63216-Texto Do Artigo-217798-1-10-20240604

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Mobilidade urbana sustentável em cidade

de pequeno porte: o caso de Conde-PB


Sustainable urban mobility in a small city:
the case of Conde-PB

André Pinto dos Santos [I]


Juliana Silva Almeida Santos [II]
Daniella do Amaral Mello Bonatto [III]

Resumo Abstract
A Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU) The National Urban Mobility Policy (PNMU)
prevê que cidades com mais 20.000 habitantes ou provides that cities with more than 20,000
pertencentes a regiões metropolitanas ou voltadas inhabitants, belonging to metropolitan regions,
para atividades turísticas elaborem e aprovem pla- or focused on tourist activities must create and
nos de mobilidade. Contudo, as cidades de peque- approve mobility plans. Small cities, however,
no porte possuem especificidades que dificultam have specificities that hinder the development
o desenvolvimento desse instrumento. Nesse con- of this instrument. In this context, the purpose
texto, esta pesquisa teve como objetivo analisar as of the study was to examine mobility initiatives
iniciativas de mobilidade implementadas no mu- implemented in the municipality of Conde, State
nicípio de Conde-PB, visando à sua replicação em of Paraíba (PB), aiming at their replication in
cidades de contexto socioeconômico semelhantes. cities with similar socioeconomic conditions. A
Para isso, foi realizado um estudo de caso através case study was conducted through documentary
de pesquisa documental, no intuito de compre- research in order to understand the context in
ender o contexto de elaboração e os resultados which the initiatives were created and the results
alcançados. Como produto, esta pesquisa traz con- obtained. As a result, this research contributes to
tribuições às discussões relacionadas à mobilidade discussions related to sustainable mobility in cities
sustentável nas cidades, por meio do fornecimento by providing references to guide future efforts.
de referências para direcionar ações futuras. Keywords: urban mobility; small city; Conde-PB;
Palavras-chave: mobilidade urbana; cidade de pe- PNMU.
queno porte; Conde-PB; PNMU.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 26, n. 60, pp. 637-661, maio/ago 2024 Artigo publicado em Open Acess
http://dx.doi.org/10.1590/2236-9996.2024-6011 Creative Commons Atribution
André Pinto dos Santos, Juliana Silva Almeida Santos, Daniella do Amaral Mello Bonatto

Introdução Desde a criação da lei que estabeleceu


a PNMU, o governo federal alterou diversas
vezes o prazo para a elaboração do plano. Em
O planejamento urbano sempre foi guiado, ma- 2020, a lei n. 14.000/2020 estipulou o prazo
joritariamente, sob a perspectiva de interesses de até 12 de abril de 2023 para que municí-
econômicos, porém, nos últimos tempos, a re- pios com menos de 250.000 habitantes pu-
lação do modo de vida nas cidades associada dessem formular seu Plano de Mobilidade
à emergência climática evidenciou o caráter Urbana. Entretanto, devido ao número signi-
emergencial do desenvolvimento urbano sus- ficativo de prefeituras sem a elaboração do
tentável. Embora se reconheça a necessidade instrumento, o prazo foi estendido para 2025,
de estratégias para mitigar os impactos climáti- a partir da medida provisória n. 1179/2023
cos, pouco de fato foi feito para concretizar tais (Brasil, 2023b).
ações, principalmente porque traduzir iniciati- Dado o exposto, esta pesquisa teve por
vas sustentáveis em políticas públicas ainda é objetivo analisar as iniciativas de mobilidade
dificultoso devido às barreiras políticas, econô- urbana implementadas na cidade de Conde-
micas e sociais existentes que se encontram em -PB, no intuito de avaliar a aplicabilidade do
descompasso com o planejamento das cidades conceito de sustentabilidade no contexto da
(Hall, 2011; Gehl, 2013; Kębłowski et. al, 2022). mobilidade urbana brasileira em cidade de
No Brasil, a mobilidade urbana passou a pequeno porte e identificar diretrizes e es-
ser orientada a partir de 2012 pela lei 12.587 de tratégias adotadas na proposta, visando à sua
3 de janeiro de 2012 que estabeleceu a Política replicação em cidades de contexto socioeco-
Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU). O ins- nômico semelhantes.
trumento é tido como um dos eixos estruturado- Partiu-se do pressuposto de que a ex-
res do desenvolvimento urbano e foi elaborado periência da cidade de Conde oferece a pos-
a partir de uma necessidade não contem­plada sibilidade de avaliação do processo de inter-
no Estatuto das Cidades, elaborado em 2001. venção e planejamento de cidades em sua
Reconhecendo os diversos perfis de mu- complexidade, permitindo o aprofundamento
nicípios que compõem o rol de cidades que do conhecimento científico acerca do tema
precisam de um Plano de Mobilidade, à época, e o aprimoramento das políticas públicas, a
o Ministério das Cidades estabeleceu que fos- partir das soluções implementadas. Assim,
sem adotadas diferentes estratégias adequadas buscou-se compreender de que maneira as
à realidade de cada município. Dessa forma, o ações elaboradas propiciaram o alcance dos
Caderno de Referência para Elaboração de Pla- princípios da mobilidade urbana sustentável,
no de Mobilidade Urbana estabeleceu temas a melhoria da condição de deslocamento da
pertinentes às diferentes classes de cidades, população e acesso aos serviços urbanos. No
de acordo com sua população. O Caderno visou que tange à administração pública, o estudo
facilitar a elaboração dos planos pelas cidades, visou analisar o papel da gestão municipal na
compreendendo que elas têm demandas e di- formulação, no gerenciamento e na viabiliza-
nâmicas diferentes (Brasil, 2015). ção das ações.

