AUTOBIOGRAFIA ALIMENTAR Assinado

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AUTOBIOGRAFIA ALIMENTAR

Ágatha Maria Fric Americano da Costa


Disciplina: MP.109.3 – Políticas, Saúde, Cultura e Alimentação.

“Se a gente não comer bem, o que é que vai fazer?”, questiona coronel Maneca Dantas,
do romance de Jorge Amado, escrito em 1943.

Acho que poderia começar cm muitas frases sobre mim, sobre minha impressão sobre
alimentação ou cultura e tradição alimentar, mas o que sempre me aproximou de Jorge e
seus romances escritos muito antes de minha existência é o gosto pela culinária baiana, o
afeto pelos sabores que cada ingrediente é capaz de trazer e como ele faz questão de trazer
em suas obras, seja em uma lembrança ou em uma receita de Gabriela... Sou apaixonada
por cada obra lida, cada receita trazida por ele e por cada prato de minha, tão saborosa,
culinária baiana. Do que eu fui construída: de cuscuz, sertão de Conselheiro e de dendê,
recôncavo de dona Canô. Mas, nem só de culinária baiana fui feita. Alguns pedaços de
mim trazem muita tradição castelhana.

Nascida em pleno fervor do carnaval soteropolitano, no verão da Bahia, em uma família


com uma mistura de origens: ciganos fincados no sertão da Bahia, potiguares que vieram
pra Bahia e ainda uma ponta de França que vieram pra Argentina... Seria eu a verdadeira
miscelânia de sangues, como uma boa brasileira. E essa mistura me definiu exatamente
quem sou.

Minha vó materna, minha “mainha” que nunca foi muito materna. Trabalhava fora desde
sempre. Criada no sertão da Bahia em um contexto onde a fome se fazia muito presente
e era real. E com seu esforço e trabalho árduo, vendendo roupas de renda que comprava
no Ceará, venceu! Fecho os meus olhos e lembro que no frigobar de seu quarto sempre
tinha goiaba e suco de maracujá e todos os dias na mesa do almoço tinha cuscuz de milho
(e no jantar o cuscuz tinha pontos brancos do coco) e comia de mão comigo, os bolos de
feijão, de preferência preto com uma salada de alface com tomate. Sinto o cheiro do
“azeite doce” até hoje pelas lembranças de minha infância.

Meu avô paterno, seu Ivan, minha referência de inteligência e cultura. Homem dedicado
à sua profissão desde sempre e de uma excelência no mundo jurídico. De delegado de
polícia do interior da Bahia ao mais alto cargo na esfera da justiça. Inteligente, íntegro,
sabia falar uma frase de um livro que a pessoa escolhesse e desse a página, parágrafo e
linha. Mas, olha que interessante, quando eu falo/penso do meu avô, ao contrário de
tantos, a primeira imagem que vem à cabeça é: um senhor de cabelos brancos, camisa
aberta, uma ceroula, chupando uma manga rosa e deixando o caroço branco...sem um
fiapo sequer. Acho que, na verdade, eu escolhi lembrar dele assim.

Minha vó paterna, dona Tita. Ah...dona Tita tinha cheiro de comida conforto. Minhas
férias e feriados eram repletos de alimentos. E hoje eu me dou conta disso. Antes eu
achava que era comida, mas não era minha fome que eu saciava. Hoje eu percebo que a
minha vó Tita alimentou minha existência e tudo que eu sei sobre reconforto em sabores
é por causa dela. Confesso que até falar de meu avô tinham olhos marejados que, agora,
desaguaram e eu confundo a saudade de ter minha vó perto de mim com o gosto de cada
tempero brasileiro que ela misturava em alguma preparação argentina...

E é isso, minha maior construção alimentar se confunde com as lembranças de cada


preparação que minha vó celebrava em realizar pra mim e meus irmãos. O Natal era uma
mesa farta, com tudo que tínhamos direito de sonhar em ter, seja porquê vimos em um
filme de natal americano ou porquê ela nos contou que tinha na mesa de sua família na
Argentina, mas aquela fartura não se perdia, no dia 25 toda a comunidade arredor do sítio,
que ficava próximo a zonas periféricas da capital baiana, se alimentava. Na páscoa, não
era nada diferente e ainda tínhamos a “caça aos ovos” com dezenas de meninos que não
tinham a mínima condição de ganhar ovos de páscoa de seus pais. São João, casa cheia e
a argentina mais brasileira que eu conheci (ironia, no meu caso foi a única) conseguia
fazer alimentos culturais da nossa terra e mantinha a tradição do milho, dos doces, dos
licores...

Lembrar da minha vó é lembrar do que eu sei sobre comida!

