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Educação Unisinos

19(1):34-44, janeiro/abril 2015


© 2015 by Unisinos - doi: 10.4013/edu.2015.191.03

Políticas de formação continuada


e de inserção à docência no Brasil

In-service teacher education policies


and teaching induction programs in Brazil

Marli André
[email protected]

Resumo: O presente texto tem o foco nas políticas de formação continuada e, mais
especificamente, nas iniciativas voltadas aos professores iniciantes e à inserção profissional
dos docentes, tomando por base os dados coletados em quinze secretarias de educação de
estados e municípios brasileiros, que constituíram os estudos de campo da pesquisa que
mapeou e analisou políticas docentes no Brasil (Gatti et al., 2011). O texto situa, inicialmente,
o marco teórico que orientou a análise de dados, destacando as contribuições de autores
brasileiros e estrangeiros. Em seguida, descreve a metodologia do trabalho de campo: locais
escolhidos, fontes de coleta de dados, instrumentos e procedimentos utilizados. Na terceira
parte do texto, são apresentados dados referentes aos processos de formação continuada
encontrados nas secretarias de educação visitadas: quais são os órgãos responsáveis pela
formação, como são escolhidos os formadores, quais os conteúdos e as metodologias das
formações, quais as demandas dos professores, como é feita a avaliação da formação. São
também discutidas as iniciativas e as políticas voltadas aos professores iniciantes e à inserção
à docência. Na parte final do texto, são destacados aspectos que merecem maior atenção por
parte dos pesquisadores e responsáveis pela formação docente.

Palavras-chave: formação continuada, professor iniciante, inserção à docência.

Abstract: This paper discusses in-service teacher education policies with special attention
to beginning teacher education and teaching induction programs, taking into account data
collected in fifteen departments of education in Brazilian states and municipalities, which were
part of a field study on teacher policies in Brazil (Gatti et al., 2011). The first part of the paper
presents the theoretical framework that guided data analysis, highlighting the contributions
of both Brazilian and foreign authors. Then it describes the methodology of fieldwork: sites,
sources and methodological procedures of data collection. The third part of the text presents
the research findings concerning in-service teacher education: management agencies, how
educators are selected, which are the contents and methodologies of training, what are the
main teachers’ demands, and how teacher training is assessed. Some initiatives and programs
designed for beginning teachers and teaching induction are also discussed. In the final part of
the text we point out some issues that deserve attention from researchers and those responsible
for teacher education.

Keywords: teacher policies, in-service teacher education, beginning teachers, teaching


induction.
Políticas de formação continuada e de inserção à docência no Brasil

O interesse pelo tema da forma- da educação. Não há dúvida que o Políticas de formação
ção de professores vem crescendo professor tem um papel importante continuada: o que dizem
muito nos anos recentes, o que se no sucesso da aprendizagem, mas as pesquisas?
pode atestar pelo número de pes- há outros fatores, muito fortes, que
quisas que vem sendo realizadas, concorrem para uma educação de Uma referência fundamental para
pelo volume de trabalhos apresen- qualidade, tais como os recursos a pesquisa anteriormente citada foi
tados nos eventos científicos e pela disponíveis nas escolas; o tipo de um estudo bastante abrangente reali-
frequência com que o tema aparece organização do trabalho escolar, uma zado por pesquisadores da Fundação
na mídia. equipe gestora que propicie suporte Carlos Chagas (Davis et al., 2011,
O volume de pesquisas sobre o físico, pedagógico, emocional aos p. 9), que traça um panorama das ex-
tema, de fato, aumentou muito nos úl- docentes; salários dignos, condições periências de formação continuada no
timos anos: ao fazer um mapeamento de trabalho adequadas; carreira atra- país. Além do objetivo de identificar
da produção acadêmica dos pós-gra- tiva, um conjunto de condições que as ações de formação continuada dos
duandos na área de educação, André deve fazer parte de políticas de apoio docentes, o estudo buscou
(2009) constatou que, na década de aos docentes.
1990, as dissertações e teses da área As políticas docentes, no entanto, analisar as modalidades e práticas de
de educação que tinham como foco a têm recebido muito pouca atenção formação continuada no Brasil, com
formação de professores compunham nas pesquisas dos pós-graduandos vistas a subsidiar o fortalecimento
de novos paradigmas na área, mais
cerca de 6% do total de trabalhos; brasileiros. Em mapeamento recente
capazes de propiciar o aprimora-
mas, no início da década seguinte, das dissertações e teses sobre forma- mento profissional dos docentes e a
esse percentual cresce rapidamente, ção docente, André (2009) constatou melhoria da qualidade da educação
atingindo 22% em 2007. Não houve que, no período de 1999 a 2003, de oferecida pelas redes públicas de
mudança apenas no volume de tra- um total de 1.184 pesquisas, apenas ensino (Davis et al., 2011, p. 9).
balhos, mas os aspectos estudados 53 (4%) se voltavam para a dimen-
também foram se modificando ao são política da docência ou para as O desenvolvimento do estudo
longo do tempo. Nos anos 1990, a políticas de formação. incluiu análise de planos ou projetos
maior parte das dissertações e teses Como estamos diante de um de formação continuada e trabalho
centrava-se em algum aspecto dos tema extremamente relevante e de campo em 19 secretarias de edu-
cursos de formação inicial: licen- pouco explorado, mostrou-se muito cação, 6 estaduais e 13 municipais,
ciatura, pedagogia e Escola Normal oportuna a pesquisa realizada por abrangendo as cinco regiões do país.
(75% das pesquisas), nos anos 2000, a pesquisadores da Fundação Carlos As autoras fizeram uma ampla
temática priorizada passou a ser iden- Chagas com apoio da Organização revisão bibliográfica para subsidiar
tidade e profissionalização docente. das Nações Unidas para a Educação suas análises, destacando alguns
O foco então passou a ser o profes- e a Cultura (UNESCO) e do Minis- elementos que serão aqui retomados
sor, suas opiniões, representações, tério de Educação (MEC), com o brevemente. Dois focos principais
saberes e práticas, chegando a 53% propósito de mapear as políticas vol- orientam os estudos sobre formação
do total dos estudos sobre formação tadas aos docentes no Brasil (Gatti continuada, segundo as autoras, os
docente em 2007. et al., 2011). A pesquisa abrangeu que se centram no sujeito professor
A intenção de ouvir os profes- questões relativas à formação inicial e os que consideram a equipe gestora
sores para conhecer o que dizem, e continuada de professores, à car- ou o coletivo escolar. Quando se cen-
pensam, sentem e fazem parece- reira docente, às formas de recepção tram no professor, as questões estão
-nos muito positiva, se o que se e acompanhamento dos professores relacionadas aos aspectos éticos, po-
pretende é descobrir, com eles, quais iniciantes e aos subsídios ao traba- líticos e emocionais, à precariedade
os caminhos mais efetivos para al- lho docente, visando à melhoria do da formação inicial e aos ciclos da
cançar um ensino de qualidade que desempenho escolar dos alunos. vida profissional.
se reverta em uma aprendizagem No presente texto, serão abordados Hargreaves (1995) é o autor que
significativa para todos os alunos. apenas os aspectos relativos às po- dá suporte à discussão das questões
No entanto, essa centralidade das líticas de formação continuada e de éticas, políticas e emocionais. Segun-
pesquisas no professor pode refor- suporte aos professores iniciantes, do o autor, o ponto de vista da ética
çar o que se ouve habitualmente na que foram captados nos estudos de implica preocupação genuína com o 35
mídia, ou seja, que o professor é o campo que integraram a pesquisa bem-estar e com o desenvolvimento
único responsável pela qualidade (Gatti et al., 2011). dos alunos. O ponto de vista da po-

