Ebook Pragmatismo Irresponsável
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Ebook Pragmatismo Irresponsável
ORGANIZADORES:
ANA TEREZA MARRA
GILBERTO MARINGONI
GIORGIO ROMANO SCHUTTE
POLÍTICA EXTERNA E INSERÇÃO INTERNACIONAL
DO BRASIL NO GOVERNO BOLSONARO
ORGANIZADORES:
ANA TEREZA MARRA
GILBERTO MARINGONI
GIORGIO ROMANO SCHUTTE
© Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
Editora Telha
Todos os direitos reservados.
A reprodução não autorizada desta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de
direitos autorais. (Lei nº 9.610/1998)
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Medeiros; Dra. Larissa Nadai; Dra. Ludmila de Souza Maia; Dra. Maria do Carmo Rebouças;
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dos Santos; Dr. Rodrigo Charafeddine Bulamah; Dra. Silvia Aguião.
Produção Editorial
Publisher: Douglas Evangelista
Gerente editorial: Mariana Teixeira
Coordenação editorial: Juliana Marinho
Revisão do texto: Claudia Figueiredo
Capa: Fernando Campos - a partir de layout de Gilberto Maringoni
Diagramação: Rebeca Silvanto Sales
Catalogação na publicação
Elaborada por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166
O48o
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Site: www.editoratelha.com.br
Sumário
Prefácio ..................................................................................................... 5
Irene Vida Gala
(1) Diplomata de carreira. Foi Embaixadora do Brasil em Gana, entre 2011 e 2017.
Atualmente é a subchefe do Escritório de Representação do Ministério das Relações
Exteriores em São Paulo.
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apresentação
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O abismo bolsonarista
Diante de uma política de inserção econômica pautada pelo
neoliberalismo, com a venda barata de ativos nacionais e destruição
ambiental e social, os investidores internacionais aumentaram em
peso suas apostas no Brasil, aprofundando tendências que vinham
do Governo Temer. Além disso, Bolsonaro dilapidou a imagem
internacional do Brasil e desmoralizou o ministério das Relações
Exteriores. O ex-capitão atrelou o interesse nacional aos desígnios
da extrema-direita global, cuja liderança mais expressiva nos dois
primeiros anos de seu mandato foi Donald Trump. Sua coalizão polí-
tica buscou fazer do Itamaraty um aparelho de reprodução ampliada
do negacionismo, do regressismo, e do anacronismo de uma versão
tropical de fascismo. É algo muito mais rebaixado politicamente do
que subordinar nossa política externa ao Departamento de Estado,
o que já seria escandaloso.
A política externa de Jair Bolsonaro teve duas etapas. A pri-
meira ocorreu quando o Itamaraty esteve sob a batuta de Ernesto
Araújo, entre janeiro de 2019 e março de 2021. Teríamos aí uma
espécie de bolsonarismo ideológico, construído a partir de livros e
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Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
A interrupção de um ciclo
É impossível entender a política externa do período sem
contextualizá-la em nossa vida política e econômica. No último dia
de 2022 saiu de cena um governo pautado pela intolerância, violência,
negacionismo, ataques à democracia e conduta genocida ao longo da
pandemia de covid-19. Se olharmos para o passado recente, podemos
dizer que o impulso que levou Jair Bolsonaro à vitória em 2018 teve
início com o golpe contra o Governo Dilma Rousseff, em 2016, e a
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(6) O Globo, 22.08.2018: “Pesquisa Datafolha: Lula, 39%; Bolsonaro, 19%; Marina,
8%; Alckmin, 6%; Ciro, 5%” (https://g1.globo.com/politica/eleicoes/2018/eleicao-
em-numeros/noticia/2018/08/22/pesquisa-datafolha-lula-39-bolsonaro-19-marina-
8-alckmin-6-ciro-5.ghtml, Acesso em: 8 jun. 2018).
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Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
Nacionalismo farsesco
Jair Bolsonaro pavimentou a vitória ao vincular sua candidatura
ao que seriam os interesses maiores da Nação. Sem propostas claras
de governo (à exceção da área de energia, que expressava a continui-
dade da política privatista e de desmonte da Petrobras do governo
Temer), bancou uma ousada disputa ideológica. Tocou fundo aspec-
tos afetivos, históricos e identitários da população. Aliás, não apenas
ele, mas a extrema-direita brasileira agiu com competência ao exibir
uma estética nacionalista, a partir das manifestações de junho de 2013.
O nacionalismo é um atributo ideológico de grande apelo. No
caso de Bolsonaro, a agenda econômico-financeira era fortemente li-
beral, globalizante e subserviente a interesses nacionais e estrangeiros
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O ascenso da antipolítica
A vitória de Bolsonaro foi a vitória da antipolítica e de uma
rasa pregação antissistêmica. Em sua campanha, o candidato da ex-
trema-direita encontrou um terreno de desesperança e desencanto,
motivado em grande parte pela virada recessiva de 2015-2016, pela
Lava Jato e pela inclemente campanha pseudomoralista da mídia.
O negacionismo em Bolsonaro teve a função de consolidar
uma base social extremista através de um discurso que envolve a ne-
gação da ciência, da democracia e de relações pacíficas no interior da
própria sociedade. Ou seja, uma pregação autoritária, com defesa do
armamento da população, da eliminação dos diferentes – esquerda,
movimentos sociais, comunidade LGBTQI+ etc., além de aberta cam-
panha contra a vacinação da população. Por mais bizarras e ilógicas
que tais formulações sejam, elas não visam apenas convencer seu bloco
de sustentação, mas manter um permanente clima de confronto na
sociedade, e que precisa a todo momento de um inimigo visível para
seguir no poder. De forma não surpreendente, partidos políticos libe-
rais e setores econômico-financeiros estiveram dispostos a sacrificar
a democracia para segurar seus interesses e privilégios por meio do
Governo Bolsonaro. O mesmo valeu, de forma mais camuflada, para
os interesses internacionais que se aproveitaram das políticas liberais.
A extrema-direita perdeu as eleições. Embora desorganizada e
fora do poder político, essa nova versão do fascismo segue alojada
em algumas instâncias do Estado – em especial nas Forças Armadas
– e enquistada em vários setores da sociedade.
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Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
Nossa contribuição
Este livro busca realizar um balanço da política externa bolso-
narista nos últimos quatro anos. Em alguns pontos, faz referências
também aos dois anos do Governo Temer. É composto por oito capí-
tulos elaborados pelos grupos de trabalho do Opeb ao longo de 2022.
Eles enfocam as relações do Brasil com a América Latina, Estados
Unidos, África e China. Volta-se também para áreas gerais, como
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América Latina: quatro anos
ladeira abaixo
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O conservadorismo no mundo
O antigo sindicalista volta à presidência num quadro em que
o fascismo reassume o poder na Itália e torna-se a segunda força
parlamentar na Suécia, compondo o governo formado em outubro
de 2022. A onda ultraconservadora se consolidou também como
segunda tendência na França e avançava na Alemanha, em Portugal
e na Espanha no final do mesmo ano, além de seguir governando
Hungria e Polônia.
Diferentemente do panorama de duas décadas antes, quando
Lula chegou ao Planalto pela primeira vez, o unilateralismo de
Washington não reina absoluto frente a uma Rússia devastada pelos
anos Yeltsin e uma China que começava a se colocar como ator in-
ternacional de envergadura. A guerra ao terror desviara o foco do
Departamento de Estado para ações no Oriente Médio – Iraque e Líbia
em especial – e no Afeganistão. A América Latina, secundarizada pela
diplomacia imperial, encontrou aí a oportunidade de criar laços de
confiança entre países que elegiam governos marcados por um vago
discurso antiliberal e colocavam agendas sociais no centro de suas
ações, formando o que imprecisamente se denominou onda rosa. O
reiterado êxito eleitoral das administrações do PT, dos Kirchner, de
Hugo Chávez, de Evo Morales, de Rafael Correa e da Frente Ampla
uruguaia se deu a partir de políticas públicas tornadas possíveis pela
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Diplomacia selvagem
Desde o golpe parlamentar de 2016, os governos que sucederam
o de Dilma Rousseff utilizaram de forma limitada a política externa
como instrumento estratégico para o desenvolvimento interno. O
que se viu, especialmente a partir de Bolsonaro, foi a subordinação
da diplomacia a acenos ideológicos à extrema direita global.
O Brasil dos últimos seis anos retraiu sua capacidade de in-
tervenção, abdicou de participar de organizações como a União
das Nações Sul-americanas (Unasul) e a Comunidade de Estados
Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), retraiu sua presença no
Brics e no Mercosul e criou arestas em organismos da ONU, como
a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Comissão de Direitos
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Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
A vaga conservadora
O extremista elegeu-se no bojo de uma vaga conservadora na
América do Sul. No final de 2018, logo após a eleição do ex-capitão,
era de se imaginar ele se somaria a uma coalizão da direita conti-
nental, da qual participariam o chileno Sabastián Piñera (2018-2022),
o argentino Maurício Macri, os golpistas bolivianos (2019-2020) e o
colombiano Iván Duque (2018-2022). O primeiro passo para isso foi
o esvaziamento dos organismos de integração, criados em décadas
anteriores – em especial a Unasul (2008) –, e o fortalecimento do Gru-
po de Lima – formado por um conjunto de governos que se opõem
ao governo de Nicolás Maduro, constituído em 2017. A integração
regional sob o controle da direita tomou seus primeiros – e únicos
– passos com a criação do Foro para o Progresso da América do Sul
(Prosul), em 2019. A iniciativa foi de Chile e Colômbia, à qual se
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O ridículo em pauta
O ridículo também deu o tom em outra esfera da política regional,
aquela ligada às estratégias militares. Veio à público, em fevereiro de
2019, uma minuta elaborada pelas Forças Armadas brasileiras intitu-
lada Cenários de Defesa 2040 . O documento traça prospecções que se
afastam das características da política externa, principalmente as de
não intervenção e de resolução pacífica dos conflitos. O texto alude à
supostas ameaças francesas na fronteira amazônica, através da Guiana.
Faria parte de tais metas hipoteticamente traçadas a partir de fora o
apoio à emancipação dos Yanomami e até um atentado com coro-
navírus, disseminado pelo Sudeste Asiático no Rock in Rio de 2039.
Outra situação, mais concreta e posterior, foi a elaboração do
Projeto Barão do Rio Branco , que partilha ideias semelhantes. Neste,
há a visão de que ONGs, ambientalistas, indígenas e quilombolas são
inimigos do governo e do progresso na região. O que mais surpreen-
de é a ideia de que o Brasil pode ser invadido pela China através do
Suriname, sem nenhuma evidência no mundo real.
Bolsonaro assumiu as duas principais bandeiras de Trump para
o continente e fracassou. A primeira foi investir no isolamento da Ve-
nezuela na região, com o objetivo de derrubar o governo de Nicolás
Maduro. A segunda foi se somar à guerra comercial contra a China.
O fracasso em ambos os casos é evidente. A administração Ma-
duro seguia de pé no final do governo Bolsonaro e a China aumentou
sua presença na região, como atesta o documento O investimento
estrangeiro direto na América Latina e no Caribe (2021), da Cepal:
A China se situou entre os principais investidores
da América Latina e do Caribe na modalidade de
fusões e aquisições transfronteiriças: em 2020 foi o
país cujos acordos representaram o maior montan-
te. A participação das empresas chinesas no total
das fusões e aquisições da região passou de 1,7%
entre 2005 e 2009 para 16,3% entre 2015 e 2019 .