Minha mãe, assim como eu, aprendeu a cozinhar com a mãe do meu pai. Minha avó
materna não gostava da rotina de cozinhas, mas faz um cuscuz como ninguém! Então,
minhas memórias de sabores se entrelaçam entre os temperos das duas o que sempre
consegue me trazer afeto em algumas refeições até hoje. No entanto, com os pesares da
vida, minha mãe e meu pai biológico não continuaram o casamento e comigo ainda muito
pequena minha mãe casou-se novamente. Meu pai de criação, sertanejo, boiadeiro com
hábitos alimentares totalmente diferentes dos nossos; enquanto para nós (eu, minha mãe
e meus irmãos) era normal almoçar gnochi ou uma massa bolonhesa, para ele tinha que
ter feijão todos os dias (inclusive, pela manhã, por muitas vezes o desjejum se fazia com
mocotó, moqueca de fato, entre outros…)

Falar em minha mãe, a mesma mãe de três, mãe aos 16anos, foi morar com a sogra e o
sogro em outra cidade, passou por privação de alimentos por sentir muita vergonha de se
alimentar na casa “dos outros”. Meu irmão mais velho, hoje com 42 anos, fora alimentado
por sua “mãe de leite”, pois a minha mãe, naquele contexto não conseguia amamentar -
entrando um pouco mais na questão, meu pai era usuário de drogas e isso influenciou em
muitas outras questões. No segundo filho, meu irmão, agora com 38 anos, a condição
sobre as drogas de meu pai deu um pause por livre vontade do mesmo. Pelos relatos foi a
gravidez mais tranquila e meu irmão do meio mamou livremente durante oito meses. Já
na minha vez, uma recaída (como fui apelidada de forma engraçada), meu pai tinha
voltado para as drogas, fora sido preso algumas vezes e a relação estava cada vez mais
difícil com ele.A gestação de minha maçã foi bem conturbada e no momento de
amamentar ela passou por inflamações muito fortes nos seios. Meu pai de criação brinca
que quem “me mamou” foi uma vaca do sítio dele, pois foi basicamente o que aconteceu,
eu passei a tomar mingau feito com o leite da vaca do sítio.

Como não sei como foi a minha introdução alimentar, já devo pular algumas memórias e
trazer lembranças mais maduras da infância.Acredito que minha memória alimentar
aconteça a partir de uns seis anos…

Sou baiana e baiano gosta de temperos fortes e marcantes, meus hábitos foram
construídos exatamente assim: com força. Desde a infância comendo muito cozido com
pirão, na semana santa - não importava a religião - era época de comer dendê (vatapá,
caruru, moquecas, frigideira de siri…), feijoada em dias de reunião familiar e dias de
sábado (que era de feira) sempre comia fígado com arroz e salada. Tudo sempre
acompanhado de farinha de mandioca (ou com preparações que levasse farinha: farofa,
pirão de aguarde leite ou de algum caldo) afinal fui criada no recôncavo, casa de farinha
em toda roça que fosse. Os lanches eram bolhas de canela, frutas da época, beijos de
tapioca…

Mas, como filha de pais separados, a realidade nas férias mudava! Como neta de argentina
e brasileiro, os hábitos ficavam um pouco diferentes naquele períodos que era de esperar.
Nesses momentos que aprendi a gostar, comer e fazer preparações como a empanada,
massas frescas, belos bifes a milanesa, bolos de nozes, alfajores e doces de leite. No dia
a dia das férias, como ía para a capital, comia muito fast food, tinha o dia certo de comer
Mc Donalds, lembro que só existia dois em toda a cidade de Salvador. Também consumia
muito doces que vinham do exterior que não vendia no interior. Mas, também tomava
sopa no jantar. Era um equilíbrio de comer o não saudável com o saudável - acredito que
por estar de férias, ter o acesso (inclusive financeiro, pois com minha mãe era mais
regrado e com meus avós era mais tranquila a questão sobre dinheiro).

Na adolescência eu me percebi sempre fora dos padrões das outras meninas, mesmo me
alimentando bem (frutas, raízes, verduras…). O que nunca foi um incomodo, pelo
contrário, sempre fui resolvida com a questão de ser maior e mais larga que as outras
meninas. Minha mãe falava “você é descente de alemão, seu biotipo é outro”. E estava
tudo bem. Foi na adolescência que os hábitos de fast food foram se tornando ainda mais
presentes, já viajava pra Salvador sozinha - logo depois, aos 17 anos fui morar lá pra
estudar - e tinha acesso aquele mundo de comidas gordurosas e “de mentira”que o
shopping me oferecia. Inclusive, se tornou uma identidade minha, de meu irmão do meio
e minha melhor amiga: uma vez na semana cinema e o lanche nunca era pisca, era sempre
uma bela promoção do Mc Donalds! Essa autonomia na adolescência, morar longe de
minha mãe, estudar o dia todo fora de casa fez com que os meus hábitos se tornassem
outros. Hoje entendo que eu deixei de me alimentar e somente comer. E passei a descontar
toda e qualquer emoção na comida, estudava comendo, assistia televisão comendo…Tudo
meu tinha que envolver comida! Isso baseou minha conduta de alimentação até meus 19
anos, quando minha mãe interferiu e passou a mandar comida congelada - tudo que eu
gostava: quiabada, cozido, feijão e, então, meus hábitos melhoraram.