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lítica estabelece que, para construir Outra abordagem centrada no Nem sempre, porém, o coordenador
um bom professor, não basta apenas sujeito é a que considera o ciclo da pedagógico consegue desempenhar
reflexão, mas é necessário que o carreira docente. Os estudos desen- essa função, ora porque tem que
docente reflita criticamente sobre volvidos nessa perspectiva apostam contemplar programas do governo,
si mesmo, sobre a profissão e sobre na ideia de que conhecer os estágios que têm prioridade, ora porque o
seus alunos, de forma a poder parti- que compõem a carreira docente coletivo docente resiste a aceitar as
cipar melhor da luta pela construção permite identificar as verdadeiras propostas que lhes são sugeridas.
de um mundo melhor e socialmente necessidades dos professores no Cabe ao coordenador pedagógico
mais justo. No que tange ao envol- exercício da profissão. Ciente delas, uma série de outras funções dentro
vimento emocional, ainda citando é possível planejar formas persona- da escola, como mobilizar a equipe
Hargreaves, as autoras defendem lizadas de apoio, capazes de auxiliar escolar para a elaboração e implan-
que é preciso recuperar “a alegria de os docentes a enfrentarem melhor as tação do projeto político pedagógico,
ensinar e aprender, a surpresa diante etapas da vida profissional, como, acompanhar o desenvolvimento do
do novo, a satisfação por conseguir por exemplo, os anos iniciais da currículo e das atividades de ensino e
enfrentar novos desafios e por supe- carreira em que os docentes manifes- aprendizagem e mediar conflitos de
rar conflitos, sentimentos que foram, tam sentimentos de insegurança e de várias naturezas. Essa abrangência
aparentemente, excluídos da escola, descoberta; os anos intermediários, de funções muitas vezes comprome-
deixando em seu lugar a angústia, que, para muitos, implica novos in- te o trabalho, que deveria ser priori-
a ansiedade e a frustração” (Davis vestimentos, satisfação, maior segu- tário, de formação dos professores
et al., 2011, p. 13). As autoras con- rança quanto à opção pelo magistério e de construção do coletivo escolar.
cluem que a formação continuada e, para outros, desencanto, desejo de Uma tendência de formação
deve possibilitar ao professor viver desistir, resistência. Há, ainda, a fase continuada que vem se firmando na
a profissão como uma experiência da maturidade, quando os professo- produção escrita recente, tanto no
prazerosa e deve estimular a constru- res se sentem mais seguros quanto Brasil quanto no exterior, é a que
ção de projetos coletivos éticos para à profissão, avaliam seus aspectos considera a escola como o locus
o mundo em que vivemos. positivos e negativos, posicionam- por excelência da formação. Nessa
Uma segunda perspectiva, ain- -se. Os estudos que defendem a perspectiva, os docentes decidem,
da com foco no sujeito professor, formação continuada voltada ao em conjunto, o tipo de formação
é denominada pelas autoras de ciclo da carreira profissional consti- que desejam, planejam, executam e
“abordagem do déficit”, porque tuem um avanço em relação a outras avaliam seu trabalho, constituindo
concebe a formação inicial como formas que não levam em conta as equipes colaborativas. Os defensores
deficitária, o que leva a atribuir à características do professor e suas dessa perspectiva argumentam que
formação continuada uma função condições de trabalho, concluem as o desenvolvimento profissional não
compensatória, de suprir as defici- autoras, mas essa perspectiva ainda pode ficar circunscrito ao domínio
ências. Se o pressuposto é que os se centra no indivíduo, deixando de individual e utilitário. Os programas
conhecimentos, as habilidades e valorizar o coletivo profissional. de formação continuada devem ser
as competências profissionais não O segundo conjunto de aborda- delineados para mobilizar os do-
foram devidamente apropriados, gens comentado pelas pesquisadoras centes a trabalharem coletivamente,
conclui-se que o professor também é o que se volta para as equipes desencadeando mudanças nas esco-
não saberá dizer o que precisa para gestoras ou para a escola como es- las que atendam cada vez melhor
bem exercer sua profissão, portanto, paço de formação. No que tange às às necessidades de sua clientela. As
não vale a pena consultá-lo. Isso leva equipes gestoras, o coordenador pe- tarefas de melhoria da escola têm
a transferir para instâncias externas dagógico é visto como responsável que ser realizadas pelo coletivo,
ou hierárquicas as decisões sobre pela formação. Davis et al. (2011, em um processo de interação, de
formas e conteúdos das formações, p. 15) recorrem aos estudos de Chris- trocas, de colaboração. As melhorias
sem levar em conta as características tov (2007) e Placo e Almeida (2003) podem ficar circunscritas a questões
específicas dos docentes, como ida- para afirmar que, ao coordenador de sala de aula, mas também podem
de, sexo, anos de experiência, local pedagógico, é atribuído o papel de abranger aspectos mais amplos
de trabalho, resultando em processos articulador das ações formativas na do contexto social, político, e da
36 padronizados de formação, que ra- escola, as quais devem promover o própria profissão. Referenciando-
ramente atendem as necessidades e desenvolvimento da equipe peda- -se em Fullan (2005), as autoras
interesses dos docentes. gógica (e não apenas do professor). criticam as formas com que têm