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Passando a boiada
No mesmo 2022 em que passou a vigorar o Acordo de Escazú —
o primeiro tratado ambiental da América Latina e do Caribe que busca
promover, entre outras coisas, a proteção de ativistas ambientais –,
os brutais assassinatos do jornalista Don Phillips e do ex-servidor da
Funai Bruno Pereira, na região da Amazônia, chocaram o mundo.
O acordo foi elaborado entre 2015 e 2018 em torno de ques-
tionamentos sobre a garantia de justiça ambiental para os povos e
ativistas que vivem em ambientes ameaçados e políticas ambientais
desvinculadas do interesse do mercado. Até o final do ano, o acordo
contava com as assinaturas de 24 governantes de países latino-ame-
ricanos e caribenhos.
O governo Bolsonaro, mais preocupado em “passar a boiada”
nas questões ambientais e climáticas, naturalmente não ratificou o
acordo. De certa forma, os casos ilustram simultaneamente a postura
brasileira de (não) participação em iniciativas de integração latino-
-americanas e o descaso do governo com questões relativas ao meio
ambiente, ao clima e, especialmente, com a crescente degradação da
Amazônia e o aumento da violência na região.
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O recuo no comércio
No início de 2020, a Argentina anunciou seu afastamento dos
processos comerciais do Mercosul, com exceção das negociações com
a União Europeia (UE) e a Associação Europeia de Livre Comércio
(Efta). Devido a tal suspensão, o governo brasileiro sugeriu mudanças
de regras atuais relacionadas ao estabelecimento de acordos. As novas
normas foram aventadas para proteger os membros que continuam
ativos no bloco, enquanto a Argentina se mantém de fora dos novos
tratados. Porém o Brasil quer uma cláusula que permita a volta do
país vizinho às negociações caso ocorra uma mudança de governo
ou em sua política externa.
Enquanto outros blocos regionais se articulavam em torno de
iniciativas para mitigar os impactos da covid-19, o Mercosul se man-
teve inerte sobre tal questão. Demais blocos regionais como União
Africana, União Europeia e Sistema de Integração Centro-Americano
se apoiaram em seus regimes para promover uma maior integração
regional e pensar as bases de uma retomada econômica. A falta de
um protagonista tem feito com que os projetos regionais tenham se
mantido em banho-maria.
Nem mesmo o acordo Mercosul-União Europeia, a maior aposta
do bloco para o Governo Bolsonaro, avançou. O empecilho maior foi
o Brasil e sua política ambiental. O desmatamento na Amazônia, que
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Fator de equilíbrio
Diante desse panorama, a vitória da coalizão liderada pelo PT
pode se tornar fator de equilíbrio nas instabilidades vividas pela
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África: o retrocesso das relações e o
novo cenário no continente
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Experiência relevante
A experiência africana é de grande relevância para a com-
preensão dos conflitos contemporâneos e a formalização de saídas
diplomáticas para suas soluções. Ao longo da Guerra Fria, o continen-
te foi muito importante para a estratégia das potências do período.
Com o fim do embate, os interesses das superpotências em assuntos
da região declinaram, cortando programas de financiamentos e
parcerias e colocando os países locais em um acentuado processo
de insolvência.
Os temas da segurança e estabilidade institucional surgiram
como as principais pautas para o continente africano, com o advento
dos intensos conflitos no período de 1960-1990, em um contexto em
que os países da região não conseguiam solucionar seus conflitos
pelas vias institucionais. Como consequência de profunda instabi-
lidade, a articulação política dentro dos organismos internacionais
tornou-se uma alternativa às políticas individuais localizadas.
O A3 – bloco formado pelos três membros não permanentes
africanos eleitos para o Conselho de Segurança das Nações Unidas
(CSNU), que constitui 30% dos membros rotativos do conselho – é
um dos grandes mecanismos para a articulação regional africana,
e recentes relatórios demonstram domínio das questões africanas
sobre as discussões nas conferências (47% das reuniões, 64% dos do-
cumentos resultantes e 76% das resoluções com mandato no capítulo
VII 19 referem-se a questões de paz africana), fato que não retira a
baixa prioridade dada por essas pautas por outros integrantes do
conselho. Historicamente, os membros do A3 concentram-se quase
que exclusivamente sobre questões africanas, mas com certa inde-
pendência nacional, fator que vem mudando, pois o grupo apresenta
uma nova dinâmica, em que seus membros passaram a apresentar,
desde 2019, posições unificadas sobre tópicos africanos, posição ain-
da mais acentuada com o acompanhamento pelo Conselho de Paz e
Segurança da União Africana (UA).
A área de segurança, portanto, se apresentou como uma possibi-
lidade de reorganização da agenda brasileira para a África. Contudo,
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Agropecuária em ação
A construção de uma agenda para a África por meio da articu-
lação de atores da agropecuária brasileira não teve participação ativa
do presidente Jair Bolsonaro. Em um dos raros momentos em que um
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tornando cada vez mais complexa à medida que novos atores in-
teragem com os países africanos. Além das potências ocidentais,
atualmente China, Japão, Índia e Rússia, juntamente com potências
regionais do Oriente Médio como Catar, Emirados Árabes Unidos
(EAU), Arábia Saudita, Irã e Israel, buscam criar uma área de influên-
cia sobre as fontes da África, mercados ou localizações estratégicas,
oferecendo empréstimos de baixo custo, investimentos financeiros
ou produtos acabados. Assim, a África tornou-se a nova estrela das
cimeiras e fóruns que são normalmente considerados uma ferramenta
necessária para fomentar a interação com África.
Conforme indicado por acadêmicos como Pádraig Carmody
(2016), a nova complexidade dos engajamentos estrangeiros dos
países africanos pode agora ser enquadrada no conceito de “nova
disputa pela África”, semelhante à disputa colonial pela África do
século XIX, ou a “nova Guerra Fria”, semelhante à rivalidade EUA-
-União Soviética durante a era da Guerra Fria. De qualquer forma, a
realidade da atratividade da África para diferentes potências conti-
nuará sendo um fato que requer muitas discussões.
A África é um enorme continente onde as nações mais pobres
do mundo, paradoxalmente, vivem em países com recursos ricos.
O continente possui vastos depósitos de petróleo, gás, e minerais
como cobalto, ouro e diamante, além de produtos agrícolas como
óleo de palma, cacau, chá, café e baunilha, matérias-primas necessá-
rias para produções industriais. Portanto, a crescente demanda por
oferta industrial cria uma pressão extra sobre os recursos da África,
especialmente porque o intenso envolvimento de algumas potências
asiáticas com a África começou em meados da década de 1990.
Acomodando mais de 1,3 bilhão de pessoas, o continente é
muito dinâmico pela sua natureza e pelo tamanho de seu mercado,
que se expande paralelamente ao aumento de sua demografia e ao
poder de compra de suas classes médias. Nesse sentido, a percepção
pejorativa da África tornou-se mais positiva no período recente em
todo o mundo. As empresas globais procuram novas estratégias
de venda da forma que melhor se adapte ao mercado africano; e
empresas como o Google estão investindo mais na digitalização
do continente. O continente é definitivamente visto como um novo
polo tecnológico. Nesse sentido, entrar no mercado e vender mais
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Um novo cenário
Com a possibilidade de um início de novo ciclo econômico no
continente africano a partir da criação da área de livre comércio e
os investimentos na exploração de recursos naturais após a guerra
entre Rússia e Ucrânia, constituiu-se um cenário distinto da primeira
década do século XXI. Após anos de engajamento brasileiro na África,
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Conclusão
O governo do presidente Jair Messias Bolsonaro acentua a reo-
rientação da política externa para a África que se inicia no governo
de Michel Temer, desarticulando as iniciativas para os países do
continente. A relação do Brasil com a África ao longo dos quatro
anos foi marcada por ações protocolares que deram seguimento às
políticas de governos anteriores sem avançar em nenhum aspecto.
Desde o período das eleições de 2018, Bolsonaro apontou para uma
orientação radical de direita, que o aproximaria do governo do
presidente estadunidense Donald Trump, projetando uma visão de
direita sobre o sistema internacional.
Por outro lado, enquanto o Brasil se distanciava de organizações
internacionais e quebrava acordos, o cenário africano passava por
transformações. Além do avanço chinês, potências médias criaram
suas próprias estratégias para o continente, cobiçando os recursos
naturais dos países africanos. Esse processo foi acompanhado pela
organização da Área de Comércio Livre Continental Africana (Af-
CFTA), que representou o movimento dos próprios africanos para
dinamização das economias do continente, reforçando-as frente aos
interesses econômicos de fora.
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Bibliografia
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Brasil-EUA, uma relação desigual
e subordinada
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A base de Alcântara
Uma das primeiras e mais simbólicas ações do governo Bolsonaro
a demonstrarem o caráter de subordinação consistiu na concretização
da assinatura do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas entre os gover-
nos do Brasil e dos Estados Unidos. O documento permitiu o acesso
dos EUA a uma área restrita na base de Alcântara no Maranhão, que
se encontra num local geograficamente privilegiado. Nesse sentido,
impede que o Estado brasileiro realize o controle das importações na
base, além de ter limitado a presença de funcionários do Estado e o
redirecionamento dos recursos obtidos com o aluguel para o Programa
Espacial Brasileiro. Sob essas condições assimétricas, o Brasil cedeu seu
mais importante centro de lançamentos de foguetes a outro Estado.
Sem garantir um projeto nacional de desenvolvimento tecnológico, o
acordo feriu a soberania brasileira (BERRINGER et al., 2022).
Outro fato importante foi o aceito de renúncia do Estado brasilei-
ro ao tratamento especial e diferenciado na Organização Mundial do
Comércio (OMC), em troca do apoio estadunidense no pleito à Orga-
nização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Cabe destacar, contudo, que a barganha para entrar no “clube dos
ricos” não foi nada positiva para o Brasil, uma vez que os EUA, os
quais condicionaram o pedido de apoio à abdicação brasileira, não
cumpriram com o combinado, negando(21) o apoio em outubro do
mesmo ano. E o governo Bolsonaro terminou sem concretizar a pro-
messa de adesão à OCDE. PENSAR ESCALA ENTRE AUTONOMIA E
POLÍTICA DE PRESTÍGIO
Em agosto de 2019, Donald Trump designou ao Brasil o status de
aliado militar preferencial da Otan, ou aliado extra-Otan, conferindo
ao Estado brasileiro facilidade na compra de tecnologia e armamen-
tos militares estadunidenses. Para Bolsonaro(22), a designação foi
“bem-vinda”, e parecia indicar que as relações bilaterais em defesa
seriam aprofundadas. Na realidade(23), o status não significa que o
Brasil passou a fazer parte da organização, e seu efeito prático está
ligado primordialmente à área comercial, favorecendo a indústria
de defesa dos EUA. Outro ponto que denota a subordinação do
(21) https://www.infomoney.com.br/economia/eua-negam-apoio-ao-brasil-na-
ocde-apos-endosso-publico/
(22) https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2019-08/bolsonaro-
designacao-do-brasil-como-aliado-extra-otan-e-bem-vinda
(23) https://www.bbc.com/portuguese/brasil-49199195
● 57 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
● 58 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
A invasão do Capitólio
Bolsonaro ainda apoiou o movimento golpista que invadiu o
Capitólio em janeiro de 2021 no momento da posse de Joe Biden.