Uma observação válida, primeira vez que teve contato com “dietas” e nutricionista foi
aos 16 anos quando precisei reduzir peso corporal para realizar uma cirurgia estética de
redução mamária.

Após um período morando sozinha, fui morar com um namorado. Esse período foi
marcado de muita “comida de rua” (mas tentando, ao máximo, escolhas conscientes) por
correria da vida mesmo, trabalhava em uma cidade da região metropolitana de Salvador,
estagiava em um bairro distante da faculdade que tinha de chegar às 18 horas para assistir
aula. Foi um período de comer muito pão com café em padaria, muita salada com peixe
no Tribunal de Justiça nos dias de estágio, muito almoço no Restaurante Popular do
município de Lauro de Freitas (confesso, uma bela experiencia de comida gostosa e
equilibrada por R$1,00) e de noite, ao chegar na faculdade, todos os dias:esfiha de queijo
branco com suco de laranja. Foi um período que comia pouco, no entanto, aos finais de
semana, fazia questão de reconectar comigo indo pra cozinha.

Meu namoro findou, vinha batalhando momentos de agressão e violências e decidi “voltar
pra casa”.Voltei pro interior, minha amada Cruz das Almas, recôncavo da Bahia.
Trabalhava em uma acessória de comunicação de um vereador, mas tudo era tão perto
que conseguia realizar todas as refeições em casa, muita qualidade nas escolhas.Toda
semana “batia ponto” na feira livre…Até que, por coincidência, ou não, trilhei o caminho
de minha mãe e, em uma recaída, engravidei.Já trabalhava na Prefeitura Municipal da
cidade, ganhava relativamente bem e me alimentei bem, porém, mesmo assim, por crises
de ansiedades da gestação, acabei ganhando muito peso. O que me fez procurar uma
nutricionista e me reconectar com outro pedaço da minha vida: me desconheci até ali e
entendi que eu precisava, não somente me alimentar bem, mas mudar a vida de pessoas
com a alimentação - não a comida - através de hábitos culturais e genuínos.

A faculdade de Nutrição foi demasiadamente vivida por mim, especialmente nas matérias
onde discorria sobre antropologia, cultura, tradição… Isso me fazia entender o sentido de
minhas raízes, escolhas e quem eu era enquanto pessoa. Passei a ter escolhas, de verdade,
conscientes. Passei a cultuar o meu corpo e meu espírito por meio da alimentação,
entendendo que cada refeição necessita tempo e rituais para serem realizadas e que,
mesmo no contexto de “dia a dia corrido” podemos fazer escolhas melhores e repensar
estratégias sobre como nos alimentamos. E que isso não tem absolutamente nada a ver
com estética.

Na segunda gestação, já nutricionista, pude fazer de mim um laboratório, não usei uma
vitamina passada pelo obstetra e minha alimentação foi impecável.Respeitando cada ciclo
da gestação, qual parte do corpo estava sendo “criada” e cada alimento que faria sentido
naquele período pro bebê. Não engordei um grama sequer, meu segundo filho
nasceu com 4 quilos e muito saudável. Amamentei, ao contrário da primeira filha (no
entanto, os dois tiveram introduções alimentar super assertivas com muita “comida de
verdade” e autonomia).

Hoje vivo com meu companheiro e meus dois filhos (Sarah 9 anos e João Felipe 4 anos)
e nossos hábitos são super bem escolhidos. Nosso mercado versa mais em alimentos in
natura, carne comprada no interior, biscoitos de interior, beijos de tapioca, raízes, sopas,
bolos feitos em casa e pães caseiros na maioria dos momentos. De vez em quando as
crianças pedem uma ida ao fast food, geralmente hambúrguer ou pizza,por vezes consigo
driblar fazendo em casa - aproveito e faço de um momento nosso e fazemos tudo do zero.
Hoje priorizo minhas escolhas e estratégias, claro que por ser nutricionista isso facilita e
diariamente eu fortaleço os conceitos de soberania e autonomia alimentar para as crianças,
buscando que eles tenham uma base forte sobre as suas escolhas e quando estiverem na
fase de ir morar em outra cidade, casar ou morar sozinhos possam ter as melhores escolhas
sobre seus alimentos e hábitos. Busco que eles me ajudem nas preparações, no colocar a
mesa todos os dias para todas as refeições e comermos juntos e por aqui, fazemos de
nossa alimentação nosso momento de festa. Reproduzo as receitas da minha avó, vou
contando como ela me ensinou, como ela fazia,se o gosto ficou parecido... E assim,estou
criando as memórias de meus filhos a partir das minhas e de meu marido (que não é o
foco, mas teve uma mãe cozinheira de mão cheia)!