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Mobilidade urbana sustentável em cidade de pequeno porte

Referencial teórico sistemas de transportes públicos, são pontos


fundamentais para a criação de cidades mais
sustentáveis. A qualidade do ambiente urbano
Trazendo a problemática do planejamento ur-
e as condições para a caminhada até os trans-
bano sob a ótica da mobilidade urbana susten-
portes públicos e para o caminhar como meio
tável, a priorização do pedestre e das bicicletas
de transporte para acessar as atividades diárias
é uma mudança expressiva no que diz respei-
afetam diretamente a saúde física e mental das
to às políticas sustentáveis, pois utiliza menos
pessoas e das comunidades, sendo fundamen-
recursos e afeta, em menor escala, o meio
tais para a manutenção de um envelhecimento
ambiente (Gehl, 2013), ao mesmo passo que
ativo e saudável (Bonatto e Alves, 2022). Dessa
permite beneficiar a população de forma mais
forma, ampliar os espaços públicos, qualificar
abrangente e mais equitativa (Brasil, 2012; Vas-
os espaços urbanos e conectar o transporte co-
concellos, 2017). Nesse sentido, várias cidades
letivo com a rede cicloviária e de calçadas são
do mundo têm adotado o conceito de Desen-
recomendações de DOT no contexto dos países
volvimento Orientado ao Transporte (DOT), em
em desenvolvimento (Hobbs et al., 2022).
que há uma inter-relação e integração entre os
meios de transporte coletivo e as infraestrutu-
ras para pedestres e ciclistas.
“DOT é uma estratégia territorial funda- Metodologia
mentada em projetos urbanísticos que visam
articular componentes urbanos com os siste- Alicerçado nos parâmetros estabelecidos por
mas de mobilidade, a fim de construir cidades Gil (2019), a pesquisa enquadra-se como apli-
mais compactas e ambientalmente corretas” cada quanto à sua finalidade e qualitativa no
(Hobbs et al., 2021, p. 14). que diz respeito à sua abordagem. Consiste em
O sistema difunde e cria condições para estudo de natureza exploratória, que visou pro-
a construção de cidades compactas, caminhá- porcionar maior familiaridade com a temática
veis e com locais de trabalho e residências com delimitada e permitir a compreensão do fenô-
distâncias razoáveis para deslocamentos a pé meno estudado. O processo de investigação foi
ou de bicicleta, garantindo o desenvolvimento desenvolvido a partir da utilização dos procedi-
sustentável local (Hrelja et al., 2022; Iamtrakul,­ mentos técnicos de estudo de caso, pesquisa
Padon­ e Klaylee, 2022). Cidades como Nova bibliográfica e documental. Nestes dois últi-
York, Melbourne e Copenhague têm tido gran- mos, as fontes de dados foram compostas por
de influência em um movimento que busca artigos publicados em periódicos científicos e
proporcionar qualidade urbana por meio da anais de eventos, livros, relatórios de pesqui-
mobilidade (Gehl, 2013). sa, reportagens de jornal, documentos oficiais
Andrade e Linke (2017) defendem que e normativas urbanísticas nos níveis nacional,
uma intervenção unificada para garantir que estadual e municipal.
as pessoas usem a mobilidade ativa (pedonal e A opção pela técnica de estudo de caso
ciclística) para exercer suas atividades diárias, e unidade de amostra deu-se em decorrên-
somada a maior atratividade e eficiência dos cia do caráter unitário e da relevância do caso

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investigado,­ cujas iniciativas foram reconheci-


O caso da mobilidade
das nacionalmente em função das melhorias
concebidas em prol da mobilidade ativa e das
urbana em Conde (PB)
condições de deslocamento dos pedestres.
Desse modo, o estudo permitiu entender o Para melhor compreensão das propostas de
contexto de investigação, bem como explorar mobilidade urbana implementadas, sobretudo
possíveis variáveis e fatores que possibilitaram no que diz respeito à relevância e pertinência
o êxito das propostas elaboradas. delas diante das problemáticas e demandas lo-
Cabe salientar que a presente pesquisa cais, apresenta-se, a seguir, uma breve contex-
não propõe apenas a realização de um estudo tualização urbana do município de Conde.
intrínseco do caso, mas, pelo contrário, objeti-
vou lançar luz aos conceitos teóricos acerca do Compreensão da estrutura urbana
tema, a partir dos insights obtidos com a aná- e do contexto de mobilidade
lise do caso, visando à generalização analítica no município
dos resultados alcançados. Nesse sentido, me-
diante um conjunto particular de resultados, o Conde-PB é um município de pequeno porte in-
pesquisador pode gerar novas proposições teó­ serido na Região Metropolitana de João Pessoa-
ricas aplicáveis e testáveis a outros contextos, -PB, possui uma extensão territorial de 171.267
possibilitando uma importante contribuição km², população de 27.605 habitantes e densida-
para aquela área de conhecimento específica de demográfica de 161,18 hab/km². Apesar de
(Yin, 2015). estar inserido em uma Região Metropolitana
Desse modo, optou-se por conduzir o e situado entre as duas capitais mais próximas
processo de investigação com base na meto- do País – João Pessoa e Recife – não apresenta
dologia de Yin (2015), sendo delimitadas cinco conurbação com outras áreas urbanas (Costa
etapas: (1) Planejamento, que consistiu na ca- et al., 2020; Instituto Brasileiro de Geografia e
racterização do fenômeno a ser investigado e Estatística,­2023).
na definição dos procedimentos técnicos; (2) Conforme demonstrado na Figura 1, o
Delineamento, que resultou na escolha da uni- território é dividido administrativamente em
dade de análise e das proposições teóricas per- dois distritos, a Sede (ou Conde) a oeste, abri-
tinentes; (3) Preparação, na qual foi desenvol- gando o núcleo que deu origem ao município e
vido o protocolo de estudo de caso; (4) Coleta, a atual infraestrutura administrativa da cidade,
que consistiu na realização da pesquisa biblio- e o distrito de Jacumã, que se estende pelo lito-
gráfica e documental; e (5) Análise, em que fo- ral. Embora situados no mesmo território e se-
ram organizados os dados obtidos, observados parados apenas por 14 km de distância, os dois
insights e elaboradas diretrizes. núcleos funcionam com relativa independência,­

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Figura 1 – Mapa do município de Conde-PB com os núcleos urbanizados

Fonte: autores, em 2023, com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2021); MapBiomas
(2019); Geo Portal Aesa (2020).

em um processo de fragmentação territorial localização,­tendo a sede da cidade sido estru-


consolidado ao longo do tempo que resultou turada sobre um espigão formado pela nas-
na formação de duas “cidades”. No centro do cente de rios e suas­ confluências, formando
território, observam-se grandes extensões de um tabuleiro elevado­ em relação ao nível do
remanescentes vegetais e áreas não edificadas mar (Costa et al., 2020).
(Batista e Silveira, 2020; Costa et al., 2020). Embora tenha tido um processo de incor-
Na Figura 2, apresentam-se a geomor- poração à cidade de Parahyba (atual João Pes-
fologia do município e a ocupação do terri- soa) e um desmembramento posterior que re-
tório. Conde teve um processo de formação sultou em sua emancipação em 1963, perma-
significativamente influenciado por diversos neceu como vila até meados de 1970, quando
fatores geográficos que condicionaram sua foi iniciado um processo de expansão a partir

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Figura 2 – Caracterização física da sede de Conde-PB,


com a urbanização predominante no tabuleiro formado pela topografia local

Fonte: autores, em 2023, com dados de Brasil (2008); Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2021);
Geo Portal Aesa (2020); Open Buildings (2023).