Diante de tudo isso, nos últimos dois anos, as relações entre os go-
vernos Bolsonaro e Biden encontraram pontos de atrito. Não houve
uma mudança estratégica quando se pensa na questão regional da
guerra contra o Estado venezuelano, mas a política ambiental acabou
se tornando uma questão de conflito político e econômico entre EUA
e Brasil. Além disso, Joe Biden definiu novas diretrizes para a política
externa dos EUA. O presidente reintroduziu a defesa do multilate-
ralismo, do meio ambiente(25) e deu prioridade ao combate contra
o coronavírus. Em comparação com a aproximação estabelecida
por Trump e Bolsonaro, a eleição de Biden resultou no afastamento
moderado entre os dois governos. Houve uma série de mudanças
nos quadros que conduziam as relações bilaterais: o embaixador
americano no Brasil, Todd Chapman, conhecidamente trumpista,
se aposentou, e Elizabeth Bagley foi indicada como embaixadora
interina no Brasil. Do lado brasileiro, o ministro Ernesto Araújo foi
substituído por Carlos França e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo
Salles, foi substituído por Joaquim Alvaro Pereira Leite. A gestão de
(24) https://www.poder360.com.br/internacional/em-debate-biden-ameaca-sancao-
contra-brasil-por-desmates-na-amazonia/
(25) A administração Biden colocou os EUA de volta no Acordo de Paris e,
apesar das dificuldades impostas por um Congresso dividido, conseguiu aprovar
uma legislação audaciosa no âmbito climático. Mais significativamente, em agosto
Biden assinou o Inflation Reduction Act, que destinou US$ 370 bilhões apenas para
o objetivo de combater as mudanças climáticas. Às vésperas da COP 27, os EUA
buscaram retomar algum protagonismo na agenda climática, para tornar mais realista
o compromisso das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) – assumido
por Biden sob o Acordo de Paris –, que pretende reduzir, até 2030, as emissões de
gases de efeito estufa à metade dos níveis registrados em 2005. Paralelamente, há
um elo cada vez mais forte entre o comércio internacional e a agenda climática, que
deve elevar os custos para grandes poluidores que não reduzam suas emissões. A
discussão, nos EUA, do Clean Competition Act, que poderia introduzir um mecanismo
de “carbon border adjustment” – precificação das emissões de carbono via taxação
de importações dos setores mais poluentes – indica a proeminência que a luta contra
as mudanças climáticas deve ter na pauta para o comércio com os EUA.
● 59 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
Dependência econômica
De maneira geral, podemos dizer que a subordinação passiva
do Estado brasileiro face aos Estados Unidos resultou também em
um aumento da dependência econômica. O comércio entre Brasil e
Estados Unidos teve um aumento, com exceção da queda em 2020,
em função da pandemia da covid-19.(28) Nas exportações, o aumento
foi de 29 milhões de dólares em 2019 para 31 milhões em 2021, e nas
(26) https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2022/12/senado-dos-eua-aprova-
nova-embaixadora-no-brasil-apos-meses-de-demora.ghtml
(27) https://www.bbc.com/portuguese/geral-63891834
(28) É válido relembrar a facilitação do comércio por meio de acordos da “Agenda
da prosperidade», que se colocam na área comercial e política, que contribuíram para
o comércio e a administração aduaneira, boas práticas regulatórias e anticorrupção,
com destaque ao Acordo de Cooperação Comercial e Econômica (Atec) assinado
em 2011 (atualizado em 2020), além do Acordo de Reconhecimento Mútuo (ARM)
assinado no dia 16 de setembro de 2022, entre a Alfândega e Proteção de Fronteiras
dos Estados Unidos (CBP) e a Receita Federal.
(https://br.usembassy.gov/pt/eua-e-brasil-assinam-acordo-de-reconhecimento-mutuo/).
● 60 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
(29) https://br.usembassy.gov/pt/dialogo-de-alto-nivel-brasil-eua-2022-
crescimento-economico-e-prosperidade/
(30) http://comexstat.mdic.gov.br/pt/comex-vis
● 61 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
● 62 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
(31) https://observatoriodamineracao.com.br/nem-guerra-nem-birra-bolsonaro-
foi-a-russia-para-garantir-o-suprimento-de-fertilizantes-e-manter-o-https://
observatoriodamineracao.com.br/nem-guerra-nem-birra-bolsonaro-foi-a-russia-
para-garantir-o-suprimento-de-fertilizantes-e-manter-o-apoio-do-agronegocio/
apoio-do-agronegocio/
(32) https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/02/18/brasil-parece-estar-do-outro-
lado-de-onde-esta-a-maioria-da-comunidade-global-diz-porta-voz-da-casa-branca-
sobre-viagem-de-bolsonaro-a-russia.ghtml
(33) https://www.bbc.com/portuguese/geral-60657268
(34) https://www.washingtonpost.com/world/2022/03/19/brazil-bolsonaro-mining-
amazon-russia-ukraine/
(35) https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2022/02/18/brasil-
● 63 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
outro-lado-eua.htm
(36) https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/02/18/brasil-parece-estar-do-outro-
lado-de-onde-esta-a-maioria-da-comunidade-global-diz-porta-voz-da-casa-branca-
sobre-viagem-de-bolsonaro-a-russia.ghtml
(37) https://www.nexojornal.com.br/extra/2022/02/15/Bolsonaro-evitou-a-guerra-
Ex-ministro-diz-que-era-brincadeira
(38) https://politica.estadao.com.br/blogs/estadao-verifica/meme-tambem-engana-
e-falso-que-putin-tenha-sido-convencido-por-bolsonaro-a-nao-atacar-a-ucrania/
(39) https://www.cnnbrasil.com.br/politica/22-acreditam-em-noticia-falsa-sobre-
recuo-de-tropas-russas-a-pedido-de-bolsonaro-mostra-pesquisa/
● 64 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
(40) https://g1.globo.com/mundo/ucrania-russia/noticia/2022/02/25/russia-veta-
resolucao-condenando-invasao-da-ucrania-no-conselho-de-seguranca-da-onu.ghtml
(41) https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60532570
(42) https://br.usembassy.gov/statement-by-the-u-s-embassy-charge-daffaires-
on-russia-and-ukraine/
● 65 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
(43) https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2022/03/17/brasil-abstencao-
russia-unesco.htm
(44) https://www.washingtonpost.com/world/brazils-bolsonaro-calls-for-negotiations-
to-end-ukraine-war/2022/09/20/f73de3fe-3901-11ed-b8af-0a04e5dc3db6_story.html
● 66 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
(45) https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/09/ida-de-bolsonaro-a-ny-tem-
churrasco-com-apoiadores-protestos-e-agenda-esvaziada.shtml?origin=folha
(46) https://news.un.org/en/story/2022/09/1127141
● 67 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
As eleições de 2022
Houve uma clara ação dos democratas, congressistas e brasi-
lianistas em relação às eleições brasileiras. Havia um temor de que
ocorresse algo similar ao governo Trump. Portanto, o senador do
estado de Vermont, Bernie Sanders, demonstrou bastante preocupa-
ção com a democracia brasileira. Sanders, que vocalizou em diversas
instâncias não gostar do tom golpista dos discursos de Bolsonaro,
mostrou-se decidido a resistir contra qualquer tentativa de golpe que
violasse as bases democráticas brasileiras (WARD, 2022). Após de-
clarações polêmicas de Jair Bolsonaro, nas quais insistiu que “apenas
Deus” o removeria do cargo, e que se fosse aplicar um golpe de Estado
(47) https://edition.cnn.com/2022/09/20/americas/unga-bolsonaro-brazil-intl-
latam/index.html
● 68 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
não diria nada, Bernie Sanders (2022, apud WARD, 2022) afirmou ser
“dever dos Estados Unidos estar oficialmente do lado dos eleitores,
independentemente de quem vença as eleições”. Sanders continuou
defendendo a democracia brasileira quando afirmou que, se ocorresse
um golpe, seria inaceitável que os Estados Unidos reconhecessem e
trabalhassem com o governo que perdeu as eleições. Para o senador,
isso seria um desastre tanto para o povo brasileiro quanto para a
imagem da força democrática perante o mundo (G1, 2022).
Com a intenção de reforçar que os Estados Unidos defendem
eleições presidenciais justas e livres no Brasil, Bernie Sanders apresen-
tou um projeto de resolução (Sense of the Senate) para que o Senado
dos Estados Unidos se manifestasse sobre o assunto. A resolução, que
foi aprovada, além de apoiar o candidato eleito legalmente, defendeu
também que os Estados Unidos encerrassem relações com o Brasil
caso o país fosse dirigido por um governo não eleito democraticamente.
“Se Jair Bolsonaro, Luiz Inácio Lula da Silva ou qualquer outro ganhar a
presidência legalmente”, disse o senador, “não há necessidade de uma
mudança na relação Estados Unidos-Brasil – afinal, seria a vontade do
povo”. Contudo, a resolução não culminou em práticas obrigatórias,
funcionando muito mais como um posicionamento da casa legislativa
dos Estados Unidos, do que como uma moção prática. Com o resultado
das eleições brasileiras dando vitória a Lula, e a situação de incerteza
em relação à posição de Bolsonaro, Bernie Sanders promoveu o Sense
of Senate como um posicionamento dos Estados Unidos em defesa
da democracia brasileira (G1, 2022).
Parte da imprensa estadunidense manteve uma postura
amigável com a eleição de Lula. The Washington Post declarou: “O
ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, um ícone da es-
querda latino-americana, derrotou o presidente Jair Bolsonaro no
domingo para conquistar um terceiro mandato liderando o maior
país da região, disse o Tribunal Superior Eleitoral, coroando um
notável retorno político menos de três anos depois que ele saiu de
uma cela de prisão”. The New York Times pontuou: “Os resultados
no domingo deixaram claro que dezenas de milhões de brasileiros
se cansaram de seu estilo polarizante e do tumulto frequente de
seu governo”. Para o jornal britânico The Guardian, foi uma virada
“espantosa” e o mais importante resultado em décadas para o Brasil
(VIEIRA, SABBAG, 2022).
● 69 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
● 70 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
(48) https://www.cnnbrasil.com.br/politica/alemanha-e-noruega-estao-dispostas-
a-retomar-financiamento-do-fundo-amazonia-em-governo-lula/
● 71 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
Bibliografia
BERRINGER et al. Nacionalismo às Avessas. In: MARINGONI, Gil-
berto; SCHUTTE, Giorgio Romano; BERRINGER, Tatiana (orgs.). As
Bases da Política Externa Bolsonarista. Santo André: Editora Ufabc,
2021. p.139-152
WARD, Alexander. The new BBB: Bernie’s Brazil Bill. Político [on-
line]. 11 de ago. 2022. Disponível em: <https://www.politico.com/
newsletters/national-security-daily/2022/08/11/the-new-bbb-bernies-
-brazil-bill-00051092>. Acesso em: 08 de dezembro de 2022
● 72 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
● 73 ●
Entre desarranjos e contradições:
as relações Brasil-China no
governo Bolsonaro
Ana Tereza Lopes Marra de Sousa, Giorgio Romano Schutte(49), Rafael Al-
meida Ferreira Abrão(50), Luccas Gissoni(51), Filipe Porto(52), Vitor Gabriel
da Silva(53), Brenda Neris Gajus, Daniel Rocha, Emanuela
Almeida da Silva, Fabíola Oliveira, Flávia Tomi Mitake Neiva,
Kethelyn Santos, Lais Pina e Vitor Hugo dos Santos(54)
Introdução
Neste trabalho, analisamos as relações Brasil-China durante o
governo de Jair Bolsonaro (2019-2022). Estamos interessados em com-
preender por que mesmo diante do desejo do presidente de promover
mudanças nas relações Brasil-China – de rebaixar a importância da
potência asiática dentro da Política Externa Brasileira (PEB) –, ao fim
do seu mandato, o Brasil ficou ainda mais próximo da China, pelo
menos no que diz respeito às relações econômicas. Argumentamos
● 74 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
● 75 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
(55) Os dados foram coletados por meio da plataforma Comex Stat, disponível
em: http://comexstat.mdic.gov.br/pt/home. Os dados de 2022 referem-se ao período
de janeiro a novembro. Todos os outros anos os dados são de janeiro a dezembro.