E finalizo, respondendo coronel Maneca Dantas, sem comer bem a gente só morre mais
aos poucos a cada dia.
ANEXO 1

TERMO DE CONSENTIMENTO PARA TRATAMENTO DE DADOS DA


AUTOBIOGRAFIA ALIMENTAR NO ÂMBITO DA DISCIPLINA POLÍTICAS
PÚBLICAS, SAÚDE, CULTURA E ALIMENTAÇÃO

LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS – LGPD

A Gerencia Regional de Brasilia, por meio da realização da disciplina Políticas Públicas,


Saúde, Cultura e Alimentação do Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas da
Escola de Governo Fiocruz-Brasília, assume a importância da privacidade e a adequada
utilização dos seus dados pessoais baseadas na . Lei 13.709/18 (Lei Geral de Proteção
de Dados Pessoais), e para isto solicita ao estudante desta disciplina preencher o seguinte
formulário:

Qualificação do Titular de Dados Pessoais (REQUERENTE/OUTORGANTE)

Nome completo: Ágatha Maria Fric Americano da Costa

CPF: 031.092.225-90

Endereço: Rua Otília Conrado, 40, Centro, Cruz das Almas Bahia.

Data de Nascimento: 05.02.1990

Telefone de Contato: 075.982220933

E-mail de Contato: [email protected]

Qualificação do Procurador/Contratado (TERCEIRO/OUTORGADO)

Nome completo: Denise Oliveira e silva

CPF: 636 691 96749

Endereço: Campus Universitário Darcy Ribeiro Gleba A SC-4 CEP 70.904-130

Telefone de Contato: 61 3329-4530

E-mail de Contato: [email protected]

Considerando a Lei Geral de Proteção de Dados, o(a) outorgante declara ter ciência da
necessidade de elaboração da Autobiografia Alimentar no âmbito da Disciplina XXX
2024.2 que ocorrerá entre o período de 07 de agosto a 23 de outubro de 2010, a
serem coletados por meio de consentimento do uso de seus dados
pelo contratado(a) para a finalidade exclusiva de uso acadêmico na disciplina Políticas
Públicas, Saúde, Cultura e Alimentação" Em observância ao cumprimento das regras
quanto a proteção de dados, diante dos princípios da necessidade, finalidade e/ou
determinação informativa, inclusive no tratamento de dados pessoais sensíveis, de acordo
obrigação legal de coleta de dados.

CLÁUSULA PRIMEIRA: Compartilhamento de Dados:

Por este instrumento o contratado fica autorizado a compartilhar os dados pessoais do


outorgante com o Gerencia Regional de Brasília, objetivando possibilitar a elaboração
das atividades realizadas na disciplina Políticas Públicas, Saúde, Cultura e
Alimentação" assegurando os princípios da boa-fé, finalidade, adequação, necessidade,
livre acesso, qualidade dos dados, transparência, segurança, prevenção, não
discriminação, responsabilização acadêmica.

CLÁUSULA SEGUNDA: Responsabilidade pela Segurança dos Dados:

O(A) contratado(a) se responsabiliza por manter medidas de segurança técnicas e


administrativas suficientes a proteger os dados pessoais do outorgante, comunicando ao
outorgante, caso aconteça qualquer incidente de segurança que possa acarretar risco ou
dano relevante, conforme o artigo 48 da Lei 13.709/2018.

CLÁUSULA TERCEIRA: Término do Tratamento dos Dados:

Fica permitido ao(à) contratado(a) manter e utilizar os dados pessoais do(a) outorgante
para as finalidades relacionadas neste termo e, ainda, após o término da contratação para
cumprimento da obrigação legal ou impostas por órgãos de fiscalização, nos termos do
artigo 16 da Lei 13.709/2018.

CLÁUSULA QUARTA: Direito de Revogação do Consentimento:

O(A) outorgante poderá revogar seu consentimento, a qualquer tempo, por carta
eletrônica ou escrita, conforme o parágrafo 5º do artigo 8º combinado com o inciso VI do
caput do artigo 18 e com o artigo 16 da Lei 13.709/2018.

Local e Data:
Assinatura:
Cruz das Almas, Bahia, 09 de setembro de 2024.

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