de loteamentos com grandes glebas que foram lotes­a serem vendidos, gerando ruas íngremes
incorporadas ao tecido urbano e resultaram em e áreas sem infraestrutura urbana adequada
um aumento de 3.298% da área da vila origi- (Batista e Silveira, 2020; Costa et al., 2020).
nal. Apesar de o seu traçado urbano apresentar Ainda de acordo com Costa et al. (2020),
uma ocupação condicionada pela topografia da as ruas que se encontram pavimentadas atual-
região, os novos empreendimentos ignoram as mente são as vias que estão no núcleo central
características naturais em detrimento de uma da cidade, dificultando o acesso a outras par-
priorização de aspectos mercadológicos dos tes da cidade. Nota-se, também, um conflito

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resultante da rodovia estadual PB-018 que liga a enormes­ distâncias para serem percorridas
a BR- 101 ao distrito de Jacumã e corta a sede a pé, como no caso do distrito de Jacumã, no
de Conde. A rodovia apresenta uma infraestru- litoral (Figura 3). Além disso, outras opções co-
tura prioritariamente voltada para automóveis, mo cânions ou outros locais de ambiente na-
contudo é muito utilizada por pedestres, justa- tural só são acessíveis a pessoas que têm mo-
mente por estar inserida junto ao tecido urba- tocicletas ou automóveis, itens cujos custos de
no (Batista e Silveira, 2020). manutenção podem chegar a quase metade do
Em síntese, a cidade de Conde apresenta­ rendimento médio mensal do município (1,9
uma concentração populacional mais definida salário-mínimo). Dessa forma, a população
sobre o platô, com interfaces com a área se- restrita a meios de transporte público, bicicle-
mirrural que fica no entorno dele, e a partir de ta ou a pé correspondem a 75% da população
análises territoriais apresenta um crescimento (Vialle, 2020). O mesmo autor indica outro re-
fragmentado do tecido urbano, dificultando a flexo da ausência de infraestrutura adequada:
implantação de infraes­truturas e distribuição cerca de 87,1% das vias públicas não possuem
de bens e serviços pela mancha urbana. qualquer tipo de pavimentação, seja asfalto ou
bloco, impactando diretamente na mobilidade
Assim, a área de fato urbana, mais den-
urbana, inviabilizando locais de parada de ôni-
sa e consolidada, encontra-se assentada
sobre o platô. Dentro deste perímetro, o bus, sinalização viária ou sistemas de informa-
cruzamento das principais vias (antigas, ção para passageiros.
integradas, principais e coletoras) for- Portanto, é possível inferir que a mobi-
mam nós urbanos, onde se concentram lidade urbana é um fator preponderante para
equipamentos públicos e comércios.
a melhoria da qualidade urbana no município,
(Costa et al., 2020, p. 91)
visto que são infraestruturas que articulam o
Em relação à mobilidade urbana, são traçado urbano do município e impactam di-
insuficientes as infraestruturas que possibili- retamente nas dinâmicas cotidianas, seja pelo
tem a circulação das pessoas pelo território uso da população para acesso aos bens e servi-
do município. No que diz respeito a meios de ços, seja pelo desenvolvimento econômico que
transporte, os locais de lazer correspondem é oriundo dessas infraestruturas.

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Figura 3 – Mapa territorial de Conde-PB e infraestrutura viária

Fonte: Vialle (2020, p. 345).

Iniciativas de Mobilidade município adquiriu certa notoriedade no cená-


Urbana em Conde-PB rio nacional, no campo da mobilidade urbana,
em decorrência de iniciativas implementadas
Embora o prazo previsto pela PNMU para ela- pela gestão estadual e na gestão da ex-prefeita
boração e aprovação dos Planos de Mobilidade Márcia Lucena (2017-2020) que resultaram em
Urbana em municípios brasileiros esteja próxi- ganhos para as áreas da educação e da mobi-
mo, ressalta-se que Conde ainda não possui tal lidade. As ações, ainda que pontuais, possibili-
instrumento legal implantado, estando atual- taram transformações significativas para a rea-
mente em fase de finalização. Apesar disto, o lidade local. Mesmo antes de assumir o cargo

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de prefeita, a gestora já havia implementado e equipamentos­ de segurança (capacete, co-


ações no campo da mobilidade urbana. Como toveleira e joelheira) para estudantes da rede
Secretária de Educação e Cultura do Estado da pública de educação que percorriam grandes
Paraíba, no período de 2011 a 2014, desen- distâncias a pé no caminho casa-escola. Os cri-
volveu em parceria com o Governo do Estado térios para seleção dos alunos contemplados
diversos programas em prol da melhoria das consideraram a distância de deslocamento per-
condições de mobilidade para estudantes das corrida – que deveria ser de 6 km até 10 km so-
redes municipal e estadual de ensino. No ano mando os trajetos de ida e volta –, a matrícula
de 2012, o Programa Paraíba faz Educação pos- regular no Ensino Médio Regular ou Educação
sibilitou a distribuição de ônibus escolares para de Jovens e Adultos (EJA) ou em escolas rurais,
81 municípios do Estado da Paraíba, benefi- indígenas e quilombolas, bem como a idade
ciando mais de 56 mil alunos da rede estadual. mínima de 12 anos (Distribuição…, 2013).
À época, a secretária destacou a prioridade da- Segundo o relato de professores e direto-
da aos serviços de transporte escolar, tendo em res, após a entrega das bicicletas foi percebida
vista a precariedade dos meios de transporte uma melhora na frequência e na pontualidade
adotados para os alunos (Governador…, 2012). dos alunos. De acordo com esses profissionais,
Reportagens locais retrataram essa rea- por vezes, os alunos retornavam para casa no
lidade e apontaram muitas irregularidades nos horário do almoço e não voltavam para a esco-
veículos utilizados para o transporte escolar, de- la no período vespertino. Por sua vez, algumas
nominados como “pau de arara” (Município…, crianças contempladas relataram estar felizes
2015), destacando-se a infraestrutura precária pela melhora na rotina, possibilitada pela mu-
e a ausência de cinto de segurança para os pas- dança do meio de transporte. Conforme rela-
sageiros. Em meio às críticas, o ex-prefeito do tado, muitas precisavam levantar-se bem cedo
município de Mogeiros, Antônio José de Ferrei- e percorrer até 25 minutos a pé até a escola.
ra, chegou a justificar a regulamentação e con- Ocasionalmente, acabavam chegando atrasa-
tratação desses veículos em virtude da falta de das e cansadas na instituição de ensino (Distri-
verba para a compra de veí­culos adequados e buição…, 2013). Cabe salientar que o projeto
da dificuldade de acesso a determinadas áreas, não só possibilitou um transporte mais seguro,
em função do relevo acidentado da região. No mas também, contribuiu para a melhoria da
entanto, a promotoria notificou o município qualidade de vida das crianças.
e ressaltou que a regulamentação permitia a Por seu turno, a gestão municipal (2017-
utilização de caminhonetes­adaptadas ou qual- 2020) enfrentou significativos desafios devido
quer outro veículo que possibilite um transpor- à insuficiência de instrumentos normativos,
te seguro aos alunos (Município…, 2015), não dados atualizados sobre o território e indispo-
justificando, em hipótese alguma, a legitima- nibilidade de recursos financeiros e humanos
ção de tais meios de transporte. para suporte das ações. Segundo Vialle (2020),
Diante da realidade observada, desta- embora o município possuísse um Plano Dire-
cam-se outras iniciativas a nível estadual im- tor (lei n. 716/2012), o documento não se en-
portantes, como o Projeto Caminhos da Es- contrava atualizado nem apresentava um ma-
cola que distribuiu cerca de 15 mil bicicletas peamento urbano para suporte e norteamento