● 76 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
(56) Os dados foram coletados por meio da plataforma Comex Stat, disponível
em: http://comexstat.mdic.gov.br/pt/home
(57) Em destaque, aponta-se a Bancada Ruralista, a maior bancada do Congresso
Nacional, que defende interesses de agroexportadores.
● 77 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
Pragmatismo involuntário
A primeira fase compreende do começo de 2019 até março de 2020,
e foi marcada pela existência de um discurso crítico à China, mas que foi
se arrefecendo. Apesar de ter havido declarações controversas – como
quando Araújo insinuou, referindo-se implicitamente à China, que o
Brasil teria apostado nos “parceiros errados”, que não iria mais “vender
a alma” em troca do comércio de minério de ferro, e que a aposta no
“mundo pós-americano”, referindo-se aos Brics, era errada –, a percepção
era de que o risco que esse discurso produzisse impactos negativos no
plano das relações concretas era pequeno (SOUSA et al., 2021a).
A despeito de não ser uma escolha do presidente e Araújo, os
interesses econômicos e financeiros prevaleceram nas relações e foram
representados por outros órgãos no governo, como a vice-presidência
da República e, em particular, o Mapa, que chegou a montar uma as-
sessoria específica para manter relações com a China, e realizou uma
visita ao país com a clara intenção de consolidar e expandir os negó-
cios entre os países. Também o fato de a reunião do Brics naquele ano
ocorrer no Brasil, com a presença de Xi Jinping, criou a necessidade
de normalidade nas relações. Bolsonaro, inclusive, chegou a visitar a
China durante os jogos militares em 2019.
Distopia conflituosa
Já a partir do início de 2020, é possível apontar que as relações
passaram para uma fase mais conflitiva. O cenário externo, caracteri-
zado pela pandemia de covid-19 e pelas maiores pressões do governo
● 78 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
● 79 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
Normalidade negligente
Os impasses da segunda fase só foram superados quando os
interesses econômicos e financeiros conseguiram dominar novamen-
te a pauta das relações bilaterais. Dois movimentos paralelos a isso
foram essenciais para o contorno da situação: a influência de gover-
nos subnacionais, que passaram a pautar a atuação do Brasil junto à
China durante a crise sanitária, reconhecendo sua necessidade para
o acesso a vacinas, equipamentos e insumos farmacêuticos ativos
(IFAs); e o legislativo, mobilizado por grupos econômicos e políticos,
bem como ministérios do próprio governo, em destaque o Mapa, que
passaram a exercer forte pressão com relação ao 5G (SOUSA, 2022).
Juntamente a essas pressões, a perda do principal aliado internacio-
nal de Bolsonaro, Donald Trump, no início de 2021, colocou em xeque a
política de alinhamento do Brasil aos EUA, que passou a ser governado
a partir de então por Joe Biden, com quem Bolsonaro não criou boas re-
lações. É nesse cenário que se pode entender a saída de Araújo do MRE
e a entrada de Carlos França em seu lugar (SOUSA et al., 2022). A partir
de então, as relações começaram entrar em normalização, iniciando-se a
terceira fase, que vigorou até o final do mandato de Bolsonaro.
Tal fase foi caracterizada por uma melhora das relações diplo-
máticas e uma menor frequência e repercussão de discursos críticos
à China (SOUSA et al., 2022). Constatou-se que diante dos interes-
ses concretos dos grupos internos e da perda da alternativa de um
interlocutor externo de peso nos EUA, não seria possível mudar a
política para China e promover o distanciamento ou rebaixá-la de
importância para o Brasil. Apesar da melhora das relações, essa ter-
ceira fase tem sido marcada pela dificuldade de planejamento das
relações bilaterais, pela ausência de um plano para tratar a China e
pela negligência em assuntos não relacionados a questões comerciais.
● 80 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
● 81 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
● 82 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
● 83 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
● 84 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
● 85 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
● 86 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
● 87 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
Bibliografia
BRASIL. Comex Stat/ MDIC, 2022. Disponível em: http://come-
xstat.mdic.gov.br/pt/home
FREITAS, José Luís; SILVA, Vitor G.; SANTOS, Vitor H.; MARRA,
Ana Tereza. Investimentos chineses no Brasil são concentrados no
setor de energia e se encontram aquém do esperado. In: OPEB, 14
de dezembro de 2021. Disponível em: https://opeb.org/2021/12/14/
investimentos-chineses-no-brasil-sao-concentrados-no-setor-
-de-energia-e-se-encontram-aquem-do-esperado/#:~:text=Ap%-
C3%B3s%20a%20pandemia%20de%20Covid,menos%20do%20
que%20em%202019.
● 88 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
● 89 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
opeb.org/2022/06/28/apos-incertezas-brasil-e-china-reafirmam-
-compromissos-de-parceria/. Acesso em: 4 mar. 2022.
● 90 ●
A degradação da Política Externa de
Direitos Humanos no governo de
Jair Bolsonaro (2019-2022)
Introdução
O governo de ultradireita de Jair Bolsonaro produziu mudanças
disruptivas na política externa brasileira (PEB), algo que os fatos, a
imprensa internacional e a literatura das Relações Internacionais e
de outros campos comprovam fartamente. Dentre as várias áreas da
● 91 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
(66) A segunda parte da obra, que abrange todo o período da PEB de Bolsonaro,
teve como principais fontes os capítulos sobre a PEB de Direitos Humanos das três
obras produzidas pelo Opeb sobre a PEB de Bolsonaro em 2019, 2020 e 2021, além
de outras fontes de 2022.
(67) UNCR. “Ukraine Refugee Situation”, 2022. Disponível em: <https://
data2.unhcr.org/en/situations/ukraine#_ga=2.13858098.403135786.1649868883-
210233248.1649868883>
(68) CORREIO BRAZILIENSE. “União africana aponta racismo contra africanos
que tentam escapar da Ucrânia”. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.
com.br/mundo/2022/03/4989334-uniao-africana-aponta-racismo-contra-africanos-
que-tentam-escapar-da-ucrania.html >
(69) BBC, “Guerra na Ucrânia: ‘Soldados russos me estupraram e mataram meu
marido’ - Disponível em: <.https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61076659 >
● 92 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
(70) G1. “Ucranianos receberão visto de 180 dias e poderão pedir residência no
Brasil, prevê portaria do governo”, 03.03.2022. https://g1.globo.com/mundo/ucrania-
russia/noticia/2022/03/03/ucranianos-receberao-visto-de-180-dias-e-poderao-pedir-
residencia-no-brasil-preve-portaria-do-governo.ghtml
(71) G1. “Governo brasileiro prorroga visto humanitário para ucranianos”,
30.08.2022, https://g1.globo.com/mundo/noticia/2022/08/30/governo-brasileiro-
prorroga-visto-humanitario-para-ucranianos.ghtml
(72) OIM. Cartilha de Direitos Humanos para ucranianos migrantes e refugiados no
Brasil. 2022. https://brazil.iom.int/sites/g/files/tmzbdl1496/files/documents/cartilha-
de-direitos-humanos-para-migrantes-bilingue.pdf
(73) VEJA. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/tecnologia/as-armas-letais-
sendo-usadas-na-guerra-na-ucrania>. Acesso em: 8 jun. 2022.
(74) ICRC. “Armas”. Disponível em <https://www.icrc.org/pt/doc/war-and-law/
weapons/overview-weapons.htm>
● 93 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
● 94 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
(79) SOUZA, Barbara Rodrigues et al. Irã enfrente protestos com repercussão
mundial. OPEB, São Bernardo do Campo, 04 out. 2022. Disponível em: <https://opeb.
org/2022/10/04/ira-enfrenta-protestos-com-repercussao-mundial/>
(80) GAZETA DO POVO. “Brasil sinaliza preocupação com os direitos humanos
no Irã”. Disponível em <https://www.gazetadopovo.com.br/mundo/brasil-sinaliza-
preocupacao-com-direitos-humanos-no-ira-bz568m5wnbfpyo5p36lfvuy4u/ > Acesso
em: 28 set. 2022.
(81) ESTADAO. “Brasil se abstém em votação sobre direitos humanos no Irã”
– Disponível em <https://www.estadao.com.br/internacional/brasil-se-abstem-em-
voto-sobre-direitos-humanos-no-ira/> Acesso em: 28 set. 2022.
(82) “Torcida e jogadores do Irã não cantam hino em protesto contra o governo
do país” Disponível em https://gauchazh.clicrbs.com.br/esportes/copa-do-mundo/
noticia/2022/11/torcida-e-jogadores-do-ira-nao-cantam-hino-em-protesto-contra-o-
governo-do-pais-clar72uli008501g75d4lpkj8.html>
● 95 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
(83) G1. Bruni Pereira e Dom Phillips: a cronologia do caso, desde o início
da viagem. 15 jun. 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/am/amazonas/
noticia/2022/06/15/bruno-pereira-e-dom-phillips-a-cronologia-do-caso-desde-o-
inicio-da-viagem.ghtml. Acesso em: 23 nov. 2022.
(84) NEIVA, Lucas. Corpos de Bruno Pereira e Dom Phillips são encontrados
na Amazônia. Congresso em Foco, [S.l.], 15 jun. 2022. Disponível em: https://
congressoemfoco.uol.com.br/area/pais/corpos-de-bruno-pereira-e-dom-phillips-
sao-encontrados-na-amazonia/. Acesso em: 23 nov. 2022.
(85) GREENPEACE BRASIL. A verdade sobre a Amazônia sob o governo
Bolsonaro. Greenpeace, [S.l.], 28 out. 2022. Disponível em: https://www.greenpeace.
org/brasil/blog/a-verdade-sobre-a-amazonia-sob-o-governo-bolsonaro/. Acesso em:
23 nov. 2022.
(86) SOUZA, Barbara Rodrigues et al. O colapso da proteção dos direitos humanos
na Amazônia. OPEB, São Bernardo do Campo, 12 jun. 2022. Disponível em: https://
opeb.org/2022/07/12/o-colapso-da-protecao-dos-direitos-humanos-na-amazonia/.
Acesso em: 23 nov. 2022.
(87) GLOBAL WITNESS. Last Line of Defence. Global Witness, [S.l.], 13 set. 2021.
Disponível em: https://www.globalwitness.org/en/campaigns/environmental-
activists/last-line-defence/. Acesso em: 24 nov. 2022.
● 96 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
(88) SOUZA, Barbara Rodrigues et al. ONU reforça vínculo entre meio ambiente
e direitos humanos. OPEB, São Bernardo do Campo, 09 ago. 2022. Disponível em:
https://opeb.org/2022/08/09/onu-reforca-vinculo-entre-meio-ambiente-e-direitos-
humanos/. Acesso em: 23 nov. 2022.
(89) SARLET, Ingo; WEDY, Gabriel Tedesco.; FENSTERSEIFER, Tiago. A equiparação
dos tratados ambientais aos tratados de direitos humanos. ConJur, [S.l.], 15 jul.
2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-jul-15/direitos-fundamentais-
equiparacao-tratados-ambientais-aos-direitos-humanos. Acesso em: 24 nov. 2022.
(90) ONU NEWS. ONU aprova resolução sobre meio ambiente saudável como
direito humano. ONU News, [S.l.], 28 jul. 2022. Disponível em: https://news.un.org/
pt/story/2022/07/1796682. Acesso em: 22 nov. 2022.
(91) ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS (AGNU). Resolution A/
RES/76/300: The human right to a clean, healthy and sustainable environment. GA
Index: A/RES/76/300, 28 jul. 2022. Disponível em: https://undocs.org/A/RES/76/300.