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Políticas de formação continuada e de inserção à docência no Brasil

se realizado as formações, que ge- educação não avaliam os professores dos), Coreia do Sul, França, Grécia,
ralmente têm caráter individual e após a formação continuada, a não Inglaterra, País de Gales, Irlanda do
são baseadas em palestras e cursos ser de modo indireto ou informal; (h) Norte, Japão e Suíça. Na Escócia, a
cujos conteúdos não se articulam às não há acompanhamento do trabalho participação fica a critério do profes-
necessidades dos docentes. Ainda realizado em sala de aula após a sor, e a grande maioria participa. Em
com apoio nas ideias de Fullan formação continuada. seis países, a iniciação fica a critério
(2005), propõem um novo conceito É preciso assinalar que a melhoria das escolas, e, em oito países, não há
de desenvolvimento profissional, da formação continuada é um fator programas formais.
que passe a significar aprendizagem importante no desenvolvimento Na América Latina, a situação
contínua dos docentes, para que eles profissional docente, mas não é o é ainda mais séria, pois, de acordo
ofereçam a seus alunos um ensino único. Fatores como salário, carrei- com Vaillant (2009), a inserção à
sempre melhor. Essa aprendizagem ra, estruturas de poder e de decisão, docência não é objeto de políticas,
contínua deve fazer parte da cultura assim como clima de trabalho na havendo raríssimos programas ins-
das escolas, que devem favorecer instituição, são igualmente im- titucionalizados. A autora cita, com
o desenvolvimento das habilidades portantes. Não se pode aceitar a base em um texto de Cornejo (1999),
de colaboração, estabelecendo par- explicação simplista de que basta inciativas na Argentina, de residên-
cerias com universidades e sistemas melhorar a formação docente para cia docente, no México e no Chile.
educacionais. As autoras sintetizam que se consiga melhorar a qualidade Mais recentemente, Alliaud (2014)
as proposições do autor afirmando da educação. relata a existência de programas no
que, com a atuação coletiva, torna- Uruguai e no Equador, além dos da
-se possível desenvolver culturas Formação continuada de Argentina e do Chile. Mas ainda é
escolares que ofereçam apoio a pro- professores iniciantes muito pouco.
fessores diferentes, em momentos Em um texto muito provocativo
distintos do ciclo profissional. Embora seja hoje bem incisiva sobre o trabalho dos docentes, Nó-
Entre os achados da pesquisa de a proposta de formação continuada voa (2006) aponta a necessidade do
Davis et al. (2011), destacam-se os que defende a organização de pro- cuidado com os iniciantes como um
seguintes: (a) a constituição de equi- gramas diferenciados em função do dos maiores desafios da profissão
pes de formação continuada bem ciclo profissional do professor, são docente. Segundo ele, cuidamos
formadas mostrou-se ser fundamen- raros os países que implementam muito mal dos jovens professores,
tal; (b) contar com profissionais da programas adaptados aos diferentes pois, ao ingressarem na docência,
própria rede nessas equipes deixa a estágios do professor na carreira. eles vão para as piores escolas,
secretaria de educação menos sujeita Em especial, ainda há muito pouca têm os piores horários, recebem as
a interferências nas mudanças de atenção aos docentes que ingressam piores turmas e são “lançados às
gestão governamental; (c) as ações no magistério. Ao compilar dados feras”, sem qualquer tipo de apoio.
formativas, sob a forma de cursos, de vários informes internacionais Nóvoa (2006, p. 14) nos adverte
palestras e oficinas, tinham uma sobre a profissão docente, Imbernón que: “se não formos capazes de
orientação individualizada na maior (2006, p. 44) assinala que “nume- construir formas de integração, mais
parte das secretarias estudadas; (d) rosos países carecem de progra- harmoniosas, mais coerentes, desses
as modalidades de formação conti- mas sistêmicos de integração de professores, nós vamos justamente
nuada consideradas mais produtivas professores principiantes”. Todos acentuar, nesses primeiros anos de
por grande parte das secretarias de concordam com a relevância da profissão, dinâmicas de sobrevi-
educação investigadas são as de questão, afirma o autor, mas ainda vência individual que conduzem
longa duração, que ocorrem com re- são muito escassas as medidas para necessariamente a um fechamento
gularidade, nas próprias escolas; (e) enfrentá-la. individualista dos professores”.
não foram encontradas ações forma- O relatório da OCDE – Orga- Fechamento que vai impedir a sua
tivas voltadas a fortalecer a postura nização para a Cooperação e De- socialização profissional.
ética ou o profissionalismo docente, senvolvimento Econômico (2006) Diante das iniciativas encontra-
a responsabilidade pelo coletivo e – reitera esse quadro e explica que, das nos países europeus e latino-
o exercício da cidadania; (f) não no levantamento feito em vinte e cin- -americanos, e concordando com o
foram encontradas ações formativas co países, apenas dez indicaram ter alerta de Nóvoa (2006), nossa pes- 37
voltadas aos professores iniciantes; programas obrigatórios de iniciação quisa buscou verificar a existência,
(g) de modo geral, as secretarias de à docência: Austrália (alguns Esta- no Brasil, de políticas e programas

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voltados aos professores iniciantes, entrevistas com os responsáveis pelo Apresentação e discussão
com o objetivo de favorecer sua planejamento, estatísticas e pessoal dos dados
inserção na docência. Com esse da rede e pela implementação da
propósito e, mais amplamente, o de proposta curricular e das ações for- O exame dos dados coletados
estudar os processos de formação mativas. Em vários casos, um dos nas entrevistas com os responsáveis
continuada dos docentes, realiza- entrevistados foi a(o) secretária(o) pela implementação de currículos e
mos estudos de campo em quinze de educação. Assim, as fontes prin- programas e pela formação continu-
secretarias de educação de estados cipais de dados foram: documentos ada nas quinze secretarias estaduais
e municípios brasileiros. obtidos nos sites das secretarias, e municipais de educação revelou
ou no momento das visitas, e as alguns pontos comuns e outros que
Metodologia dos estudos entrevistas. Em uma das secretarias, merecem destaque.
de campo foram realizadas observações das Quanto aos órgãos responsáveis
formações. pela formação continuada, os da-
O objetivo dos estudos de campo A coleta de dados contou com dos revelaram que, nos estados, as
foi obter uma visão, in loco, dos pro- pesquisadores experientes, que secretarias dispõem de um órgão
cessos de formação continuada, que, tiveram duas reuniões com a co- responsável pela formação: seja uma
sem dúvida, constituem uma forma ordenadora dos estudos de campo, Coordenadoria, com polos distribuí-
de apoio aos docentes. Os principais para preparo das visitas e, posterior- dos pelo estado (SEDUC – Secretaria
critérios para escolha dos locais de mente, para discussão preliminar da de Educação do Ceará); seja uma
coleta de dados foram representa- análise dos dados. Gerência, também com distribuição
tividade regional e relevância da Foram utilizados dois roteiros de regional (SEDU/ES, Secretaria de
proposta. Foram, assim, visitadas 10 entrevistas, o primeiro para carac- Educação do Espírito Santo e SEE/
secretarias de educação de municí- terizar as secretarias em termos do SC – Secretaria Estadual de Educação
pios de grande porte do país e cinco número de escolas, de professores de Santa Catarina); seja um Núcleo
secretarias estaduais. Um critério e alunos; jornada de trabalho, for- (SEE/GO – Secretaria Estadual de
complementar foi selecionar alguma mação e carreira dos docentes; o Educação de Goiás); ou um Centro de
secretaria de educação que utilizasse segundo para conhecer as formas Formação (SEDUC/AM – Secretaria
sistema apostilado de ensino, para de apoio ao trabalho nas escolas e os de Educação do Amazonas).
verificar sua relação com a autono- processos de formação continuada. Diferentemente dos estados, os
mia docente. Os pesquisadores elaboraram municípios, de modo geral, não
O Quadro 1 mostra a distribuição relatórios com os dados obtidos, os dispõem de órgãos especialmente
das secretarias de educação por re- quais foram compilados e discutidos responsáveis pela formação conti-
gião e dependência administrativa. pela equipe coordenadora da pes- nuada, são as próprias Divisões de
A coleta de dados foi feita por quisa, vindo a compor o documento Ensino que organizam e coordenam
pesquisadores experientes, que re- final, em forma de livro (Gatti et as ações formativas. Mas há exce-
colheram documentos e realizaram al., 2011). ções: Manaus tem uma Divisão de