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dos parâmetros de uso e ocupação do territó- Geovany Jessé A. Silva (Laurbe – UFPB), e Fe-
rio (lei complementar 1/2018). Em vista disso, derica Tortora (Laurbe – Università di Roma
foi necessário planejar propostas e estratégias “La Sapienza”), com a colaboração de bolsis-
que possibilitassem uma ação efetiva, aliada à tas de graduação dos cursos de Arquitetura e
otimização de recursos. Urbanismo, Engenharia Ambiental, Engenharia
Um exemplo de estratégia adotada con- Civil e Geografia. Um dos temas analisados pe-
sistiu na colaboração, no período de 2017 a lo grupo de pesquisa foi a mobilidade urbana,
2020, entre a Prefeitura Municipal de Conde e na qual foram identificados diversos proble-
o Laboratório de Ambiente Urbano e Edificado mas locais e elaboradas propostas baseadas
(Laurbe) que desenvolve pesquisas no cam- nas diretrizes­ recomendadas pelo Manual de
po da arquitetura, urbanismo e planejamento Desenvolvimento Orientado para o Transpor-
urbano e regional junto ao Centro de Tecno- te Sustentável (Dots), elaborado pela Embarq
logia (CT) da Universidade Federal da Paraíba Brasil­(2015).
(UFPB). A parceria teve como meta desenvol- O diagnóstico relativo à mobilidade des-
ver um masterplan para amparar a nova gestão tacou o espraiamento e a segmentação da
em relação a aspectos técnicos e diretrizes de mancha urbana – que afeta a dinâmica do mu-
planejamento urbano em curto, médio e longo nicípio e a conexão da rede viária –, bem como
prazo, para o desenvolvimento sustentável do a subutilização das infraestruturas existentes
município, com vistas, também, em uma possí- de apoio ao sistema viário; a dificuldade de
vel revisão do Plano Diretor Municipal (Batista acesso a serviços e comércios; a falta de acessi-
e Silveira, 2020). bilidade e de equipamentos nos espaços de cir-
Segundo os autores supracitados, a ini- culação para pedestres e ciclistas e a inseguran-
ciativa foi formalizada por meio da realização ça para a circulação de pedestres nos trechos
de um projeto de extensão coordenado pelos das rodovias (Figura 4).
professores José Augusto Ribeiro da Silveira e

Figura 4 – Exemplos de problemas identificados pelo estudo

Ausência de
calçadas

Ausência de obstáculos
para os automóveis,
possibilidade de atingir
altas velocidades

Fonte: Batista e Silveira (2020, p. 186).

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Em vista disso, foram propostas diretrizes estacionamento­ para vagas­ situadas na área
para melhoria da mobilidade urbana no muni- da orla marítima, visando a uma melhor ges-
cípio, com ênfase na mobilidade ativa, no de- tão da demanda na área comercial estratégica
senvolvimento de alternativas sustentáveis e do município (Vialle, 2020).
na produção de ambientes mais seguros e agra- Em relação à reestruturação urbana, foi
dáveis para os pedestres e os ciclistas (Batista e realizado um importante projeto de reurbani-
Silveira, 2020). A saber: zação de uma região central do distrito de Con-
1) Encurtamento das distâncias: por meio do de, que acabou recebendo o Prêmio Cidade
fomento ao modelo de cidade compacta, no Caminhável (2021). O prêmio foi uma iniciativa
qual são estabelecidas distâncias máximas entre do Movimento SampaPé, organização sem fins
as residências e as infraestruturas de equipa- lucrativos liderada por mulheres que visam
mentos e serviços (como escolas, unidades bási- contribuir para a construção de cidades mais
cas de saúde, supermercados, e áreas de lazer); caminháveis para e com as pessoas, e contou
2) Eliminação do medo do tráfego: a partir da com apoio do Instituto de Políticas de Trans-
implementação de medidas de traffic calming porte e Desenvolvimento (ITDP Brasil) e do
no desenho urbano (como o estreitamento de Instituto Walk 21, ambos com iniciativas que
ruas, criação de faixas de pedestre elevadas e o buscam a promoção de cidades mais caminhá-
estabelecimento de binários), em pontos estra- veis e sustentáveis. O município de Conde foi
tégicos da malha urbana, para redução das ve- premiado na categoria de Cidades pequenas
locidades e melhoria da segurança de pedestres; (SampaPé, 2021).
3) Viabilização da mobilidade sustentável: A proposta de reurbanização destacou-
mediante a melhora das condições de deslo- -se pela forma de condução do processo de
camento para pedestres e ciclistas, através da planejamento e pela execução da obra, garan-
padronização de calçadas acessíveis, criação de tindo a participação da população por meio da
rede cicloviária hierarquizada composta por ci- cocriação de carta de diretrizes projetuais, in-
clovias, ciclofaixas e ciclorrotas – dispostas com corporação de moradores no júri participativo
base na hierarquia e na localização das vias no do concurso e, ainda, na equipe de obras res-
município – e fornecimento de transporte públi- ponsável pela execução da praça. O projeto ob-
co acessível, suficiente e de qualidade. jetivou “tornar o centro uma área convidativa e
Em nível administrativo, outra impor- acessível para pedestres e ciclistas, conectando
tante ação consistiu na municipalização do as duas praças em um grande espaço público
trânsito (já existia uma legislação de 2015, equipado e agradável, contiguo ao calçadão do
porém era considerada inadequada) e a cria- eixo da igreja” (Versa, 2018).
ção da Coordenadoria de Mobilidade e Trân- Conforme observado na Figura 5, foi pro-
sito (órgão ainda inexistente no município) no posta no projeto uma ampla calçada de pedes-
ano de 2017. Dentre as iniciativas realizadas, tres presente no centro da caixa viária da rua
destaca-se a implementação de campanhas que desemboca na igreja, solução que traz o
de conscientização no trânsito e de tarifas de pedestre como principal ator da dinâmica de