Acesso em: 22 nov. 2022.
● 97 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
(92) O P E B , https://opeb.org/2022/09/06/novo-alerta-internacional-de-riscos-a-
democracia-brasileira/
● 98 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
O início em 2019
A desconstrução da PEB de Direitos Humanos – um legado de
mais de três décadas de diplomacia em regime democrático – tem
início logo após a posse do presidente em janeiro de 2019. Nesse pri-
meiro ano de presidência, Bolsonaro segue o roteiro de Donald Trump
e dos autocratas da ultradireita europeia, alterando radicalmente as
posições brasileiras nos foros multilaterais, incluindo o Conselho de
Direitos Humanos da ONU, a OEA e o Sistema Interamericano de
Direitos Humanos, com impacto direto na proteção de minorias e
grupos vulneráveis. Bolsonaro retira o Brasil do Pacto Global para
uma Migração Segura, Ordenada e Regular. A cooperação Sul-Sul
no âmbito de Direitos Humanos – relevante para países latino-a-
mericanos e africanos – igualmente desaparece da agenda da PEB
(Rodrigues et al., 2021).
Marcado por uma política antiglobalista, o Governo Bolsonaro
instaura o discurso de reconstruir os valores nacionais sem inter-
ferências externas. Instaura-se o repúdio aos princípios universais,
globais e multiculturais e, paralelamente, valoriza-se a ideologia
conservadora cristã, com a implementação de um projeto identitário
com tendência fascista. O caráter ultraliberal é notado através das
reformas trabalhistas – com o intuito de tornar o Brasil mais atrativo
● 99 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
● 100 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
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Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
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Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
Considerações finais
A PEB de Direitos Humanos no governo de Bolsonaro sofreu seu
primeiro grande abalo no primeiro ano do governo, com o processo de
desconstrução dos Direitos Humanos em nível interno e internacional,
neste sobretudo no âmbito multilateral. Nos foros do sistema da ONU,
Bolsonaro trata de inverter o efeito bumerangue, que historicamente
beneficiou políticas progressistas no país, passando a utilizar os deba-
tes e posições da PEB para afirmar e reafirmar a pauta conservadora
e regressiva do governo. A pandemia de covid-19 foi um divisor de
águas na PEB de Direitos Humanos, expondo os malogros de sua
disfuncionalidade e plantando a crescente desconfiança internacional
que resultará em progressivo isolamento diplomático do Brasil na cena
internacional. A tentativa de cooptar países para as teses negacionistas
do processo eleitoral foi a gota d’água da malograda PEB bolsonarista.
Em que pese a derrota de Bolsonaro, os quatro anos que levaram à
forte degradação da PEB de Direitos Humanos deixaram marcas muito
negativas e máculas na trajetória da PEB de Direitos Humanos. Tardará
um tempo razoável para a PEB recuperar-se da degradação imposta
por Bolsonaro nesses quatro anos.
● 103 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
Bibliografia
RODRIGUES, Gilberto Marcos Antonio et al. Política externa, direi-
tos humanos e pandemia de Covid-19. In: Azzi, Diego; Rodrigues,
Gilberto M. A.; Souza, Ana Tereza. L. M. (Org.) A Política Externa de
Bolsonaro na Pandemia. São Bernardo do Campo/São Paulo: OPEB/
Friedrich Ebert Stifttung-FES, 2020, p. 57-70.
RODRIGUES, Gilberto Marcos Antonio et al. Desconstrução dos Di-
reitos Humanos na Política Externa Brasileira. In: Berringer, Tatiana;
Maringoni, Gilberto; Schutte, Giorgio (Org.). As bases da política
externa bolsonarista. Santo André: EdUFABC, 2021, p. 89-99.
RODRIGUES, Gilberto Marcos Antonio et al. Política Externa de
Direitos Humanos em Cenário de Isolamento Internacional do Bra-
sil. In: Azzi, Diego.; Rodrigues, Gilberto M. A.; Souza, Ana Tereza.
L. M. (Org.). Política Externa Brasileira em tempos de isolamento
diplomático. Rio de Janeiro: Telha, 2022, p. 77-95.
RODRIGUES, Gilberto Marcos Antonio. Política Exterior de Bol-
sonaro: Ideologia y Aislamiento Diplomatico (2019-2022). Analisis
Carolina, Madrid: Fundação Carolina, 2022.
● 104 ●
Do desastre à oportunidade: meio
ambiente e política brasileira em 2022
Alan Anelli, Bianca Lima, Breno Fischer, Cássia Fernandes, Cássia Lima,
Davi Silva, Catarina Vieira Bortoletto, Fernando Nascimento, Giovanna
Rossato, Laura Rivaben, Lucas Começanha, Lucas Rocha,
Luís G. Branco, Luiza Zomignan, Rodolfo Aguiar,
Sofia Spada, Tamires Teixeira; Olympio Barbanti Jr.
e Diego Azzi(93)
● 105 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
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Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
Política antiambientalista
Impactos negativos dessa política deliberadamente antiambien-
talista se estenderam ainda mais. Para além da forte deterioração
nas políticas nacionais e internacionais e do desmonte e paralisação
da gestão ambiental doméstica, o Governo Bolsonaro interrompeu
diversas ações financiadas por agentes de cooperação internacional
multilateral e bilateral, ao mesmo tempo que ofendeu líderes interna-
cionais e maculou a história da política externa brasileira. Bolsonaro
acusou, por exemplo, o presidente francês Emmanuel Macron de
adotar uma concepção colonialista ao interferir em assuntos “inter-
nos” do Brasil.
O líder francês havia denunciado os incêndios na floresta tropi-
cal em julho de 2019, que, segundo dados do Programa Queimadas,
do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), aumentaram
82% em comparação com o mesmo período de 2018. No mesmo ano,
Noruega e Alemanha cancelaram repasses para o Fundo Amazônia,
ao que Bolsonaro respondeu dizendo que a líder alemã Angela Merkel
“deveria usar o dinheiro bloqueado para reflorestar o próprio país”
(COHEN, 2022).
Diversas outras iniciativas, incluindo ações de importantes or-
ganizações não governamentais, foram igualmente paralisadas ou
tiveram que ser alteradas para um perfil de “empreendedorismo”.
Membros de ONGs foram perseguidos politicamente e diversos de-
les foram mortos. Houve aumento da invasão de terras, do garimpo
ilegal, da extração e venda de madeira ilegal e do crime organizado.
Esse quadro de caos político e institucional foi agravado pela
situação degradante em que se encontram povos e comunidades tra-
dicionais, assim como indígenas. Além da falta de demarcação de suas
terras, houve tolerância quanto à invasão das mesmas e ao assassinato
de diversas lideranças camponesas. A dimensão social relacionada à
agenda ambiental foi escanteada, e, no seu lugar, foram priorizadas
pautas como meio ambiente urbano, reciclagem, resíduos sólidos e
outros temas distantes das questões centrais da biodiversidade dos
biomas brasileiros e de suas populações.
Pode-se dizer com segurança que a questão ambiental foi co-
locada como dimensão subalterna a interesses do chamado “setor
produtivo”, em especial de grupos que representam uma fração da
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Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
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Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
Escassez de fertilizantes
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Considerações finais
A trajetória da diplomacia ambiental brasileira nos últimos
quatro anos pode ser resumida na passagem da condição de país
referência à condição de pária na comunidade ambiental internacio-
nal. Nos últimos quatro anos, uma política explícita de extrativismo,
negacionismo e autoritarismo constituiu traços marcantes da agenda
(anti)ambiental-climática do Governo Bolsonaro, remetendo o Brasil
de volta a posicionamentos dos anos 1970 que vinham sendo pro-
gressivamente superados no período pós-redemocratização.
Sobretudo, enquanto o presidente dos Estados Unidos foi Do-
nald Trump, o Brasil deixou de cooperar como Estado-promotor da
agenda ambiental e climática para atuar como Estado-veto nessas
negociações, frequentemente chantageando de forma constrangedora
os demais países pela obtenção de recursos financeiros em troca de
promessas de ações de proteção ambiental que, afinal, não se con-
cretizaram no período bolsonarista. A partir de 2021, a vitória de Joe
Biden nas eleições dos Estados Unidos mudou significativamente
o cenário para a diplomacia ambiental brasileira e para as políticas
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Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
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Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
● 124 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
Bibliografia
BECKER, Bertha K. Geopolítica da Amazônia. Estudos Avançados,
v. 19, n. 53, p. 71–86, 2005.
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modities ligadas ao desmatamento. 8 dezembro de 2022. https://www.
conjur.com.br/2022-dez-08opiniao-ue-amplia-restricoes-commodi-
ties-desmatamento
COSTA. F. A., Ciasca, B.S., Castro, E.C.C., Barreiros, R.M.M., Folhes,
R.T., Bergamini, L.L., Solyno Sobrinho, S.A., Cruz, A., Costa, J. A.,
Simões, J., Almeida, J.S., Souza, H.M. Bioeconomia da sociobiodi-
versidade no estado do Pará. Brasília, DF: The Nature Conservancy
(TNC Brasil), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID),
Natura, IDB-TN-2264, 2021
CUNHA, Manuela Carneiro da. O futuro da questão indígena. Es-
tudos avançados, v. 8, n. 20, p. 121-136, 1994.
MARQUES, Adriana Aparecida. Amazônia: pensamento e presença
militar. 2007. 232 f. Tese de Doutorado: Universidade de São Paulo,
2007.
OLIVEIRA, Antônia Larissa Alves; SILVA, Giliad de Souza. Desen-
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nos Principais Municípios Minerados do Sudeste Paraense. XXVI
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Opeb. De referência a pária. A tragédia da diplomacia ambiental no governo
Bolsonaro. In: As bases da política externa bolsonarista. Ed. UFABC,
2021. Disponível em www.opeb.org
_____. A política externa bolsonarista e o agravamento de um Brasil in-
sustentável. In: A política externa de Bolsonaro na pandemia. Ed.
Fundação Friedrich Ebert (FES), 2020. Disponível em www.opeb.org
_____. Negacionismo e Negócios: a Política Ambiental da Diplomacia
Brasileira. In: Política externa brasileira em tempos de isolamento
diplomático. Ed. Telha, 2022. Disponível em www.opeb.org
REDE BRASILEIRA DE PESQUISA EM SOBERANIA E SEGU-
RANÇA ALIMENTAR (PENSSAN). ‘II Inquérito Nacional sobre
● 125 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
● 126 ●
Novos caminhos para a inserção
econômica no mundo em transformação
Introdução
O Governo Temer marcou um período de inflexão na estratégia
de inserção econômica internacional do Brasil, em que a atuação altiva
e ativa, característica dos Governos PT, foi substituída por um autoisola-
mento diplomático fundamentado em princípios da economia ortodoxa.
O Governo Bolsonaro representou uma exacerbação completa dessa
agenda, combinada com a ausência de qualquer visão de longo prazo
para a inserção econômica internacional do país e, por vezes, uma su-
bordinação dos assuntos externos de um lado para ganhos financeiros
para alguns grupos específicos, e, de outro, ganhos políticos eleitorais
(SCHUTTE; FONSECA; CARNEIRO, 2019). Em geral, o país deixou de
pensar no futuro e promoveu uma liberalização irrestrita, perdendo diver-
sas oportunidades e provocando um retrocesso de desenvolvimento em
função da inação e, em vários casos, desestruturação do Estado brasileiro.
Há um tripé de princípios que constituem as atuações dos Go-
vernos Temer e Bolsonaro que é composto por: uma crença convicta
nos princípios da economia liberal, privatização e desnacionalização
de ativos estratégicos, e a falta de um projeto de inserção econômica
internacional soberana e de longo prazo (SCHUTTE et al., 2022).