Quadro 1. Estudos de campo: identificação das secretarias de educação por região do país.
Chart 1. Field studies: identification of education offices by region of the country.

Secretarias Estaduais Secretarias Municipais de Educação


Região
de Educação Capital do Estado Outros Municípios
Norte Amazonas Manaus Santarém
Sobral
Nordeste Ceará
Caruaru
Centro-Oeste Goiás Campo Grande Aparecida de Goiânia

38 Sudeste Espírito Santo


Jundiaí
Taubaté
Sul Santa Catarina Florianópolis Pelotas

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Políticas de formação continuada e de inserção à docência no Brasil

Desenvolvimento Profissional do de Formação – CEFOR, além de três nas formações e para contemplar as
Magistério – DDPM, e Aparecida Coordenadorias para cada segmento questões da escola e da sala de aula,
de Goiânia, uma Coordenadoria de de ensino e um Núcleo de Gestão buscando melhorar o desempenho
Formação. Pedagógica, que oferecem diversas dos alunos.
Há que se destacar, ainda, que, modalidades de formação, dirigidas Entre essas alternativas, pode-se
em três municípios, fica muito nítida a grupos profissionais específicos e citar a estrutura e o funcionamento
uma política de formação que se ex- em seus contextos de atuação, mas da formação continuada dos profes-
pressa na disponibilidade de espaço a prioridade da SE é o professor ini- sores da secretaria municipal de So-
físico – um Centro de Formação – e ciante ou as dificuldades apontadas bral. Os encontros de formação são
na existência de um projeto bem pelas escolas. realizados fora do ambiente escolar,
articulado, com propósitos claros, Como se pode notar, não é apenas normalmente no Centro de Conven-
atividades variadas, coerentes com a disponibilidade de espaço físico, ções da prefeitura, por segmento de
os objetivos, metodologia própria, mas esses municípios deixam evi- ensino, com carga horária de 8 horas
indicação dos resultados esperados, dente a existência de um plano de mensais, divididos em dois momen-
montagem de uma sistemática de ações articuladas, orientadas por ob- tos de 4 horas, realizadas no turno
avaliação e legislação corresponden- jetivos bem definidos, acompanha- da noite, com caráter obrigatório. O
te. É o caso do município de Jundiaí, das de uma sistemática de controle e entrevistado descreveu a rotina das
no estado de São Paulo, que, além avaliação, registradas em legislação formações, que são organizadas em
de um Centro de Formação, tem própria, configurando uma política momentos: “Acolhida” (15’), “Re-
uma proposta de formação voltada de formação. lembrando” – recordar o encontro
à implementação do currículo e à No que tange aos tipos de ações anterior – (15’), “Momento de Estu-
melhoria da aprendizagem do aluno, de formação continuada, os dados do” (1h30’), “Troca de Experiência”
com a disponibilidade de recursos revelaram que tanto em estados (15’), “Círculo Literário” (20’),
materiais para alunos e professores, quanto em municípios, as ações “Estudo da Matriz e livro didático”
incentivos salariais para os docentes, consistem geralmente em oficinas, (1h), “Registrando o que Aprendi”
acompanhamento do desempenho palestras, seminários e cursos de cur- (15’). Essa dinâmica, que fazia parte
dos alunos e atendimento às dificul- ta duração, presenciais e a distância, do Pacto pela Alfabetização na Idade
dades dos professores. Além disso, ofertados pelas próprias secretarias Certa – PAIC –, foi posteriormente
está regulamentado em uma Portaria. de educação ou decorrentes de tornado política de âmbito nacional.
Também ficou evidente uma contratos firmados com instituições A forma de condução da forma-
política de formação em Sobral, universitárias, institutos de pesquisa ção nessa secretaria mostra uma
no estado do Ceará, onde há uma ou instituições privadas. De modo preocupação com o envolvimento
Escola de Formação Permanente do geral, os dados dos entrevistados ativo do professor na realização das
Magistério (ESFAPEM) que oferece não possibilitaram definir o grau de atividades, que o conteúdo está vol-
programas específicos de formação, participação dos docentes no plane- tado para a proposta curricular e que
centrados na implementação do jamento e no desenvolvimento das há um estímulo ao trabalho colabora-
currículo e em questões da prática ações formativas, nem se o conteúdo tivo, aspectos defendidos por autores
escolar, além de várias inciativas que dessas formações se volta para as da área (Fiorentini, 2004; Marcelo,
objetivam não só o desenvolvimento problemáticas da prática escolar, 2009; Nóvoa, 2009; André, 2010).
profissional, mas a ampliação do ou se envolvem um processo de Os dados apontaram que tanto nos
universo cultural dos professores. reflexão sobre a própria prática e se estados quanto nos municípios os
A secretaria de educação incenti- intencionam fomentar um trabalho focos de formação continuada estão
va práticas docentes inovadoras, colaborativo na escola. Pode-se voltados para a proposta curricular.
oferece gratificações salariais para dizer que, embora ainda prevaleça Essa constatação mostra que a for-
participação em ações de suporte uma concepção de formação trans- mação continuada está evoluindo,
pedagógico promovidas pela escola, missiva, em que um agente externo passando de um conjunto de ações
acompanha todas as ações formati- ministra uma palestra ou seminário, dispersas para ter um foco direcio-
vas na escola e avalia essas ações. com conteúdo que nem sempre aten- nado à proposta curricular, ou seja,
As disposições estão regulamenta- de às necessidades e interesses dos para o cumprimento dos objetivos
das em leis e normativas. professores, foi possível perceber, de aprendizagem, o que é muito 39
Em Campo Grande, no estado do em várias secretarias, um movi- positivo. Afinal, defende-se o in-
Mato Grosso do Sul, há um Centro mento para incluir mais os docentes vestimento na formação continuada

