é que, a partir da década de 1960, como herança
guística Textual você viu
algumas contribuições de Meillet, volta a ganhar força a noção de língua como fato social dinâ-
de Bakhtin no campo dos mico, cuja variação é explicada pela mudança social, por forças externas,
gêneros do discurso.
portanto. E como herança de Bakhtin se renova a perspectiva de que a
língua é um fenômeno social cuja natureza é ideológica. Como já acen-
tuamos anteriormente, o foco deste livro é a Sociolinguística laboviana,
abordagem que se ancora, historicamente, nas ideias de Meillet.

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Breve histórico da Sociolinguística Capítulo 01
Vamos nos situar, portanto, a partir de agora, no contexto da So-
ciolinguística norte-americana. Esse campo do conhecimento tem uma
estreita relação com a antropologia, com a sociologia e com a geografia
linguística.

ӲӲ A associação com a antropologia – chamada de etnolinguís-


tica ou antropologia linguística – deve-se ao fato de a Socio-
linguística estender a descrição e análise da língua para incluir
aspectos da cultura em que é usada. Nesse âmbito se insere,
mais recentemente, a corrente denominada “Sociolinguística
Interacional”, que considera a relação entre os interlocutores, o
assunto etc. na análise da conversação;

ӲӲ A proximidade com a sociologia resulta na chamada sociologia


da linguagem – área que investiga a interação entre estes dois
aspectos do comportamento humano: o uso da língua e a orga-
nização social do comportamento, ou seja, a organização social
do comportamento linguístico, seja em termos de usos, seja em
termos de atitudes em relação à língua e aos usuários;

ӲӲ A aproximação com a geografia linguística, ou dialetologia,


ou ainda geolinguística, deve-se ao interesse pela elaboração
de atlas linguísticos. No Brasil, está sendo organizado o Atlas
Linguístico do Brasil (ALIB), cujo objetivo é descrever a realidade
linguística com vistas a traçar a divisão dialetal do país, tornando
evidentes as diferenças regionais – que, através de pesquisas de
campo, mapeiam dados de diferentes regiões, identificando e
delimitando traços dialetais.

Em suma, a Sociolinguística se ocupa de questões como variação e


mudança linguística, bilinguismo, contato linguístico, línguas mino-
ritárias, política e planejamento linguístico, entre outras.

A partir desse breve panorama histórico, passamos a tratar especi-


ficamente de uma das vertentes da Sociolinguística: a Teoria da Varia-
ção e Mudança Linguística.

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