Enquanto se viu o aumento da riqueza dos milionários, as promessas
da agenda embasada por esse tripé nunca se concretizaram para a
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Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
Grande transformação
Nesse meio tempo, o mundo está passando por grandes trans-
formações. A concorrência oligopolista e a rivalidade interestatal se
acentuaram e os países voltaram-se para uma nova corrida tecnológica
em torno da quarta revolução industrial-tecnológica, também conhe-
cida como a Indústria 4.0. Os efeitos das crises climáticas se tornaram
mais latentes, e planos de transição ecológica que incorporam novas
tecnologias verdes, sobretudo reorganizando o setor energético, estão
avançando. Além disso, o planeta foi acometido pela pandemia de
covid-19, que matou, até o momento, mais de seis milhões de pessoas
no mundo todo. A resposta dos países avançados a esses três desafios
passou por um mesmo fio condutor: o forte investimento público e a
volta do planejamento estatal na condução da economia.
O Brasil, contudo, não trilhou esse caminho. A condução do combate
à pandemia realizado pelo Governo Bolsonaro foi inepta e pífia, marcada
pelo negacionismo com relação à gravidade da catástrofe sanitária e pela
inércia frente aos deletérios efeitos socioeconômicos. A aprovação de in-
suficientes auxílios emergenciais representou, em um primeiro momento,
o resultado de pressões da sociedade civil, e, posteriormente, integrou
parte da estratégia eleitoral de reeleição de Bolsonaro. Ao fim, mais de
680 mil brasileiros morreram de covid-19 até o momento e a economia
nacional ainda cambaleia para se recuperar. Ficou evidenciada a impor-
tância do Sistema Único de Saúde (SUS) e seu potencial de alavancar um
complexo industrial de saúde com políticas tecnológicas.
Em termos da corrida tecnológica, o Brasil se afastou das frontei-
ras de inovação tecnológica da Indústria 4.0 e perdeu oportunidades
de atuação estratégica em um mundo em transformação. Nenhum
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Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
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Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
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Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
Minerais 23,47%
Serviços 12,18%
Metais 4,68%
Veículos 4,04%
Outros 11,07%
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Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
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Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
acionista controladora por deter mais de 50% das ações com direito
de voto, tendo, em tese, poder de orientar as políticas da empresa.
A trajetória da Petrobras ilustra muito bem o caminho trilhado pelo
Brasil nos últimos seis anos nos três âmbitos trabalhados neste capí-
tulo: desindustrialização, total descaso com a transição energética e
foco na lógica financista de curto prazo, e poucos beneficiários.
Em 2014, os investimentos do setor de Petróleo e Gás (P&G)
representaram 36% dos investimentos industriais brasileiros e 10%
dos investimentos totais do país (SCHUTTE, 2016). A partir de 2016 a
situação passou a ser muito diferente. No governo de Michel Temer foi
iniciada uma política de desinvestimentos (privatizações) que atendeu
aos interesses do mercado financeiro, empresas estrangeiras e acionis-
tas privados nacionais e internacionais. A organização “do poço ao
posto”, construída ao longo de setenta anos a partir de esforço público
e privado, foi liquidada (RAMALHO, 2021), restando uma política
petrolífera brasileira à mercê das flutuações dos preços internacionais.
Uma das primeiras ações tomadas contra a Petrobras foi o fim
da exigência de que ela fosse a operadora única dos blocos de explo-
ração do pré-sal – juntamente com o fim da participação mínima da
empresa nos leilões dos blocos. Duas medidas que visavam diminuir
a participação e comando da empresa na exploração do pré-sal.
A privatização da BR Distribuidora foi iniciada no Governo
Temer e concluída em duas etapas no Governo Bolsonaro. Com isso
o país perdeu o potencial de gestão soberana do abastecimento de
derivados, o que deveria ser considerado um bem de interesse pú-
blico. Somando as três fatias da empresa vendidas pela Petrobras, a
venda somou um total de R$ 24 bilhões. Já sob o nome Vibra Energia
– mas com o direito de uso da respeitada marca de postos BR – a
empresa privatizada teve lucro líquido de R$ 2,49 bilhões no ano de
2021. Isso sem entrar nos méritos do valor de toda a estrutura física
que pertencia à BR Distribuidora.
No Governo Bolsonaro, o processo de liquidação da Petrobras
continuou. No Plano de Negócios da empresa para o período 2020-
2024, estava prevista a venda de oito das 13 refinarias, o equivalente a
50% da capacidade de refino do país. A RLAM (Refinaria Landulpho
Alves), segunda maior do país, foi a primeira a ser vendida a um
fundo de investimento estatal de Abu Dhabi (Mubadala). A venda
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Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
foi por um valor 45% menor do que o seu valor de mercado e hoje é
a refinaria que pratica os preços mais altos de combustíveis do país.
No âmbito da transição energética, a Petrobras foi, novamente, na
contramão dos seus pares internacionais mais avançados. Em vez de
investir pesadamente nas fontes energéticas renováveis, como a energia
solar, eólica e na fronteira tecnológica do hidrogênio verde, caminhando
para se transformar numa empresa de energia, e não apenas de produção
de petróleo, a Petrobras não realizou grandes investimentos neste setor.
Pelo contrário, vendeu a PBio (Petrobras Biocombustíveis), que produzia
biodiesel, e limitou a maior parte dos seus investimentos na exploração
de petróleo, na contramão da tendência mundial.
A política de Preços de Paridade de Importação (PPI) adotada
pela Petrobras desde 2016 no início do Governo Temer ilustra a
lógica financista de curto prazo e benefícios para poucos (inclusive
estrangeiros) às custas do conjunto da sociedade brasileira. Sob a PPI,
os combustíveis nas refinarias da Petrobras são vendidos por preços
altos o suficiente para tornar viável a operação de importação – por
empresas privadas, sobretudo estrangeiras. Na prática, essa política
faz com que os preços de derivados de petróleo no Brasil sejam os
mesmos de uma situação hipotética na qual o país não tivesse petróleo
com custo operacional de extração baixo, capacidade de refino, nem
uma empresa estatal estruturada neste setor.
Com a continuidade da política de PPI, sob o pano de fundo
do aumento do preço do barril de petróleo com a retomada da ati-
vidade econômica pós-pandemia e o início da guerra da Ucrânia, a
Petrobras registrou recorde de lucratividade. O Brasil não seguiu as
políticas aplicadas em outros países (até no Reino Unido) de, diante
dos superlucros das petrolíferas, introduzir impostos específicos
(windfall profit tax). Pelo contrário, a empresa anunciou R$ 180 bi-
lhões de dividendos em 2022, valor ainda maior do que o lucro no
período, representando uma alocação de caixa bastante questionável.
A Petrobras deve fechar o ano de 2022 como a segunda maior paga-
dora de dividendos do mundo em valores absolutos. Vale lembrar
que dois terços desse montante vão diretamente para os bolsos dos
acionistas privados, dos quais metade são estrangeiros. Uma política
extremamente regressiva, concentradora de renda e sem nenhuma
visão estratégica de médio e longo prazo.
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Considerações finais
A inserção do Brasil na economia mundial seguiu, nos últimos
seis anos, a lógica neoliberal que orientou os Governos Temer e
Bolsonaro em sua política interna e teve como ponto de partida o
documento “Ponte para o Futuro”, apresentado em 2016, pelas forças
antipopulares. Para implementar essas políticas, era precisa derrubar
o Governo Dilma, democraticamente eleito.
A característica principal dessa inserção era que o Estado de-
veria abdicar de qualquer política para influenciar ou, ainda menos,
contrapor-se às forças e interesses do mercado. Essa liberdade para
o capital internacional, produtivo e financeiro, em sintonia com os
interesses financeiros nacionais, implicava até impunidade em rela-
ção ao uso selvagem das riquezas naturais do Brasil, em particular
da floresta amazônica.
Organismos estatais como o BNDES foram desvirtuados e
perderam seu caráter desenvolvimentista. Suas operações internacio-
nais foram até criminalizadas, para felicidade de seus concorrentes
internacionais. A Petrobras, com grande potencial para impulsionar
investimentos produtivos e contribuir com a transição energética, foi
subordinada a uma lógica de ganhos financeiros de curto prazo, em
especial para seus acionistas privados, que controlam dois terços do
capital social da empresa.
Quem ganhou com essa política foram os setores financeiros
e aqueles ligados aos setores primários, exportadores e o capital
internacional, que aproveitou as oportunidades criadas para lucrar.
Não se trata de questionar a contribuição que o capital produtivo
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● 148 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
Bibliografia
ALVARENGA, Darlan. Com pandemia, indústria perde ainda
mais participação no PIB e agronegócio ganha protagonismo. G1.
Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2021/07/21/
com-pandemia-industria-perde-ainda-mais-participacao-no-pib-e-a-
gronegocio-ganha-protagonismo.ghtml>. Acesso em: 15 nov. 2022.
● 149 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
● 150 ●
Quatro anos de Governo Bolsonaro –
Forças Armadas e protagonismo político
Introdução
Em quatro anos de existência, o Governo Bolsonaro testemu-
nhou um avanço sem precedentes das Forças Armadas sobre a
máquina pública governamental. Os militares literalmente exerceram
uma prática de ocupação de espaços de poder, dirigindo ministérios
estratégicos, as estatais mais importantes e preenchendo cargos de
segundo e terceiro escalão. Como se não bastasse, o presidente tratou
de veicular uma ideologia de extrema-direita e contou com o silêncio
cúmplice do estamento militar.
Exército, Marinha e Aeronáutica foram interlocutores cons-
tantes do poder executivo com o congresso e o judiciário. Desde o
primeiro dia da presidência de Jair Bolsonaro, os militares estiveram
no centro das decisões e articulações políticas. Foram instrumentais
em negociações com os parlamentares, especialmente no período em
que ocuparam a chefia da Casa Civil com os generais Walter Braga
Netto e Luiz Eduardo Ramos.