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dos docentes para que aperfeiçoem do Campo, Mais Educação, Proinfo, porque incluem uma discussão dos
sua ação de modo que seus alunos Formação pela Escola, PDE-Escola, conteúdos e estratégias didáticas
tenham sucesso na aprendizagem. Mais Tempo na Escola. Apenas três para o ensino em sala de aula.
Ao buscar a implementação ou a municípios não usam os Programas Não foram muitas as secretarias
reorganização curricular, espera-se do Ministério de Educação: Jundiaí, de educação que relataram iniciati-
que o alvo mais diretamente bene- Aparecida de Goiânia e Taubaté. vas de levantamento das necessida-
ficiado seja o aluno, ou a qualidade Sem dúvida, esses programas des formativas junto aos docentes.
do ensino. trazem uma contribuição significa- Na SEDUC do Ceará, segundo os
Quando indagados sobre os focos tiva, principalmente para aqueles entrevistados, esse levantamento é
da formação continuada, os en- locais que não dispõem de muitos feito na escola, por meio de leitura e
trevistados revelaram que as áreas recursos para desenhar programas identificação das demandas do coti-
priorizadas eram Língua Portuguesa próprios. Têm grande valor, seja diano pedagógico. A SEDU do Espí-
e Matemática. Entende-se essa prio- porque estão voltados às disciplinas rito Santo também parece caminhar
ridade, seja pela relevância dessas básicas do currículo das escolas, nessa direção, pois o entrevistado
áreas, seja porque são cobradas contribuindo para consolidar, assim, declarou que já foram realizadas
nas avaliações externas, que, por uma formação de base comum a todo reuniões em 40 dos 78 municípios
sua vez, também orientam as ações o território nacional, seja porque para levantamento das necessida-
formativas. O risco é de empobre- abordam questões transversais que des formativas dos docentes. Na
cimento curricular, se as formações possibilitam repensar o tratamento SEMED – Secretaria Municipal de
só abrangerem essas áreas, pois a curricular com vistas a responder Educação de Manaus – esse processo
formação do indivíduo vai muito às novas demandas sociais para o também está em curso. Segundo o
além das noções de leitura, escrita e ensino. No entanto, há que se atentar entrevistado, estão sendo realizados
numeração. E as questões de espa- para a possibilidade de homogeniza- levantamentos das necessidades das
ço, tempo, localização geográfica, ção e de empobrecimento, se não fo- escolas, por meio de encontros de
literatura, artes, educação corporal rem complementados ou adaptados formação, realizados por segmentos:
e ciências não merecem atenção? às realidades locais. educação infantil, professores do 1º
Foram citadas pelas secretarias Outro referente importante no di- ao 5º ano, professores do 6º ao 9º
formação em outras disciplinas do recionamento das ações formativas ano, EJA, diretores, pedagogos.
currículo, mas com muito menor fre- são os resultados das avaliações de O levantamento e a análise das
quência: (Química, Física, Biologia larga escala, sejam as do governo necessidades formativas junto aos
e Educação Física, na SEDU/ES; federal, sejam as de âmbito estadual docentes é um passo essencial para
Ciências da Natureza, na SEDUC do e local. As secretarias informaram que tomem consciência de si em
Ceará; História, Geografia, Língua que analisam os resultados de de- situações de trabalho, de suas cren-
Estrangeira, Artes e Ciências da sempenho dos alunos nas avaliações ças, valores, posições ideológicas,
Natureza, na SEDUC do Amazo- externas e organizam ações formati- políticas, éticas, científicas, pedagó-
nas). Os temas transversais (como vas para sanar as dificuldades. Mais gicas, daquilo que norteia sua ação,
inclusão, sexualidade, relações uma vez, é preciso atenção para que nos dizeres de Rodrigues (2006,
étnico-raciais, violência, drogas) as formações não se tornem treina- p. 116), configurando-se como uma
também foram alvo das formações mento para aumentar os índices de estratégia de desenvolvimento da
em grande parte das secretarias. avaliação, risco, aliás, muito grande competência reflexiva.
Outros temas citados foram Tecno- nas gestões que oferecem bônus para Um elemento fundamental nos
logia da Informação e Comunicação, desempenho, com base nos resulta- processos de formação continuada
educação ambiental, avaliação, pro- dos das avaliações. são os formadores. Daí a importância
jeto político pedagógico e relações No que concerne às demandas de de perguntar: Quem são eles? Como
interpessoais. formação continuada, muitos entre- são selecionados? Como atuam?
Os programas do governo federal vistados enfatizaram que os profes- Os dados dos estudos de campo
são os grandes balizadores da forma- sores solicitam mais frequentemente mostraram certa variedade na com-
ção continuada. Foram mencionados temas relativos à prática, ao como posição do grupo de formadores: ora
pelos entrevistados os seguintes ensinar. É possível que alguns Pro- são os supervisores da rede, como na
40 programas: Pro-Letramento, Gestar gramas do governo federal, como o SEDUC/SC, ora são professores uni-
II (os mais adotados), Pro-Infantil, Pró-letramento ou o Gestar II, sejam versitários, de instituições parceiras
Pro-Jovem, Escola Ativa, Pro-Jovem largamente aceitos pelos docentes (SEDU/ES), ora são os técnicos da