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Figura 5 – Imagens da proposta projetual elaborada

Fonte: Fortaleza… (2021).

mobilidade local. Além disso, foi prevista a me- como­as ações pontuais implementadas no mu-
lhoria dos passeios públicos a partir do incre- nicípio de Conde contribuíram para o atendi-
mento de elementos arbóreos e de iluminação. mento às orientações da mobilidade sustentá-
Fruto de concurso nacional de projetos, vel propostas por esses instrumentos, visando à
a solução vencedora apresentou como diretriz sua possível replicação em outras cidades.
central o fomento à mobilidade ativa, a criação
de novas áreas de estar e lazer para a popula- Análise da proposta sob a ótica
ção e o aumento de mobiliários e equipamen- da PNMU e dos princípios
tos urbanos, como foi preconizado no edital do da Mobilidade Urbana Sustentável
concurso (Archdaily Brasil, 2018). A equipe do
projeto também aplicou soluções baseadas na Embora o município não possua um Plano de
racionalidade, na funcionalidade e na exequibi- Mobilidade Urbana efetivamente implantado,
lidade do projeto, conforme a realidade econô- percebe-se que as propostas de adequação em
mica local (CAU-RS, 2018). alguns pontos críticos da mobilidade trouxeram
benefícios à população. Nesse sentido, cabe
analisar quais princípios de sustentabilidade
Conde conseguiu cumprir ao implementá-las,
Resultados e discussão tendo como referência a PNMU.
O art. 5º seção II da lei n. 12.587/2012
Em vista das iniciativas adotadas pelo municí- estabelece os princípios para a mobilidade
pio, é importante uma análise tendo como re- urbana pautados na acessibilidade universal,
ferência os principais instrumentos norteadores desenvolvimento sustentável das cidades,
da mobilidade urbana, como o Dots e a PNMU. equidade no acesso dos cidadãos ao transpor-
Apresenta-se, a seguir, uma reflexão sobre­ te público coletivo; equidade na prestação dos

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Mobilidade urbana sustentável em cidade de pequeno porte

serviços­ de transporte urbano; gestão demo- O desenvolvimento do masterplan em


crática, entre outros, que garantem a efetivida- parceria com a UFPB, além de criar um vínculo­
de e segurança­ no deslocamento das pessoas de retorno entre universidade e sociedade,
(Brasil, 2012). trouxe estratégias de mobilidade que abran-
Relacionando-se a PNMU e as ações pon- gem diversos pontos relacionados à circulação
tuais realizadas na cidade, percebe-se que a urbana nos quesitos qualidade, segurança e efi-
reurbanização do centro abrange grande par- ciência. Embora não tenha sido implementado
te dos princípios estabelecidos pela referida em sua totalidade, apresentam-se estratégias
política, explicando parte do reconhecimento palpáveis para a execução, com forte potencial
nacional da iniciativa. Apesar das significativas de retorno aos moradores.
melhorias na infraestrutura local e do proces- Embora a parceria solucione, momenta-
so de planejamento participativo preconizado, neamente, a ausência de dados atualizados das
destaca-se que a proposta foi a única candidata demandas locais e auxilie no direcionamento
na categoria de cidades pequenas da premia- de possíveis ações futuras para melhoria da
ção mencionada – o que não significa um de- mobilidade, como o documento possui um
mérito ou desprestígio do conjunto avaliado, caráter instrutivo e não normativo, é preciso
mas evidencia a escassez de ações de mobilida- considerar que a aplicabilidade e a sustentabi-
de em cidades desse porte. lidade das diretrizes e das estratégias a médio e
Igualmente, a distribuição de bicicletas longo prazo não são garantidas.
para os estudantes da zona rural e também a O esquema síntese apresentado na Fi-
distribuição de ônibus de transporte escolar, gura 6 visa facilitar a compreensão quanto às
embora não sejam iniciativas municipais, be- iniciativas supracitadas e suas respectivas cor-
neficiaram a mobilidade na cidade, garantindo relações com os princípios de mobilidade esta-
o transporte dos estudantes da rede públi- belecidos pela PNMU.
ca e resultando em segurança e eficiência na Conforme observado, todos os princípios
circula­ção urbana. Por sua vez, a implantação foram abordados em partes pontuais do terri-
do estacionamento rotativo ajudou a garantir tório, mas não se pode afirmar que eles foram
a equidade do espaço público e a justa distri- atingidos em sua totalidade, uma vez que pou-
buição dos benefícios e dos ônus ao se adotar cas estratégias conseguem atingir mais de dois
o automóvel individual como forma de trans- princípios. Inclusive, há iniciativas que estão
porte. Da mesma forma, a municipalização do relacionadas a um único princípio e, em outros
trânsito auxiliou na maior eficiência da circula- casos, princípios que estão relacionados a es-
ção urbana no município. Contudo, cabe salien- tratégias ainda não implementadas pela gestão
tar que os benefícios provenientes das ações municipal.
supracitadas, em sua maioria, estavam restritos Similarmente, mas em escala diferente,
a áreas específicas do território, uma vez que as estratégias também atendem aos princípios
as ações não se encontravam articuladas ou do Desenvolvimento Orientado ao Transporte
coordenadas em um plano de desenvolvimento (DOT) que é um modelo de planejamento cria-
urbano integrado. do com o objetivo de transformar uma cidade

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André Pinto dos Santos, Juliana Silva Almeida Santos, Daniella do Amaral Mello Bonatto

Figura 6 – Iniciativas adotadas e princípios da PNMU atendidos

ESTRATÉGIAS DE
PRINCÍPIOS DA PNMU*
MOBILIDADE PARA CONDE-PB

REURBANIZAÇÃO Acessibilidade universal


DO CENTRO

DISTRIBUIÇÃO
Desenvolvimento sustentável
DO BICICLETAS

DISTRIBUIÇÃO
DO ÔNIBUS Equidade no acesso ao tranporte
público coletivo
ESTACIONAMENTO
ROTATIVO Eficiência, eficácia e efetividade na
prestação dos serviços de transporte
DESENVOLVIMENTO e na circulação urbana
MASTERPLAN DO MUNICÍPIO