Na economia, não houve nenhuma grande contraposição com
o grande empresariado. Pelo contrário, os oficiais generais trataram
de azeitar as relações do governo com o grande capital. Dois exem-
plos são a política de preços da Petrobras, quando essa foi presidida
pelo general Silva e Luna, e a defesa dos interesses do agronegócio,
dentro e fora do Brasil, como pode-se observar de várias declarações
● 151 ●
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Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
● 154 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
(96) https://g1.globo.com/politica/blog/valdo-cruz/post/2022/11/29/ministro-da-defesa-
e-comandantes-das-forcas-armadas-devem-anunciados-na-proxima-semana.ghtml
(97) https://economia.uol.com.br/noticias/estadao-conteudo/2021/09/01/silva-e-
luna-militariza-cupula-da-petrobras.htm
(98) https://oglobo.globo.com/economia/embaixador-dos-eua-alerta-que-se-brasil-
permitir-chinesa-huawei-no-5g-enfrentara-consequencias-24555785
(99) https://www.istoedinheiro.com.br/brasil-nao-teme-consequencias-em-
disputa-por-5g-diz-mourao/
(100) https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,ministerio-da-defesa-deve-ter-
mais-dinheiro-do-que-a-educacao-em-2021,70003401862
● 155 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
● 156 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
(103) https://oglobo.globo.com/epoca/denis-r-burgierman/coluna-o-que-vai-
sobrar-do-exercito-brasileiro-24522401
(104) https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2020/07/11/
gilmar-mendes-exercito-esta-se-associando-a-genocidio-na-pandemia.htm
(105) A reforma ministerial no campo da “segurança” e suas consequências
(diplomatique.org.br)
(106) https://veja.abril.com.br/politica/cpi-embate-com-militares-elevou-a-
temperatura-politica-a-niveis-perigosos/
(107) Coronéis pedem saída de Pazuello da Saúde e criticam Bolsonaro - Política
- Estadão (estadao.com.br)
● 157 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
(108) https://opeb.org/2022/07/12/o-que-o-projeto-de-nacao-dos-militares-diz-
sobre-geopolitica-mundial-e-amazonia/
(109) https://opeb.org/2022/06/14/documento-indica-formula-militar-para-
fortalecer-poder-e-visao-de-mundo-na-ditadura/
(110) https://www.gov.br/defesa/pt-br/centrais-de-conteudo/relatorio-das-forcas-
armadas-nao-excluiu-a-possibilidade-de-fraude-ou-inconsistencia-nas-urnas-eletronicas
(111) https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Agosto/forcas-armadas-
inspecionam-codigos-fonte-da-urna-161670
(112) https://www.cnnbrasil.com.br/politica/ministerio-da-defesa-deve-
questionar-ao-tse-seguranca-da-urna-eletronica/
● 158 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
(113) https://www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-2022/eleicoes-2022
(114) https://diplomatique.org.br/bancada-da-bala-foram-eleitos-48-deputados-
policiais-e-militares/
(115) https://diplomatique.org.br/bancada-da-bala-foram-eleitos-48-deputados-
policiais-e-militares/
(116) https://www.gov.br/defesa/pt-br/centrais-de-conteudo/relatorio-das-forcas-
armadas-nao-excluiu-a-possibilidade-de-fraude-ou-inconsistencia-nas-urnas-eletronicas
● 159 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
(117) https://www.defesanet.com.br/gi/noticia/41629/Gen-Ex-Pinto-Silva---
Investidas-Comunistas-para-Tomada-do-Poder-no-Brasil/
(118) https://www.defesanet.com.br/tfbr/noticia/41732/Comentario-Gelio-
Fregapani----No-return-point/
(119) https://istoe.com.br/milhares-protestam-contra-resultado-da-eleicao-no-pais/
(120) https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/11/14/como-ficam-
os-militares-depois-da-vitoria-de-lula.htm
(121) https://www.gazetadopovo.com.br/republica/lula-enfrenta-dificuldades-
para-dialogar-com-militares-na-transicao-entenda-os-motivos/
(122) https://congressoemfoco.uol.com.br/area/governo/forcas-armadas-aceitarao-
com-naturalidade-civil-na-defesa-diz-deputado-general/
● 160 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
(123) https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63912906
(124) https://www.bol.uol.com.br/noticias/2022/12/09/indicacao-lula-jose-mucio-
ministerio-da-defesa.html
(125) https://nuso.org/autor/flavio-rocha-de-oliveira/
● 161 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
● 162 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
● 163 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
● 164 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
● 165 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
● 166 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
Aquisições de defesa
As expectativas no início do Governo Bolsonaro para aquisição
de equipamentos de defesa eram altas (OLIVEIRA et al., 2021, p.
111). Tal otimismo era devido ao passado militar do presidente e sua
frequente exaltação das Forças Armadas (FAs). Assim, se pensava
que acabariam os históricos congelamentos e cortes nos programas
das FAs, que têm como consequências as dificuldades no fluxo de
caixa para a Base Industrial de Defesa (BID). Pode-se afirmar que
as expectativas não foram cumpridas, porém o setor não chegou a
sofrer a catástrofe verificada em outras áreas, especialmente tendo
em perspectiva os anos de pandemia e a forte contração econômica
que se abateu sobre o país. Ou seja, não é a situação imaginada, mas
poderia ser ainda pior, tendo em perspectiva que historicamente em
crises econômicas a defesa sofreu pesados cortes.
Algo que aconteceu em praticamente todos os programas de
defesa foi o prolongamento de prazos, muitas vezes com a estagnação
ou redução das encomendas (Ibid., p. 112), com exceção notável do
programa de aviões de caça FX-2, que além da encomenda de mais
quatro jatos Gripen, negociou-se a aquisição de mais, com lote de
quarenta desses vetores (Nunes, 2022). Nenhum programa que se
encontrava em um estágio mais avançado de execução foi cancelado,
e alguns relevantes começaram a sair do papel (como as fragatas e
navio antártico para a Marinha), mas o mesmo não se pode dizer de
novas iniciativas, como as variantes nacionais dos blindados Guarani
ou novos modelos de aviões militares da Embraer (que quase foi
vendida para a norte-americana Boeing). O saldo para a área ao fim
desses quatro anos é um misto de boas e más notícias, conforme será
apresentado em relação a cada uma das Forças Armadas.
Exército
O Exército Brasileiro (EB) teve como prioridades nos últimos
anos a renovação da sua cavalaria e artilharia, com resultados mis-
tos. Na cavalaria, um escândalo – surpreendentemente de pouca
repercussão – foi a redução da encomenda de blindados Guarani,
de 2.044 unidades para 1.580 unidades, com o prejuízo total de 273
milhões de reais aos cofres públicos, com punições ínfimas para os
responsáveis pelo superdimensionamento do projeto (Neves, 2021).
O programa então passou por uma grande reestruturação, variantes
● 167 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
(136) CAIAFA, Roberto. Brasil assina com Iveco a compra de 32 LMV blindados
4x4. Infodefensa, [S. l.], 13 nov. 2019. Disponível em: https://www.infodefensa.com/
texto-diario/mostrar/3127282/brasil-assina-com-iveco-compra-32-lmv-blindados-
4x4. Acesso em: 1º dez. 2022.
(137) CAIAFA, Roberto. Brasil selecciona al Centauro II como su nuevo vehículo
de combate sobre ruedas 8x8: El blindado italiano supera al LAV 700 AG de General
Dynamic Land Systems y al ST1-BR de la china Norinco. Infodefensa, [S. l.], 25 nov.
2022. Disponível em: https://www.infodefensa.com/texto-diario/mostrar/4086633/
centauro-2-ganador-licitacion-vbc-cav-8x8-ejercito-brasileno. Acesso em: 1º dez. 2022.
(138) CAIAFA, Roberto. Brasil avalia as capacidades da versão Engenharia da
armadura Guarani: Esses veículos blindados permitirão a execução de obras de
engenharia técnica em apoio às Brigadas Mecanizadas do Exército Brasileiro.
Infodefensa, [S. l.], 20 set. 2022. Disponível em: https://www.infodefensa.com/
texto-diario/mostrar/3893526/brasil-realiza-testes-integraco-e-funcionalidade-do-
guarani-6x6-engenharia. Acesso em: 1º dez. 2022.
(139) BASTOS JR., Paulo Roberto. Anunciada exportação do Guarani para Gana.
Tecnologia & Defesa, [S. l.], 6 jul. 2021. Disponível em: https://tecnodefesa.com.br/
anunciada-exportacao-do-guarani-para-gana/. Acesso em: 1º dez. 2022.
(140) BASTOS JR., Paulo Roberto. Entregues os primeiros Guarani para as Filipinas.
Tecnologia & Defesa, [S. l.], 30 jun. 2022. Disponível em: https://tecnodefesa.com.
br/entregues-os-primeiros-guarani-para-as-filipinas/. Acesso em: 1º dez. 2022.
(141) FONTES, Stella. Avibras busca saída para dívidas de R$ 640 milhões. Valor
Econômico, São Paulo, 22 mar. 2022. Disponível em: https://valor.globo.com/
empresas/noticia/2022/03/22/avibras-busca-saida-para-dividas-de-r-640-milhoes.
● 168 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
Marinha
A Marinha do Brasil (MB), na área de submarinos, embora ainda
padeça da extrema lentidão e falta de transparência do seu programa
nuclear (dentro daquilo que pode ser publicamente informado numa área
tão estrategicamente sensível, como a nuclear), realizou a incorporação
do primeiro submarino convencional da classe Scorpenè(143), rebatizado
no Brasil como Classe Riachuelo ao serviço ativo, enquanto o segundo
está em testes de aceitação. Não obstante, preocupa a falta de novas enco-
mendas brasileiras. A se manter essa situação de falta de novas compras
desses vasos de guerra, a sustentabilidade financeira de toda a estrutura
técnica e industrial para a manutenção do programa ficará insustentável.
Iniciou-se a construção da primeira de quatro novas fragatas
leves encomendadas junto à alemã ThyssenKrupp Marine Systems
(TKMS), baseadas na classe MEKO A-100, e batizadas pela Marinha
de Classe Tamandaré(144), e foi fechado o contrato para a construção
de um novo navio de apoio antártico(145), além da aquisição de equi-
● 169 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
Força Aérea
A Força Aérea Brasileira (FAB), apesar dos avanços nos programas
FX-2, com o recebimento dos primeiros caças e a encomenda firme de
mais quatro junto ao lote inicial de 36, sofreu um substancial recuo em
outras áreas. Um exemplo é a redução, por parte da FAB, da encomenda
de cargueiros KC-390 de 28 para 19 aeronaves(147). Todavia, a Embraer
conseguiu exportar a aeronave para Hungria (dois aviões), Portugal (cin-
co aviões) e Holanda(148) (cinco aviões). A encomenda por três membros
da Otan é um forte sinal de reconhecimento das capacidades do vetor
brasileiro, em que pese o fato de ele não ter se tornado um campeão de
vendas no mercado internacional. Outros pontos de descontinuidade
entre a FAB e a Embraer foram os rompimentos da cooperação com a em-
presa para desenvolver novas aeronaves de transporte leve e drones(149).
Considerações finais
No Brasil, as Forças Armadas são um desafio para o governo
civil. Esse desafio aumenta ainda mais se o governo é de esquerda,
dado a histórica combinação entre conservadorismo e poder de tutela
sobre os poderes civis da república.
● 170 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
● 171 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
Bibliografia
‘Brasil parece estar do outro lado’, diz porta-voz da Casa Branca so-
bre viagem de Bolsonaro à Rússia. G1, 2022. Disponível em: <https://
g1.globo.com/mundo/noticia/2022/02/18/brasil-parece-estar-do-outro-la-
do-de-onde-esta-a-maioria-da-comunidade-global-diz-porta-voz-da-ca-
sa-branca-sobre-viagem-de-bolsonaro-a-russia.ghtml>
● 172 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
com.br/interna/0,,OI5038071-EI6578,00-Jarbas+Passarinho+Nunca+pu-
de+suportar+Jair+Bolsonaro.html. Acesso em: 25 nov. 2022.
LENTZ, Rodrigo. “É a volta dos que não foram”, diz pesquisador sobre
militares no governo Bolsonaro. [Entrevista concedida a Vansconcelo
Quadros]. Pública: agência de jornalismo investigativo, São Paulo, julho
2022. Disponível em: https://apublica.org/2022/07/e-a-volta-dos-que-
-nunca-foram-diz-pesquisador-sobre-militares-no-governo-bolsonaro/.
Acesso em: 21 nov. 2022.
MOTORYN, Paulo. Comitiva de Bolsonaro na Rússia teve 32 militares e
custo de até R$ 37 mil por pessoa. Brasil de Fato, 2022. Disponível em:
<https://www.brasildefato.com.br/2022/03/02/comitiva-de-bolsonaro-na-
-russia-teve-32-militares-e-custo-de-ate-r-37-mil-por-pessoa>
NEVES, Rafael. TCU PREPARA ABSOLVIÇÃO DE GENERAIS DO
EXÉRCITO QUE QUEIMARAM R$ 273 MILHÕES EM NEGÓCIO
BILIONÁRIO: Técnicos do tribunal descobriram ‘erros grosseiros’ em
contrato de mais de R$ 5 bilhões para a compra de blindados. Prejuízo
não pode ser recuperado.. The Intercept Brasil, [S. l.], 29 jun. 2020.