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Políticas de formação continuada e de inserção à docência no Brasil

secretaria de educação, que podem de Aparecida de Goiânia. A forma- que avalia os temas abordados e o
ser pedagogos, coordenadores de ção desse professor formador se dá seu aproveitamento. A SEMED de
escola ou professores (SEDUC/CE; ao longo de 6 meses, acontece no Manaus também faz avaliações ao
SEDUC/AM, SEMED de Manaus, horário de estudo e planejamento da término das formações, as quais
SEMED de Pelotas); ora são pro- escola. A seleção é feita por meio de são tabuladas pelo formador. Nos
fissionais dos sistemas apostilados um projeto de curso. A secretaria lan- dois casos, não foi informado se há
(SEMED de Taubaté) ou de Funda- ça o edital, e o candidato a “professor ou não devolutiva para os docentes.
ções privadas (SEMED de Jundiaí). formador convidado” apresenta seus Outras secretarias indicaram que
Vale a pena destacar como é feita a dados, currículo e projeto. Há, por acompanham o desempenho de
seleção de formadores em algumas parte da Coordenadoria, uma análise aprendizagem dos alunos em cada
secretarias, (SEDUC/CE; SEMED/ dos dados e do projeto e entrevista. escola, o que lhes permite avaliar o
Campo Grande; SEMED/Aparecida A banca é composta, geralmente, por resultado das formações e planejar
de Goiânia), pois evidencia o com- seis membros da Coordenadoria li- novas ações formativas (SEMEDs
promisso com a formação e uma gados à Superintendência Pedagógi- de Pelotas, Jundiaí, Campo Grande).
valorização do saber de experiência ca. A avaliação é feita considerando Os resultados do IDEB -- Índice de
do docente, algo que vem sendo a experiência e também a “postura” Desenvolvimento da Educação Bá-
defendido na literatura pedagógica do candidato. sica -- e das avaliações externas tam-
(Gauthier et al., 1998; Nóvoa, 2009; Essas experiências reforçam a bém foram citados como indicadores
Tardif, 2002). proposição de Imbernón (2009) que das necessidades formativas ou do
A seleção dos formadores na defende que o professorado deve ser sucesso das formações (SEMEDs de
secretaria estadual do Ceará, quan- protagonista ativo de sua formação, Santarem, Jundiaí, Taubaté).
do se trata do Programa Professor a qual deve envolver uma reflexão Se, de modo geral, as formações
Aprendiz (que consiste em incen- coletiva sobre a prática ou um tra- são avaliadas de modo informal ou
tivar professores da rede a colabo- balho colaborativo, que propicie indireto, em duas secretarias, há
rarem com o programa, em caráter uma aprendizagem da colegialidade uma preocupação em tornar essas
especial, na produção de material participativa. medidas mais formais. Uma delas
didático-pedagógico, na formação e Foi indagado aos entrevistados se é a SEMED de Campo Grande,
treinamento de outros professores e havia acompanhamento e avaliação que, a cada dois anos, realiza uma
na publicação de suas experiências dos efeitos das ações de formação avaliação externa, feita por empresa
e reflexões) tem como critérios o continuada nas escolas, e as res- contratada, que ajuda a definir os
reconhecido domínio teorico-meto- postas foram muito similares aos conteúdos e temas a serem trabalha-
dológico e a experiência na área. Os achados da pesquisa de Davis et al. dos nas formações. Essas avaliações
professores que contribuem como (2011): todos julgam que é muito têm mostrado o impacto do trabalho
formadores recebem incentivos por importante fazer o acompanhamento que vem sendo realizado, conforme
meio de bolsa da Fundação de Pes- dos docentes após as formações, mas o depoimento da entrevistada:
quisa do Estado. muitos consideram difícil, seja pela
A SEMED de Campo Grande dimensão da rede, em função do O impacto do trabalho não é muito
informou que uma das grandes número de técnicos da SE, seja pela grande, mas existe. Dados recen-
tes mostram crescimento positivo
dificuldades na implementação das distância, no caso das escolas rurais.
dos 6º ao 9º anos e diminuição de
ações de formação foi criar um gru- As secretarias que mencionaram alunos abaixo do nível básico em
po de formadores. Hoje a secretaria algum tipo de acompanhamento, Língua Portuguesa e Matemática.
conta com um quadro de formadores em geral, não utilizam técnicas ou Estão em situação melhor do que os
que é constituído por professores da instrumentos específicos: as SEDUC primeiros anos.
rede, concursados, que foram sele- do Espírito Santo e de Goiás consi-
cionados porque desenvolviam um deram que o resultado da formação Outra secretaria de educação que
trabalho diferenciado na escola. Esse se evidencia na elaboração de um tem um processo formal de avaliação
grupo faz visitas sistemáticas às es- currículo novo ou na implantação das ações de formação, assim como
colas e colhe subsídios para as ações da proposta curricular. Os entre- uma sistemática de acompanhamen-
formativas. Cada técnico tem oito vistados da secretaria municipal to dos docentes após a formação, é a
escolas sob sua responsabilidade. de Taubaté informaram que, após SEMED de Sobral. Os formadores 41
Outra experiência que merece cada ação formativa, pedem ao do- realizam visitas às salas de aula
destaque é a da secretaria municipal cente que preencha um formulário para avaliar os efeitos das ações de