ENCURTAMENTO Gestão democrática


DE DISTÂNCIAS

ELIMINAÇÃO
ELIMINAÇÃO DO DO
MEDO
MEDODO DO TRÁFEGO
TRÁFEGO Segurança nos deslocamentos

PADRONIZAÇÃO DE
CALÇADAS, CICLOFAIXAS,
CICLOROTAS, ETC. Justa distribuição dos benefícios
e ônus no uso dos diferentes modos

MUNICIPALIZAÇÃO
DO TRÂNSITO Equidade no uso do espaço público
de circulação, vias e logradouros

IMPLANTADO
*BRASIL, 2012
PROPOSTO (AINDA NÃO IMPLANTADO)

Fonte: autores, em 2023.

do modelo de ocupação 3D – dispersa, desor- A Figura 7 apresenta a correlação entre


denada e desconectada – em 3C – compacta, as iniciativas adotadas e o atendimento aos
coordenada e conectada (Embarq, 2015). Des- princípios do DOT. Embora todos os princípios
sa forma, possibilita um ambiente urbano mais tenham sido atingidos, percebe-se a mesma
eficiente, sustentável, favorecendo a população tendência de correlação observada na Figura
que diariamente precisa se deslocar para aces- 6, com exceção da proposta de reurbaniza-
sar bens e serviços. O modelo preza, ainda, por ção do centro, que engloba múltiplos prin-
bairros compactos, de alta densidade popula- cípios. Igualmente, observam-se princípios
cional e com uso diversificado de comércio e vinculados­a estratégias ainda não implemen-
serviços, além de fomentar a interação social tadas no município.
(Zottis, 2015).

650 Cad. Metrop., São Paulo, v. 26, n. 60, pp. 637-661, maio/ago 2024
Mobilidade urbana sustentável em cidade de pequeno porte

Figura 7 – Iniciativas adotadas e princípios do DOT atendidos

ESTRATÉGIAS DE PRINCÍPIOS DE DOTS*


MOBILIDADE PARA CONDE-PB

REURBANIZAÇÃO Transporte coletivo de qualidade


DO CENTRO

DISTRIBUIÇÃO
Mobilidade não motorizada
DO BICICLETAS

DISTRIBUIÇÃO
DO ÔNIBUS Gestão do uso do automóvel

ESTACIONAMENTO
ROTATIVO
Uso misto e edifícios eficientes
DESENVOLVIMENTO
MASTERPLAN DO MUNICÍPIO

ENCURTAMENTO Gestão democrática


DE DISTÂNCIAS

ELIMINAÇÃO DO MEDO
DO TRÁFEGO Centros de bairros e pisos térreos ativos

PADRONIZAÇÃO DE
CALÇADAS, CICLOFAIXAS,
CICLOROTAS, ETC. Espaços públicos e recursos naturais

MUNICIPALIZAÇÃO
DO TRÂNSITO Participação e identidade comunitária

IMPLANTADO
*EMBARQ BRASIL, 2015
PROPOSTO (AINDA NÃO IMPLANTADO)

Fonte: autores, em 2023.

De modo geral, as ações adotadas em a adoção de tais estratégias em detrimento


Conde são condizentes com os principais ins- de um Plano de Mobilidade. Sabe-se que um
trumentos para a implantação da mobilidade plano consiste em uma ferramenta de planeja-
urbana sustentável. É possível admitir que, em- mento fundamental que possibilita um aparato
bora um plano estruturado com diretrizes de legal para nortear ações a curto, médio e longo
execução seja essencial para a implementação prazo. A existência de uma legislação municipal
de uma política de mobilidade, as ações pon- promove a sustentabilidade das ações indepen-
tuais trouxeram benefícios para a mobilidade dentemente da vontade política local.
urbana do município. No entanto, é importan- Ademais, a PNMU fomenta um corpo
te salientar que o reconhecimento dos benefí- social mais crítico, uma vez que preconiza um
cios provenientes dessas ações pontuais, bem processo de planejamento aberto e partici-
como sua adequação aos princípios de susten- pativo, articulação com a população local, co-
tabilidade, não tem como objetivo fomentar mo forma de compreender suas demandas.

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André Pinto dos Santos, Juliana Silva Almeida Santos, Daniella do Amaral Mello Bonatto

Diferentemente­das ações pontuais possibilita, de Mobilidade, respaldado por lei, que coorde-
ainda, uma articulação intersetorial para asse- ne as ações e as políticas públicas, em conso-
gurar o alcance de determinadas metas e a me- nância com os desejos da comunidade. Na au-
lhoria das condições de mobilidade. sência desse Plano, as intervenções tornam-se
fragilizadas e podem ser desmobilizadas com a
Desdobramentos pós- mudança de gestão.
-implementação das propostas Em 2022, já na gestão da prefeita Karla
Pimentel, foi iniciado o processo de elaboração
Na busca por notícias no site oficial da prefeitura do Plano de Mobilidade Urbana e do Plano de
de Conde-PB relacionadas à temática de mobili- Ação Imediata de Trânsito e Transportes, a par-
dade nos últimos anos, poucas foram as maté- tir da contratação de empresa de planejamento
rias relacionadas a leis que trouxeram avanços para gerenciamento e condução do plano de
para a consolidação das medidas adotadas ante- trabalho e comunicação relacionado às ativida-
riormente. Dentre as que mais se destacam na des para criação dos planos supracitados.
gestão municipal a partir de 2020, estão a dispo- Na versão preliminar disponibilizada pela
nibilização de ônibus para estudantes de todos empresa que elaborou o documento, constam
os níveis, a partir da prorrogação do Programa diversas pesquisas sociais para a verificação de
Caminhos da Escola, ações de pavimentação de demandas urbanas no que concerne à mobili-
estradas, educação de trânsito para crianças, re- dade. Os resultados demonstram a insatisfação
gulamentação de transporte turístico e de aces- da população quanto às condições de mobili-
sibilidade em praias do litoral da cidade. dade no município, indicando que, apesar das
Outras ações estaduais ou regionais tam- ações pontuais realizadas, ainda há várias ques-
bém são mencionadas, como o subsídio de par- tões para tornar a mobilidade urbana efetiva
te do valor e redução de impostos sobre com- no território. O plano é composto por um diag-
bustível do transporte intermunicipal, bem co- nóstico detalhado sobre as condições de mo-
mo ações de planejamento no nível metropoli- bilidade, acessibilidade, sistema viário, entre
tano que consideram a cooperação em diversos outros tópicos que apontam várias questões
temas, inclusive mobilidade – sem especificar deficitárias na cidade.
detalhes sobre essa integração. Dessa forma, é Dessa forma, a minuta de lei elaborada
possível inferir que a mobilidade no município pela empresa define entre outros objetivos
ainda é tratada com questões pontuais. estratégicos­:
Embora sejam ações que melhorem a
Promover a gestão continuada de trân-
infraestrutura urbana, proporcionem mais in-
sito e transporte por parte da Secretaria
tegração regional e garantam meios de trans- Municipal, garantindo que todas as polí-
portes mais eficientes e seguros, observa-se ticas públicas e projetos sejam consoan-
ainda uma ausência de políticas de Estado tes às diretrizes do Plano de Mobilidade
capazes de garantir que as medidas adotadas Urbana, e prever atividades contínuas
para garantir a qualidade dos serviços de
para a melhoria da mobilidade de Conde sejam
transporte e a boa operação do sistema
efetivadas no território e se consolidem. Tal viário. (Líder Engenharia e Gestão de Ci-
constatação­reforça a necessidade de um Plano dades, 2023, p. 14)