Disponível em: <https://theintercept.com/2020/06/29/tcu-prepara-pizza-
-prejuizo-273-milhoes-exercito/>. Acesso em: 1º dez. 2022.
NUNES, Roberta et al. No Dia da Aviação de Caça FAB ganha mais 4 ae-
ronaves F-39 Gripen: Durante a solenidade o Comandante da Aeronáutica
anunciou a aquisição de mais quatro F-39 Gripen pela FAB e a possibili-
dade de mais um lote dessas aeronaves. Agência Força Aérea, [S. l.], 22
abr. 2022. Disponível em: <https://www.fab.mil.br/noticias/mostra/38957/
DIA%20DA%20AVIA%C3%87%C3%83O%20DE%20CA%C3%87A%20
-%20No%20Dia%20da%20Avia%C3%A7%C3%A3o%20de%20Ca%-
C3%A7a%20FAB%20ganha%20mais%204%20aeronaves%20F-39%20
Gripen.> Acesso em: 1º dez. 2022.
OLIVEIRA, Eliane. Declaração de secretário de Defesa dos EUA contra
China reflete ‘preconceitos ideológicos’, afirma embaixada chinesa. O Glo-
bo. Disponível em: < https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2022/07/
declaracao-de-secretario-de-defesa-dos-eua-reflete-preconceitos-ideolo-
gicos-afirma-embaixada-da-china.ghtml>
OLIVEIRA, Flávio Rocha de, et al. Forças Armadas e Política Externa no
Governo Bolsonaro. In: BERRINGER, Tatiana; MARINGONI, Gilberto;
SCHUTTE, Giorgio Romano. As Bases da Política Externa Bolsonarista:
● 173 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
● 174 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
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A política externa no programa dos
candidatos à presidência em 2022
O plano de Bolsonaro
O programa do candidato Jair Bolsonaro (PL) está dividido em
quatro grandes seções, nas quais apresenta valores e princípios do
seu governo, fundamentação estratégica, plano de governo e conclu-
sões. Apesar de aspectos relacionados a política externa e relações
internacionais aparecerem em vários momentos do texto, é na seção
3.6, “Segurança e Geopolítica”, que existe um tópico exclusivo para
política externa e defesa nacional.
O plano parte de uma análise da conjuntura internacional em
que se destaca a crise inflacionária e energética, especialmente face
aos impactos da guerra da Ucrânia e da pandemia, e um cenário no
qual as necessidades de desenvolvimento sustentável, em que se
conecta preservação do meio ambiente e crescimento econômico, são
consideradas tendências. O diagnóstico de como o Brasil encontra-se
nesse cenário, contudo, é fantasioso. A avaliação exposta no progra-
ma é de que tanto as políticas domésticas como as internacionais
perseguidas por Bolsonaro no 1primeiro mandato fortaleceram o
Brasil diante desse cenário.
● 176 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
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Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
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Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
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Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
O plano de Lula
O programa de governo do candidato Luís Inácio Lula da
Silva (PT) é bem sucinto e não possui seção específica para abordar
a política externa e relações internacionais, apresentando suas
propostas para estes temas de forma interligada aos desafios mais
gerais do desenvolvimento nacional.
Por sua vez, as ideias de política de desenvolvimento nacio-
nal expostas no programa partem da premissa de necessidade de
conciliação entre crescimento econômico e respeito a questões so-
cioambientais, com reconhecimento da necessidade de combater as
mudanças climáticas e o aquecimento global, bem como respeitar
os Direitos Humanos. Parte-se da pressuposição, conforme expõe-se
no programa, de que a conjuntura internacional atual tem sido ca-
racterizada pela transição energética e digital e pela emergência de
novas formas de produção e consumo mais social e ambientalmente
sustentáveis. O programa identifica que o Brasil, por sua importância
no cenário internacional, considerando seu histórico de protagonismo
em negociações ambientais e na política multilateral, bem como sua
articulação junto a Estados dependentes, pode dar grande contribui-
ção nessa conjuntura. Contudo, destaca-se que o Governo Bolsonaro
tem atuado na contramão dessas tendências internacionais e mitigado
o papel que o Brasil pode ter nesse cenário.
Para corrigir esses rumos, é possível perceber no programa três
linhas de ação. A primeira relaciona-se ao combate das assimetrias
estruturais do sistema internacional. Considera-se que é necessária
uma política que lute por uma nova ordem global comprometida
com “o multilateralismo, o respeito à soberania das nações, a paz,
a inclusão social e a sustentabilidade ambiental, que contemple as
necessidades e os interesses dos países em desenvolvimento, com
novas diretrizes para o comércio exterior, a integração comercial e
as parcerias internacionais”. Ao citar esses elementos, o programa
deixa implícita a avaliação de que o sistema atual não está com-
prometido com eles. No entanto, a proposta de Lula não detalha
como o Brasil atuará para mudar isso, nem menciona sobre a par-
ticipação do país em organizações internacionais (como a ONU e
a OMC, por exemplo).
A segunda linha de ação externa, que complementa essa primei-
ra, é a retomada da política externa altiva e ativa, que pressupõe o
● 180 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
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Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
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Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
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Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
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Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
bem como o papel que o país pode ter na transição energética por
possuir uma matriz limpa, renovável, segura e barata. Uma con-
tradição, contudo, é a premissa assumida pela candidata de que
o “setor produtivo brasileiro – e o agro em particular – já produz
com sustentabilidade e responsabilidade”, o que se choca com a
realidade brasileira.
A terceira frente das propostas da candidata destaca a integra-
ção regional e o multilateralismo como aspectos estratégicos para
a inserção internacional brasileira. Assume-se o compromisso de
“reforçar a integração latino-americana, aprofundando acordos
já existentes e negociando novos acordos”, com destaque para a
necessidade de promover “a integração física e os investimentos
em infraestrutura na América do Sul”. Contudo, não se apontam
formas de fazer isso, lembrando-se que o papel do BNDES, que
poderia contribuir para financiar essa proposta, não contempla
tais atuação no plano de Tebet. Sobre o Mercosul, é perceptível
que é entendido como aspecto importante para o Brasil que deve
ser consolidado e aprofundado a partir de “ações voltadas para a
liberalização do comércio de bens e serviços e dos movimentos de
pessoas e de capitais entre os sócios do bloco”.
Com relação ao multilateralismo, o texto destaca a impor-
tância da atuação do Brasil na OMC para fomentar um “sistema
multilateral de comércio mais aberto e menos discriminatório”, a
necessidade de o país “engajar-se nas discussões de grupos pluri-
laterais dos quais o Brasil participa, tais como G-20 e Brics, com
vistas ao fortalecimento do multilateralismo”, e elenca-se ainda a
urgência de o país “recuperar o prestígio da diplomacia brasileira
nos diversos foros internacionais, intensificando a participação do
país nos trabalhos das Nações Unidas”, com destaque para ações
que visem “ (1) mitigar as mudanças climáticas; (2) promover o
desenvolvimento sustentável; (3) garantir a paz e a segurança
internacionais; (4) combater o tráfico de armas e de drogas, a cor-
rupção, o terrorismo e a guerra cibernética, entre outras questões
globais; e (5) reformar a Carta da ONU e ampliar seu Conselho de
Segurança”. Em tais ações propostas fica patente o entendimento
de que o Brasil deve focalizar sua vocação universalista da PEB e
de defesa do multilateralismo.
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Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
Outros pontos
Um aspecto que chama atenção em todos os planos de governo é
que os quatro assumem que é possível superar a dicotomia que opõe
o crescimento econômico à proteção do meio ambiente e Direitos
Humanos. Todos os candidatos apresentam propostas que pressu-
põem ser possível, de um lado, respeitar minorias e comunidades
locais, e recuperar e preservar ecossistemas, e de outro, promover o
crescimento econômico e a exploração de minérios, agropecuária e de
outros recursos naturais, bem como o desenvolvimento da estrutura
produtiva industrial. Contudo, nenhum candidato – para além de
afirmar que é possível essa conciliação – de fato diz como vai fazer.
Esse é um ponto importante, pois na proposta de todos os candidatos
se percebe que há a expectativa de se explorar internacionalmente o
papel que o Brasil pode ter para a mudança energética e como líder
em negociações ambientais.
Outro ponto que falta no plano dos candidatos é especificar a
forma como o Brasil deve atuar com relação a parceiros específicos.
Em especial, nota-se que o plano de nenhum dos quatro candidatos
tratou das relações Brasil-China, que são tema de debate e embate no
país, sendo esta o principal parceiro comercial, pois tem uma forte
presença na América Latina hoje, competindo com produtos e empre-
sas brasileiras e avançando em investimentos em setores estratégicos
como o setor de energia e infraestrutura. É mister pensar em como
lidar como esse Estado, que a despeito desse quadro desvantajoso, é
um parceiro importante na defesa do multilateralismo e na construção
de uma ordem multipolar, especialmente porque pode contribuir no
sentido de a América do Sul alcançar maior margem de manobra em
relação aos Estados Unidos.
De modo geral, as candidaturas de Jair Bolsonaro e de Simone
Tebet apostam em um programa neoliberal, pautado na desesta-
tização e no acesso do Brasil à OCDE, cuja meta (já frustrada nos
anos 1990 e desde 2016) é atrair investimento externo via acordos
comerciais (desvantajosos), assumindo-se que o papel do Estado é
de mero coadjuvante do desenvolvimento. Tebet diferencia-se de
Bolsonaro por defender o desenvolvimento sustentável de maneira
mais inovadora e profunda, e pelo fato de que contra os planos de
Bolsonaro pesa a descrença, com base na realidade de seus quatro
anos de governo, de que sairão minimamente do papel.
● 186 ●
Pragmatismo irresponsável: Política externa e inserção internacional do Brasil no Governo Bolsonaro
Considerações finais
O centro da questão é a percepção ajustada das realidades locais
e internacionais e o papel no Brasil nesse contexto. É possível imaginar
duas estratégias que se localizam em campos opostos: de um lado,
uma de subordinação e alinhamento ao imperialismo seguindo as
diretrizes internacionais; de outro, a busca por autonomia, protago-
nismo e investimento na construção de uma nova ordem internacional
na qual Brasil e a América do Sul podem ocupar outro papel. Olhando
para a estratégia dos candidatos, a de Lula e talvez a de Ciro (o julga-
mento de sua estratégia é prejudicado pela falta de informações sobre
o que pretende fazer em termos de relações internacionais) – estariam
mais próximas de uma busca de autonomia. Ambos vislumbram a
recuperação do papel do Estado, de seus mecanismos de intervenção
pública, das empresas estatais e setores estratégicos que podem atuar
para diminuir a vulnerabilidade e a necessidade de subordinação do
Estado aos interesses estrangeiros, pelo menos à medida que isso for
possível para um país dependente como o Brasil. Lula, em especial,
pretende usar o multilateralismo e as relações Sul-Sul como forma
de contornar as assimetrias internacionais.
● 187 ●
Ana Tereza Marra, Gilberto Maringoni e Giorgio Romano Schutte (Organizadores)
● 188 ●
O
Observatório de Política Externa e Inserção
Internacional do Brasil (OPEB) configura-se
como um projeto de extensão da Universida-
de Federal do ABC (UFABC) e nasceu em 2019 como
fruto de um esforço conjunto de docentes, discentes e
militantes da área de Relações Internacionais. Seus ob-
jetivos são analisar e debater, de forma democrática,
crítica e sistemática, as variadas faces das relações do
Brasil com o mundo. O OPEB publica quinzenalmente
uma newsletter com reflexões sobre o tema, e sua assi-
natura pode ser solicitada em opeb.org
ISBN
ISBN978-65-5412-318-1
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