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formação continuada na atuação porte sociopedagógico no ambiente avaliação favorável dos profes-
dos docentes e, juntamente com os escolar, é possível que os docentes sores formadores em relação ao
diretores das escolas, analisam o mais preparados tendam a se evadir seu desempenho e participação no
desempenho dos professores. Em do magistério, a buscar outras opor- curso”, conforme depoimento da
2010, a SEMED de Sobral realizou tunidades profissionais. entrevistada. Os profissionais em
uma avaliação por escrito, em que Outro aspecto que também foi formação no Estágio Probatório
os professores atribuíram conceitos abordado nos estudos de campo foi o recebem um incentivo financeiro
(Regular, Bom, Ótimo e Excelen- acompanhamento e o apoio aos pro- de 25% do salário-base de 40 horas
te) ao formador, à formação e a si fessores iniciantes. Paralelamente às para participarem dessa formação.
mesmos. Os dados foram tabulados iniciativas das secretarias estaduais Os critérios para a concessão da
e dispostos em gráficos que foram do Espírito Santo e do Ceará e da gratificação estão regulamentados
disponibilizados publicamente pela secretaria municipal de Jundiaí, que em lei. O investimento é incluído na
secretaria. organizam ações formativas no mo- folha de pagamento dos professores
Procurou-se saber, ainda, quais as mento de ingresso dos professores na logo após o inicio da formação.
principais dificuldades que as secre- rede, há duas secretarias municipais O programa de formação de
tarias encontram na implementação que têm uma política de seleção e principiantes na SEMED de Cam-
das ações de formação. Não foram acompanhamento dos principiantes. po Grande segue cinco etapas: (i)
muitas as dificuldades apontadas, Trata-se da secretaria de educação convocação dos iniciantes para in-
mas houve uma queixa recorrente: de Sobral, que tem um programa de formações sobre o sistema de ensino
tempo para a formação. Vários entre- formação em serviço para o período e sobre as leis e regulamentos da
vistados declararam que sua maior do Estágio Probatório, e a de Campo profissão no município; (ii) encontro
dificuldade é não poder retirar o pro- Grande, que tem um programa de com os professores para diagnos-
fessor da sala de aula para participar acompanhamento dos ingressantes ticar suas dificuldades e organizar
das formações. Isso faz com que as nas escolas. Esses dois exemplos as formações; (iii) realização das
ações formativas sejam realizadas merecem destaque porque caminham formações nas escolas, coordenadas
no período noturno ou aos sábados, na direção do que é defendido pelo pela equipe da secretaria, mas levan-
o que provoca muita resistência. relatório da OCDE (2006) e por vá- do em conta as necessidades locais;
Outras dificuldades mencionadas rios autores que analisaram informes (iv) acompanhamento do processo
foram: déficit da formação inicial de políticas docentes (Imbernón, de ensino e aprendizagem, propondo
(SEDUC/SC; SEMED de Jundiaí, 2006; Vaillant, 2006). alternativas que auxiliem o trabalho
SEMED de Florianópolis), rotativi- Durante o estágio probatório, didático desses professores; (v) ava-
dade dos professores (SEDUC/GO e que tem duração de 3 (três) anos, liação das formações com base nos
SEDUC/SC), resistência dos profes- os professores da rede municipal resultados das avaliações dos alunos.
sores a falarem sobre suas práticas de Sobral têm a obrigatoriedade de Além das políticas de apoio aos
(SEDUC/AM), ou a mudarem sua participar das formações oferecidas principiantes, os estudos de cam-
prática (SEMED de Florianópolis) pela Escola de Formação de Profes- po também permitiram localizar
e encontrar professores formadores sores - ESFAPEM. O atendimento programas que, se valendo de uma
(SEMED de Caruaru). aos professores é feito uma vez por parceria entre a universidade e a
Muitas das dificuldades apon- semana, durante o horário noturno, escola, objetivam oferecer melhor
tadas não estão relacionadas es- cumprindo normatização da secre- preparo aos futuros docentes, com
pecificamente com a formação taria de educação, que não autoriza atividades que os ajudem a se inserir
continuada, como a rotatividade dos retirada dos professores de sala de no cotidiano escolar. Entre esses pro-
professores e a formação inicial pre- aula durante horário de trabalho. gramas, podem ser citados o Pibid
cária, as quais demandam políticas Além disso, os professores devem (Programa Institucional de Bolsa de
docentes mais globais. A melhoria participar do programa Olhares, que Iniciação à Docência), uma iniciati-
da formação inicial é essencial para objetiva ampliar o universo cultural va do Ministério da Educação e da
que a formação continuada possa dos docentes. Coordenadoria de Aperfeiçoamento
atingir seus objetivos. Mas, se os A carga horária total da for- de Pessoal do Ensino Superior –
salários continuarem pouco atrati- mação é de 200 horas/aula, sendo CAPES, o Bolsa Alfabetização, im-
42 vos, se as condições de trabalho nas necessários 80% de frequência dos plementado pelo governo do Estado
escolas não forem minimamente principiantes “para ter seu estágio de São Paulo e o Bolsa Formação
adequadas, se não for criado um su- concluído satisfatoriamente e uma Aluno-Aprendizagem, destinada ao

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Políticas de formação continuada e de inserção à docência no Brasil

estudante de Pedagogia que atua tador da universidade e do professor Nos estudos de campo, foram
como professor auxiliar nas classes regente. O relato da investigação é encontradas duas exceções: as secre-
de 1º ano da Secretaria Municipal de apresentado à escola que recepcio- tarias municipais de educação de So-
Educação de Jundiaí. nou o estudante, à universidade que bral, no Ceará, e de Campo Grande,
Criado em 2007, o Pibid é um o orientou e à Secretaria de Educa- no Mato Grosso do Sul. Ambas têm
programa de fomento cujo propósito ção, que criou o programa, com o uma política de formação com ações
é proporcionar a estudantes de licen- objetivo de articular conhecimentos articuladas, sistemáticas, centradas
ciatura a oportunidade de atuarem da universidade e da escola. na prática escolar, com incentivos
como profissionais na educação Outro programa que se destina aos docentes para participarem dos
básica por meio da inserção em es- a aproximar as IES – Instituições encontros de formação, acompanha-
colas da rede pública onde possam de Ensino Superior – e as escolas mento na escola, avaliação dos seus
criar e participar de experiências de é o que introduz estagiários de efeitos na aprendizagem dos alunos
caráter inovador e interdisciplinar, Pedagogia nas classes de 1º ano e revisão da formação.
que articulem as diferentes áreas das escolas municipais de Jundiaí. Embora, de maneira geral, as
do conhecimento e promovam a O estudante bolsista permanece na ações formativas ainda sejam dirigi-
relação entre teoria e prática. Prevê a classe o ano inteiro como auxiliar das aos professores individualmente,
concessão de bolsas aos estudantes, do professor. No ano de 2011, a Se- mostraram uma evolução, ao deixa-
aos docentes da universidade que os cretaria Municipal de Educação de rem de ser um conjunto de ações dis-
orientam e aos professores da escola Jundiaí estabeleceu convênio com persas para focar o desenvolvimento
básica que os recebem em suas salas três cursos de Pedagogia da cidade. da proposta curricular, estando no
de aula. Os estagiários recebem uma bolsa horizonte, os resultados dos sistemas
Ainda não foi feita uma avaliação de quinhentos reais mensais, e o de avaliação do governo federal, ou
abrangente dos efeitos do Pibid na professor universitário recebe cem dos estados, ou dos próprios muni-
formação de jovens professores, reais por estagiário, podendo super- cípios. Se o fato de estarem voltadas
nem uma comparação entre a qua- visionar até 20 estudantes. Como a para a proposta curricular é positivo,
lidade da formação dos egressos Secretaria tem interesse que esse es- porque indica uma preocupação
desse e de outros programas, mas as tagiário permaneça na rede, oferece com a aprendizagem do aluno, o
avaliações pontuais que vêm sendo capacitação e certificado que contam atrelamento das ações formativas
desenvolvidas (Ambrosetti et al., pontos para o concurso de ingresso. aos resultados das avaliações exter-
2011) têm evidenciado resultados nas deixa muitos questionamentos.
muito positivos, seja na motivação Alguns pontos de Afinal, quem pode afirmar que as
dos estudantes envolvidos, para destaque avaliações externas abrangem todas
ingressar na profissão, seja na dis- as dimensões da formação humana,
posição dos professores das escolas, Os estudos de campo revelaram tarefa obrigatória da escola?
que se sentem desafiados a rever que, na maioria dos estados e muni- Quanto à composição do grupo
suas práticas em colaboração com cípios, as ações formativas são de- de formadores, os estudos de campo
os novos atores. senvolvidas sob a forma de oficinas, evidenciaram uma certa variedade:
Outro programa que busca apro- palestras e cursos de curta e longa ora são professores experientes, ora
ximar universidade e escola e fa- duração, presenciais e a distância, supervisores da rede, ora são profes-
vorecer a inserção na docência é voltados, em geral, para o profes- sores universitários ou profissionais
o Bolsa Alfabetização. Criado em sor, e não para a escola, sem um dos sistemas apostilados de ensino
2007 pelo governo do estado de São acompanhamento sistemático dos ou de fundações privadas. Entre-
Paulo, destina-se a estudantes de efeitos dessas ações na sala de aula. vistados de quatro secretarias ex-
licenciatura, que, sob supervisão de Essa constatação reforça, em geral, plicitaram que professores com um
professores universitários, atuam em os resultados da pesquisa realizada trabalho destacado na rede podem
escolas da rede estadual de ensino. por Davis et al. (2011), quando evi- atuar como formadores (SEDUC Ce-
Os bolsistas auxiliam os professores denciam o caráter individualizado ará, SEMEDs de Campo Grande, de
regentes nas classes de 2º ano da das ações formativas e a falta de Aparecida de Goiânia e de Jundiaí).
alfabetização e, além disso, devem instrumental avaliativo para verifi- O envolvimento dos docentes nos
elaborar um projeto de investigação, car seu efeito no desenvolvimento processos formativos, participando 43
voltado à experiência vivida na profissional do professor e na prática de sua concepção, planejamento e
escola, com a supervisão do orien- de sala de aula. implementação, tem sido valorizado