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Mobilidade urbana sustentável em cidade de pequeno porte

Assim, verifica-se que a elaboração de um Diretrizes para replicação


Plano de Mobilidade Urbana é essencial para da proposta em cidades
garantir que as ações sejam contínuas e coorde- de pequeno porte
nadas com outras frentes do desenvolvimento
urbano. Ressalta-se que as ações pontuais rea- O artigo 24 da lei n. 12.578/2012 determina
lizadas anteriormente contribuíram para que o que as cidades que contenham população aci-
município tivesse um avanço na sua mobilidad­e ma de 20.000 habitantes elaborem o Plano
e no próprio âmbito da educação para a Mobili- de Mobilidade como condição para receber
dade. Portanto, as estratégias do Plano de Mo- recursos públicos federais para serem investi-
bilidade a ser implementado trarão­ melhorias dos no setor. Cidades pertencentes às Regiões
para um contexto de mobilidade preexistente. Metropolitanas e Administrativas ou turísticas
A partir da análise de Conde, é possível também estão sob essa demanda, mesmo se
extrair ideias de ações que podem ser implan- tiverem­menos de 20.000 habitantes. Na práti-
tadas em outras cidades de perfil semelhan- ca, as cidades de que o artigo trata são as mes-
te, visando à sua aplicação conjunta com a mas obrigadas, por lei, a ter um Plano Diretor
elaboração­ do Plano de Mobilidade Urbana. que – de acordo com dados do Caderno de
Sendo assim, torna-se oportuno analisar o Referência para Elaboração de Plano de Mobi-
panorama­dos municípios obrigados a elaborar lidade Urbana – totalizavam 3.065 cidades em
tal instrumento. 2015 (Brasil, 2015).

Figura 8 – Gráfico da quantidade de municípios por estado


obrigados a elaborar o Plano de Mobilidade Urbana

Fonte: autores, em 2023, com dados de Brasil (2023a).

Cad. Metrop., São Paulo, v. 26, n. 60, pp. 637-661, maio/ago 2024 653
André Pinto dos Santos, Juliana Silva Almeida Santos, Daniella do Amaral Mello Bonatto

Entretanto, atualmente, apenas 1.912 Dessa forma, podemos inferir que uma
cidades distribuídas em todas as Unidades da parcela significativa de cidades corresponde ao
Federação (Figura 8) têm a obrigação de elabo- perfil urbano e populacional de Conde e, nes-
ração do plano de mobilidade, de acordo com se sentido, pode-se usar o caso do município
dados atualizados em 2023 pelo Ministério das como­ referência para aplicação das diretrizes
Cidades (Brasil, 2023a). de mobilidade.
Desse modo, as cidades obrigadas a ela- O Caderno de Referência para Elabora-
borarem o Plano de Mobilidade Urbana cor- ção de Plano de Mobilidade Urbana estabelece
respondem a 34% dos municípios brasileiros, que os seguintes temas são pertinentes para as
e destes, uma quantidade considerável (83%) cidades com o perfil semelhante ao de Conde,
é de pequeno porte, ou seja, possui menos de ou seja, municípios com 20 a 60 mil habitantes
100.000 habitantes. Por sua vez, das cidades (Brasil, 2015):
de pequeno porte obrigadas a elaborar o Pla- • Integração da mobilidade com o planeja-
no de Mobilidade Urbana, quase metade (49%) mento e a ordenação do solo urbano;
possui o perfil populacional de Conde, faixa de • Classificação, hierarquização do sistema
20.000 a 30.000 mil habitantes (Figura 9). viá­rio e organização da circulação;

Figura 9 – Gráfico da quantidade de municípios de pequeno porte


obrigados a elaborar o Plano de Mobilidade Urbana (a)
e porcentagem com menos de 30.000 hab (b)

(a) (b)

Fonte: autores, em 2023, com dados de Brasil (2023a).

654 Cad. Metrop., São Paulo, v. 26, n. 60, pp. 637-661, maio/ago 2024
Mobilidade urbana sustentável em cidade de pequeno porte

• Implantação e qualificação de calçadas e para a gestão, por meio do desenvolvimento