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nas pesquisas e, defendido como Congresso Estadual Paulista de Formação IMBERNÓN, F. 2006. La profesión docente
uma necessidade na construção da de Educadores / I Congresso Nacional de desde el punto de vista internacional. Que
Formação de Professores. Anais... Águas dicen los informes? Revista de Educación,
autonomia cognitiva dos docentes e
de Lindóia, 1:7038-7049. 340:41-49.
de sua realização como profissional
ANDRÉ, M. 2010. Formação de professores: IMBERNÓN, F. 2009. Formação permanente
(Imbernón, 2009; Marcelo, 2009; a constituição de um campo de estudos. do professorado: novas tendências. São
Nóvoa, 2009). Educação, 33:06-18. Paulo, Cortez Editora, 118 p.
As políticas de apoio aos pro- ANDRÉ, M.E.D.A. 2009. A produção MARCELO, C. 2009. Desenvolvimento
fessores iniciantes, observadas acadêmica sobre formação docente: um profissional docente: passado e futuro.
em poucos municípios brasileiros, estudo comparativo das dissertações SISIFO, Revista de Ciéncias da Educa-
merecem toda atenção dos órgãos e tesesdos anos 1990 e 2000. Revista ção, (8):7-22.
Brasileira de Pesquisa sobre Formação NÓVOA, A. 2009. Professores – Imagem do
públicos, responsáveis pela gestão
de Professores, 1(1):41-56 futuro presente. Lisboa, EDUCA, 95 p.
da educação, porque podem ser CHRISTOV, L.H. da S. 2007. Educação con- NÓVOA, A. 2006. Desafios do Trabalho
reproduzidas e adaptadas a outros tinuada: função essencial do coordenador do professor no mundo contemporâneo
contextos, vindo a contribuir para pedagógico. In: A.A. GUIMARÃES – Nada Substitui o Bom Professor. Pa-
diminuir as taxas de abandono do (org.), O Coordenador pedagógico e a lestra feita no SINPRO, SP. Disponível
magistério e para manter os bons educação continuada. 5ª ed., São Paulo, em: http://www.sinprosp.org.br/arqui-
professores na profissão. Loyola, 9-12 vos/novoa/livreto_novoa.pdf. Acesso em:
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Os programas de parceria en-
cian em la Docencia: algunas reflexiones ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO
tre universidade e escola devem
al respecto desde America Latina. Revista E DESENVOLVIMENTO ECONÔMI-
ser valorizados e ampliados para Iberoamericana de Educacion, 19:51-100. CO (OCDE). 2006. Professores são
diferentes regiões do país, porque DAVIS, C.; NUNES, M.; ALMEIDA, P. 2011. importantes: atraindo, desenvolvendo e
constituem excelentes alternativas Formação Continuada de professores: retendo professores eficazes. São Paulo,
para superar o distanciamento que uma análise das modalidades e das práti- Moderna, 249 p. (Relatório de pesquisa).
historicamente se observa entre os cas em estados e municípios brasileiros. PLACCO, V.M. de S.; ALMEIDA, L.R. 2003.
espaços da formação e do exercício São Paulo, Fundação Carlos Chagas, 129 O coordenador pedagógico e o cotidiano
p. (Relatório de Pesquisa). da escola. São Paulo, Loyola, 142 p.
profissional. Além disso, auxiliam os
FIORENTINI, D. 2004. Pesquisar práticas RODRIGUES, A. 2006. Análise das práticas
estudantes a se identificarem com a colaborativas ou pesquisar colaborati- e de necessidades de formação. Lisboa,
profissão e favorecem a inserção à vamente? In: M. BORBA; J.L. ARAÚ- Direção Geral de Inovação e de Desen-
docência. JO, Pesquisa qualitativa em educação volvimento Curricular, 65 p.
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rollo profesional del profesor principiante 248 p. Deuda Pendiente. Profesorado, Revista de
en el Programa de Acompañamiento GAUTHIER, C.; MALO, A.; MARTINEAU, Curriculum y Formación del Profesorado,
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Inserción Laboral de Argentina. Re- pedagogia. Ijuí, Unijuí, 562 p. VAILLANT, D. 2006. Atraer y retener buenos
vista Brasileira de Educação, 39(56):229- GATTI, B.A.; BARRETTO, E.S. de S.; profesionales en la profesión docente:
242. http://dx.doi.org/10.1590/S1413- ANDRÉ, M.E. D. de A. 2011. Políticas políticas en Lationoamérica. Revista
24782014000100012 Docentes no Brasil: um estado da arte. Educación, (340):117-140.
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Marli André
44 Pontifícia Universidade Católica de
São Paulo
Rua Ministro Godoi, 969, 05014-901,
Perdizes, São Paulo, SP, Brasil

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