áreas de circulação a pé; do masterplan. Nesse sentido, além da gestão
• Criação de condições adequadas à circula- municipal tirar proveito de corpo técnico qua-
ção de ciclistas; lificado para elaborar estudos sobre a cidade, a
• Promoção da acessibilidade universal; universidade contribui ao retornar para a socie-
• Circulação viária em condições seguras e dade o conhecimento produzido na instituição.
humanizadas; Sendo assim, torna-se um meio de beneficiar
• Acessibilidade, transporte coletivo e esco- ambas as partes e serve como exemplo para
lar para a área rural; e outras instituições e cidades.
• Estruturação institucional. Estudos para diagnósticos locais: As aná-
Todos os temas previstos pelo Caderno lises elaboradas pelo Laurbe tornaram possível
de Referência foram atendidos, de forma pon- entender a realidade local em diversos aspectos
tual, pelo município, embora alguns temas que foram importantes para nortear as estraté-
compreendidos pelo masterplan ainda não gias a serem adotadas, de acordo com a exequi-
tenham sido totalmente implementados. Is- bilidade do município. Nesse sentido,­um diag-
so significa que, em relação ao PNMU, Conde nóstico local é imprescindível para a elaboração
possui a experiência necessária para expandir de estratégias de acordo com as particularida-
suas ações para outras áreas do território. Nes- des de cada município, não só para a mobilida-
se raciocínio, é possível dizer que as estratégias de urbana, mas também para diversas­questões
adotadas são pertinentes a cerca de metade pertinentes ao planejamento urbano.
dos municípios de pequeno porte. Com peque- Ações pontuais efetivas: O caso de Con-
nos esforços, várias cidades também poderiam de-PB deixa evidente que ações pontuais, quan-
avançar na mobilidade urbana em acordo com do analisadas em conjunto, podem resultar em
o que prevê a PNMU. um panorama de transformação social satisfa-
Nesse sentido, destacam-se as seguintes tório. Em um contexto de escassez de recursos
estratégias adotadas em Conde e que obtive- (comum em diversas cidades de pequeno por-
ram êxito, para replicação em municípios de te), por vezes não há como implantar iniciativas
contexto socioeconômico semelhantes: de mobilidade pelo alto custo de investimento,
Gestão Participativa: A colaboração da principalmente quando considerado um pla-
população local na elaboração da proposta de no completo. Porém, o exemplo de Conde de-
reurbanização do centro tornou o projeto mui- monstrou que a mobilidade pode ser melhora-
to mais assertivo, levando em consideração a da por meio de pequenas ações que somadas
opinião das pessoas que de fato utilizam o es- atendem boa parte dos princípios de mobili-
paço. Isso fez com que o projeto tivesse grande dade sustentável, mesmo sem a elaboração de
aceitação, através da compreensão das pessoas um instrumento legal para tal finalidade.
sobre a questão da mobilidade na cidade, além Tais estratégias são menos dispendiosas
de facilitar a apropriação do espaço público. em relação a grandes investimentos em infraes-
Parceria com instituições de ensino: O trutura e podem ser adotadas por várias cida-
vínculo entre a Universidade Federal da Paraí­ des, desde que haja o ímpeto de agir em prol da
ba, através do Laurbe trouxe grandes benefícios­ melhoria da qualidade urbana. O baixo índice­

Cad. Metrop., São Paulo, v. 26, n. 60, pp. 637-661, maio/ago 2024 655
André Pinto dos Santos, Juliana Silva Almeida Santos, Daniella do Amaral Mello Bonatto

Figura 10 – Municípios com até 250.000 habitantes


com Plano de Mobilidade Urbana

Fonte: autores, em 2023, com dados de Brasil (2023a).

de cidades de até 250.000 habitantes com Pla- dos Planos de Mobilidade por parte significa-
no de Mobilidade Urbana elaborado (Figura 10) tiva dos municípios, impedindo a obtenção de
demonstra a gravidade do problema da mobi- recursos federais destinados ao tema e, dessa
lidade em cidades brasileiras, o que exige um forma, a União vê-se obrigada a prorrogar os
grande esforço para reverter a situação. prazos (Brasil, 2023b).
O recente adiamento do prazo final Assim, faz-se necessário identificar ações
para a elaboração do Plano de Mobilidade que possam atuar para o cumprimento da
Urbana­ pelos municípios abrangidos pela lei lei, nos prazos estipulados, para que as cida-
n. 12.587/2012, redigido pela medida provisó- des consigam obter recursos para a melhoria
ria n. 1179 de 2023, reflete a baixa adesão ao da mobilidade urbana. Considerar pequenas
tema da mobilidade urbana nas cidades, princi- ações para tal finalidade é de suma relevância,
palmente nas de pequeno porte. Segundo o su- tendo em vista que apenas 15% das cidades de
mário executivo da medida provisória, os adia- até 250.000 habitantes possuem um Plano de
mentos são necessários pela não aprovação­ Mobilidade Urbana elaborado.

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Mobilidade urbana sustentável em cidade de pequeno porte

Considerações finais caso estudado, muitos municípios não pos-


suem recursos locais suficientes para intervir
em determinados pontos.
Conforme explicitado, o Brasil ainda tem um Sendo assim, a pesquisa evidenciou o
longo caminho pela frente na busca da apli- caráter emergencial das ações relacionadas à
cação da lei n. 12.587/2012. Diante dos cons- elaboração de Planos de Mobilidade Urbana no
tantes adiamentos de prazos, fica evidente contexto brasileiro. Nesse sentido, acredita-se
que as cidades, principalmente as de peque- que os pontos destacados a partir da análise
no porte, encontram dificuldades na elabo- das iniciativas de mobilidade implementadas
ração e implementação da Política Nacional em Conde-PB podem ser relevantes para muni-
de Mobilidade Urbana. Nesse contexto, cabe cípios ainda em fase de elaboração ou que não
salientar as iniciativas adotadas em Conde, possuem esse instrumento. Embora as cidades
visando­ ao fomento das ideias em cidades de pequeno porte enfrentem problemas de
com perfis semelhantes. Ademais, percebe-se escassez de recursos financeiros, quadros téc-
que o tema é de grande importância para o al- nicos especializados e dados acerca da proble-
cance dos princípios de sustentabilidade nos mática local, ficou evidente como uma gestão
municípios. municipal pode proporcionar inúmeros bene-
Para além disso, existe ainda o bem-estar fícios à população local por meio de interven-
social que as diretrizes de mobilidade urbana ções pontuais conjuntas.
podem fornecer aos habitantes. Como visto Esta pesquisa tem como limitação o uso
em Conde-PB, a implementação de algumas exclusivo de fontes secundárias, pela impossi-
diretrizes, a partir da reurbanização do centro, bilidade de acesso ao objeto. Para trabalhos fu-
favoreceu a vitalidade urbana. turos sugerem-se uma análise comparativa de
Destaca-se, ainda, a necessidade de outras iniciativas de mobilidade urbana susten-
maior integração entre as diferentes esferas tável em cidades de pequeno porte, um estudo
administrativas (federal, estadual e municipal), de avaliação pós-implementação para analisar
de modo a auxiliar na elaboração e implemen- a eficácia das propostas, bem como uma avalia-
tação de soluções que possibilitem a melhora ção direta de satisfação da população em rela-
da mobilidade urbana. Como demonstrado no ção às medidas adotadas.

Cad. Metrop., São Paulo, v. 26, n. 60, pp. 637-661, maio/ago 2024 657
André Pinto dos Santos, Juliana Silva Almeida Santos, Daniella do Amaral Mello Bonatto

[I] https://orcid.org/0000-0001-8028-3618
Universidade Federal do Espírito Santo, Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Programa de
Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Vitória, ES/Brasil.
[email protected]

[II] https://orcid.org/0000-0001-5278-1572
Universidade Federal do Espírito Santo, Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Programa de
Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Vitória, ES/Brasil.
[email protected]

[III] https://orcid.org/0000-0003-1547-3014
Universidade Federal do Espírito Santo, Departamento de Arquitetura e Urbanismo, Programa de
Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Vitória, ES/Brasil.
[email protected]

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Texto recebido em 15/ago/2023


Texto aprovado em 2/out/2023

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